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abstracts

português
"Red Light City", de Tsaiher Cheng, discute a correspondência entre a geografia da prostituição com a morfologia e a dinâmica das cidades, evidenciando o processo de expulsão das trabalhadoras sexuais via projetos de renovação.

english
"Red Light City", by Tsaiher Cheng, discusses the correspondence between the geography of prostitution and the morphology and dynamics of cities, highlighting the process of expulsion of sex workers through renovation projects.

español
"Red Light City", de Tsaiher Cheng, discute la correspondencia entre la geografía de la prostitución con la morfología y la dinámica de las ciudades, evidenciando el proceso de expulsión de las trabajadoras sexuales a través de proyectos de renovación.

how to quote

PENA, João Soares. Red Light City. Relações entre prostituição e urbanismo na cidade contemporânea. Resenhas Online, São Paulo, ano 18, n. 209.05, Vitruvius, maio 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/18.209/7354>.


Red Light District em Amsterdã, na Holanda
Foto Antony Stanley/ Creative Commons

Neste livro a arquiteta e urbanista taiwanesa Tsaiher Cheng (1) apresenta como discussão central a relação entre a prostituição – trabalho sexual – e o espaço urbano. Parte-se do entendimento que isto é uma via de mão dupla, ou seja, não apenas a indústria do sexo é afetada pelas políticas urbanas como também desempenha um papel importante para a forma urbana, a organização espacial e dinâmica das cidades. Dividido em oito capítulos, o livro dedica cinco deles à análise de cidades específicas: Hong Kong, Taipei, Montreal, Antuérpia e Amsterdã e cada uma delas é analisada por um estudioso local. Assim, apesar de Tsaiher Cheng ser a principal autora do livro, a publicação conta ainda com os textos de Jung-Che Chang, Magdalena Sabat, Maarten Loopmans e Manuel Aalbers e Hans Ibelings, autor do prefácio. Ainda, Cheng também apresenta uma análise da tipologia dos bordéis do red light district de Amsterdã e sintetiza os modelos de organização da indústria do sexo nas cidades.

No primeiro capítulo, “An intense struggle in urban renew processes”, Cheng explica que os red light districts são áreas voltadas ao sexo, cujas atividades costumam ser conhecidas para além de seus limites. Contudo, cada zona é diferente, pois sua organização depende de vários aspectos, entre eles a morfologia urbana, a localização e o enquadramento legal do trabalho sexual. Com relação a este último aspecto, a autora esclarece que há quatro tipos de sistemas de regulação do trabalho sexual: a) quando o trabalho sexual é legal e regulado; b) quando o trabalho sexual é legal, mas estabelecimentos como bordéis são ilegais; c) quando o trabalho sexual é ilegal, mas o/a trabalhador/a sexual não é considerado criminoso/a; d) quando o trabalho sexual é ilegal.

Muitas cidades têm investido em renovações urbanas em suas áreas centrais e os locais onde se concentra o comércio sexual tem sido alvo dessas intervenções “Do ponto de vista da marca e do marketing da cidade, as cidades têm que se retratar como locais seguros e limpos, e as red light zones são inconsistentes com essa imagem” (2).

Cheng aponta a gentrificação tanto como estratégia quanto como elemento decorrente desses processos de renovação urbana nas cidades analisadas. Otília Arantes assinala que denominações como renovação, revitalização, reabilitação, requalificação etc. visam encobrir discursivamente a gentrificação pretendida com a “invasão e reconquista, inerente ao retorno das camadas afluentes ao coração das cidades” (3). Assim, as áreas centrais onde a indústria do sexo se faz presente passam a estar na mira dos interesses econômicos e ela se vê forçada a se reorganizar, a reduzir sua presença e/ou migrar para outras localizações onde haja menos resistência ao seu estabelecimento.

A primeira cidade a ser analisada é Hong Kong, importante centro urbano na Ásia, onde atualmente o trabalho sexual é descriminalizado, mas a sua organização e a participação de terceiros é ilegal. Tsaiher Cheng explica que as mudanças no enquadramento legal do comércio de sexo foram importantes para a configuração do setor ao longo do tempo. Legal e regulado entre 1879 e 1932, a indústria do sexo concentrava-se na área portuária onde marinheiros costumavam buscar diversão. Posteriormente, até os anos 1990, o trabalho sexual era ilegal e majoritariamente organizado por gangsters. Caracterizada pelo seu uso misto, a partir dos anos 2000 a área passou por um rápido processo de renovação urbana com investimento de mais de 1 bilhão de dólares. Isto provocou mudanças relevantes no contexto da indústria do sexo que modernizou seus edifícios em busca de clientes mais abastados, além de parte das trabalhadoras terem sido empurradas para outras áreas. Atualmente, ainda há bordéis na área tradicional, mas eles estão cada vez mais dispersos e escondidos no tecido urbano.

No caso de Taipei, capital de Taiwan, Jung-Che Chang explica que a cidade busca atrair investimentos para realizar renovação urbana e para isso tem usado ferramentas especiais que possibilitam a negociação de potencial construtivo adicional. Segundo Chang, isto acelera o processo de demolição e renovação do centro antigo, onde se concentravam as zonas de prostituição e outros negócios ligados ao sexo, segundo o consenso de que a construção e o mercado imobiliário devem liderar crescimento econômico do país.

"O projeto de regeneração urbana privada está prestes a transformar dramaticamente as geografias de regulação criadas pelo policiamento da prostituição nessas áreas. A intenção geral é gentrificar a comunidade removendo qualquer evidência histórica que possa provar a existência anterior de uma indústria do sexo nesta área, constituída por profissionais do sexo e seus associados, seus locais de trabalho e residências, suas histórias pessoais e coletivas e suas agonias e ativismo" (4).

Desse modo, a prostituição é apontada como ameaça e aspecto negativo para os condomínios fechados (gated communities) a serem implantados. Além da ação do poder público e do capital privado, residentes têm tido sucesso em suas tentativas de transformar os prédios nesses condomínios devido à sua insatisfação com a presença de trabalhadoras do sexo que atuam nesses locais. Apesar de acreditar que a renovação urbana afetará decisivamente a indústria do sexo, Chang revela que “de fato, as trocas de sexo em Taiwan sempre sobrevivem fora do sistema de licenciamento e contra as estratégias de zoneamento”(5), ou seja, a resistência é o fio de esperança para haver um amanhã.

Magdalena Sabat discute o caso de Montreal, no Canadá, cidade com uma significativa e diversificada indústria do sexo. Apesar de bordéis não serem legalizados, o trabalho sexual é exercido em bares, saunas, casas de massagem etc. espalhados pela cidade. Embora se concentrasse na área central, iniciativas da administração municipal foram exitosas em desestruturar a tradicional zona, provocando uma dispersão do comércio sexual na cidade em direção aos subúrbios. Onde antes estava o red light district atualmente dá lugar ao novo Entertainment District, um grande projeto de renovação tendo arte e cultura como pilares. Conforme afirma a autora, “a gentrificação via instituições culturais e o desenvolvimento residencial privado transformou visivelmente a parte ocidental da Saint Catherine Street em uma área comercial e turística tradicional” (6). A intervenção visou transformar essa área em um local mais sofisticado destinado ao turismo e a cultura. Hoje, permanecem aí clubes e outros estabelecimentos voltados ao sexo compatíveis com a renovação pretendida, enquanto a prostituição de rua e outros elementos da indústria do sexo se consolidam dispersos nos subúrbios.

Na Bélgica Maarten Loopmans analisa o caso da Antuérpia, onde atualmente há um importante red light district. Um dos mais antigos reg lights da Europa localizava-se no Schipperskwartier – em alusão aos marinheiros que frequentavam a área portuária – porém a área sofreu intervenções urbanas que mudaram completamente sua configuração. Após a pressão pela renovação urbana, os investimentos públicos e privados e a consequente gentrificação da área central, boa parte da antiga zona de prostituição passou a ser transformada em área residencial e conta com a presença de cafés e restaurantes caros. Hoje em dia, a prostituição concentra-se em apenas três ruas que passaram por renovação em decorrência de um plano aprovado em 1999 com o intuito de regular a atividade (7). Oficialmente, o trabalho sexual só pode ser exercido nessa zona de tolerância, mas estabelecimentos em outras áreas são tolerados desde que sejam discretos, invisíveis. A nova área, renovada e higienizada, tem exigências que precisam ser atendidas para que os bordéis funcionem, além disso um centro médico e um posto policial foram instalados no meio da zona. O autor explica que em 2007 a área já havia mudado completamente, deixando para trás a mistura, a desordem e a precariedade, tornando-se um bairro elegante e altamente regulado.

A última cidade a ser abordada é Amsterdã que, merecidamente, ocupa dois capítulos do livro, os quais escritos por Manuel Aalbers e Tsaiher Cheng. Segundo Manuel Aalbers o red light district de Amsterdã distingue-se de outras afins pela sua grande visibilidade, pela estética empregada pelas trabalhadoras do sexo e pela mistura de serviços oferecidos na área. Localizado numa das partes mais antigas da cidade, o red light district é um dos principais atrativos de Amsterdã, sendo associado à idéia de uma cidade progressista, liberal e tolerante. O status legal do trabalho sexual na cidade variou entre a proibição de bordéis, a “tolerância regulada” e a legalização em 1999. Esta área tem sofrido mudanças significativas devido ao lançamento do Plano 1012, em 2007, sob o argumento de que era preciso combater a criminalidade na área. Para isso, o projeto visava o fechamento de bordéis, coffee shops e outros negócios ligados ao sexo e substituí-los por novos empreendimentos como restaurantes caros, lojas, indústria criativa etc. A iniciativa, que teve o apoio de empresas privadas – como o luxuoso Hotel Krasnapolsky – busca fazer uma limpeza na área no intuito de melhorar a imagem do centro e atrair novos investimentos, além de mudar o perfil dos turistas. Aalbers conclui afirmando que o plano não vai beneficiar as trabalhadoras sexuais – negando-lhe o direito à cidade – porém pretende criar um ambiente favorável para investidores numa área extremamente preciosa em termos urbanos, locacionais e culturais.

A noite do Red-Light district em Amsterdã, Holanda
Foto LeDeuxAlpe/ Creative Commons

Em seguida Tsaiher Cheng faz uma análise do red light district em Amsterdã considerando a configuração espacial, a tipologia dos edifícios que abrigam os bordéis e a geografia da prostituição. Além disso, a autora aborda algumas questões concernentes ao processo de renovação instaurado pelo Plano 1012. Parte do imaginário coletivo dos turistas internacionais, o red light district é composto não apenas pelas trabalhadoras sexuais nas vitrines (ou janelas), mas também outros serviços ligados à indústria do sexo, bares e meios de hospedagem. Além disso, muitas pessoas moram na área e convivem com essa atmosfera de diversidade. Em relação à intervenção, a autora aponta dois caminhos chamados de rotten urbanism e gentrified urbanism (8). Ainda, seria possível ocupar os andares superiores vazios e manter a atividade sexual no térreo a partir do que ela chamou de urbanismo inclusivo. A autora finaliza apresentando algumas iniciativas da prefeitura para impulsionar a indústria criativa, mas também o protesto realizado em 2015 que foi organizado pela associação de trabalhadoras sexuais (Global Network of Sex Work Projects – Proud) em defesa de seus postos de trabalho. Como resposta ao protesto, o prefeito lançou um projeto para a abertura de um bordel gerido pelas próprias trabalhadoras, o qual atualmente chama-se My Red Light.

A partir dos diversos casos analisados, Tsaiher Cheng discute os modelos de organização espacial da prostituição que são mais amplamente encontrados nas cidades. Assim, a autora define cinco modelos recorrentes: a) concentração de bordéis de janela, bastante presente onde o trabalho sexual é legalizado como em cidades na Bélgica, Alemanha e Holanda; b) bordéis distribuídos no tecido urbano segundo regras de localização, como no caso de Sidney; c) localização dispersa na cidade, quando um(a) trabalhador(a) exerce o trabalho sexual independentemente em um imóvel em qualquer área da cidade, como pode ser encontrado no Reino Unido e Hong Kong; d) lugares de trabalho sexual sob o disfarce de outro tipo de atividade, como casas de massagem e salão de beleza, porém podem ser encontrados tanto onde o trabalho sexual é legal quanto onde é ilegal. Neste caso, Cheng aponta a presença deste modelo em Amsterdã, Hong Kong, Leste Asiático e Chinatowns na Europa; e) quando a abordagem inicial e a efetivação do serviço acontecem em locais distintos, ou seja, o contato inicial pode se dar num bar e posteriormente o/a trabalhador(a) sexual e o cliente seguirem para um hotel, por exemplo. Este tipo de organização está presente em quase todas as cidades, prevalecendo no caso de Montreal.

Apesar de localizadas em distintos países e, consequentemente, com contextos culturais, sociais, políticos e jurídicos diversos, Hong Kong, Taipei, Montreal, Antuérpia e Amsterdã apresentam alguns elementos em comum no processo de mudanças em suas zonas tradicionais de prostituição. Em todas elas o red light district localizava-se na porção central da cidade, tendo sofrido retração ou mesmo deslocamento para outra área devido à atenção e aos interesses diversos que se voltaram para o centro. Isto se deu com a participação do capital privado, mas também com grande participação das administrações municipais tanto pela injeção de dinheiro público quanto pela mobilização do urbanismo – ou do planejamento urbano – como dispositivo para viabilizar as renovações urbanas pretendidas. Além de evidenciar a estreita relação entre a geografia da prostituição com a morfologia e a dinâmica das cidades, as análises apontam para um processo em comum entre essas cidades que diz respeito à expulsão das trabalhadoras sexuais das zonas tradicionais de prostituição e ao apagamento de sua existência via projetos de renovação. Tsaiher Cheng finaliza com uma crítica aos urbanistas dizendo que eles deveriam contribuir para o entendimento de que as zonas de prostituição podem estar mais integradas no tecido urbano. Para ela, “todo mundo é dono da cidade, e ninguém deve ser excluído de participar da conversa sobre o que a cidade é e o que ela poderia ser” (9).

Museu Red Light Secrets em Amsterdã, Holanda
Foto Cleme1aj/ Creative Commons

notas

1
Tsaiher Cheng nasceu em Taiwan e estudou nos Estados Unidos e na Holanda. Neste último país, realizou seu mestrado em arquitetura no Berlage Institute. Atualmente é professora visitante no departamento de arquitetura da National Chengkung University, em Taiwan.

2
“From the perspective of city branding and marketing, cities have to portray themselves as saf and clean places, and the red light zones are inconsistent with that image". CHENG, Tsaiher. Red Light City. Montreal/ Amsterdã, The Architecture Observer, 2016, p. 14.

3
ARANTES, Otília. Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Erminia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, 2000.

4
"The private urban regeneration project is about to dramatically transform the geographies of regulation created by the policing of prostitution in this neighbourhood. The general intention is to gentrify the community by removing any historical evidence that can prove the former existence of a sex industry in this area, be it sex workers and their associates, their workplaces and living quarters, their personal and collective histories, and their agonies and activism". CHENG, Tsaiher. Op. cit., p. 41.

5
“In fact, sex trades in Taiwan have always survived outside the licensing system and against zoning stragegies”. CHENG, Tsaiher. Op. cit., p. 39.

6
“Gentrification via cultural institutions and private residential development has visibly transformed the western part of Saint Catherine Street into a mainstream comercial and tourist area”. CHENG, Tsaiher. Op. cit., p. 56.

7
O plano foi elaborado por uma empresa de consultoria holandesa, reafirmando a importância da Holanda não apenas na indústria do sexo, mas também por conta de sua experiência na regulação do trabalho sexual.

8
Segundo Tsaiher Cheng, a partir do rotten urbanism os próprios donos de bordéis teriam a oportunidade de investir na área para atender à demanda. Já a segunda alternativa – gentrified urbanism – seria o resultado da implantação do Plano 1012 e a consequente redução do número de bordéis e a concentração dos remanescentes numa das ruas do bairro.

9
“Everybody owns the city, and nobody should be excluded from taking part in the conversation as to what the city is and what it could become”. CHENG, Tsaiher. Op. cit., p. 133.

sobre o autor

João Soares Pena é urbanista graduado pela Universidade do Estado da Bahia – Uneb, doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Atualmente é analista técnico de Urbanismo do Ministério Público do Estado da Bahia MP-BA.

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Red Light City

Red Light City

Tsaiher Cheng

2016

209.05 renovação urbana e gentrificação
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