Introdução
Este trabalho é uma síntese de pesquisas (1) realizadas no campo da Arquitetura e Urbanismo e tem como objetivo principal apontar algumas ferramentas de planejamento urbano e regional integrado que vislumbrem a implementação e a reabilitação de cidades mais sustentáveis a partir da densidade (2) (habitacional e populacional, ou seja, a relação de habitações e moradores por área ocupada), bem como aplicar a análise da forma edificada e demais aspectos da ocupação territorial que se traduzem em dispersão/compactação urbana, diante do arcabouço teórico e aplicado analisado.
O objeto de análise espacial se deu a partir de áreas habitacionais consolidadas, num primeiro momento, exemplificadas por cidades brasileiras, europeias e norte-americanas. Num segundo momento, o trabalho versa sobre a crítica da forma de ocupação dos projetos habitacionais recentes brasileiros, de baixa qualidade urbana, avaliando a dicotomia entre projetos unifamiliares e multifamiliares. Por fim, estabelecem-se apontamentos frente às decisões da forma habitacional e custos de urbanização, apontando-se exemplos consolidados de conjuntos habitacionais de densidades variadas e de maior urbanidade, sugerindo-se, ainda, procedimentos para a adoção de novas formas de ocupação mais compactas e eficientes (avaliadas por indicadores urbanos, simulações e monitoramentos de desempenho).
Conforme o “Dictionnaire de L’Urbanisme et de L’aménagement”, como breve esclarecimento terminológico, Merlin & Choay (3) definem a densidade como um indicador estatístico (que pode se referir à população, habitações, empregos, etc.) em uma superfície (área). A densidade populacional corresponde ao número de indivíduos de uma ilhota, de um quarteirão, de uma cidade, de um país, etc., assim, refere-se ao número de indivíduos pela unidade de superfície, muito utilizado no processo de regulamentação e controle do solo urbano. Já a densidade habitacional se refere ao número de habitações numa superfície de terra ocupada. Apesar da suposta definição simples acerca da densidade, em especial, à habitacional, seu uso e aplicação é delicado por uma série de razões, pois, com exceção à escala de conjuntos habitacionais mais homogêneos, no qual se calcula uma média de ocupação, na maioria das vezes, numa escala mediana e urbana de análise, a superfície não somente é ocupada por habitações, mas por vias, estacionamento, espaços comuns, áreas verdes, terrenos desocupados, ou até mesmo edificações de outros usos. Em geral, para Merlin & Choay (4) a densidade habitacional se divide entre a líquida (sem equipamentos) e a bruta (com equipamentos) (5). Em escalas geográficas, a delimitação imprecisa de uma superfície urbana (ocupada ou construída) e a definição de seus equipamentos podem alterar o cálculo da densidade de forma considerável, o que reforça a necessária aplicação metodológica de análise e delimitações precisas do objeto mensurado.
No que se refere à pesquisa, procedeu-se a revisão da bibliografia e de conceitos sobre o tema, situando, assim, a partir do desenho desse estado-da-arte, a importância da densidade e dos aspectos morfológicos das cidades no processo de dispersão urbana, bem como na constituição e interpretação da cidade. Investigar as relações urbanas em diversas escalas (macro, meso e micro) e de planejamento urbano, analisar a cidade por meio de metodologias interpretativas de seus aspectos físicos (formais/volumétricos), e, por fim, compreender e comparar algumas parcelas de cidades por meio da análise de suas respectivas densidades e estruturas morfológicas. Estes foram alguns dos objetivos secundários.
A pesquisa adota o método hipotético-dedutivo, e se apropria de abordagens metodológicas quantitativas e qualitativas, realizando-se análises de imagens de satélite para mapeamento de áreas e levantamento bi e tridimensional de formas urbanas diversas, que forneceram dados estatísticos e comparativos. Cronologicamente, a investigação transcorreu em três etapas sequenciais:
- Fundamentação Teórica - Pesquisa sobre literatura específica do urbano contemporâneo no mundo, com foco nas questões referentes à densidade, forma e dispersão urbana;
- Análises primárias e secundárias – Estudo comparativo das aplicações teóricas investigadas, mapeamentos e índices urbanísticos entre cidades e regiões distintas;
- Síntese e Propostas – Reflexões espaciais para a realização de um planejamento urbano sustentável, em especial, para a projetos de habitação coletiva no contexto brasileiro e da América Latina.
Pesquisas nesse campo de compreensão da urbe contemporânea a partir de sua forma urbana construída, associando espetos multivariados, poderão nortear novas formas de planejamento e gestão urbana aplicada à sustentabilidade. Estudos técnico-científicos de planejamento urbano e regional integrado, que agreguem análises quantitativas aos critérios qualitativos sobre os processos de uso e ocupação do solo, em distintas escalas (multi-escalas), permitem estabelecer padrões de ocupação coerentes com as condicionantes e determinantes de cada localidade urbana, capazes de responder, por meio da performance espacial, às demandas de uso atuais e futuras. A simulação de cenários, monitoramento, controle e resposta às dinâmicas pós-ocupacionais são processos pouco usuais para a formulação de legislações urbanísticas e planejamento urbano.
A cidade contemporânea, em sua dinâmica atual, reflete processos complexos que, se não acompanhados pela gestão territorial, produzem espaços fragmentados, de baixa qualidade, que interferem na vida de toda a cadeia urbana e, paulatinamente, aumentam os conflitos espaciais, socioeconômicos e ambientais. Se por um lado, a legislação permanece estática e, em geral, sofre alterações que favorecem ao setor imobiliário (como tem ocorrido na maioria das cidades brasileiras e dos países em desenvolvimento), o planejamento urbano (teoria e prática), em partes, desconsideram o impacto da forma sobre a vida das pessoas e na dinâmica urbana. E é nessa complexa discussão que este trabalho, ainda incipiente, pretende acrescentar algumas análises.
A densidade como aspecto cultural de planejamento urbano
Contextualização e Conceitualização
Em geral, a densidade habitacional (e, portanto, de pessoas por área) diminui gradualmente a partir do centro urbano (6). Merlin & Choay (2000) (7) afirmam que a densidade é mais elevada em cidades latinas (Europa do sul, América Latina) e orientais que as cidades anglo-saxônicas. Essas afirmações podem ser comprovadas nos estudos de Bartaud (2001; 2011) (8) e Bertaud & Malpezzi, (2003) (9), por meio de estudos de densidade bruta e radial (a partir do CBD) em dezenas de cidades no mundo.
A intensidade de uso dos espaços por seres humanos ao longo da história pode ser analisada a partir da densidade. Alexander (10) classifica, em princípio, dois modelos de cidade, a natural (constituída ao longo dos tempos e conforme as necessidades humanas em cada período) e a artificial (a cidade planejada e projetada). Este critério simplificado de caracterização pode ser associado ao período de industrialização e intensificação das ocupações urbanas após o século 18, com o surgimento de grandes áreas urbanas expandidas ou mesmo de novas cidades a alimentar o sistema de redes urbanas que se consolidava, bem como para comportar a população urbana que crescia exponencialmente em poucas décadas. Processos estes que se iniciaram com maior intensidade no Brasil e América Latina após meados do século 20, em decorrência da industrialização e urbanização tardia. Entretanto, de fato, a grande crítica de Christopher Alexander se debruça sobre o urbanismo modernista (e arquitetura) e à padronização de estilos de vidas e das formas de habitar as cidades, independentemente das relações do lugar, tradição ou cultura.
Até a segunda metade do século 19 a densidade urbana era uma característica resultante do desenvolvimento de cidades e de seus processos complexos (técnicas e tecnologias construtivas, restrições legais, tradições e aspectos culturais, a rentabilidade econômica sobre os espaços, etc.) que determinaram a dinâmica e distinção de densidades nas cidades tradicionais, contudo, não se verificou o uso consciente da densidade no desenho urbano até então. Até esse período, as altas densidades nas cidades industrializadas, em especial a compactação urbana de cidades tradicionais europeias, portanto da forma da cidade decorrente desse indicador, eram consideradas causas de doenças por contaminação do ar e resíduos, facilitador de incêndios e da desordem social. Esses princípios de insalubridade da compactação urbana (em especial, da morfologia urbana de cidades de origens euro-medievais) norteou grandes intervenções urbanas ao longo do séc. 18 e 19 em cidades como Londres, Lisboa, Paris, Barcelona, e, mais tarde, em cidades latino-americanas, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Caracas, Cidade do México, Buenos Aires, Santiago. Publicações críticas à esse modelo urbano tradicional e mais compacto – ou natural, conforme Alexander (11) – foram bastante recorrentes na Alemanha e Inglaterra, com replicações urbanísticas em cidades europeias, na América do Norte e em novas cidades de predomínio da cultura anglo-saxônica (12). Na segunda metade do século 19, a partir do boom econômico e demográfico dos países industrializados, o desenvolvimento legislativo e de planejamento foram acompanhados por abordagens científicas para as novas expansões urbanas ou em intervenções nas áreas consolidadas. Na Alemanha, a regulação da densidade urbana se dá nesse período, estabelecendo-se padrões de alturas máximas de construção e largura das vias (critério indireto sobre a densidade) num primeiro momento, e posteriormente, faz-se a ordenação construtiva por meio de densidade máximas explícitas para regulação dos planos urbanísticos (13).
Se por um lado o “regularismo” da segunda metade do século 19 foi a ferramenta capaz de viabilizar as expansões das cidades em processo de industrialização, mais tarde o Movimento da Cidade Jardim sugeriu um modelo urbano distintamente característico. Urbanistas e críticos do planejamento na Inglaterra, tais como Ebenezer Howard e Raymond Unwin, usaram a densidade urbana para difundir as vantagens de cidades menores, descentralizadas e autossuficientes.
No início do século 20, o Movimento Moderno, por meio dos CIAMs (14) (entre 1928 a 1956) e da Carta de Atenas, lança a proposta universalizante de um urbanismo amparado pela imposição do desenho rígido sobre o sítio e, em alguns casos, sobre a cidade tradicional, desenho este que preconizava as quatro funções urbanas – habitar, trabalhar, recrear e circular. A partir da Segunda Guerra Mundial, empreendimentos urbanísticos privados e de parcerias governamentais com a iniciativas corporativas estabelecem as expansões urbanas periféricas (low-rise), de relativa baixa densidade (bruta, principalmente), arranha-céus em novos centros (ou em áreas tradicionais e históricas). As novas tecnologias construtivas, o advento do automóvel e avanço de outros modais, novos materiais, mudanças nos hábitos de trabalho, circulação e lazer, e a necessidade emergencial de novas habitações e de reconstruções de áreas devastadas pela guerra foram alguns dos fatores decisivos que cobravam da Arquitetura e Urbanismo, novas respostas aos “tempos modernos” do século 20.
Após 1960, as críticas urbanas a esse modelo modernista se consolidam na Europa e América do Norte em decorrências de estudos, teorias e publicações que apresentam os impactos da expansão urbana de baixa densidade habitacional, seus efeitos negativos sobre a vida urbana, a mobilidade e ao meio ambiente (15).
Se no início do século 20, Unwin alegava que não havia vantagens em se adensar as cidades ocidentais, chegando a propor o padrão máximo de 30 casas por hectare (menos de 100 hab./ha), nos anos de 1960, Jane Jacobs advertiu sobre os impactos da suburbanização norte-americana (e anglo-saxônica), da segregação de grupos mais pobres, seja em áreas centrais desvalorizadas ou em periferias mais afastadas. Em contraposição à dispersão de baixa densidade, Jacobs (16) sugere que uma ocupação mínima de 250 habitações por hectare para a vitalidade e a participação urbana. Na atualidade, altas densidades e a compactação espacial construtiva são aceitas como prerrogativas inerentes à sustentabilidade e ao crescimento econômico das cidades contemporâneas na visão de diversos urbanistas e estudiosos (17) do assunto.
Todavia, a densidade no campo do urbanismo não deve ser tomada como um elemento meramente estatístico e tecnocrático, mas necessita incorporar aspectos qualitativos na análise do espaço urbano. Dessa forma, o estudo da densidade aplicado a outros critérios de desempenho, o potencial urbano e a performance (capacidade do ambiente construído em oferecer distintas respostas às necessidades de uso e ocupação, tais como acesso à luz do dia, acesso pedonal, uso da rua pelas pessoas, dinâmica dos espaços públicos, mobilidade, privacidade, tipologias edificadas). Para Pont & Haupt (18), a densidade urbana deve ser um aspecto quantitativo associado ao qualitativo (propriedades), com multivariáveis e multiescalas de análise (tipo-morfológica).
Panorama da densidade urbana no mundo
A estrutura espacial de uma cidade é muito complexa, pois é o resultado físico das interações sutis ao longo de décadas ou séculos entre os mercados de terra, a topografia, a infraestrutura, os regulamentos, a tributação, a sociedade e sua apropriação territorial. Assim, a complexidade das estruturas espaciais urbanas e seus aspectos interagentes, por muitas vezes, desencorajam tentativas de análise nos seus processos, inibindo a busca de ferramentas de planejamento que possam relacionar a política urbana à forma da cidade e à atuação do mercado (19). A falta de monitoração da evolução urbana moldada pela interação complexa entre as forças de mercado, investimentos públicos e regulamentos, geram aspectos espaciais de desenvolvimento urbano que podem ter impactos importantes na eficiência econômica, na densidade e na qualidade do ambiente urbano.
Acioly & Davidson (20) afirmam que a densidade urbana é um dos mais importantes indicadores e parâmetros de desenho urbano a ser utilizado no processo de planejamento e gestão dos assentamentos humanos. Para os autores, a densidade urbana representa o número total da população em uma área específica que, no âmbito urbano, pode ser traduzido em habitantes por uma unidade de terra ou solo urbano, ou o total de habitações de uma determinada área urbana expressa em habitações por uma unidade de terra, geralmente medida em hectares (ha) (21), quilômetros quadrados (km²) ou acres.
Sendo muito utilizada como uma ferramenta de apoio ao processo de planejamento urbano e regional, a densidade pode determinar decisões de projetos para ocupação e parcelamento por parte de planejadores, arquitetos urbanistas e engenheiros quando se define a forma e a extensão a ser ocupada ou loteada em uma determinada área da cidade. A densidade urbana também é muito utilizada como instrumento de avaliação da eficiência, performance e custos proporcionais por habitante das propostas urbanísticas, de infraestrutura ou de parcelamento e uso do solo. Porém, a mesma densidade urbana é um indicador controverso, pois é reflexo de determinantes culturais que se refletem sobre a construção do espaço urbano numa determinada região ao longo do tempo.
Pergunte a um planejador indiano o que é que ele pensa a respeito de um lote de 100m² para famílias de baixa renda e ele responderá que esse tamanho de lote é demasiadamente grande e, portanto, inacessível financeiramente. Seu colega da África Oriental ou Cone Sul da África, entretanto, argumentará que esse tamanho é demasiadamente pequeno e inaceitável por parte da população. A resposta poderá ser “nós não lutamos pela independência e contra o colonialismo para reduzir nossos standards e padrões”. Mesmo dentro de um mesmo país, grupos sociais diferentes irão perceber a questão da densidade diferentemente. O que as pessoas sentem ou vêem depende muito de suas próprias origens sociais, econômicas e étnicas, e, até certo ponto, da configuração, forma e uso da construção e do espaço urbano. [sic] (22).
Conforme os estudos de Acioly & Davidson (23), foi determinado que as densidades variam muito de um país para outro, ou mesmo entre cidades num mesmo país, definindo assim que as “densidades são muito influenciadas pelo contexto cultural”, em consonância com as colocações de Alain Bertaud. Assim sendo, comparações são complicadas por mecanismos usuais de medição, a exemplo das distinções terminológicas aplicadas entre a densidade populacional, habitacional, construtiva, bruta ou líquida, gerando divergências de análise nos estudos sobre este tema. O processo de coleta de dados, as metodologias adotadas nas definições do espaço urbano enquanto extensão física, os critérios de seleção de vazios urbanos, os processos de mapeamento e quantificação, as legislações específicas que determinem o uso e ocupação do solo decorrente de aspectos culturais específicos definem algumas das dificuldades comparativas entre as densidades em regiões diferentes do planeta.
Existem duas formas mais utilizadas para indicar especificidades ocupacionais de desenvolvimento de um local determinado em relação à densidade, são elas: habitantes por hectare (hab/ha) ou habitações por hectare (habitação/ha). É bastante comum encontrar esses dois indicadores de ocupação expressos na forma de densidade bruta e densidade líquida conforme o contexto de análise. A densidade bruta expressa o número total de residentes numa determinada área urbana (região, cidade, bairro, quadra) dividida pela área total em hectares, incluindo-se equipamentos urbanos e institucionais (escolas, creches, parques, áreas verdes, espaços públicos), vazios, logradouros, comércios, indústrias, vias e outros serviços urbanos. No cálculo da densidade bruta de uma determinada área, toda a região incluída dentro de um perímetro poligonal deve ser considerada para a determinação da densidade. A densidade líquida expressa o número total de residentes (pessoas moradoras) numa determinada área urbana, considerando-se apenas a área estritamente residencial e excluindo-se vias, equipamentos, espaços públicos, vazios urbanos, etc. Na Inglaterra ou em países de influência inglesa na regulamentação urbana, incluem-se a circulação local (calçadas), metade das vias de acesso aos lotes habitados e pequenos jardins de uso dos moradores. A densidade habitacional líquida é o número total de unidades habitacionais (ou seja, domicílios) dividido pela área destinada exclusivamente para uso habitacional.
A densidade é um referencial importante para se quantificar por meio de princípios técnicos e financeiros a distribuição e o consumo de terra urbana, infraestrutura, serviços públicos, entre outras funções dispostas numa área residencial. De forma geral, diversos autores destacam que quanto maior a densidade, e resguardados certos limites, melhor será a utilização e a maximização da infraestrutura e do solo urbano. Assim, para autores como Acioly & Davidson (24), Mascaró (25), Zmitrowicz & De Angelis Neto (26), Pont & Haupt (27), Silva & Romero (28), Silva (29), Farr (30), entre outros, é possível estabelecer um modelo de densidade capaz de suprir de uma forma mais coerente o acesso ao solo urbano, à habitação, à infraestrutura, aos equipamentos e serviços urbanos essenciais para um número maior de domicílios e pessoas, atendendo às condicionantes de conforto ambiental e sustentabilidade com o meio natural. A otimização entre a necessidade social com a demanda ambiental e econômica faz com que o conhecimento científico sobre os efeitos da densidade urbana no espaço seja de interesse extremo para a gestão espacial nos países em desenvolvimento, nestes cujas previsões apontam como sendo as regiões de maior crescimento urbano, populacional e econômico para as próximas décadas.
Bertaud & Malpezzi (31) afirmam que a densidade é uma interpretação cultural e não está correlacionada diretamente com o nível de renda, ou seja, cidades ricas como Cingapura, Hong Kong e Seul possuem maior densidade, como também maior renda do que muitas cidades bem menos densas como Buenos Aires, Curitiba, Johanesburgo ou Budapeste. Por outro lado, cidades da América do Norte possuem baixa densidade (as menores do mundo) e renda elevada. A densidade urbana também não está relacionada ao clima e nem ao sistema econômico de cada região ou país, assim, cidades da Europa têm densidades similares independentemente da relação entre as antigas economias socialistas ou capitalistas e suas respectivas regiões de influência no século passado. Para Bertaud & Malpezzi (32) e Bertaud (33), densidades são, naturalmente, o produto das forças de mercado, mas essas forças de mercado refletem o nível de consumo, daí então a cultura é estabelecida como componente chave no processo urbano. O autor aponta que não há densidade ótima, pois quando a cultura se desenvolve é provável que as densidades mudem lentamente, refletindo essa mudança cultural ao longo do tempo. A ampla gama de densidades encontradas ao redor do mundo, em cidades economicamente bem sucedidas, mas também em distintas situações socioeconômicas, ambientais e culturais, mostra que por enquanto não há nenhuma evidência de densidades incontroláveis.
Do ponto de vista ambiental, uma estrutura espacial ineficiente e mal ordenada pode diminuir a qualidade de vida, aumentando o tempo gasto em transporte e, em consequência, aumenta-se a poluição do ar, contribuindo para a expansão desnecessária da área urbanizada sobre as áreas naturais. Mas também o empobrecimento da qualidade ambiental pode reduzir a produtividade do sistema urbano como um todo. Daí a emergencial discussão sobre a sustentabilidade urbana para os tempos atuais, pois em cidades de menor qualidade ambiental, a ausência de controle e regulação sobre os processos de urbanização tendem a acentuar os quadros de piora na qualidade de vida das pessoas que habitam a cidade.
No aspecto urbano, a estrutura espacial está em constante evolução, assim, a falta de consenso político ou de uma visão clara sobre o desenvolvimento espacial somados aos efeitos combinados dos regulamentos de uso da terra e de investimentos em infraestrutura podem se tornar inconsistentes entre si, potencializando implicações negativas e impactos sobre a urbe que, no futuro, se tornarão onerosos aos cofres públicos e à sociedade. Portanto, é importante que os municípios possam acompanhar as tendências espaciais de desenvolvimento urbano e tomar as medidas corretivas regulamentares caso esta tendência seja contrária aos objetivos municipais e interesses coletivos (34).
Densities are of course the product of market forces, but market forces reflect consumer choices, hence culture. For these reasons, there is no optimum density; when culture evolves it is likely that densities will also slowly change reflecting the cultural shift. The wide range of densities found in the above list of economically successful cities shows that, as yet, we have no evidence of unmanageable densities (35).
O urbano face à sua complexidade inerente exige uma visão sistêmica dos processos que constituem a cidade e seu desenvolvimento. Nas economias de mercado os municípios não só podem influenciar a forma de desenvolvimento urbano por meio do design apenas, como também por meio da implementação de um sistema coerente e consistente de normas de uso da terra, investimentos em infraestrutura e aplicação de impostos ou incentivos territoriais. Pois as condições econômicas externas estão em constante mudança e são imprevisíveis em médio e em longo prazo – a exemplo das constantes crises internacionais na economia global – afetando diretamente a cidade e o processo de planejamento e investimentos. Em longo prazo, a forma da cidade dependerá da maneira como o mercado imobiliário reagirá aos incentivos e desincentivos criados por regulamentos, investimentos públicos, infraestrutura e impostos sobre a cidade. Assim, as cidades e seus respectivos departamentos de planejamento urbano, de escala regional, devem acompanhar permanentemente a evolução da estrutura espacial da cidade, ajustando-a e equilibrando-a à natureza dos incentivos e desincentivos sobre a ocupação do espaço.
Densidades, custos e formas de urbanização no contexto brasileiro futuro
Acredita-se que a densidade seja um importante elemento (ou condicionante) norteador de projetos urbanos e arquitetônicos mais qualitativos para as cidades brasileiras, todavia, seu controle deve decorrer de estudos específicos, simulações e testes constantes, mensurando-se, assim, a sua potencialidade, as benesses e os possíveis impactos.
A relação entre a habitação e o transporte no custo urbano é temática de pesquisas bastante aprofundadas em diversos países onde se questiona a ênfase de mobilidade urbana sobre automóvel, em contraposição ao transporte coletivo. A maioria desses estudos aponta que morar na periferia urbana é mais caro em virtude dos altos custos de deslocamento que, mesmo com a redução do custo da habitação (por redução de aluguel ou de compra de imóveis), o somatório com a mobilidade se torna mais oneroso do que o custo de moradores em áreas centrais, estes que pagam mais pela moradia, porém, detém custos reduzidos de deslocamento pendular (36). Por outro lado, o próprio Imposto Territorial Urbano brasileiro tende a ser repartido conforme a área ocupada, independentemente de seu valor de mercado, mesmo quando a implantação e manutenção de algumas áreas custaram (e custam ainda) muito mais aos cofres públicos do que as áreas mais centralizadas, já que conforme se aumenta a densidade, o custo de implantação e manutenção dos sistemas e infraestruturas são reduzidos para cada domicílio.
Sob outra ótica, a dos países em desenvolvimento, a escassez de recursos financeiros e o elevado e ainda crescente déficit habitacional demonstram a necessidade de se densificar as cidades sob esse aspecto, especialmente no caso latino-americano, pois além dos benefícios ambientais, de saúde pública e social da cidade compacta frente à cidade dispersa, ela possibilita ainda otimizar a aplicação de recursos quando atende à um número muito maior de pessoas num mesmo espaço de cidade e de sistemas de infraestrutura redimensionada. Pensar em cidades dispersas de baixa densidade populacional para o Brasil, além de ser incoerente à lógica da sustentabilidade urbana, é um contrassenso à justiça social e acesso a uma cidade mais barata para todos.
Além do custo ambiental e humano, a construção urbana oferece uma relação dispendiosa conforme as decisões de projeto e desenho das cidades. Assim, alguns desenhos morfológicos de cidade oferecem custos maiores ou menores, conforme as suas relações de uso e ocupação, adequação topográfica, sistema viário e demais infraestruturas, entre outras condicionantes ou determinantes de projeto. A pavimentação e a drenagem, por sua vez, são as infraestruturas urbanas mais onerosas, pois são responsáveis por 55% a 60% do custo de toda a infraestrutura urbana, os custos do subsistema sanitário detêm aproximadamente 20%, e o energético os 20% restantes (37). Portanto, um projeto urbano acessível deve minimizar superfície de vias, bem como utilizar materiais diferenciados entre as vias de alta-velocidade e fluxo intenso (vias estruturais, arteriais, coletoras), das de menor volume e rapidez de deslocamento (as locais, que constituem em mais de 70% do sistema viário, dependendo do projeto urbano), podendo estas serem construídas com materiais mais baratos e permeáveis. O respeito à topografia aperfeiçoa o projeto de infraestrutura e minimiza custos (com reduzida dimensões e captação de esgoto, pluvial, água potável, aterros, etc.).
A densidade urbana define custos de infraestrutura, assim, mais uma vez o modelo de habitação multifamiliar apresenta vantagens sobre o unifamiliar, por ser o primeiro mais denso que o segundo e de custos mais bem distribuídos entre os domicílios.
Com relação à infraestrutura urbana e seus custos com instalação, conforme a densidade urbana, verifica-se que quanto maior a densidade, menor é o custo de implantação de infraestrutura por domicílio. Zmitrowicz & De Angelis Neto (38) sugerem, assim, que para as cidades devem priorizar projetos habitacionais com densidades brutas entre 200 e 300 hab/ha, pois a literatura específica determina que em densidades brutas acima de 350 hab/ha perde-se o sentido de intimidade nos espaços verdes e, acima de 680 hab/ha, passa-se a oferecer problemas quanto à disponibilidade vagas per capita de estacionamento para veículos (o que pode ser questionável, conforme o projeto e suas características de sustentabilidade e ênfase ao transporte coletivo), além de dificultar o acesso a equipamentos urbanos, serviços e áreas públicas (39).
Contudo, projetos contemporâneos tendem a trabalhar com densidades extremas, em complexos multifuncionais com habitação, trabalho e lazer num mesmo espaço denominado de “espaço híbrido”, objetivando a otimização energética, áreas verdes e permeáveis, acessibilidade em vários níveis, uso de tecnologias sustentáveis, etc. A exemplo do conjunto habitacional híbrido integrado (com densidade acima de 1.000 hab/ha, com cerca 2.500 moradores) em Beijing, China, projeto do arquiteto Steven Holl finalizado em 2009, chamado de Linked Hybrid. De fato, o desenho urbano e o projeto de arquitetura são elementos chaves na definição de elevadas densidades e eficiência ambiental, de usos, e construtiva.
Para Zmitrowicz & De Angelis Neto (40), a densidade média de 60 famílias por hectare (cerca de 200 hab./ha) é confortável para os centros urbanos, mas os autores afirmam que a média global da maioria das cidades brasileiras é de 15 famílias por hectare (cerca de 50 hab./ha). Já nos estudos de Miranda; Gomes & Guimarães (41), a densidade bruta média nacional é de 65,11 hab./ha (42), a partir do censo demográfico de 2000 (43). Todavia, Zmitrowicz & De Angelis Neto (44) destacam que o custo de infraestrutura urbana por família em áreas loteadas com 60 habitações/ha é praticamente metade do que em densidades próximas a 15 habitações/ha. Portanto, como esta última densidade é a média global das cidades brasileiras, estima-se que cada família com serviços de infraestrutura completa custa aproximadamente US$ 4.500, o que se traduz a US$ 1.320 aproximadamente por “pessoa urbanizada”. Como a população urbana brasileira aumenta na ordem de 2 milhões de pessoas por ano, seriam necessários por volta de 2 bilhões de dólares para que o déficit de infraestrutura fosse controlado ano a ano, segundo os cálculos de Zmitrowicz & De Angelis Neto (45). Porém, sabe-se que o país não domina vultosos investimentos em suas municipalidades, o que resulta no crescente déficit de infraestrutura na maioria das áreas urbanas, em detrimento de melhorias concentradas em áreas mais “nobres” ou dignas de gentrificação por interesses de especulação imobiliária.
O modelo urbano norte-americano prevaleceu durante meados do século 20, apresentando ao mundo a ideia de densidade baixa proporcional ao aumento da qualidade de vida. Tal ideia inclusive foi de fendida por Kevin Lynch, expressas ainda nas teorias brasileiras de Juan Mascaró (46) – que, em geral, aplicam-se critérios de desenho urbano em loteamentos unifamiliares e, portanto, de densidade ocupacional reduzida. Acreditava-se, durante muitas décadas ao longo da história do urbanismo, que a alta qualidade de vida só era possível em espaços dispersos, abertos ao sol, com ventilação e privacidade em habitações unifamiliares. Porém, esse modelo urbano detém custos elevados (econômicos e humanos) e, ao invés de proporcionar qualidade de vida, exerce impactos profundos no dia-a-dia das famílias e no cotidiano urbano e ambiental.
Segundo dados calculados pela pesquisa (atualizados a partir de 2012) para o mercado da construção de hoje, o custo do hectare urbanizado pouco depende da capacidade das redes de infraestrutura, assim, para uma ocupação de 75 habitantes/ha este custo é de US$ 250 mil aproximadamente, mas para uma ocupação de 600 pessoas/ha é de US$ 320 mil em média, ou seja, quando o número de habitantes por hectare aumenta em 800%, o custo de urbanização acresce apenas 30%. Deste modo, quando esse custo é revertido em um cálculo per capita a situação muda de figura, pois, se no primeiro caso há um custo de hectare urbanizado de US$ 3.334 dólares por indivíduo, que é a situação média brasileira de densidade ocupacional, na segunda situação o custo reduz para US$ 533 por morador, este que é próximo às densidades de cidades europeias e asiáticas. Ou seja, é uma redução considerável de 84% por pessoa aproximadamente, que poderia ser revertida aos cofres públicos, além do ganho ambiental do modelo mais compacto de urbanização, que acaba otimizando custos de abastecimento e manutenção de infraestruturas ao longo do tempo, o que torna a cidade compacta de manutenção menos onerosa em comparação à dispersa, seja para a gestão urbana, seja para o usuário (morador).
Conforme os estudos “World Urbanization Prospects: The 2014 Revision” (47) do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, a população do Brasil terá de 222,7 milhões de pessoas em 2030, e 231,1 milhões em 2050, destes, 197,5 milhões (88,6% do total) e 210,2 milhões (91% do total) de habitantes estariam em áreas urbanas respectivamente, um acréscimo de 12,7 milhões em cidades em 20 anos. Atualmente, o Brasil tem 85,7% da população em área urbana, estimados em 177,5 milhões (203,7 milhões no total). Mesmo que os dados sejam um pouco divergentes em relação aos do IBGE, em ambas as projeções o crescimento urbano está previsto e, com ele, a demanda por mais habitação se fará presente até 2050, pelo menos. Buscar novos modelos de ocupação, menos onerosos e mais eficientes, deve ser um critério emergencial nas políticas habitacionais futuras.
A qualidade de vida do brasileiro, assim como diversos indicadores sociais, têm acompanhado a dinâmica econômica e das políticas públicas recentes. A renda média do brasileiro em 2007, PIB/Per capita, era de US$ 9.270, destes eram 15,4 % os gastos com ensino primário, com taxa de analfabetismo de 10,2% para homens e 9,8% para mulheres, e 3,6% de gastos públicos com saúde. Em 2013, o PIB/Per capita era de US$11.208. Entre 2001 a 2013, 25 milhões de brasileiros deixaram a miséria extrema e a classe média, que nos em 1980 era menos de 15% da população, atualmente já integra 1/3 dos brasileiros, crescimentos estes acima dos países vizinhos segundo o Banco Mundial e o PNUD, em partes, decorrentes da melhoria da economia nacional e do maior acesso ao mercado internacional.
No ano de 2009, por volta de 91 % da população tinham acesso à água potável, com 86% da do total vivendo em área urbana, dos 193,7 milhões de habitantes. Os gastos de energia per capita eram de US$ 1.184 (48), e o acesso à infraestrutura acompanha o aumento das políticas habitacionais na última década.
Se a tendência, segundo as diversas projeções populacionais é o envelhecimento e diminuição da taxa de natalidade para as próximas décadas, cabe compreender que a dinâmica urbana e socioeconômica se alterará e que, investimentos em educação e habitação, mesmo em déficit considerável, em breve serão menos prioritários do que investimentos em previdência e saúde pública, perante os futuros quadros demográficos. O que leva a compreender que há uma denominada “janela de oportunidades” até as décadas de 2040 e 2050.
No que tange ao cenário territorial do país, a ocupação deste tende a se intensificar em áreas antes relegadas aos vazios demográficos, desprovidas de infraestrutura, em territórios de pouca conexão às redes urbanas, com equipamentos e/ou serviços urbanos mínimos, de pouca circulação de pessoas e mercadorias. O avanço do urbano para essas áreas, antes rurais que com poucas cidades, tende se acentuar quando a economia agroindustrial se apropria de novas tecnologias, permitindo a exploração de novas áreas com condicionantes de solo e clima antes pouco rentáveis. Santos (49) ressalta que “O Brasil moderno é um país onde a população agrícola cresce mais depressa que a população rural.”, fazendo-se uma distinção entre os que habitam o campo (a população rural) e os que vivem em cidades mas trabalham e dependem economicamente do campo (a população agrícola).
As perspectivas projetadas pelo IBGE (50) apontam para uma mudança considerável na pirâmide etária do país e, consequentemente, no perfil do brasileiro para as próximas quatro décadas. A melhoria das condicionantes socioeconômicas e de acesso aos serviços urbanos induzirá progressivamente a uma melhora da qualidade de vida acompanhada desde a década de 1980, mas acentuando a partir do início do século 21. A estabilização econômica, o acesso à saúde pública e programas federais efetivos, melhoria da renda média, diminuição da insalubridade e de habitações precárias, entre outros fatores, estão contribuindo ano a ano para o envelhecimento da população brasileira, aproximando a distribuição da pirâmide etária do país à dos países mais desenvolvidos para 2050.
Tais apontamentos futuros demandam uma compreensão dos fenômenos urbanos nacionais e internacionais, capazes de situar cenários para as cidades brasileiras e latinoamericanas, compartibilizando os processos de urbanização às demandas sociais, econômicas e ambientais do país. Ao urbanista, cabe o papel cidadão de participar dessa construção (ou re-construção) urbana e social, tendo em vista que os gargalos políticos e técnicos são presentes e efetivos, determinando prognósticos preocupantes à urbanidade futura e ao processo de periferização, em especial, à periferização de baixa densidade.
E esse contingente urbano, acrescido, pincipalmente, a partir da segunda metade do século 20, não foi acompanhado por políticas públicas ou investimentos compatíveis no país. Até porque a renda do brasileiro, que era de apenas US$ 1.444 em 1940 (padrão africano), passou a US$ 7.623 em 1980; em 2000, já atingia US$ 8.056 e, em 2010, era de US$ 10.195. Ou seja, entre 1940 a 2010, o país saltou de uma condição de pobreza extrema e ocupação rural, à um país urbano, com uma população em crescimento acentuado num curto período histórico, mas de sistema econômico capitalista periférico que, como tal, não detém as melhores condições para fomentar o acesso qualitativo à infraestrutura, habitação ou urbanidade para sua população.
O fenômeno urbano mais recente, e interessante, é a atuação das cidades médias e pequenas nas redes urbanas e processos de metropolização e desmetropolização (51). Entre 2002 a 2007, a população em cidades médias brasileiras cresceu à taxa de 2% ao ano, mais que as taxas das cidades grandes (1,66%) e das cidades pequenas (0,61%). No âmbito populacional, as cidades grandes e pequenas encolheram entre 2000 e 2007, enquanto as médias cresceram. Em 2000, as cidades médias concentravam 23,8% da população e, em 2007, passaram a 25,05%. As grandes aglomerações urbanas reduziram de 29,81% para 29,71% da população urbana total, e as pequenas cidades, de 46,39% para 45,24%, no mesmo período. Assim, esses fatores reforçam a necessidade de se investigar os processos urbanos em cidades médias brasileiras como polos atrativos de capital, oportunidades e pessoas, bem como as projeções de cenários para o planejamento, em especial, à política habitacional e ao projeto urbano para essas áreas.
Análises aplicadas e recomendações
As referências de pesquisas reforçam que, em consequência da alteração da densidade (habitacional ou populacional) numa determinada área parcelada, o custo de urbanização por família servida pode, na medida em que se aumenta a densidade de habitações por hectare, pode decrescer drasticamente. Os conjuntos habitacionais populares do Brasil apresentam, geralmente, um desenho unifamiliar de pequenos lotes, separados por afastamentos e recuos em suas faces laterais, que comumente define uma densidade bruta de até 100 hab./ha. Nesse padrão de ocupação, o custo de redes de infraestrutura em uma área urbanizada é de aproximadamente US$ 8.644 dólares por família. Contudo, em densidades brutas de 450 habitantes por hectare o custo de urbanização decresce para US$ 2.400 dólares por família, padrão de densidade este próximo ao plano das ‘Manzanas’ da cidade de Bracelona (52), Espanha.
Essa alteração de custos em virtude da densidade habitacional é um ponto crucial na distribuição de serviços urbanos qualitativos à maior parcela da população, como já foi dito, em especial para os países em desenvolvimento. No Brasil, verifica-se certa falta de critérios econômicos coerentes no processo de elaboração e tomadas de decisão tanto em desenho e planejamento urbano, como de projetos arquitetônicos habitacionais, que deveriam ser fiscalizados pela gestão municipal e a partir de modelos de cidades mais densas e acessíveis à população. Entretanto, o modelo atual que preconiza o financiamento por governos (federal, estaduais e/ou municipais), considera o valor da habitação apenas, independente da forma do conjunto ou da proporção por unidade, deixando o custo de urbanização embutido no valor total do empreendimento, ou em outras situações, subsidiados pelos cofres públicos. Assim, acaba-se por reproduzir nas cidades brasileiras um modelo de urbanização majoritariamente unifamiliar, de densidade bruta em torno de 100 hab./ha, como se faz desde os anos de 1950 e 1960 em todo país por meio de planos habitacionais precedentes, seja por aspectos ditos “culturais” ou mesmo pela simples replicação de um “padrão” adotado pela tradição da construção civil e conivência dos órgãos de governo.
No intuito de estabelecer uma métrica comparável aos padrões habitacionais vistos no mundo urbano ocidental, que influenciam diretamente a ocupação territorial nas cidades brasileiras de hoje, decidiu-se pela eleição de alguns modelos morfológicos comparativos nesta pesquisa. Como ferramenta aplicada dos conceitos estudados, definiu-se um procedimento analítico experimental a partir da formas características de urbanização, da densidade (bruta e líquida) e das respectivas relações entre custos de urbanização em estudos de casos urbanos em escalas reduzidas de 5 ha (50 mil m²), que possuíssem preponderância habitacional como uso e ocupação do solo.
Em princípio, essa abordagem quantitativa das cinco parcelas urbanas teria como objetivo a comprovação ou contestação de alguns apontamentos teóricos elencados na primeira etapa desta pesquisa. Optou-se por selecionar algumas realidades urbanas de características sócio-espaciais extremas, conforme os estudos de Bertaud & Malpezzi e Acioly & Davidson, que representassem os respectivos processos urbanos e contextos aos quais estão inseridos (o brasileiro, o europeu e o norte-americano), sempre buscando a discussão entre a morfologia das cidades, as condicionantes locais e as questões culturais envolvidas no processo de produção e reprodução das cidades e de suas partes.
Assim, elencaram-se as parcelas urbanas de João Pessoa-PB (litorânea) e Cuiabá-MT (continental), que são cidades brasileiras, capitais estaduais de presença metropolitana e escala urbana mediana acima de 500 mil habitantes. Outros dois exemplos são casos extremos de diversidade cultural, ambiental e socioeconômica, sendo Barcelona (Espanha) um exemplo retirado do continente europeu dentre as de maior densidade, e Atlanta, a cidade escolhida dentro dos padrões de dispersão urbana das cidades Norte-Americanas de baixa densidade ocupacional (padrão este similar ao de conjuntos habitacionais fechados de alta renda no Brasil).
Apresentam-se as imagens de satélite atuais das 5 áreas analisadas e, logo abaixo, as áreas mapeadas com dados quantitativos referentes às áreas totais e respectivas áreas habitadas. Suas densidades habitacionais e custos de urbanização apontam que áreas urbanas mais densas possuem uma relação de redução direta em relação ao custo per capita ou por domicílio, mesmo o custo total da urbanização sendo superior. A partir dos estudos de custos apresentados para infraestrutura, estabeleceu-se um parâmetro de valores médios para os projetos urbanos a serem implementados, com atualização em 2012 e respectivas taxas cambiais nesse período. Contudo, é importante ressaltar que tais valores sofrem variações expressivas conforme as condicionantes locais de implantação do projeto, bem como à conjuntura socioeconômica regional e nacional. Assim, a Tabela 3, utilizada como parâmetro de cálculo, pode sofrer variações quantitativas face a diversos fatores de macro conjunturas, mas em especial às adaptações de projetos urbanos e acesso aos preços e serviços ofertados no mercado da construção civil em cada país, região ou localidade.
A partir dos estudos, sintetizados na tabela 3 e figuras a seguir, estimou-se os custos de urbanização (infraestrutura) para os cinco exemplos elencados, como procedimento metodológico de análise entre as relações morfológicas e os custos aproximados (estimados), de tal modo, estes poderiam nortear proposições de desenho urbano mais coerentes com as condicionantes socioespaciais e ambientais brasileiras e latino-americanas. Sobre este último aspecto, a sugestão de formas urbanas mais coesas (compactas), com usos diversos e espaços verdes públicos no interior da quadra como elemento de comunidade e convívio poderia ser uma proposição bastante cabível para as cidades em desenvolvimento, em especial, às recentes políticas de habitação de interesse social. Nesse âmbito, ainda em caráter de estudos preliminares, apresentam-se algumas opções arquitetônicas e urbanísticas a seguir.
Desta forma, conforme os cálculos verificados, a densidade urbana e a forma edificada são critérios preponderantes na definição de custos de urbanização. É evidente que o traçado (e a quantidade de vias, que é o sistema mais oneroso de um parcelamento) são elementos indutores diretos de custo, o que pode nos apresentar, conforme a literatura, uma infinidade de variações de desenho urbano e da massa edificada, que se traduzem em projetos mais ou menos onerosos. Contudo, a variação de desenho e forma para projetos urbanos de mesma densidade acabam por proporcionar custos bastante aproximados, ao passo que densidades díspares proporcionam maior discrepância no custo de urbanização.
Na figura anterior são apresentados quatro exemplos morfológicos distintos de urbanização e suas respectivas variações quanto ao custo de loteamento face à densidade populacional em 1 há (10 mil m²). Note-se que os modelos A (unifamiliar geminado), B e C (multifamiliares) apresentam variações formais relevantes para uma similar densidade (aproximadamente 76 unidades habitacionais com média de 260 hab./ha), e a variante D (150 unidades habitacionais com 510 hab./ha) apresenta uma alternativa mais adensada (5 a 6 pavimentos), mas que atende a alguns critérios interessantes de possível misto de usos, mais espaços públicos, quadra aberta, ausência de vias no interior da quadra e escala edificada próxima ao nível da rua.
Unifamiliar versus multifamiliar: os custos da densidade urbana
Sabe-se que há um déficit habitacional predominante no Brasil, sendo que este era de 6,1 milhões em 2007, e de 5,8 milhões em 2012, conforme dados da Fundação João Pinheiro (55) e Ministério das Cidades. Ou seja, nos últimos cinco anos houve uma redução de aproximadamente 5% do déficit habitacional, todavia, o déficit absoluto ainda se situa na casa de 9,1 % do total de domicílios brasileiros, estes que totalizam 63,8 milhões de habitações em todo o país. Do total, 85% do déficit está em área urbana.
Assim, são estimados custos elevados para o governo federal regularizar as condições precárias dessa população, podendo-se aferir um total de investimento aproximado na ordem de US$ 50 bilhões para infraestrutura urbana (aproximadamente US$ 8,5 mil/habitação) e de US$ 145 bilhões (aproximadamente US$ 25 mil/habitação) para a construção de novas casas, situando um custo total de US$ 195 bi necessários para suprir todo o déficit nacional computado para a habitação, sobre um território de 193 mil hectares (12 vezes a área da cidade de Barcelona ou 5,8 vezes o tamanho de Belo Horizonte). Diante do atual cenário econômico mundial e latino-americano, tais demandas urbanas e a escassa disponibilidade de recursos para as políticas habitacionais e sociais demandam um planejamento estratégico na alocação de investimentos públicos que demandam, dentre outros aspectos, a aplicação e inovação tecnológica na área habitacional, proporcionando qualidade ambiental, menor impacto nos recursos naturais, otimização energética e de materiais, maior densidade e otimização de infraestrutura, proporcionando espaços que valorizem o convívio coletivo.
Mesmo em condomínios mais adensados, multifamiliares, a ausência de um desenho urbano qualitativo, com déficit de equipamentos urbanos, sem a diversidade de usos (que leva a improvisos de comércio nos loteamentos), de localização em áreas periurbanas e, portanto, longe de polos de trabalho e lazer, acabam por proporcionar os mesmos problemas e agravantes dos condomínios de menor densidade. Com exceção da redução do custo de urbanização, o valor do imóvel é praticamente o mesmo, indiferente da densidade urbana, o que demonstra um descompasso entre os custos de urbanização, os subsídios governamentais e os lucros das incorporadoras. A seguir, uma ilustração de exemplos de condomínios brasileiros em vários estados, mas que repetem os mesmos padrões construtivos de baixa qualidade urbana e de vida para seus moradores.
Do total de déficit habitacional do Brasil, cerca de 1,8 milhão está na região Nordeste, ou seja, mais de 30%. Por sua vez, o estado da Paraíba tem um déficit estimado de 115 mil unidades habitacionais, a um custo deduzido de US$ 2,9 bilhões para a construção de habitações e de 970 milhões em custos de urbanização, totalizando US$ 3,87 bilhões, conforme os padrões construtivos praticados pelas construtoras locais. Para suprir essa demanda serão necessários 3,8 mil hectares. Esse valor a ser investido se equivale a quase 30% do PIB anual do estado, e é três vezes maior que a arrecadação anual de ICMS estadual, o que demonstra a necessidade de se otimizar tais investimentos (56).
Considerando-se apenas o critério de densidade urbana, o valor de investimento habitacional para o Estado da Paraíba, que seria de aproximadamente US$ 4 bilhões a uma densidade média de 100 hab/ha, poderia reduzir para US$ 2,7 bilhões (1/3 a menos) num padrão mais próximo ao europeu, este de 300 hab/ha nas cidades mais compactas.
A densidade habitacional é fator preponderante na otimização da aplicação de recursos em habitação e urbanização, bem como na minimização de impactos ambientais, pois quanto maior a densidade habitacional, menor o gasto com a infraestrutura, habitação e manutenção dos serviços urbanos por habitante, como também pode-se reduzir a área urbana ocupada e a necessidade de deslocamento automotivo. Em contrapartida, um desenho mais coeso de cidade possibilita o deslocamento pendular por meios alternativos (pedonais ou ciclístico), bem como otimiza-se o custo-benefício do transporte coletivo de massa. Assim, muitos exemplos de conjuntos habitacionais, em especial os europeus e asiáticos, demonstram uma tendência à maior densidade e compacidade urbana por meio de conjuntos habitacionais multifamiliares.
Como se pôde verificar na literatura urbanística e exemplos de projeto estudados, o modelo de urbanização habitacional unifamiliar apresenta uma série de desvantagens frente ao multifamiliar, não somente as de caráter formal e de custos, mas também com relação ao convívio e ao encontro das pessoas e, assim, à noção de vizinhança e de senso comunitário (57). A disponibilidade de área verde pública é outro fator proeminente no aumento da densidade urbana, ao passo que o modelo de loteamento/parcelamento unifamiliar isola o lote e a propriedade privada entre muros, o conjunto multifamiliar pode democratizar o acesso às áreas verdes no interior da quadra, transformando o espaço privado em espaço coletivo, este que ainda pode abrigar equipamentos comunitários para várias faixas etárias ou funções, mais próximos dos moradores e com raios de abrangência mais bem distribuídos. Na figura e tabela a seguir está representado um comparativo entre dois modelos de ocupação recorrentes nas cidades em uma área de 1 ha (10.000m²), um unifamiliar térreo com 36 unidades habitacionais de 70m², e outro exemplo com 364 unidades habitacionais (também com 70m² cada), com 7 pisos verticalizados (aproximadamente 21m de altura total), destacando-se os custos em relação a densidade bruta e líquida nos dois exemplos. Cabe expressar ainda que, no segundo exemplo (multifamiliar), é possível estabelecer o uso misto com maior eficiência (em pavimentos térreos), tendo em vista o aumento considerável de moradores numa mesma área.
Tabela 04 Estudo de comparação entre as tipologias unifamiliar e multifamiliar em 1ha
Outro ponto importante é quanto ao custo nos dois casos exemplificados, pois enquanto o unifamiliar tem um custo estimado de US$ 260 mil, o multifamiliar tem US$ 400 mil, ou seja, 54% a mais. Contudo, se o cálculo do custo de urbanização for feito por domicílio ou número de habitantes pela área, o valor do unifamiliar, com US$ 2.131/habitante, é 6,6 vezes maior que os US$ 323/habitante do exemplo multifamiliar, o que demonstra que essa diferença muito relevante para a viabilização de políticas habitacionais mais abrangentes e democráticas.
A diversidade de usos em maiores densidades habitacionais é um elemento potencializador da qualidade urbana, ao passo que somado à boa infraestrutura e à disponibilidade de melhores equipamentos públicos, com bons mobiliários urbanos e sinalização, tendem a gerar um uso intenso das áreas públicas de um conjunto de habitação. A adoção de quadras abertas, compactas, com fluxos internos nos conjuntos de blocos, é um critério de desenho que induz ao fluxo de pessoas, de usos e ao dinamismo do comércio local. Portanto, com a adoção desses critérios de desenho arquitetônico e urbanístico mais qualitativos, podem-se constituir maiores índices de vitalidade e urbanidade para os condomínios.
Decerto, o desenho urbano de maior densidade define um conjunto construído mais coeso, próximo, e assim, comunitário. Enquanto que o desenho de lotes isolados, em menores densidades, murados e com as famílias individualizadas, acabam por produzir quadras e bairros que segregam e minimizam o convívio coletivo. Sob esse ponto de vista, é ainda mais incoerente os conjuntos habitacionais em condomínios fechados, ainda mais numa sociedade que carece de senso de coletividade e comunidade, capaz de coexistirem as diferenças num convívio harmônico e respeitoso. E civilidade se constitui, também, por meio de desenho urbano.
Considerações finais
A sustentabilidade das cidades perpassa pela discussão sobre a sua densidade como imposição morfológica no espaço urbano, pois é este um dos principais elementos de controle e monitoramento espacial e ocupacional no espaço urbano enquanto fenômeno de dispersão territorial. É a densidade urbana inserida na morfologia que determinará o grau de acessibilidade, a proximidade e o acesso ao emprego e à habitação, com adequada infraestrutura à população economicamente desfavorecida. Por sua vez, a eficiência em infraestrutura e no uso e ocupação do solo urbano em sinergia com as disponibilidades e suportes ambientais do sistema-entorno são pontos vitais no processo de planejamento e gestão de cidades sustentáveis.
O déficit habitacional brasileiro se situa próximo de 9% do total de domicílios (63,8 milhões em 2012), correspondendo a 5,79 milhões de unidades, assim, pode-se estabelecer vários cenários quanto à relação entre densidades e custos de urbanização, conforme os dados apresentados pela pesquisa. Na figura a seguir, como forma de comparação, optou-se por três cenários de Densidade Bruta (estimativa de habitantes por área loteada total): 100 hab/ha, 300 hab/ha e 600 hab/ha. Optou-se por não se alterar a área de habitação a ser construída, nem seus respectivos custos (que podem oscilar conforme o nível de projeto, componentes e a própria verticalização), contudo, concentrou-se o cálculo no custo de urbanização nesses 3 cenários, vislumbrando a economia que se pode ter nesse âmbito conforme as decisões projetuais para maior ou menor densidade. Dessa forma, para que seja suprido o déficit habitacional brasileiro com densidade média bruta de 600 hab/ha, tem-se o custo de urbanização de U$10 bilhões, enquanto que para densidades de 300 e 100 hab/ha, tem-se U$19 bilhões e U$49 bilhões. Uma economia muito relevante que poderia, por exemplo, proporcionar a construção de mais 2 milhões de casas, caso se aumentasse a densidade atual dos conjuntos populares em 6 vezes.
A pressão demográfica, mesmo que minimizada para as próximas décadas, gerou ao longo dos últimos 50 anos um forte déficit socioespacial e socioeconômico que intensificou a ocupação irregular nas áreas periurbanas das cidades brasileiras, a exemplo do que ocorreram nos demais países em desenvolvimento. O grande desafio à gestão e à política urbana para essas regiões é suprir a demanda por habitat urbano com qualidade e otimização na aplicação dos parcos recursos disponíveis. Assim, a densidade passa a ser um fator-chave desse dilema urbano nacional e latino-americano, pois ela pode prenunciar uma melhor alocação de recursos per capita caso se opte por um processo de ocupação de maior compactação; ou então, poderá transformar as ações governamentais no campo de habitação de interesse social num fenômeno urbano agravante das questões sociais (por não atender a todos e custar caro aos cofres públicos) e ambientais (por ocupar grandes áreas naturais periurbanas e poluir o meio ambiente com infraestrutura e serviços urbanos onerosos e deficitários).
A recorrência de uma forte especulação imobiliária, de um setor estratégico para a economia e política (em especial, no caso brasileiro, no qual o setor da construção civil está diretamente atrelado à manutenção de governos locais, estaduais e nacional), acaba por estabelecer uma manutenção do patrimonialismo histórico no país. Assim, se constituem leis que otimizam os ganhos econômicos, protegem os agentes especuladores do território, e estabelecem prioridades de investimentos públicos para custear todo esse sistema. Recursos estes que não chegam ao cerne do problema: o déficit habitacional dos mais pobres. Ferramentas de controle especulativos como a tributação proporcional à renda (e valorização de imóveis), os incentivos e investimentos públicos às áreas mais desfavorecidas, ou mesmo a aplicação de compensações (mais rigorosas) e uso das ferramentas propostas pelo Estatuto das Cidades (melhor aprimoradas para cada localidade), que poderiam exercer uma forma de contenção especulativa e, ao mesmo tempo, fortalecer os cofres públicos, acabam por não ocorrer face à política patrimonialista e clientelista vigente em grande parte das cidades.
É evidente que, pelo cenário descrito, muitos são os problemas conjunturais e de gestão urbana. Mas retomando a ideia de aplicar critérios mais objetivos para a tomada de decisões na formulação de leis urbanísticas, índices ou coeficientes construtivos para distintas partes da cidade, na figura a seguir, está representado uma síntese de um processo de avaliação da densidade urbana e aplicação de índices ou indicadores de qualidade urbana (que podem contemplar campos da qualidade de vida e sustentabilidade).
O Brasil e a América Latina têm exemplos de projetos habitacionais qualitativos em diversos critérios e aspectos levantados. No início dos anos de 1990, a Cooperativa Pró-Moradia de Osasco, São Paulo, o COPROMO, surge com a proposta de se construir cooperativas habitacionais junto às comunidades carentes por meio de mutirão, similar ao que ocorria no Uruguai. Tal iniciativa proporcionou uma interessante forma de conjunto habitacional, com densidade bruta aproximada de 630 hab/ha, que abriga cerca de 1.000 famílias em 54.000m² em 50 edifícios de até 5 pavimentos. O projeto Quinta Monroy chileno, do escritório de arquitetura Elemental (58), em Iquique, abriga 100 famílias em 5.000 m² numa área de ocupação consolidada e terra valorizada. A chave para a viabilização deste projeto foi a minimização de custos face à densidade urbana bruta, com 680 hab/ha, e à forma de execução evolutiva das unidades, que é entregue à família com uma área de 30 m² a um custo de US$7.500 (bem próximo do custo brasileiro de US$300/m²), podendo ser expandida para até 70m² em área prevista no projeto inicial. Para tanto, seu gabarito tem até 3 pavimentos, com um módulo primário padrão em forma de “L”, que permite o aumento da área vertical. Esse conjunto de decisões projetuais permitiu a permanência das famílias na mesma terra, mantendo os vínculos de vizinhança, trabalho e comunidade de décadas. Similar a esse conceito de manutenção da comunidade no lugar, o projeto amazonense PROSAMIM (59) (Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus), coordenado pelo arquiteto Luiz Fernando de Almeida Freitas (60), buscou manter a proximidade das 567 novas habitações de 54 m² cada de até 3 pavimentos, numa área de 92.376 m², junto às áreas antes destinadas às palafitas nas margens dos igarapés de Manaus-AM, contudo, respeitando as áreas de proteção ambiental e segurança perante às cheias dos córregos, a partir de uma densidade bruta de 207 hab/ha, que possibilitou maiores gabaritos e proximidade das habitações aos equipamentos urbanos.
Exemplos de conjuntos no Rio de Janeiro e São Paulo têm demonstrado iniciativas arquitetônicas positivas que denotam um histórico de planejamento habitacional que, mesmo com seus problemas históricos, da dimensão, escala urbana e infinitas problemáticas de duas das maiores metrópoles continentais, apontam possibilidades entre a gestão territorial e a qualidade de conjuntos habitacionais que consideram o lugar e suas condicionantes comunitárias e de permanência de pessoas. No caso de Heliópolis, São Paulo, a Gleba G dos arquitetos Biselli e Katchborian (61) apresentou uma elevada densidade bruta, com 1.150 hab/ha, de uso misto, em 420 unidades habitacionais de US$22.580 com 50m², subsidiadas em 50% pelo governo municipal (62), total de 31 mil m² de área construída. No conjunto habitacional do Novo Santo Amaro, do escritório Vigliecca & Associados (63), o projeto busca atender às demandas por equipamentos, topografia, conexões pedonais e determinantes do entorno, com densidade bruta de 126 hab/ha, face à forma das edificações e disposições de áreas de convívio comunitário. A um custo médio de US$ 32 mil por habitação (50 a 64m²) para 200 famílias, o empreendimento foi orçado em US$ 6,45 milhões e 13.500m² de área construída.
A discussão sobre a densidade urbana no contexto nacional e internacional não deve ser generalizada, pois as particularidades geográficas, demográficas, socioeconômicas, culturais, entre outras, são distintas e variadas. Desta forma, conceitos de alta e baixa densidade e o que aceitável ou não são muito específicos para os diversos continentes, países, cidades ou bairros. Porém, também há uma grande pressão por mudanças que geralmente apontam para a compactação urbana e para a maior densidade habitacional. Apesar de existir em grande parte das cidades brasileiras uma certa resistência considerável à compactação urbana, seja ela cultural (face às referências das famílias à casa do campo e ao quintal), econômica ou política (em decorrência de interesses ou ausência de planejamento urbano e territorial específico), o impacto da dispersão urbana sobre o meio-ambiente e a otimização de custos urbanos por habitante contrariam o predomínio da baixa densidade. O que se deve propor são estudos técnico-científicos orientadores para o planejamento urbano e regional sobre os processos de uso e ocupação do solo, da escala regional à local, estabelecendo-se assim padrões de ocupação coerentes com as condicionantes e determinantes de cada localidade urbana a serem testados, simulados e mensurados de forma contínua.
Enfim, o que se sugere neste trabalho é um planejamento que se sustente, por meio de informações e caracterizações da forma e densidade urbana, transformando em espaço edificado as decisões conceituais a partir de princípios de sustentabilidade urbana e regional, amparado pela gama de informações e ferramentas tecnológicas para o monitoramento, controle e proposição de cenários urbanos futuros. Capacitar o arquiteto urbanista para o embate técnico entre a gestão urbana, as legislações (muitas das quais desatualizadas ou equivocadas), frente aos interesses especulativos de atores econômicos e à sociedade (e sua diversidade de demanda e necessidades), é parte do caminho para se mudar a forma de se fazer cidades no Brasil e América Latina. Nesse âmbito, a densidade urbana, a forma, os processos de dispersão e verticalização exacerbados, são elementos que, se bem amparados por critérios de análises multiescalares e multivariáveis, podem definir alterações na morfologia das cidades a partir de novos marcos legais, mais voltados para a escala do pedestre e para os critérios de sustentabilidade urbana. Se primeiro moldamos as cidades, para que depois elas moldem as pessoas, como cita Jan Gehl, a Arquitetura e o Urbanismo devem ser atores diretos na reabilitação de comunidades (e de sociedades) fragmentadas e em crescente conflito.
notas
1
Pesquisa em Projetos de Arquitetura e Urbanismo Mais Sustentáveis (2012-2016) – vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba – PPGAU-UFPB, João Pessoa-PB, Brasil, e ao Pós-Doutorado em Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Lisboa, em Portugal. Apoio financeiro da CAPES, ainda em andamento. Este artigo é a síntese desta primeira fase concluída.
2
Como parâmetro para o Desenho Urbano e à crítica analítica dos casos escolhidos pela pesquisa, optou-se por esses dois critérios de densidade (populacional e habitacional), como ferramenta mais simplificada e capaz de estabelecer comparações e cenários.
3
MERLIN, Pierre; CHOAY, Françoise. (2000). Dictionnaire de L’Urbanisme et de L’aménagement. Paris: Presses Universitaires de France, 2000.
4
Idem.
5
Essa definição difere em partes do método adotado pela pesquisa, que contabiliza a densidade bruta como a área a ser parcelada e ocupada (vias, equipamentos, habitações) – Acioly & Davidson (1998) –, exceto as áreas de preservação, e densidade líquida como área de potencial construtivo para a habitação e usos mistos – área loteável –, exceto vias e calçadas. Essa caracterização será melhor definida no capítulo seguinte deste artigo.
6
ALEXANDER, Christopher; ISHIKAWA, Sara; Silverstein, Murray. Uma linguagem de Padrões / A Pattern Language. Porto Alegre: Bookman, 2013.
7
MERLIN, Pierre; Choay, Françoise. Dictionnaire de L’Urbanisme et de L’aménagement. Paris: Presses Universitaires de France, 2000.
8
BERTAUD, A. Metropolis: A Measure of the Spatial Organization of 7 Large Cities, In Alain Bertaud Web Page.
BERTAUD, A. The Spatial Structure of Cities: International Examples of the Interaction of Government, Topography and Markets, In Alain Bertaud Web Page.
9
BERTAUD, A.; Malpezzi, S. The Spatial Distribution of Population in 48 World Cities: Implications for Economies in Transition, In Alain Bertaud Web Page.
10
ALEXANDER, Christopher. A city is not a tree. Design, London: Council of Industrial Design, n° 206, 1966.
11
Idem.
12
Além das cidades norte-americanas (EUA e Canadá) e da Bretanha, países como África do Sul, Austrália e Nova Zelândia obedecem aos semelhantes princípios de urbanização dispersa e de baixa densidade das Cidades Jardins.
ALEXANDER, Christopher; Ishikawa, Sara; Silverstein, Murray. A Pattern Language. Porto Alegre: Bookman, 2013.
Pont, Meta B.; Haupt, Per. Spacematrix: Space, Density and Urban Form. Rotterdam: NAI Publishers, 2010.
14
Congresso Internacional da Arquitetura Moderna.
15
Avanço das tecnologias de mapeamento por imagens de satélite se dá nesse período. Acesso a essas novas tecnologias SIG amparam a crítica dos impactos da urbanização.
16
JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
17
Jacobs (1961 e 2000 – trad.); Alexander, Ishikawa & Silverstein (1977 e 2013 – trad.); Lozano (1990); Duany, A. & Plater-Zyberk, E. (1991 e 2001); Jenks et al (1996); Girardet (1997); Breheny (1997); Acioly & Davidson (1998); Hall (1999); Rueda (1999 e 2002); Newman & Kenworth (1999); Florida (2002); Burton (2002); Carmona & Tiesdell (2003); Bertaud & Malpezzi (2003); Bertaud (2004); Rogers & Gumuchdjian (2005); Carmona et al (2007); Kann & Leduc (2008); Edwards (2008); Pont & Haupt (2010); Gauzin-Muller (2011); Farr (2013); Gehl (2014); Mostafavi (2014), entre outros teóricos do urbanismo defensores da compactação urbana.
18
Pont, Meta B.; Haupt, Per. Spacematrix: Space, Density and Urban Form. Rotterdam: NAI Publishers, 2010.
19
Bertaud, A.; Malpezzi. The Spatial Distribution of Population in 48 World Cities: Implications for Economies in Transition, In Alain Bertaud Web Page.
20
Acioly, C. e Davidson, F. (1998). Densidade Urbana: um instrumento de planejamento e gestão urbana, / tradução Claudio Acioly, Rio de Janeiro, Mauad.
21
Em estudos urbanos sobre a densidade urbana (populacional ou habitacional), a unidade de medida mais utilizada é o Hectare (Ha). (Acioly & Davidson, 1998: 16).
22
ACIOLY, C; DAVIDSON, F. Densidade Urbana: um instrumento de planejamento e gestão urbana. Tradução Claudio Acioly, Rio de Janeiro, Mauad, 1998.
23
Idem.
24
Idem.
25
MASCARÓ, J. Desenho Urbano e Custos de Urbanização, Brasília, MHU/SAM.
MASCARÓ, J. Custos de Infra-estrutura: um ponto de partida para o desenho econômico urbano, Tese de livre docência, São Paulo, FAU-USP.
MASCARÓ, J. Infra-estrutura urbana, Porto Alegre, Masquatro Editora.
26
ZMITROWICZ, W.; De Angelis Neto, G. Infra-Estrutura Urbana, São Paulo, Textos Técnicos, POLI-USP, 1997.
27
PONT, Meta B.; Haupt, Per. Spacematrix: Space, Density and Urban Form. Rotterdam: NAI Publishers, 2010.
28
ROMERO, M. A. B. Arquitetura do Lugar: uma visão bioclimática da sustentabilidade em Brasília, São Paulo, Nova Técnica Editorial, 2011.
29
SILVA, G. J. A. da Cidades sustentáveis: uma nova condição urbana. Estudo de Caso: Cuiabá-MT, Tese de Doutorado (Arquitetura e Urbanismo), Brasília-DF, PPG-FAU-UnB.
30
FARR, Douglas. Urbanismo Sustentável. Porto Alegre: Bookman, 2013.
31
BERTAUD, A.; Malpezzi, S. The Spatial Distribution of Population in 48 World Cities: Implications for Economies in Transition, In Alain Bertaud Web Page, 2003.
32
Idem.
33
BERTAUD, Alain. The spatial organization of cities: Deliberate outcome or unforeseen consequence? In Alain Bertaud Web Page, 2004. Disponível em: <http://alain-bertaud.com/images/AB_The_spatial_organization_of_cities_Version_3.pdf>. Acesso em: 23/09/2011.
34
Idem.
35
BERTAUD, A. The Spatial Structure of Cities: International Examples of the Interaction of Government, Topography and Markets, In Alain Bertaud Web Page.
36
SILVA, G. J. A. da. Cidades sustentáveis: uma nova condição urbana. Estudo de Caso: Cuiabá-MT, Tese de Doutorado (Arquitetura e Urbanismo), Brasília-DF, PPG-FAU-UnB, 2011.
37
ZMITROWICZ, W.; De Angelis Neto, G. Infra-Estrutura Urbana, São Paulo, Textos Técnicos, POLI-USP, 1997.
38
Idem.
39
Idem.
40
Idem.
41
MIRANDA, E. E. de; Gomes, E. G. e Guimarães, M. Mapeamento e estimativa da área urbanizada do Brasil com base em imagens orbitais e modelos estatísticos, Campinas-SP, Embrapa, Monitoramento por Satélite, 2005. Disponível em: <http://marte.sid.inpe.br/col/ltid.inpe.br/sbsr/2004/11.12.11.18/doc/3813.pdf>
42
A pesquisa não buscou conferir a metodologia de análise desses trabalhos, apenas cita as publicações divulgadas pelos autores.
43
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Resultados do Censo 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/censo2010/resultados_do_censo2010.php>.
44
ZMITROWICZ, W.; De Angelis Neto, G. Infra-Estrutura Urbana, São Paulo, Textos Técnicos, POLI-USP, 1997.
45
Essas estimativas de custos foram revistas neste trabalho a partir de novos dados de custos de urbanização calculados em 2012 (Infraestrutura Urbana, Editora PINI).
ZMITROWICZ, W.; De Angelis Neto, G. Infra-Estrutura Urbana, São Paulo, Textos Técnicos, POLI-USP, 1997.
46
MASCARÓ, J. Infra-estrutura urbana, Porto Alegre, Masquatro Editora, 2005.
47
United Nations. World Urbanization Prospects: The 2014 Revision. Department of Economic and Social Affairs, Population Division. Nova York: UN-DESA, 2015. Disponível em: <http://esa.un.org/unpd/wup/>.
48
Idem.
49
SANTOS, M. A Urbanização Brasileira. 5ª Ed., 2. Reimpressão, São Paulo, EdUSP, 2009.
50
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2008). Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade Para O Período 1980-2050, revisão 2008. Rio de Janeiro: IBGE, 2008.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Resultados do Censo 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/censo2010/resultados_do_censo2010.php>.
51
SANTOS, M. A Urbanização Brasileira, 5ª Ed., 2. Reimpressão, São Paulo, EdUSP.
52
Esta afirmação de custos decorre dos cálculos produzidos nesta pesquisa, mapeados em frações urbanas de 5ha, mas que não consideram os custos específicos de urbanização face à qualidade e tempo/período de execução, ou mesmo período histórico em que a obra fora realizada. Assim, trabalhou-se com custos atuais de urbanização, notadamente, do ano de 2012, no padrão construtivo e de custos brasileiro, o que possibilitou apontar alternativas de densidades mais econômicas neste cenário.
53
BERTAUD, A.; Malpezzi, S. The Spatial Distribution of Population in 48 World Cities: Implications for Economies in Transition, In Alain Bertaud Web Page, 2003.
54
ACIOLY, C; DAVIDSON, F. Densidade Urbana: um instrumento de planejamento e gestão urbana. Tradução Claudio Acioly, Rio de Janeiro, Mauad, 1998.
55
Fundação João Pinheiro. Déficit Habitacional no Brasil 2011-2012: Resultados Preliminares / Nota Técnica. Belo Horizonte: FJP, 2014.
56
Idem.
57
SILVA, G. J. A. Cidades sustentáveis: uma nova condição urbana. Estudo de Caso: Cuiabá-MT, Tese de Doutorado (Arquitetura e Urbanismo), Brasília-DF, PPG-FAU-UnB.
58
Elemental Arquitetura, arq. Alejandro Aravena, Chile. Disponível em: <http://www.elementalchile.cl/>.
59
PROSAMIM (Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus). Disponível em: <http://prosamim.am.gov.br/>.
60
CoOperaAtiva – Cooperativa de Profissionais do Habitat do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://cooperaativa.blogspot.com.br/>.
61
Biselli e Katchborian Arquitetos Associados. Disponível em: <http://www.bkweb.com.br/>
62
Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – Disponível em: <http://www.cohab.sp.gov.br/Noticia.aspx?Id=10>.
63
Arquitetos Vigliecca & Associados. Disponível em: <http://www.vigliecca.com.br/>
sobre os autores
Geovany J. A. da Silva é pós-doutorando pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, Portugal; Pesquisador do CIAUD-FA-ULisboa; Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Paraíba, PPGAU-UFPB.
Samira Elias Silva é doutoranda da Faculdade de Arquitetura, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal; Pesquisadora do CIAUD (Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design), Faculdade de Arquitetura, ULisboa.
Carlos Alejandro Nome é professor doutor do programa de pós-graduação em de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Paraíba, PPGAU-UFPB.