Tarsila do Amaral, a modernista
Tarsila do Amaral, a modernista
O moderno em construção
Nádia Battella Gotlib
Senac São Paulo, São Paulo; 1ª edição, 1998
edition: português
216 p
22 x 22 x 2 cm
800 g
photos
ISBN
978-85-735-9044-9
(artes plásticas, pintura)
about the book
Tarsila, amora amorável d’Amaral,
eis uma imagem poética que pode apontar um principio de construção desta biografia da mulher e da pintora Tarsila do Amaral, de autoria de Nádia Battella Gotlib. Nesses versos, do poema "Brasil/Tarsila", de Carlos Drummond de Andrade, que introduz o livro, a forma poética procura traduzir o colorido e a vitalidade despreconceituosa da artista-mulher, que rompeu clichês artísticos e o estereotipado dos papéis femininos para se fazer símbolo do modernismo brasileiro.
Se para o poeta, Brasil e Tarsila são homólogos, para quem lê esta biografia os traços da artista-mulher também se associam. Há, nesse sentido, exercícios de emancipação da artista que pinta a realidade brasileira, trazendo as cores da nossa gente, e exercícios da mulher exuberante que enfrenta preconceitos, sem nunca perder a elegância. A artista-mulher é desenhada por Nádia Battella Gotlib através de recortes, como se eles fossem alegres exercícios de vida. O bom humor se expressa, através dessa personalidade cheia de vitalidade, como uma das marcas de nossa maneira de ser, da nossa diferença.
Entre o pintar e o viver, Nádia Battella Gotlib constrói essa personalidade liberta, "esboçando" inicialmente sua imagem virtual para, depois, preenchê-la desde os "primeiros" até os "últimos" traços — a imagem do (auto)retrato, já dentro de uma moldura. Entre essas balizas, a crítica desenha a figura da musa radiante (tornando-nos ainda ao poema de Drummond), que fez de sua vida uma contínua busca afetiva e artística. Num movimento para "dentro", ela nos mostra como essa personalidade imprimia a força de sua individualidade – um traço correlato à abertura da artista para o coletivo das "coisas brasileiras". Para "fora", a identidade individual de Tarsila conflui para a de seu grupo social, colocando-a como atriz dinâmica das tendências modernistas do Pau-Brasil e da Antropofagia. Numa Iaçada mais larga, esse direcionamento vetorial levou-a a encontrar "coisas parisienses" que, no refluxo dialético, antropofagicamente, tornaram-se também "coisas brasileiras".
O retrato da artista-mulher é, em boa medida, desenhado pelo texto e pelas imagens de Nádia Battella Gotlib, que recupera os próprios gestos dessa personalidade singular, tal como eles se configuram nas memórias, entrevistas, depoimentos, cartas e também nos desenhos de viagens e auto-retratos. A Tarsila vista por "dentro" – em momentos e situações psicossociais diferenciados. Outros traços, por "fora", vêm através da voz de outros atores do modernismo de 1922, seus companheiros de percurso. Também sob esse aspecto, Tarsila do Amaral, a modernista é um convite para se ver as relações que sua arte mantém com os poemas, manifestos, memórias, narrativas em prosa, desenhos pinturas de outros autores, evidenciando a atmosfera intelectual desse tempo de rupturas.
Dessa forma, como quer a crítica, o texto sintético alia-se ao apelo visual para o leitor-espectador recriar a imagem da artista, uma imagem entre outras (cativantes) imagens possíveis. Essa estratégia discursiva de construção é atual, permitindo possibilidades de apreensão inovadoras como aquelas que certamente motivaram as primeiras "leituras" da arte de Tarsila e da vanguarda modernista dos anos 20. Está aí, ao mesmo tempo, todo um material para estudo das imbricações de sua pintura com o conjunto desse movimento, em especial em suas manifestações literárias.
Tarsila do Amaral, a modernista – em termos de concepção de uma biografia – não se limita apenas a referir-se aos traços da artista-mulher. Trata-se, além disso, de um objeto-livro que procura recuperar em sua própria fatura o sentido dos gestos de Tarsila e da vanguarda modernista, reconfigurando-os, em movimentos rápidos e coloridos (no texto e na iconografia), para o público atual. É igualmente um objeto-livro afim da artista-mulher, onde o artístico e o biográfico se associam: o colorido e o bom humor, como forma de transgressão de padrões conservadores.
Tarsila mostra ao leitor-fruidor, nessas imagens, que não teve medo de ser feliz. Com charme ela enfrentou o provincianismo patriarcal e teve amores, vários casamentos – a amora amorável d’Amaral. Personalidade liberta, fez suas as cores caipiras interioranas, que matizaram as representações (de ênfase social) da aceleração vertiginosa da industrialização. Cidade-campo, como se vê, igualmente aproximados por um hífen, como a sofisticação parisiense dos seus vestidos, que se casava, com efeitos de atração e de provocação, ao seu corpo de paulistinha – a arte de ser musa. Tarsila, dessa forma, desenha-se, pelos traços de Nádia Battella Gotlib, como mulher excêntrica, uma atriz típica da fase heróica de nosso modernismo, que "desrecalca" (o termo é de Antonio Candido) nossa consciência de colonizados.
about the author
Nádia Battella Gotlib
Graduada em Letras Brasileiras pela UnB, mestrado e doutorado em Literatura Portuguesa pela USP e livre-docência em Literatura Brasileira pela USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da USP.