"Ainda que cada dia o turismo aumente, não existe um olhar que o analize do ponto de vista das ciências sociais e culturais. Babelia começou agora uma série que explorará a partir da história da arte, da arquitetura e da antropologia esta experiência de viagem e sua conexão com a descoberta."
Victor Segalen chamava seus adeptos de "proxenetas da sensação do diverso" e Lévi-Strauss descrivia o turismo como "uma fermentação de odores suspeitos que mortifica nossos desejos e faz com que nos dediquemos a recolher recordações semicorruptas". Desde sua aparição, o turismo tem recibido pouca atenção das ciências sociais e da crítica cultural e quando isto ocorre, tem sido quase sempre de passagem e com desdém, como mereceria uma atividade própria de seres carentes de gosto e capacidade de discernimento, oposta à sofisticada cultura do viajante tradicional. Ansiosos de obter, mediante o deslocamento geográfico, um confronto entre o "eu" e a Natureza ou o "eu" e a Cultura – uma equação que havia desaparecido da sociedade –, o que molesta na realidade a muitos intelectuais são as férias dos demais.
Em uma passagem de O grau zero da escritura, comentando sobre o escritor de temas exóticos Pierre Loti, Roland Barthes fala da "irresponsabilidade ética do turista (que é simplemente um nativo em viagem)", mas, o que é o próprio Barthes, imerso em seu papel de estrangeiro complascente durante sua viagem ao Japão, senão um turista? Que nome dar a Ernst Jünger, autor dessa feroz dissecação da sociedade burguesa que é O trabalhador, quando lemos em seus diários dos anos setenta a anotação sobre sua "excursão bananeira" na Grande Canária, confortavelmente instalado em seu ônibus enquanto a guia recita pelo autofalante as excelências da paisagem insular? Existe uma única e genuína experiência turística? Sabemos pouco deste impulso que há quase dois séculos faz parte do drama universal do moderno e que, se já não o é, será seu máximo expoente – a primera indústria mundial.
Tensões entre o local e o global, extinção de todo vestígio de natureza intacta, perda do sentido histórico, hegemonia da imagem na articulação do social, conquista total do tempo de ócio pelas relações de produção capitalista.
Mesmo que poucos pensadores tenham se decidido até agora a adentrar-se nesta senda trilhada por milhões de pessoas, o turismo é o cenário que melhor resume as contradições das sociedades tardomodernas, um fenômeno que nos próximos anos seguirá crescendo vertiginosamente. Conformar-se só com enfoques estritamente economicistas do turismo – estes são abundantes –é um reducionismo aberrante, e limitar-se a condená-lo com juizos morais, um gesto estéril – "um luxo empobrecido", como diria Fredric Jameson –, algo que a visão histórica não se pode permitir.
O espaço substituiu o tempo no impulso utópico moderno? Cabe fazer distinções rígidas entre o dentro e o fora da experiência turística em um mundo telematizado? O turismo é a vanguarda da construção social da realidade? É uma cárcere de signos? Cabe seguir mantendo a dicotomia entre o discurso do lugar que deve ser para todos e a realidade do acesso válido para alguns poucos? Há possibilidades de resistência na cultura de massas? Quais são os elementos essenciais e os limites de uma cultura? São equiparáveis os estragos da indústria de viagem e os desejos dos turistas?
O turista é uma figura indissociável do imigrante? Necessitamos teorias que se megulham na experiência? Teorias que levem plenamente em conta a contradição, o paradoxo, a ironia e a incerteza irredutíveis na explicação das atividades humanas? Teorias turísticas?
Autores como Georges Ritzer, James Clifford, Zygmunt Bauman e, em especial, John Urry e Dean MacCannell são indispensáveis para enfrentar estas perguntas e formular outras novas. Curiosamente todos eles pertencem ao âmbito anglo-saxão. A Espanha, considerando que segundo diversos indicadores é a segunda potência turística mundial, apenas produziu a respeito aproximações superficiais. Esta série, que se estenderá até finais de agosto nas páginas de Babelia com textos gerados a partir de domínios disciplinares da história da arte, da arquitetura e da antropologia, pretende contribuir para a reversão desta tendência, escrutinando esse sujeito que abarrota nossas praias e que algumas vezes se abandona plácido à contemplação da realidade e que outras vezes se perturba quando suspeita que "se apaga como um rosto de areia nos limites do mar".
sobre o autor
Mariano de Santa Ana é historiador da arte, editor do livro Paisajes do placer, paisajes da crisis: o espaço turístico canario e sus representações (Fundação César Manrique, 2004).
Artigo publicado em Babelia, suplemento cultural de El Pais, em 28/07/2007