A descoberta do local que deu origem ao povoamento de uma região geralmente é motivo de curiosidade e valorização e na maioria das vezes se transforma em um ponto de visitação e de atração turística. Os vestígios arqueológicos que testemunham as ocupações mais antigas costumam ser conservados pela população atual como sendo um patrimônio local que devem ser preservados para as gerações futuras. Mas, no Brasil nem sempre existe o reconhecimento do valor histórico das marcas físicas do passado e neste sentido muito se perde em termos de história, de aproveitamento turístico e de geração de recursos econômicos.
A explicação filosófica que pode ser dada é que a idéia de modernidade foi absorvida como sendo o oposto ao antigo, sem a consideração que a tradição é um fio condutor de identidade cultural e de herança patrimonial. O patrimônio cultural relacionado aos processos étnicos locais em muitos países constitui ponto de atração turística e, com a globalização tendem a ser valorizados pois constituem a atração diferenciada.
A urbanização e modernização não levaram em conta nas modificações realizadas, muitas construções e traçados existentes, que constituem os vestígios materiais que testemunham o processo de ocupação e transformação das cidades. Neste sentido, construções foram e continuam a ser destruídas para dar lugar a novas propostas.
Muitas informações foram perdidas pela ausência de documentação e muitas informações históricas que se encontram soterrados podem no presente ser resgatadas através da pesquisa arqueológica. Neste sentido, a Paisagem brasileira tem se mostrado surpreendente com a recuperação de dados e estruturas em áreas com intervenções antrópicas profundas.
Alphaville, exemplo de condomínio moderno foi construído em uma região que teve uma ocupação antiga pouco conhecida pela população atual.
A pesquisa arqueológica que foi realizada no bairro da aldeia, município de Barueri, pode ser mencionada como exemplo de como tem sido considerados os sítios arqueológicos. O caso deve ser visto como positivo na proposta inicial e negativo no abandono da finalização do projeto. O aspecto positivo foi o investimento de uma prefeitura municipal na busca da história local e da confirmação das informações sobre o a sua origem, que teria sido o antigo aldeamento jesuítico.
O bairro da aldeia em Barueri sempre foi conhecido como tendo sido o local onde esteve localizado o aldeamento jesuítico do século XVI, que de acordo com a história corrente do município de Barueri foi fundado em 1560 pelo próprio Anchieta. Entretanto, esta afirmação pode servir como uma hipótese a ser trabalhada em oposição aos dados que constam na historiografia oficial, que dá a data de 1610 como da implantação do estabelecimento pelo padre João de Almeida.
Apesar das várias informações contraditórias e imprecisas sobre a criação do aldeamento de Barueri, ele está entre os primeiros estabelecimentos relacionados ao rio Tiete, que é um grande articulador de caminhos. Provavelmente também está ligado ao ramal do Peabiru, nome da rede de caminhos indígenas, que ligava o litoral ao interior e à bacia do rio da Prata. Fazia parte do cinturão de aldeamento implantados em volta de São Paulo de Piratininga, para garantir a sua segurança.
Na implantação do aldeamento foram incorporadas as características e conquistas indígenas, principalmente no que se refere à localização e disponibilidade de recursos.
O antigo aldeamento de Barueri estava situado às margens do rio Tiete, no topo de uma elevação, longe das enchentes, mas próximo da água e com uma ampla visão da paisagem ao redor, aspectos que caracterizam as antigas aldeias indígenas.
O exame do platô, onde hoje está localizado o bairro da aldeia, indica com precisão o tamanho possível do antigo aldeamento, citado em quase todos os textos como de grande contingente demográfico.
Uma das características dos aldeamentos paulistas foi a sua grande instabilidade, principalmente demográfica, pois a população indígena acabava sendo deslocada de acordo com as solicitações de trabalho.
A situação de estagnação e decadência da ação missionária se agravou mais com a expulsão dos jesuítas do Brasil 1759, quando a maior parte dos aldeamentos acabou sendo entregues ao seu próprio destino. Com a saída dos religiosos, os aldeamentos em geral e principalmente o de Barueri entraram em decadência e abandono. O aldeamento de Barueri passou a ser administrado pelos carmelitas e juntamente com os outros aldeamentos paulistas coloniais, foi considerado como extinto pela administração pública em meados do século XIX.
O processo de urbanização do bairro da aldeia, que foi construído sobre o primitivo povoamento, ignorou os vestígios ainda existentes do aldeamento. A única referência ao antigo estabelecimento é capela de Nossa Senhora da Escada, uma construção descaracterizada pelas constantes interferências “modernizadoras”. Estava aí o grande desafio. Tentar descobrir se realmente aquele era o local do antigo aldeamento.
A descoberta e o resgate das informações sobre o antigo estabelecimento passou a envolver toda a comunidade local e conforme as pesquisas foram avançando cresceu também o desejo de compartilhar a experiência com um maior número de pessoas e transformar o lugar em um ponto de atração turística. O potencial para isto existe, pois não existe nenhum aldeamento jesuítico do século XVI escavado e o sítio em questão tem importância não apenas local, mas para a história de São Paulo. Essa situação em qualquer lugar mundo seria de valorização e comercialização, com o estabelecimento de um museu de sítio e de várias situações decorrentes.
A possibilidade de implantar um museu de sítio, ampliando as escavações para a Praça Nossa Senhora da Escada levou a elaboração de um projeto de revitalização da área do entorno e um leque de desdobramentos de uso social e educacional. Inclusive uma publicação didática para ser utilizada no âmbito de um Programa de Educação Patrimonial a ser desenvolvido junto às escolas do município. Esse trabalho foi realizado quase que integralmente na capela, que foi reformada, deixando à mostra as estruturas antigas que se encontram sob a construção atual.
Entretanto, o projeto morreu aí....
Do ponto de vista turístico ficou o Museu de Barueri, que foi reestruturado para abrigar as informações e o material resgatado nas escavações e merece ser visitado.
Assim, o grande projeto de implantação de um museu de sítio e revitalização da área do entorno que visava tornar o local em um ponto de atração turística acabou ficando na implantação do Museu de Barueri, que hoje abriga um acervo que merece ser visitado e gerencia visitas ao sítio arqueológico que constitui mais uma promessa e permanece no nível do potencial.
O turismo e particularmente o turismo arqueológico na área urbana de São Paulo e municípios do entorno é uma abstração para a maioria e uma realidade frustrante para os que conhecem o seu potencial.
sobre o autor
Maria Cristina Mineiro Scatamacchia, Profa.Dra do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, presidente da Comissão de História do Instituto Panamericano de Geografia e História – OEA, editora da Revista de Arqueologia Americana, coordenadora do Programa Arqueológico do Baixo Vale do Ribeira.