Para que servem os parques, praças e jardins?
Numa perspectiva histórica, os espaços livres no Brasil foram criados como elementos de valorização dos edifícios mais importantes das cidades, notadamente as igrejas, e também como locais de concentração das práticas sociais e comerciais de seus cidadãos. De simples terreiros, aos poucos foram sendo adaptados para proporcionar maior conforto, ganhando arborização e ambientação de acordo com os conceitos estéticos do momento. A partir dos anos 1960-70, incorporaram novas funções – esportivas, por exemplo – e hoje apresentam programas com intenções temáticas, do tipo praça dos namorados, jardim dos beija-flores, cantinho da melhor idade, praça de alimentação... E permitem que os usuários respirem, mantenham contato com pássaros e outros pequenos animais, se encantem com a transformação periódica dos elementos naturais, tomem sol, sintam perfumes, encontrem pessoas e façam novos amigos, consigam um certo isolamento de ruídos, poluição e tensões cotidianas, enxerguem novas perspectivas, exercitem a musculatura ocular, que acaba se atrofiando se nunca for exigida sua dilatação para focar longas distâncias...
O paisagista pode fazer uma paisagem memorável?
As paisagens culturais não nascem memoráveis, mas podem ir se tornando ao longo do tempo, em função da qualidade de sua concepção, de sua flexibilidade aos novos usos e mesmo de sua aceitação pela população local. Alguns projetos apresentam potencial quando ainda estão no papel, mas imprevistos acontecem e as rejeições nem sempre são explicáveis a priori. E como não conheço nenhuma obra memorável que não seja sucesso de público, acredito que a vinculação entre uma coisa e outra seja obrigatória. E é esse o desafio a ser enfrentado pelo paisagista: propor algo diferente, que atraia a atenção da população, ou se limitar aos usos consagrados? É lógico que se o profissional não tem nada de novo a propor, não adianta inventar maluquices, só para ser diferente; mas talvez o feijão-com-arroz não seja saboroso a ponto de despertar o interesse geral. A saída pode ser a consulta aos prováveis usuários e detectar os anseios ocultos da comunidade. Como se faz isso? Não tenho uma fórmula, cada caso é um caso, mas os diversos processos participativos experimentados estão aí para servirem de escola.
Vale a pena andar milhares de quilômetros para conhecer obras de landart?
Acho que não, até porque a grande maioria dessas obras é efêmera e só sobrevive através do registro fotográfico que se fez delas em seguida à sua “montagem”. Ou seja, a obra passa a ser sua representação gráfica e, como advertiu Magritte, “ceci n’est pas une pipe”. Em seu livro Submundo, o escritor Don DeLillo criou uma personagem que se dedica a colorir psicodelicamente 230 aviões desativados da Segunda Guerra, após reuni-los numa determinada região do deserto do Mojave, contando com uma trupe de hippies para ajudá-la nessa empreitada. Suponho que a imagem que criei em minha mente dessa colossal obra de land art deva ser bem mais atraente que a própria obra, se existisse na vida real, que mais se assemelharia a uma dessas grotescas oficinas de desmanche, tão comuns nas periferias de nossas metrópoles. Mas tem um trabalho que gostaria muito de visitar: o Monumento Neguev, implantado por Dani Karavan em pleno deserto israelense, que é moldado em concreto e não tem nada de efêmero.
Os pocket parks nova-iorquinos são significativos?
Basta permanecer alguns minutos em um deles para perceber sua importância no cotidiano dos cidadãos. Mas mais eficazes seriam se sua distribuição pelo tecido urbano obedecesse a uma estratégia regional, pois sabe-se que foram surgindo ao sabor do mecenato e não de um planejamento global. Um dos grandes desdobramentos dos pocket parks é o estímulo à criação de uma outra tipologia de ambiente urbano: o espaço privado de uso público, modalidade hoje bastante presente em São Paulo, mas ainda tímida no Rio de Janeiro.
Cite uniões felizes entre arquitetura e paisagismo
A mais perfeita simbiose que conheço entre arquitetura, paisagismo e desenho urbano é o Oakland Museum, com arquitetura de Kevin Roche & John Dinkeloo e paisagismo de Dan Kiley. Nessa obra é impossível determinar onde termina o trabalho de um e começa o de outro. Outro exemplo com esse nível de interpenetração, só a Fontana di Trevi, onde arquitetura, escultura e paisagismo dialogam de forma única.
Mas o Palácio Gustavo Capanema no Rio também é um excelente exemplo de matrimônio feliz, assim como o complexo La Alhambra-El Generalife e o Parque Güell, em que Gaudí criou colunas que lembram troncos de árvores e ao mesmo tempo se confundem com as palmeiras plantadas no plano superior.
Quais são os jardins imperdíveis para se visitar?
Quais são os grandes paisagistas do século 20?
Vou me limitar aos brasileiros, para não me estender por páginas sem fim: Roberto Burle Marx, Fernando Chacel e Rosa Kliass. Burle Marx entrou com a mentalidade, a cultura e a arte, introduzindo visões muito avançadas sobre natureza, estética e percepção do espaço livre; Chacel propôs, materializou e consagrou o conceito de ecogênese, que se arraigou nos novos paisagistas e serve como norte para projetos em qualquer escala; e Rosa, além da riqueza estética e conceitual de seus trabalhos, sobretudo os mais recentes, conseguiu dar forma a um ofício ainda não reconhecido e aglutinar profissionais esparsos por esse Brasil afora. Os três atuaram (e atuam) em várias frentes no território nacional e deixarão heranças difíceis de serem sobrepujadas por outros profissionais.
Espaços livres conformam o caráter de uma cidade?
Algumas cidades têm espaços livres mais memoráveis que outras, mas creio que todas contam com pelo menos um ambiente ao ar livre para uso familiar dominical.
Pode ser um parque projetado, um recanto na beira do rio, ou mesmo um descampado insosso. É fato que a população prefere consumir seu tempo livre em contato com o sol, com o vento e, de preferência, com a água. O Rio de Janeiro, por sorte, oferece vários desses espaços, além das praias, muito atrativas como espaços democráticos de lazer. Mas o interessante é que as praias não prejudicam a franca utilização dos parques, pois em dias ensolarados todos eles ficam lotados, mesmo na Zona Sul, onde aquelas se concentram.
Ou seja, a cidade se tornaria inviável sem esses espaços de convívio, em que é possível passar um dia inteiro com muito pouco dinheiro e sem preocupações com a grife da roupa ou o penteado. É o ambiente da descontração, onde as pessoas se mostram como realmente são, diferentemente do shopping center, do teatro e do cinema. Não é a toa que a cada dia novos parques são criados nas cidades brasileiras. Eu mesmo já tive a chance de projetar alguns para cidades com pouquíssimos habitantes, em que se atinge o ambiente natural com poucos passos; mas o parque planejado é diferente, pois institucionaliza os efeitos benéficos da vida ao ar livre.
Você fez alguma viagem com o objetivo de ver algum projeto paisagístico?
Muitas, como ir a Granada para passar um dia inteiro sem almoço em La Alhambra e El Generalife, atravessar a pé uma favela barcelonesa para subir ao Parque Güell, enfrentar uma greve de trens para chegar a Versalhes, ou mesmo pegar uma auto-estrada californiana até Pasadena para conhecer a antiga propriedade de um miliardário que dedicou sua vida a contratar paisagistas de vários cantos do mundo – japoneses, árabes, europeus – para projetar grandes ambientes de acordo com suas culturas, resultando numa espécie de Epcot paisagístico, “coisa de americano”, mas com um certo cunho didático (?). Mas nenhuma dessas viagens me encantou tanto quanto as que empreendi com o objetivo de conhecer paisagens naturais, como os parques nacionais de Sete Cidades, Vila Velha e Jurubatiba, a Chapada dos Guimarães, Torres e o delta do Parnaíba, entre tantas outras.
O que visitar em sua cidade?
Dentre os locais óbvios, o Jardim Botânico, o Sítio Roberto Burle Marx e o Parque do Flamengo. Na “categoria fundamental”, uma caminhada dominical nas Paineiras, com direito a banhos de cachoeira, e uma tarde na Pista Cláudio Coutinho, aproveitando para subir por trilha na Pedra da Urca (é fácil, não precisa ser alpinista e já vi senhoras de quase 70 anos por lá). Também vale a pena bater perna no bairro da Urca, sem destino, assim como desfilar pelo calçadão de Ipanema ao cair da tarde. De carro, inesquecível é a estrada do Alto da Boa Vista (Av. Edison Passos), com esmerado tratamento paisagístico de Azevedo Neto. Na pequena escala, o Parque das Ruínas, em Santa Teresa, e o Instituto Moreira Salles, na Gávea, para desfrutar dos belos jardins de Roberto Burle Marx restaurados há alguns anos por Isabel Duprat e muito bem mantidos.
Como o pensamento paisagístico contemporâneo está concebendo os espaços livres urbanos?
Com uma ótica fortemente ambientalista, bastante diversa do que se fazia há apenas 10 anos. Esse enfoque sempre esteve presente no trabalho do arquiteto paisagista, claro, mas na maioria dos casos irrompia de forma um tanto amadora, eu diria que romântica. Hoje nos voltamos para a recuperação do que já foi degradado com o mesmo cuidado dedicado à proteção do que foi miraculosamente preservado. Questões inexistentes ou distantes no início dos anos 1990, como acessibilidade, retenção e aproveitamento de águas pluviais, redução das superfícies impermeabilizadas e outras tantas, hoje fazem parte do nosso vocabulário doméstico. Exemplos desse novo olhar estão na Península e no Parque Mello Barreto, no Rio de Janeiro, no Mangal das Garças em Belém, em fantásticos projetos desenvolvidos para várias cidades canadenses, em algumas belíssimas obras de Mario Schjetnan no México, nos trabalhos do arquiteto paisagista norte-americano Nate Cormier, no trabalho que desenvolvi com Marcia Nogueira Batista para a Alumar em São Luis, em outro que tive oportunidade de elaborar para a extensa superfície lunar criada pelo descaso ambiental no aeroporto de Viracopos, em Campinas, e em muitos outros espalhados por aí.
sobre entrevistado
Eduardo Barra é arquiteto paisagista, presidente da Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas pela segunda gestão e autor do livro Paisagens Úteis: Escritos sobre Paisagismo.