Neste relato quero registrar a minha participação num acontecimento que já faz parte do calendário capixaba. Trata-se da caminhada Passos de Anchieta, que neste ano de 2007 teve a sua décima edição.
Assim, no último feriado de Corpus Christi e pela terceira vez consecutiva, durante quatro dias ensolarados peregrinei com mais de dois mil andarilhos de diversas origens, naturalidades e idades os 100 quilômetros de parte do litoral capixaba por onde o padre José de Anchieta percorria quinzenalmente no final do século XVI entre os atuais municípios de Vitória e Anchieta, estado do Espírito Santo.
Caminhar pela rota citada significa ter a oportunidade de se defrontar com vários cenários de beleza e que remontam a aspectos históricos, culturais, esportivos, espirituais e turísticos.
O evento é organizado pela ABAPA – Associação Brasileira dos Amigos dos Passos de Anchieta, uma ONG que tem como objetivo consolidar a manutenção da trilha percorrida por aquele que é considerado o primeiro andarilho brasileiro.
Ao longo de todo o caminho, que conta com sinalização instalada por meio de placas, os participantes dispõem de uma estrutura de apoio com assistência médica adequada e sentem o acolhimento das comunidades locais.
Vale destacar que agências prestam serviços com pacotes turísticos completos exclusivos para peregrinos. Outros passam a noite, conforme a conveniência em hotéis, albergues, pousadas, casas de família e campings situados nos municípios visitados.
Rumo ao sul, no primeiro dia a concentração é feita no pátio da Catedral Metropolitana da capital capixaba onde foi possível encontrar vários amigos do grupo de caminhadas Andarilhos Capixabas, que assim como eu, vestem uma camisa verde com o logo dessa grande família.
Após o aquecimento físico inicial, por volta das sete e trinta da matina, saímos da Cidade Alta passando pela Av. Beira Mar rumo à Prainha, em Vila Velha.
De lá rumamos para o Convento da Penha, uma das mais antigas edificações católicas brasileiras. Desse local é possível ter uma bela visão da baía de Vitória.
Em seguida retornamos ao lado posterior do sopé do convento e todos fomos recepcionados com a primeira calorosa recepção: um belo café da manhã que é oferecido anualmente pelos moradores de uma rua próxima.
Depois de contornar o Morro do Moreno, região situada na entrada de um braço de mar, o passeio segue pelo calçadão da orla tendo de um lado os verdes mares de Vila Velha e do outro a sky-line dos espigões.
Em seguida inicia-se a reta final da primeira etapa por uma estrada de chão até chegar à Barra do Jucú, uma antiga vila de pescadores famosa pelo folclórico congo e pela praia que é um point de surfistas.
No dia seguinte, após a saída na pracinha da barra, passamos às margens da carente comunidade de Terra Vermelha cenário que se contrapõe à Interlagos, bairro seguinte onde estão implantadas residências de alto padrão construtivo.
Mas, o que marca a “andança” nos 28 quilômetros da sexta-feira é o extenso trecho de areia grossa à partir da vila de pescadores na Ponta da Fruta, sendo a larga faixa arenosa marginal à reserva ambiental Paulo César Vinha a maior dificuldade para a grande maioria.
Essa vivência se dá entre céu, sol, mar, areia e muita vegetação de restinga. Assim que essa parte foi vencida surgiu uma agradável surpresa: águas de coco foram oferecidas pela organização.
E isso caiu muito bem sob o sol escaldante da tarde que se iniciava, permitindo comemorar a prazerosa “obrigação” de alcançar mais uma chegada, agora na praia de Setiba, a primeira de uma série no município de Guarapari.
As paisagens da cidade-saúde marcam o sábado. O relevo praiano apresenta-se segundo uma combinação de mar, pequenas montanhas, rios e lagos numa composição entre o natural e o artificial da ocupação humana.
Depois de romper as praias de Santa Mônica e Perocão chegamos às Três Praias que são uma seqüência de três pequenas enseadas evidenciando um bucolismo formado pela associação entre o ar litorâneo e as ainda características rurais do seu entorno imediato.
Em seguida os andarilhos têm acesso liberado nas praias particulares da Aldeia, um condomínio residencial de alto luxo cuja implantação tira o melhor proveito da privacidade que a topografia do local proporciona.
A partir daí as praias revelam uma ambiência urbana, sendo que após passar pela região central da cidade é preciso “encarar” cerca de seis quilômetros de asfalto até chegar à um conjunto de enseadas conhecidas como Enseada Azul.
Mas, para concluir os 25 kms dessa penúltima jornada ainda é necessário galgar uma pequena “pirambeira” ao final da Praia dos Padres até que ao descer da elevação as últimas pegadas são deixadas na famosa Meaípe, local muito badalado no verão e onde também é possível degustar a famosa e saborosa muqueca capixaba.
Manhã de domingo. O sol nasce e muitos “apressadinhos”, inclusive eu, partem antes do horário oficial. Ainda restam 23 kms e à essa altura meu corpo está mais do que adaptado aos oito quilos da mochila.
As passadas iniciais conduzem à Mãe Bá, uma vila já na cidade de Anchieta que saúda festivamente os que por ali passam. Cerca de mil metros depois o pontal de Ubu é avistado protegendo a pequena vila de mesmo nome.
Após cruzar a Praia de Guanabara, onde ocorre desova de tartarugas marinhas, o caminho apresenta-se pavimentado na orla da Praia de Castelhanos cuja qualidade da água do mar é reconhecida por organismos ambientais internacionais.
Mas o chão de terra batida surge novamente, agora pela última vez, nos contornos da Praia da Boca da Baleia onde em alguns momentos o mar é avistado através de pequenos vãos na massa verde que separa a praia da trilha dos caminhantes.
Dez e quarenta da manhã e observo a última perspectiva grandiosa: a praia central de Anchieta é avistada, faltando apenas cerca de três mil metros.
Música e queima de foguetes já são ouvidos. A cordialidade e a simpatia dos moradores locais ofertando mensagens de incentivo e alimentos nas portas de suas casas também me estimularam a superar todos os meus limites, reunindo todas as minha forças.
Assim, quando menos imagino, me aproximo do pórtico de acesso ao Santuário do Beato José de Anchieta e subo a ladeira final onde está a igreja em que se encontra o Museu de Anchieta.
Esse esforço físico final representa a subida à um podium simbolizando a superação que, sem dúvida, é uma dos significados mágicos dessa caminhada coletiva.
sobre o autor
Dino Rodrigues Santos, 30, natural de Cachoeiro de Itapemirim - E.S. é arquiteto e urbanista pela Universidade Federal Fluminense (2002) e mestre em engenharia civil (2004) na área de concentração em Produção Civil: Sistemas de Gestão, Produção e Qualidade pela mesma instituição. Com atuação tanto no segmento acadêmico quanto nos setores de projeto e gerenciamento, além de andarilho também é sócio-fundador e conselheiro da ANDAR – Associação dos Andarilhos Capixabas.