Com o tema Metrópole, o mesmo da Bienal de Artes, a V Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo incorpora o design como campo autônomo.
As exposições de arquitetura seguem um padrão que privilegia a produção autoral, além de apresentar mostras institucionais.
No design, a organização será feita seguindo critérios temáticos e não autorais. O tema Metrópole se desdobra em quatro áreas:
- Mobiliário e equipamentos urbanos, programas de sinalização e identidade corporativa das áreas públicas, brinquedos de playgrounds e praças, instalações de praças; móveis da chamada arquitetura efêmera, destinada a abrigar as pessoas em shows, feiras, em festas populares etc. Estas peças são importantes não apenas na oferta de serviços, mas no estímulo ao convívio nas grandes cidades e podem tornar a atividade cotidiana e mecânica dos transeuntes uma experiência que eleve sua qualidade de vida, seja pelo que proporcionam - lazer, sombra, acesso a equipamentos lúdicos etc., seja pela experiência estética que fazem experimentar.
- Meios de transportes. Novos meios de transporte, redesenhos de antigos meios podem informar um debate sobre essa área que tem interfaces estreitas com as questões ambientais (automóveis movidos a energia solar, a ar comprimido, os quadriciclos e bicicletas por exemplo) a programas de inclusão social pela melhoria do transporte coletivo.
- Artefatos da comunicação/solidão Uma terceira área de exposição diz respeito à aparelhagem de comunicações que mudou a face da terra nos últimos anos. A redução do tempo e do espaço, obra, entre outras façanhas tecnológicas, da telefonia celular, da Internet e de todas as formas híbridas de reunir, muitas vezes, num pequeno objeto poderosas funções de comunicação à distância determina um ritmo novo para as metrópoles. Ao mesmo tempo, crescem os problemas derivados da solidão das metrópoles e há um forte aparato que reforça hábitos solitários. Cabe apresentar os artefatos da comunicação/solidão e discuti-los.
- Uma quarta e última grande área de interesse são projetos de instalações de interesse social, pensados hoje na perspectiva da inclusão social. Investigar o que vem se fazendo nessa direção e trazer ao Brasil propostas dessa área pode render, além da discussão sobre o tema, planos de colaboração entre cidades e ou instituições.
Com esse temário, a intenção foi demarcar um campo do design integrado à V BIA. Não parece o caso de investigar utensílios domésticos, espaços de trabalho, artesanato/design e outras questões, que vêm recebendo a atenção de museus e centros culturais. Aqui, o que vale é perguntar que tipo de contribuição o design pode dar às cidades.
A idéia também foi, num primeiro momento, abrir uma grande área de atuação e fechar, na seqüência, em alguns interesses mais específicos, fazendo convergir as mostras de algumas representações nacionais, algumas exposições institucionais às mostras especiais determinadas pela V BIA.
Desse modo, dentro do item transporte urbano, ganha grande dimensão uma exposição de bicicletas que se prestará a um duplo exame: o design dos objetos nos últimos anos e as inovações de materiais; e as alternativas construídas por várias cidades de transporte individual integrado a meios de transporte público. Desse modo, interessa pensar não apenas o objeto, mas a ciclovia, os estacionamentos, as alternativas de integração com ônibus, metrôs e trens.
Claramente essa é uma postura política, de combate ao automóvel como veículo urbano individual e deve ser montada visando ao debate da mobilidade sustentável.
Na mostra de mobiliário urbano, além de apresentar o estado da arte das grandes empresas produtoras de móveis de serviços, financiados por vultosos contratos publicitários, a mostra da Bienal deve procurar aqueles objetos que estimulam a convivialidade nas cidades e que são, muitas vezes, produtos de encomendas públicas em localidades específicas.
Atenção especial ganham os playgrounds e brinquedos públicos. O Brasil é um país com uma grande base de pirâmide demográfica. Brinquedos públicos são uma necessidade de primeira importância. Uma mostra com função prospectiva e didática pode ser montada no próprio parque. As belíssimas esculturas lúdicas ou brinquedos escultóricos da arquiteta Elvira de Almeida poderão ser montados no Parque do Ibirapuera. Alguns outros arquitetos e algumas empresas dedicadas a brinquedos públicos serão convidados a apresentar seus produtos.
Mostras especiais
Além dessas áreas de trabalho, o design deve ter três mostras especiais internacionais. A primeira delas, já decidida, é de Paul Mijksenaar, titular do grupo holandês responsável, entre outros, pela sinalização dos aeroportos de Schipol (Amsterdã) e JFK, La Guardia e Newark em Nova York.
Dois designers de grande projeção internacional e que adotam perspectivas bem diferentes, seja de escala, de visão sobre o que é design, sua relação com a indústria e com o artesanato deverão ser convidados a apresentar mostras individuais. Com duas visões (e práticas) singulares será possível discutir o campo do design hoje, considerando suas grandes mudanças e a luta por uma visão hegemônica do sentido dessa atividade.
Essas duas mostras deverão perguntar se é possível projetar no mundo contemporâneo.
Essa é uma questão fundamental e que uma primeira mostra de design na BIA deve ter a preocupação de abordar.
O que é design? Uma atividade de mediação do trabalho intelectual com a produção? A possibilidade que a produção incorpore o projeto justamente questionando a divisão entre trabalho manual (mecânico, eletrônico) e intelectual? Ou a submissão a essa lógica capitaneada pelas necessidades da sociedade de consumo?
Para enfrentar essa discussão, estão convidados como mostras especiais os designers Enzo Mari e Kenji Ekuan (1).
Mari é figura fundamental em toda a literatura do design mundial pós Segunda Guerra. Tem um pequeno estúdio em Milão. Sua produção abraça, sobretudo, móveis e objetos domésticos magistrais. Ele também pode reproduzir ao ar livre, em pleno parque, a mostra que montou no ano passado no Japão, sobre o Retrato de Deus, uma instalação, cujo sentido é o de contestar o próprio sistema design em que se insere. Mais do que uma exposição de objetos, a mostra de Mari deve transmitir sua visão do design que não é aquela de uma “profissão”, mas de uma possibilidade de reinventar o próprio trabalho, retirando dele as características alienantes. Mari retoma o pensamento utópico do século 19 e defende que a indústria mecanizada seja circunscrita a algumas atividades, e que o artesanato seja revalorizado, numa busca por outro tipo de sociedade que leve adiante os ideais da Revolução Francesa, retomando um fio histórico e recusando aqueles resultados da busca pela igualdade que geraram o consumo desenfreado.
Contrapondo-se a ele, o japonês Kenji Ekuan é presidente de uma das maiores empresas de design do mundo, o GK Design, com escritórios em vários países. Autor de um grande número de projetos, de trens a motocicletas Yamaha (em que o corpo da mulher é, muitas vezes, grande definidor da forma), embalagens como aquela paradigmática do shoyu Kikkoman, é figura de honra em todos os grandes encontros internacionais de design e preside a organização não-governamental Design for the World, com sede em Barcelona, que reúne designers importantes de todo o mundo em ações comunitárias. Além de uma exposição de objetos, em que pode apresentar aqueles feitos para cidades, Ekuan poderá sintetizar seu pensamento (os objetos têm alma) numa instalação para exprimir seus conceitos de design que sedimentou no Institute of Doghology.
Mari e Ekuan serão as duas grandes mostras convidadas pela V BIA que, além de trazer ao público brasileiro o conhecimento do alcance do design no mundo contemporâneo, permitirão discutir o campo, o objeto do design. Os dois titulares das mostras deverão também participar do Fórum de Debates com uma sessão inteiramente dedicada ao sentido e às tarefas do design.
Até a presente data, a Bienal recebeu o sinal positivo de Enzo Mari para a montagem de uma exposição que está sendo gestada e discutida.
Sugestões recebidas
Aproveito para agradecer as mensagens de apoio e oferta de ajuda prática que muitos designers e arquitetos vêm-me fazendo, desde que aceitei o convite da Fundação Bienal para fazer a curadoria das mostras especiais de design da V BIA.
Entre muitas das sugestões que recebi, está a de pensar a questão do lixo urbano e de outros temas bastante vinculados ao debate ambiental. Esses temas serão tratados pela Bienal, que está montando uma área específica de tecnologia.
Outra sugestão recorrente é de mostras de materiais. Até o momento, embora nada tenha sido firmado, estamos pensando (não é plural majestático, o nós se refere a Ricardo Ohtake, Gloria Bayeux e eu, além de colaboradores da Fundação Bienal) em incluir algumas exposições internacionais de novos materiais e uma brasileira sobre o tema da madeira. Todas essas mostras, embora interdisciplinares, pertencerão ao domínio da tecnologia na V BIA.
Como tenho repetido em e-mails e conversas, o tema de design, como está formulado até agora, é muito amplo. Tenho certeza que, para realizar exposições de qualidade, os núcleos de interesse deverão ser mais específicos, mais concentrados e em pequena quantidade.
Aproveito ainda para dizer que estou na sede da Fundação Bienal às segundas e quartas-feiras à tarde. O telefone de lá é (11) 5574-5922 e meu e-mail é ethel.leon@uol.com.br.
notas
1
Alguns dos nomes mencionados aqui ainda não têm presença confirmada no evento.
sobre o autor
Ethel Leon é jornalista, editora da revista Design Belas Artes e curadora da Mostra de Design da próxima 5ª BIA – Mostra Internacional de Arquitetura e Design de São Paulo