Para quem se interessa e está envolvido com os campos do turismo e da arquitetura, em especial pela ótica da hospitalidade, o título de Lúcio Grinover talvez tenha sido dos mais aguardados dos últimos anos. A proposta de contemplar as diferentes áreas do conhecimento em uma discussão acerca da cidade como um espaço onde se acolhe pessoas vindas de fora é relevante, necessária e divertida.
Arquiteto pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e pós-doutorado na França pelo Institut de Recherche pour le Développement (IRD), Lúcio Grinover esteve em contato com diferentes grupos de pesquisadores, dos quais carrega influências. Pelo campo da arquitetura, reproduz a preocupação com o planejamento e com a qualidade do ambiente urbano. Das abordagens teóricas acerca da hospitalidade, absorve as discussões conduzidas pelo grupo francês do Centro de Literatura Contemporânea da Universidade Blaise Pascal, coordenado pelo Professor Alain Montandon e do Centro de Estudos sobre as Relações Sociais da Universidade de Paris, sob coordenação da socióloga Anne Gotman.
Acadêmico de carreira, Grinover foi professor e diretor da FAU-USP, além de professor visitante das universidades de Hokkaido, no Japão e La Sapienza, em Roma. Mais recentemente, foi professor e coordenador do Programa de Mestrado em Hospitalidade da Universidade Anhembi Morumbi, onde passou a integrar o grupo brasileiro que se propôs a conduzir pesquisas sobre hospitalidade, considerando-a “como a variada gama de atividades envolvidas com o receber humano, abrangendo não só os aspectos comerciais ligados à hotelaria e à restauração, mas também o setor denominado receptivo turístico, a recepção e a hospitalidade graciosas, efetuadas por famílias em suas casas e todo o sistema urbano e sua infra-estrutura, envolvidos com modelos culturais associados ao receber: os eventos, o cerimonial, as festas, o lazer” (1).
Neste grupo, Grinover adere à abordagem da hospitalidade como fato social, decompondo-o até o nível da hospitalidade urbana, a partir do qual se propõe a investigar temas que estabelecem pontos de intersecção entre o urbanismo, a arquitetura, o ambiente, a sociedade, a semiótica, a estética e a hospitalidade.
Por conseqüência deste histórico, a postura do autor em relação ao tema proposto no livro A hospitalidade, a cidade e o turismo, não é outra senão conduzir um estudo interdisciplinar sobre a cena contemporânea, dentro da qual as questões relacionadas à arte de acolher e à prática de organizar o espaço ganham destaque. Dedicado a profissionais do turismo e da arquitetura, bem como a estudantes, professores e mesmo a um público mais heterogêneo, o livro se propõe abrangente e eclético na interpretação de questões relativas à cidade e ao território.
Dividido em oito capítulos, o livro traz os conceitos básicos de hospitalidade e seu desenvolvimento histórico, até a contemporaneidade, apresentando a atividade como um campo interdisciplinar de estudos, ao qual aderem a economia, a sociologia e a cultura. Considerando a cidade como o espaço onde se materializam as relações sociais, Grinover aponta elementos que descrevem a importância do planejamento e gestão de espaços urbanos sustentáveis, além de indicar as características urbanas que confeririam às cidades condições de competir com outras cidades em um ambiente globalizado.
Estas características urbanas, que confeririam às cidades o título de “hospitaleiras”, dariam origem às categorias de análise dos níveis de hospitalidade de uma cidade, quais sejam, “a acessibilidade, a legibilidade e a identidade relacionadas à escala urbana”, nas palavras do autor.
Segundo ele, é o espaço urbano, “a arquitetura da cidade, que se identifica com o objeto de estudos mais interessantes na estruturação e organização do acolhimento, dos meios de deslocamentos, dos lugares de repouso, dos parques e jardins, dos monumentos e de tudo aquilo que pode tornar agradável a permanência, e onde todos esses elementos de análise contribuem para tornar a cidade hospitaleira”.
Na forma, o livro, entretanto, deixa a desejar em relação ao rigor gramatical, apresentando inconsistências ortográficas e estilísticas. Nada que uma segunda edição, revista, não resolva.
No conteúdo, há que se observar ainda que, em determinado ponto, o texto se perde e se estende em discussões acerca do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. Não se trata de dizer que tais assuntos não sejam relevantes ou não necessitem ser discutidos, ao contrário, é ímpar que façam parte da pauta de profissionais de quaisquer áreas do conhecimento.
Entretanto, em relação ao livro de Grinover, nem o título nem a apresentação se propõem a ter o desenvolvimento sustentável como foco principal da discussão, o que não justificaria sua abordagem em mais de 50 páginas do livro, enquanto assuntos como globalização e hospitalidade urbana, fundamentais para o entendimento do papel das cidades na tarefa de acolhimento de moradores, visitantes e turistas, aparecem discutidos em apenas três páginas, nas quais são abordados de forma superficial conceitos relevantes como os de internacionalização, urbanização, desterritorialização e políticas de revitalização ou renovação de espaços urbanos.
Tais conceitos, absolutamente necessários para que sejam adequadamente compreendidas as relações intrínsecas entre a hospitalidade e a constituição dos espaços urbanos, tanto em termos éticos como estéticos, aparecem como apêndices de uma discussão na qual a sustentabilidade é o ponto central.
Em outras palavras, quer-se destacar que o livro dedica três extensos capítulos (e um quarto bastante reduzido) para introduzir o que deveria ser sua maior discussão – a abordagem d'A hospitalidade na cidade e no território, ou da cidade organizada como uma confortável sala de estar e de visitas, discutida em apenas um capítulo e 20 páginas –, e apresentar sua maior colaboração: a proposta de novas Políticas da hospitalidade, que relacionam o acolhimento às qualidades do ambiente urbano e sugerem indicadores ambientais de turismo e de hospitalidade sustentáveis.
Que a mensagem deixada pelo autor seja a importância de aliar a produção de um espaço urbano sustentável à prática da hospitalidade social e turística de qualidade, a despeito dos problemas relacionados à forma e ao conteúdo, é imprescindível que se diga que a maior contribuição do livro de Lúcio Grinover é incutir na mente de pessoas que de qualquer forma encontram-se envolvidas com os assuntos abordados a idéia desafiadora de ir além do conjunto atual básico de temas de estudos relacionados ao turismo, à hospitalidade e à arquitetura e urbanismo. Lúcio Grinover aponta com muita competência um caminho novo a ser seguido e expõe a necessidade urgente de que sejam conduzidas discussões tão abrangentes e relevantes quanto a por ele proposta, dando continuidade à sua produção.
notas
1
DIAS, Célia Maria de Moraes. Hospitalidade, reflexões e perspectivas. Barueri, Manole, 2002. p. VIII.
sobre o autor
Ana Paula Garcia Spolon é hoteleira, mestre e doutoranda pela FAU/USP, onde desenvolve temas sobre renovação urbana e desenvolvimento turístico. Atua na área de planejamento e desenvolvimento de projetos turístico-hoteleiros há 15 anos.