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reviews online ISSN 2175-6694


abstracts

português
O livro apresenta a pesquisa sobre o Conjunto José Bonifácio para compreender as práticas socioespaciais das moradoras à luz da história da produção do espaço.

english
The book presents a research on the José Bonifácio Housing Complex to understand the socio-spatial practices of the women residents in the light of the history of space production.

español
El libro presenta una investigación sobre el Complejo de Viviendas José Bonifácio para comprender las prácticas socioespaciales de las mujeres residentes a la luz de la historia de producción del espacio.

how to quote

GONZAGA, Terezinha de Oliveira. A produção do urbano que segrega o cotidiano das moradoras do Conjunto Habitacional. Resenhas Online, São Paulo, ano 21, n. 244.02, Vitruvius, abr. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/21.244/8445>.


Nas últimas décadas, a temática “desigualdades de gênero” é cada vez mais presente nos estudos urbanos, resultado da crise urbana capitalista e da demanda dos movimentos sociais, como o de moradia e o feminista. Carolina Alvim de Oliveira Freitas, no livro Mulheres e periferias como fronteiras: o tempo-espaço das moradoras do Conjunto Habitacional José Bonifácio, apoiada por teóricas e teóricos marxistas sobre a questão urbana, desenvolve uma análise do cotidiano das mulheres que moram no Conjunto Habitacional José Bonifácio, em São Paulo. Para tanto, nos traz a voz destas mulheres com contundência, confirmando que o espaço construído pela concertação entre Estado e mercado consolida as desigualdades de classe, de gênero e de raça, especializando as hierarquias sociais. Um dos méritos da autora é a visibilidade espelhada nas falas de mulheres de distintas gerações, já que algumas são jovens e outras são moradoras do Conjunto há quatro décadas.

O pano de fundo é a produção e a reprodução social e a subordinação do espaço urbano e do corpo feminino como vias de acumulação de capital. Ao reconhecer o nó existente entre processos de exploração (do trabalho), opressão (de sexo e raça) e espoliação (urbana, imobiliária e financeira), cuja unidade é tecida pela totalidade, a autora divide o livro em três partes. A primeira contextualiza a história da ocupação e do uso do solo, ou seja, da consolidação da periferia ao longo do tempo. Resgata desde o Plano Urbanístico Básico de 1969 — PUB, que propunha Itaquera como uma área urbana de centralidade regional, até a implantação dos empreendimentos do Programa Minha Casa, Minha Vida e dos lançamentos residenciais privados do segmento econômico do mercado imobiliário nos dias de hoje, passando pelos dilemas de viabilização da Cohab e seu descompasso histórico com a construção da linha do metrô e do trem e com a regularização da situação fundiária da área.

Realça os sentidos das chaves entregues aos beneficiários que almejaram a “casa própria” na periferia sem infraestrutura urbana. Freitas destaca que “O desenvolvimento da região e do Conjunto foi se dando ali desigualmente, mas de maneira combinada com a dinâmica de valorização imobiliária em áreas mais urbanizadas, com preço da terra mais alto”. Explicita os reflexos da desterritorialização e da segregação, a partir das memórias da geração original de mulheres ocupantes dos primeiros apartamentos pelos relatos da pesquisa de campo, oriundas de variados lugares da cidade e da região metropolitana. Identifica no cotidiano e suas escalas — o espaço do Conjunto, do condomínio e do apartamento — a relação de camadas sobre as quais o capital se apropria, mediante a diluição que o real faz do espaço concebido, percebido e vivido pelas moradoras.

A segunda parte, Fronteiras entre as relações de gênero e o urbano, nos brinda um plano teórico que considera pensamentos feministas materialistas e marxistas e a interpretação destes para a compreensão da urbanização dependente brasileira, suas implicações estruturais da sua forma de acumulação em termos de classes, raça, gênero e espaço. Para isso, retoma clássicos sobre a formação social brasileira para compreender o papel das mulheres despossuídas desde a época colonial até o neoliberalismo.

Para indicações sobre o tempo presente, a autora apresenta que o mercado imbricado com o Estado, anulando o tempo pela produção espaço para a reprodução de uma acumulação flexível e urbanizada (como afirmam autores que Freitas discute, como David Harvey e Helena Hirata), determina a permanente desvalorização do trabalho de reprodução social, ainda que seja essencialmente “elemento de formação do lucro”. A campanha neoliberal de incentivo do empreendedorismo feminino aparece como engodo dos baixos salários e de “predicados que garantem sua subalternidade”.

Freitas descreve, por meio de material teórico e empírico, que a mercantilização do trabalho de reprodução social, externalizado e reinternalizado intermitentemente nos âmbitos privado e público, é acompanhada pela perda de direitos e precarização do trabalho, expressas na vida e nos processos particulares (e, ao mesmo tempo, gerais) de despossessão a que mulheres moradoras de periferias urbanas, negras, cuidadoras de idosos, babás, faxineiras etc. estão submetidas nas cidades.

Apoiado pelo trabalho de campo e pelas falas das entrevistadas, a terceira parte do livro enfatiza que um território sem organicidade, sem história paulatina própria, é um espaço em que o domínio masculino, o exercício do papel de “homem da casa” no período do fordismo periférico e tardio de São Paulo, contraditoriamente se associa à deterioração da vida pública. O espaço privado e o espaço público são aí também extensões do controle estatal. E a negação do espaço público, como demonstra o livro, é a negação da troca, da sociabilidade, da política, dos prazeres, dos encontros na dimensão do cotidiano. Mesmo a memória sobre as lutas eminentemente femininas para a implantação de serviços urbanos no Conjunto é algo que desaparece das suas representações formais.

A pesquisa também observa a relação entre a propriedade privada e a pobreza urbana, cuja uma das resultantes é a violência doméstica. Mulheres narram que sabiam quais delas e a que horas apanhavam dos maridos nos outros apartamentos. A violência doméstica é uma expressão da propriedade privada, mas nesse caso vai além: é também a projeção da precariedade da propriedade do apartamento isolado, produto desta pobreza urbana. E a subjugação corpórea da mulher é oriunda da violência a qual foi submetida historicamente pela formação da família nuclear monogâmica e pela divisão sexual que a incumbiu numa posição inferior na hierarquia social.

Trajetos diários de entrevistadas com mais de quarenta anos
Imagem divulgação [Mulheres e periferias como fronteiras]

A autora, inspirada nos escritos de Heleieth Saffioti, lembra que “Estabelecido o domínio de um território, o chefe, via de regra um homem, passa a reinar quase incondicionalmente sobre seus demais ocupantes. O processo de territorialização do domínio não é puramente geográfico, mas também simbólico”. Mas o conjunto é feminino; por boa parte do tempo é uma cidade de mulheres, uma periferia feminina ante um centro masculinizado.

As tensões entre o espaço público e o espaço privado são salientes no livro e ocorrem mediante o esforço de cruzamento entre a cotidianidade, o modo de produção capitalista do espaço e a divisão do trabalho reproduzida pela diferenciação de gênero e raça. Apresenta que a globalização está refletida no local e o local pode servir como indutor de processos de generalização. A privatização filantrópica histórica dos serviços de saúde por meio das Organizações Sociais, a proliferação da sociabilidade espacial e da ética empreendedora das igrejas evangélicas “de garagens”, a construção do estádio Arena Corinthians, o shopping gerido por fundo de investimento dentro da estação de metrô, a tomada feminina do papel de síndicas dos prédios (o condomínio como novo objeto do trabalho da dona de casa), o trabalho precário de creches e cuidados informais no interior dos apartamentos são alguns dos exemplos do espaço flexível, que nuança as diferenças entre público e privado e articula o global e o local por meio do discurso do “progresso urbano”.

Mesmo com a especulação e a valorização imobiliária mais recentemente, o estigma socioespacial da Cohab persiste. A movimentação pendular casa-trabalho, viabilizada pelo metrô e pela reestruturação de ligação viária no centro de Itaquera, é reproduzida; a Cohab segue sendo um “bairro dormitório”, a periferia dentro de Itaquera. E as oposições entre trabalho e não trabalho, entre espaço público e espaço privado, devem ser apreendidas no movimento do real, não como dualismo formal no plano das ideias. Entre as reflexões a esse respeito feitos por Freitas, está a descrição da sensação de adquirir a casa própria sonhada e o sofrimento com o grande vazio espacial que havia no lugar onde os prédios foram construídos, sentido pelas mulheres que trabalhavam em casa ou em bairros vizinhos enquanto os maridos operários trabalhavam em outras regiões industriais da metrópole — algo que muda em termos de formas, funções e estruturas do trabalho e da periferia urbana consolidada do neoliberalismo, como o livro aponta.

Trajetos diários de entrevistadas com menos de quarenta anos
Imagem divulgação [Mulheres e periferias como fronteiras]

Ainda identifica que há uma contradição entre a programação do cotidiano familiar no habitat e a concretude do habitar. A ideia industrial de que o apartamento consolidaria a vida entre casal e filhos esbarra na lógica imperativa da forma espacial, pensada a partir do controle dos corpos habitantes, do domínio qualitativamente distinto aos homens e às mulheres, e se desajusta desta representação ao serem verificadas as transformações na configuração das famílias. Se a tipologia do conjunto habitacional foi, em algum momento, induzida pelo Estado, passa a também ser, depois da ocupação, indutora das relações sociais entre sexos, de modo que aparece como fator determinante para o controle não apenas da classe, mas do sexo feminino da classe, inclusive em sua expressão mais radical que é a violência física.

Constata que, se no início o apartamento era o centro feminino dos encontros para a primeira geração de moradoras, o advento do consumo de smartphone reforça o problema do espaço privado. As mulheres são alvos preferenciais do consumo dirigido, de novas formas de alienação, e de práticas de fragmentação espacial e do trabalho inéditas, que terminam por confinar ainda mais os corpos aos espaços privados de trocas e encontros efetivos, agora programados por meio de algoritmos. A responsabilidade social feminina pela reprodução da vida segue, mas a sociabilidade espacial que as sustentava também se modificam nesse novo contexto. O movimento de choques entre o espaço concreto do cotidiano vivido e o espaço abstrato concebido pela produção da propriedade imobiliária privada dá o tom da reprodução das hierarquias que subjugam mulheres e periferias nos dias de hoje.

O livro, parte da Coleção Caramelo, editada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, dá início a uma série de obras lançadas a cada ano que pretendem contribuir para publicizar a produção acadêmica, buscando discutir e difundir temas emergentes no campo da Arquitetura, Urbanismo e Design.

nota

NA — A obra foi publicada em uma versão impressa e outra digital; e poderá ser baixado gratuitamente clicando aqui.

sobre a autora

Terezinha de Oliveira Gonzaga é arquiteta e urbanista e doutora (FAU USP). Docente na Unifev, coordenadora do Planta Popular e do Tema Favela. Publicou A cidade e arquitetura também mulher: planejamento urbano, projetos arquitetônicos e gênero (Annablume).

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resenha do livro

Mulheres e periferias como fronteiras

Mulheres e periferias como fronteiras

O tempo-espaço das moradoras do Conjunto Habitacional José Bonifácio

Carolina Alvim de Oliveira Freitas

2021

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