Este trabalho visa se debruçar sobre a simulação do espaço urbano nos filmes. Entende-se aqui, no contexto do cinema, simulação como a vivência de uma representação, ou seja, a vivência contínua de um espaço tridimensional em movimento (as imagens cinematográficas que dão a ilusão de volume) a partir de um meio bidimensional (a tela). O espaço, no cinema, é uma representação. Ele representa uma tridimensionalidade a partir da técnica, bem como uma suposta realidade da cidade a partir de conceitos estabelecidos desde a concepção do roteiro até a edição final. O espaço urbano fílmico é também simulação pois induz uma vivência pelo espectador deste espaço, tanto pela técnica quanto pela narrativa. Neste sentido, vale lembrar que o espaço urbano simulado/representado das cidades no cinema é vivenciado no cotidiano urbano e moderno há mais de cem anos (2). É pertinente se questionar, portanto, o quanto este espaço fílmico, dada a imensa popularidade no cinema, pode influenciar a leitura da cidade e da vida urbana “reais”. Através de sua linguagem acessível ao público “leigo”, o cinema oferece uma das mais sedutoras mediações entre a cidade como conceito e a cidade como experiência.
Vivência e significado: espaço, tempo e movimento
O cinematógrafo, invenção dos Irmãos Lumière de 1895, foi conseqüência da secular busca pela assimilação, simulação e reprodução do espaço, originada no Renascimento e naquele momento ainda mais contundente devido ao intenso desenvolvimento tecnológico do século XIX (3). Em sua primeira exibição pública, parte dos espectadores fugiu apavorada com o trem em movimento em sua direção em A chegada de um trem a Ciotat. Estava estabelecida a relação dos espectadores de cinema com o espaço urbano por ele simulado: sabe-se estar diante de um truque, tem-se o conhecimento de não se estar diante de um espaço tridimensional, de figuras humanas, de ambientes construídos, mas a extrema verossimilhança com o modelo real ocasiona uma captura do espectador, que se envolve com o espetáculo cinematográfico e seu espaço (inúmeras vezes o urbano) como se este fosse vivido empiricamente.
Acrescida do tempo, a vivência do espaço fílmico se aproxima ainda mais da experiência empírica. Para Christian Metz (4), nenhuma outra arte captura e envolve tão fortemente o espectador como o cinema, que dá a sensação de se estar diante de um acontecimento real, provocando um processo de participação emocional e sensorial da platéia. Por certo, parte desta impressão de realidade definida pelo autor é conseguida pela combinação do tempo e do espaço, elementos essenciais à linguagem cinematográfica.
Vivência e significado: paisagem
Fora a temporalização do espaço, ainda é necessária uma localização espacial. As tramas dos filmes se passam em algum lugar determinado (imaginário ou geograficamente localizado na realidade). A paisagem é essencialmente a forma visual principal para se indicar a geografia da narrativa (5). Originária dos panoramas (6) do século XIX e fruto da evolução da representação paisagística, a paisagem cinematográfica foi, por certo, a consolidação da “abertura para o mundo” iniciada pelas grandes navegações e hoje difundida pelos cartões postais, anúncios turísticos e pela literatura de viagem (7).
A apresentação de uma paisagem no cinema é, na maioria das vezes, conseguida por um establishing shot, plano que têm como função localizar a ação da trama, orientando o espectador. Para isso são muito importantes os chamados ícones urbanos, referências para as mais diversas cidades. Misto de símbolo cultural e imagem simplificada, o ícone urbano é expressão visual contundente de sua cidade: a Estátua da Liberdade, maior ícone urbano americano, é uma imagem que imediatamente faz a associação à Nova Iorque (como em O planeta dos macacos); o vislumbre da Torre Eiffel leva o observador a reconhecer facilmente Paris (como em Playtime) e a Estação da Luz faz com que se identifique São Paulo (em Urbania).
Em meio a uma narrativa cinematográfica os ícones urbanos podem adquirir contornos dramáticos que vão além da mera localização geográfica. A Estátua da Liberdade, deconstruída e transformada em objeto de macrodesign em Sabotador contribui para o clima claustrofóbico de sua seqüência final. É para lá que Frank Fry (Norman Lloyd) foge em busca da liberdade, representada pelo monumento americano, seu mais hiperbólico símbolo. A pálida Catedral Metropolitana, ícone onde se associam o catolicismo e o fracasso Moderno no Rio de Janeiro, é ironicamente contrastada com a figura de uma prostituta mulata em Para viver um grande amor. O Empire State Building e a Casa Branca, símbolos do poder econômico e político dos EUA, podem revelar-se frágeis: em Independence day ambos são reduzidos a pó pelos raios de uma nave alienígena; em King Kong, o Empire State é facilmente escalado pelo gorila gigante; no remake de 1976, o gorila subiu ao topo do World Trade Center, então o maior edifício do mundo. É o embate constante entre o selvagem e o civilizado, o tradicional e o moderno, o estranho e o conhecido.
Difundidos pelos meios de reprodução que isolam a obra de arte e a paisagem de seus contextos (8), os ícones urbanos têm na paisagem cinematográfica mais um de seus múltiplos meios de expressão, que não só fazem um comentário sobre o significado da cidade como também contribuem para sua difusão.
Vivência e significado: representação
Com status ao mesmo tempo artístico e industrial, o filme não é apenas uma obra de arte: também é um produto para consumo das massas. Por isso, o cinema invariavelmente se torna simplificador e repetitivo. Para Metz, existe uma espécie de filtro invisível entre a ação emitida pela tela de cinema e o receptor sentado à poltrona da sala de exibição. Ele teria sido com o tempo adquirido pela instituição cinematográfica que, objetivando conquistar o público – e obter maior lucro – elegeu os “melhores” assuntos de filmes e, sobretudo, a maneira de representá-los. A esse conjunto de características que supostamente atenderiam àquilo que agrada o público, Metz deu o nome de verossímil cinematográfico (9). Por esta visão, pode-se concluir que existem maneiras “corretas”, “precisas”, “convincentes” e que de alguma forma parecem mais “reais” de se mostrar as cidades no cinema. Há elementos que se apresentam repetidas vezes nos filmes, configurados a partir de signos e símbolos que a platéia está habituada a ver e viver também na cidade concreta. Metz descreve, na verdade, representações, que muitas vezes são formadas por elementos que se repetem em inúmeras outras (pintura, literatura, imprensa, quadrinhos, música etc.), sendo de fácil assimilação pelo público: os chamados clichês.
A análise da chamada metrópole fin-de-siècle, grande novidade e mais interessante atração da virada do século XIX para o XX, com seus arranha-céus gigantescos, sua densa população, suas inovações tecnológicas atraentes e ao mesmo tempo perturbadoras e, principalmente, com seus costumes e modos de vida específicos, fornece grande parte dos subsídios para se entender as muitas representações e clichês urbanos exibidos pela sétima arte.
Característico daquele momento e ainda contínuo, o crescimento desordenado do tecido urbano nas metrópoles – que simultaneamente aponta o seu sucesso e anuncia sua perdição – só é visível em sua totalidade em uma escala em que o homem não consegue vislumbrá-lo. Foi a partir do cinema e suas tomadas aéreas das cidades que o tecido urbano, repleto de significados contraditórios – esplendor versus decadência (como, por exemplo, na Nova Iorque de Sintonia de amor e O quinto elemento, respectivamente); desenvolvimento versus destruição (ambos presentes na cidade de Metrópolis); tecnologia versus ineficiência (existentes na Los Angeles de Blade Runner – o caçador de andróides) – pôde ser constantemente apreendido e vivido, não só contemplado.
A multidão das ruas, que na metrópole fin-de-siècle finalmente adquirem o status de espaço efetivamente público, constantemente aparece nas representações cinematográficas. Símbolo máximo da vivência na metrópole, à rua cinematográfica se associam elementos da dicotomia da cidade como local de prazer e encanto em oposição ao perigo real e imediato a que os indivíduos nela estão submetidos, elementos facilmente percebidos em Aurora (10). Da mesma maneira, os meios de transporte tornam-se a máxima representação da dicotomia entre liberdade e medo, dor e prazer, sentimentos vividos pelas personagens de Crash – estranhos prazeres dentro de automóveis em alta velocidade, em meio ao sexo violento e sentindo a dor das feridas causadas por acidentes planejados por elas mesmas. Uma mistura de medo e prazer, adrenalina e deleite, é também o que move as personagens de Velozes e furiosos, em corridas automobilísticas em alta velocidade em uma Los Angeles distópica.
Na linguagem homogeneizada e simplificada do cinema, tem sido comum ao longo do tempo utilizar estes meios de transporte não só como símbolos da modernidade como da própria metrópole – vale lembrar que é um trem que anuncia a invenção do cinema no contexto urbano em A chegada de um trem a Ciotat. Já em Metrópolis, o avião, um meio de transporte ainda mais “moderno”, é elemento constante nas suas mais marcantes imagens – as inúmeras panorâmicas que revelam sua paisagem urbana. Mas estes mesmos elementos – os meios de transporte – podem ser vistos como fatores de exposição ao perigo, como visto no ônibus em alta velocidade de Velocidade máxima, ou o avião seqüestrado de Con Air – a rota da fuga. A dualidade, como se vê, é constante.
Influência: memória
Todos os espaços dos filmes estão abertos para serem ocupados pela mente de qualquer indivíduo, que os vive de maneira única, retirando impressões e emoções totalmente diferenciados; mas apesar de sua vivência ser próxima à experimentação do espaço real, são representações descontextualizadas do espaço original que representam, baseadas em conceitos, ideologias e sentimentos comuns ao público e aos cineastas. A cidade fílmica torna-se, portanto, um espaço simulado vivido. A vivência contínua destas representações é capaz de conformar um conjunto de sensações modificadoras de nossa percepção da “realidade” das cidades? Influenciam os filmes nossa experienciação urbana?
Sobretudo para os indivíduos do meio urbano/metropolitano que têm acesso mais freqüente aos filmes e possuem a urbe “real” como elemento comparativo, a cidade de cada filme se interliga com outros espaços simulados e vividos. Ou seja, a memória de outras cidades experimentadas em outros filmes é ocasionalmente acionada, conformando uma rede que engloba um conjunto único da experimentação das várias cidades fílmicas que cada indivíduo assiste ao longo de sua existência. Essa rede de imagens, complementada por outras milhares que bombardeiam o dia-a-dia da vida moderna torna-se um acervo pessoal de memórias. Os espaços vividos dos filmes podem ser considerados, portanto, espaços da memória que, como demonstrado pelos fenomenólogos, são acionados na vivência cotidiana da cidade “real”, tornando-se constante elemento comparativo. O caminho, por certo, é de mão dupla: nos filmes estão presentes questões, angústias, desejos frustrados ou realizados e felicidades conseguidas ou impedidas da vivência da cidade “real”, como também a vivência na cidade concreta pode ser alterada pelos clichês fílmicos.
Influência: o real da simulação e a simulação do real – o cinema e o 11 de setembro
Na manhã do dia 11 de setembro de 2001 o mundo levou um grande susto. Frente à televisão, milhares de pessoas assistiram a um acontecimento com contornos cinematográficos: em questão de minutos, dois aviões se chocaram com as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque, fazendo-as ruir. Os repórteres designados por suas emissoras para cobrir a tragédia nada conseguiam descrever, apenas se desesperavam diante do fato, gritando descontrolados e ao vivo, para todo o mundo. Tais imagens, ao serem transmitidas pela CNN, vinham com uma tarja negra no extremo inferior da tela em que se lia, em inglês, o aviso de que se tratavam de “imagens reais”. No decorrer dos dias, inúmeras reportagens de revistas, jornais e redes de televisão encontravam semelhanças entre as imagens do atentado contra o WTC com vários filmes-catástrofe (11). Além disso, o renomado diretor Robert Altman acusou publicamente Hollywood de ter inspirado os terroristas responsáveis pelo atentado (12).
Vê-se que as imagens chocantes da tragédia, transmitidas pela televisão, não conseguiram ser absorvidas de imediato, decodificadas como realidade e, mesmo se tratando de outro veículo, acionaram o acervo de memórias cinematográfico de cada indivíduo. Percebe-se que, no fato real da destruição das torres gêmeas, importantes elementos do repertório cinematográfico foram reconhecidos: o avião, símbolo marcante na representação da cidade cinematográfica, mas também entendido muitas vezes como fator de perigo, foi o que condicionou a eliminação de um ícone urbano, alterando a paisagem dos futuros cartões postais. Nova Iorque, tantas vezes filmada, teve um de seus maiores símbolos destruídos em um contexto que inevitavelmente referenciava as representações urbanas e cinematográficas tão exaustivamente repetidas. O WTC, ícone da paisagem novaiorquina, símbolo do capitalismo e duplo falo que expressava o poder americano, foi dizimado em minutos e em circunstâncias que seriam acusadas de exageradamente fantasiosas se acontecessem em um filme hollywoodiano de ação. O inverso da teoria de Metz se fez: se no cinema o inverossímil parece verossímil, neste caso um fato concreto, parte da chamada realidade, dada as semelhanças com representações cinematográficas, tornou-se inverossímil.
Ben Singer (13), relacionando conceitos de Freud (14) à sétima arte e seu ambiente urbano-industrial, aponta o cinema como elemento que atende à ansiedade dos indivíduos do meio urbano. Segundo o autor, os filmes exibem nas telas situações trágicas e conflituosas para estimular neurologicamente o espectador, colocando-o em um processo de ansiedade que o alerta para os males da vida urbana. A cidade, muitas vezes entendida como local repleto de malefícios – criminalidade, poluição, trânsito desgovernado, indivíduos vis – tem no cinema uma representação deste lado caótico, que pode ser vivida como simulação na sala de projeção sem grandes aflições para o espectador. O filme supostamente o prepararia para os sustos reais da metrópole. Assim, pode-se entender que filmes produzidos antes do atentado, como Independence day, Nova York sitiada, Godzilla e Tropas estelares, por exemplo, com tragédias tão fantasiosas mas ao mesmo tempo tão semelhantes às imagens do atentado ao WTC, foram preparações para um susto real (15). Não em um sentido premonitório: tais filmes apenas relativizam o amplamente divulgado poder ilimitado dos EUA – simbolizado por cidades como Nova Iorque, Los Angeles e Washington (sua arquitetura, sua paisagem) – apontando situações em que, seja por catástrofes naturais, artificiais, extraterrenas, por ações terroristas individuais ou coletivas, a fragilidade do povo e principalmente do Estado americano é revelada. Dentro das narrativas tão (in)verossímeis da sétima arte, essa exposição não adquire de forma alguma tom panfletário, torna-se apenas entretenimento. Entretanto, a fragilidade é mesmo assim revelada, e os inúmeros filmes-catástrofe da década de noventa que destruíram no écran diversas cidades americanas – uma expressiva compulsão à repetição, nos termos de Freud – denunciam que toda uma nação divulgava para o mundo, a partir do cinema, que estava à espera de um perigo eminente, difundindo e dividindo com todos seu processo ansioso.
A reação popular e sobretudo da indústria cinematográfica americana frente às imagens do atentado atualiza as teorias de Freud e validam ainda mais os conceitos de Singer. Mesmo uma maciça preparação visual para o susto da revelação da fragilidade americana e a relatividade de se seus símbolos, que pode ter se iniciado em 1933 com King Kong, intensificando-se nos filmes catástrofes da década de setenta e mais ainda no revival dos anos noventa (que destruíram inúmeras cidades na tela), não eximiu os espectadores do susto que o acontecimento real proporcionou, o que Freud já previra. Em outras palavras, a ansiedade, comum aos indivíduos da cidade moderna é, em qualquer situação, acionada em vão: é uma falsa proteção, pois no decorrer dos fatos não impede que o susto gere a “neurose traumática”. Muitos, diante das exaustivamente repetidas imagens televisivas do atentado, acionaram seus acervos de memórias cinematográficas em um processo – a bem da verdade sutil – de fuga da realidade. Cinema, realidade e simulação fundiram-se na cidade e em uma outra tela, a da televisão.
Considerações finais
De meados do século XIX até os dias de hoje sons e imagens não só adquiriram radical importância no processo de comunicação das sociedades modernas, como trouxeram mudanças contundentes. De espaço essencialmente simulado e vivenciado pelo espectador, dada sua forma prioritariamente construída e narrativa, bem como sua ampla difusão, as obras audiovisuais têm alterado de maneira significativa a compreensão da realidade, confundindo-a com a ficção. Os espaços simulados do cinema (inclusive os espaços urbanos), montados a partir de clichês, são reproduzidos exaustivamente em inúmeros filmes (ou outras mídias). Os clichês por vezes são reconhecidos pelo espectador que os associa a outros filmes, mas por outras vezes passam desapercebidos. Este trabalho indicou alguns destes clichês, relacionando-os, na medida do possível, com sua vivência da cidade concreta, objeto de trabalho dos arquitetos e urbanistas.
No meu entender, está clara a inter-relação entre as imagens do atentado ao WTC, um acontecido da chamada “realidade concreta”, com as representações urbanas e ficcionais da sétima arte: a memória cinematográfica foi naquele momento acionada, pois ali se apresentavam diversos clichês do cinema. Assim é possível concordar com o argumento de Singer, que coloca o cinema como artifício do metropolitano ansioso, de preparação para os malefícios da vida moderna. É necessário recorrer a Freud para perceber que este é um processo destinado ao fracasso: o atentado ao WTC foi a prova contumaz tanto da expressividade das imagens da sétima arte e o poder por elas exercido na configuração da percepção do mundo, como também da inutilidade que sua vivência cotidiana pelos espectadores nas salas de cinema tem na preparação para os males da cidade concreta. Tais constatações, entretanto, apontam para a sobreposição entre realidade e imaginário – aqui tendo como expressão o desejo pela vivência da representação simbólica – como mais uma das características da vida moderna e sua extensa reprodução de imagens, que cada vez mais tem feito a dualidade entre falso e verdadeiro, sobressair no cotidiano, sobretudo no contexto urbano. Arquitetos-urbanistas devem estar atentos, portanto, aos prazeres e perigos, virtudes e vícios desta cidade tão (dis)simulada por eles produzida.
notas
1
Este texto é uma adaptação (bastante resumida) do paper escrito para a apresentação para a banca de avaliação do trabalho NAME, Leonardo. Cinema e cidade: paisagem urbana, realidade e imaginário. Pós-graduação em Sociologia Urbana, IFCH-UERJ, Rio de Janeiro, 2002, monografia de fim do curso de especialização em Sociologia Urbana (IFCH-UERJ). Boa parte dos conceitos aqui apresentados também já foram esboçados em curto artigo elaborado para o VI ENEPEA – Encontro Nacional de Ensino de Paisagismo nas Escolas de Arquitetura – NAME, Leonardo. Cinema e cidade: paisagem urbana, realidade e imaginário. Anais do VI Encontro Nacional de Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura e Urbanismo no Brasil. Recife (no prelo). Sou especialmente grato à Socióloga e Doutora em Teoria e História da Arte e da Arquitetura Bianca Freire-Medeiros, à psicanalista Andréa Abreu, à jornalista Daniela Name e ao cineasta Rodrigo Brandão que, cada um a sua maneira, deram contribuições essenciais ao trabalho.
2
De fato, ao se lançar um olhar sobre da vida moderna desde a metrópole fin-de-siècle até os dias de hoje, percebe-se que o desejo por um espaço simulado é parte do cotidiano das cidades. Minha afirmação se apóia na observação de que os diversos entretenimentos da vida urbana divertiam e divertem os indivíduos a partir da vivência de uma representação de um espaço que não é “concreto” ou “verdadeiro”. É mero “simulacro”: o espaço dos panoramas, das atrações das feiras universais, dos museus de cera, da fotografia, da estereoscopia, do cinema. Sobre o assunto, ver a extraordinária coletânea de CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa R. (orgs.). O cinema e a invenção da vida moderna. Cosac & Naify, São Paulo, 2001, e o primeiro capítulo de minha monografia (op. cit.).
3
GUNNING, Tom. Cinema e História: “fotografias animadas”, contos do esquecido futuro do cinema. In: XAVIER, Ismail (org.). O Cinema no século. Imago, Rio de Janeiro, 1996, p. 21-44
4
METZ, Christian. A respeito da impressão de realidade no cinema. A significação no cinema. Perspectiva, São Paulo, 1977, p. 15-28.
5
Como se sabe, a Geografia é disciplina rica em conceitos espaciais em debates constantes dentro de seu corpo acadêmico, sem dúvida alguma de extrema utilidade aos arquitetos-urbanistas. “Lugar” e “paisagem” são dois destes “conceitos-chave”, que têm recebido ampla discussão e novas interpretações nos últimos anos. Sobre “lugar” ver o trabalho de FERREIRA, Luís Felipe. Acepções sobre o conceito de lugar e sua importância para o mundo contemporâneo. Território. Rio de Janeiro, Ano 5, n. 9, jul./dez. 2000, p. 65-83. E, sobre “paisagem”, ver o ensaio de HOLZER, Werter. Paisagem, imaginário, identidade: alternativas para o estudo. In: ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, Roberto Lobato. Manifestações da cultura no espaço. EdUerj, Rio de Janeiro, 1999.
6
Os panoramas, muito comuns nas exposições universais, eram imensas pinturas em painéis móveis dispostos em espaços tridimensionais, representando paisagens – geralmente de terras distantes – ou cenas de acontecimentos reais (históricos, como uma batalha, ou recentes, como a reconstituição de uma cena de um crime a pouco noticiada nos jornais). Com o tempo, as pinturas foram gradualmente substituídas por takes cinematográficos. Ver COSTA, Flávia Cesarino. O primeiro cinema. São Paulo : Scritta, 1995; e SCHWARTZ, Vanessa R. O espectador cinematográfico antes do aparato do cinema: o gosto do público pela realidade na Paris fim-de-século. In: CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa R. (orgs.). op. cit., p. 411-440.
7
AMANCIO, Tunico. O Brasil dos gringos: imagens no cinema. Intertexto, Niterói, 2000.
8
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Magia e técnica, arte e política (obras escolhidas). Brasiliense, São Paulo, 1993, p. 165-196.
9
METZ, Christian. O dizer e o dito no cinema: ocaso de um verossímil? A significação no cinema. Perspectiva, São Paulo, 1977, p. 225-243.
10
É na rua em que se misturam a massa humana hostil e os veículos desgovernados onde o casal vindo do campo do filme de Murnau, de 1927, vaga desconcertante, fascinado com o esplendor metropolitano e temeroso com o perigo inerente à cidade. O trecho do filme em que marido e esposa tentam atravessar a rua, sendo advertidos pelo buzinaço irritante e agressivo dos carros, foi a primeira seqüência sonora da história do cinema. É bastante significativo que uma inovação técnica tenha sido apresentada ao público por meio da representação de um fato enervante do cotidiano caótico da cidade.
11
No Brasil, no próprio dia 11 de setembro, o jornal O Globo publicou, no início da noite, uma edição especial exclusivamente dedicada ao atentado. Além de reportagens descritivas sobre o evento e sua repercussão internacional, merecia destaque uma matéria intitulada Hollywood antecipou as imagens da tragédia (ver BIAGGIO, Jaime. Hollywood antecipou as imagens da tragédia. O Globo, Rio de Janeiro, 2001), em que se comparava o atentado com cenas de filmes como Nova York sitiada, King Kong, Armageddon e Independence day, entre outros. O jornalístico televisivo Globo Repórter, em 14 de setembro, investigou semelhanças entre as imagens dos atentados e vários filmes. A revista Set, especializada em cinema e de grande circulação nacional, abriu sua edição de outubro com reportagem que apontava traços comuns entre a tragédia e algumas seqüências cinematográficas. Ver SALEM, Rodrigo. Nova York em chamas. Ficção ou realidade. Set. 15 (10): 13-15. São Paulo, 2001.
12
Apud XEXÉO, Artur. Imitação da vida em Hollywood. O Globo, Rio de Janeiro, 21 out. 2001. Segundo Caderno, p. 10.
13
SINGER, Ben. Modernidade, hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular. In: CHARNEY, Leo. SCHWARTZ, Vanessa R., (orgs.). O cinema e a invenção da vida moderna. Cosac & Naify, São Paulo, 2001, p. 115-148.
14
FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer. Edição brasileira standard das obras completas de Freud, v. XVIII. Imago, Rio de Janeiro, 1976, p. 17-85.
15
É sabido que a chamada realidade psíquica – diferenciada, subjetiva, única e autêntica leitura do mundo mediada pelo imaginário de cada indivíduo – é extremamente importante para a psicanálise, mais significativa que qualquer situação comumente chamada de “concreta” ou “verdadeira”. Neste trabalho, porém, a contraposição entre realidade e imaginário está mais simplificada: diz respeito àquilo que é percebido e entendido como concreto, factual, histórico e empírico em oposição àquilo que é simbólico e subjetivo, gerando por isso uma representação.
referências cinematográficas
Armageddon. Michael Bay, EUA, 1998. Inglês, cor (Technicolor), 144”.
Aurora (Sunrise), F.W. Murnau, EUA, 1927. Mudo, preto e branco, 95”.
Blade Runner – o caçador de andróides (Blade Runner), Ridley Scott, EUA, 1982. Inglês e japonês, cor (Technicolor), 117”.
A chegada de um trem a Ciotat (L’arrivée d`un train à la Ciotat), Auguste Lumière e Louis Lumière, França, 1895. Mudo, preto e branco, 1”. Documentário.
Con Air – a rota da fuga (Con Air), Simon West, EUA, 1997. Inglês, cor (Technicolor), 115”.
Crash – estranhos prazeres. (Crash), David Cronemberg, Canadá/França/Reino Unido, 1996. Inglês, cor (DeLuxe), 100”.
Godzilla. Rolland Emmerich, EUA, 1998. Inglês, francês e japonês, cor (Technicolor), 140”.
Independence day. Rolland Emmerich, EUA, 1996. Inglês, cor (DeLuxe), 145”.
King Kong. John Guilhermin, EUA, 1976. Inglês, cor (Metrocolor), 134”.
King Kong. Merian C. Cooper; Ernest B. Schoedsack, EUA, 1933. Inglês, preto e branco, 100”.
Metrópolis. Metropolis, Alemanha, 1927. Mudo, preto e branco, 153”.
Nova York sitiada (The siege), Edward Zwick, EUA, 1998. Inglês, cor (DeLuxe), 116”.
Para viver um grande amor. Miguel Faria Jr., Brasil, 1984. Português, cor, 103”.
O planeta dos macacos (Planet of the apes), Franklin J. Schaffner, EUA, 1968. Inglês, cor (DeLuxe), 112”.
Playtime. Jacques Tati, França/Itália, 1967. Francês, cor (Eastmancolor), 155”.
O quinto elemento (The fifth element), Luc Besson, França/EUA, 1997. Inglês, cor (Technicolor), 126”.
Sabotador (Saboteur), Alfred Hitchcock, EUA, 1942. Inglês, preto e branco, 108”.
Sintonia de amor (Sleepless in Seatle), Nora Ephron, EUA, 1993. Inglês, cor (Technicolor), 105”.
Tropas estelares (Starship troopers), Paul Verhoeven, EUA, 1997. Inglês, cor (DeLuxe), 129”.
Urbania. Flávio Frederico, Brasil, 2001. Português, cor, 70”.
Velocidade máxima (Speed), Jan de Bont, EUA, 1994. Inglês, cor (DeLuxe), 116”.
Velozes e furiosos (The fast and the furious), Rob Cohen, EUA, 2001. Inglês, cor, 107”.
sobre o autor
Leonardo dos Passos Miranda Name (Leo Name) é arquiteto-urbanista (FAU-UFRJ), especialista em Sociologia Urbana (IFCH-UERJ), mestrando em Geografia (PPGG-UFRJ), bolsista do CNPq. Foi das equipes de elaboração dos Planos Diretores do Município de Mangaratiba (RJ) e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Atua na pesquisa da inter-relação entre cultura e meio urbano, com enfoque nas representações das cidades, sobretudo no cinema.