Nos últimos cinco anos, tanto na Espanha como na Europa, se produziu um acelerado processo de mudança da oferta e da demanda do turismo de massas. Um novo turista, que viaja com mais freqüência e menos tempo, começou a desfrutar daquele ócio que estava destinado às elites sociais. Vivemos o que, em The Golden Hordes, Louis Turner denomina a “idade do ócio”. Ir esquiar, jogar golfe, desfrutar de rotas gastronômicas e culturais ou fazer um cruzeiro de sete dias pelo mediterrâneo já está ao alcance de todos. Mas estas ofertas têm múltiplas formas de apropriar-se do território. A democratização do hedonismo está gerando novas paisagens: são as topografias turísticas.
O novo perfil do turista
A introdução da Internet no mundo do turismo como acelerador e otimizador de busca de oferta, a aparição e a explosão das companhias de baixo custo, a mudança da jornada laboral e a nova organização do tempo nas empresas estão reconfigurando o mundo do turismo.
Segundo o Instituto de Estudos Turísticos, os turistas hoje têm uma idade média mais baixa – 30 anos –, realizam um maior número de deslocamentos com estâncias curtas – de três a cinco dias –, são mais ativos consumidores de serviços e desejam diferenciação dentro de um amplo leque de possibilidades. Em muitos casos a família ou os amigos de contato satisfazem as necessidades físicas – alojamento, comida e segurança –, e sociais.
Segundo John Urry (The tourist gaze: leisure and travel in contemporary societies), hoje em dia as necessidades estão relacionadas com o reconhecimento social, com a diferenciação numa esfera que tende ao individualismo e com a realização dos sonhos pessoais.
Espanha volta a considerar hoje, como já o fez nos anos setenta, como cativar turistas para seguir sendo competitiva. A paisagem turística mudou desde o princípio do fenômeno de massas. O usuário do produto ‘ócio’ se transformou e com ele as modalidades de ocupação do território.Desde o ideal da “cidade jardim”, na década de cinqüenta se abriu a via à edificação difusa de habitações unifamiliares isoladas. O boom da metade dos anos sessenta provocou uma autêntica colonização dos solos de qualidade das primeiras linhas de costa, com peças arquitetônicas tipologicamente filhas do funcionalismo da produção de massas.
O hotel familiar de praia viu-se eclipsado por grandes grupos de apartamentos e por volumes que, se originalmente nasceram como marcos isolados na paisagem, acabaram reproduzindo-se de forma massiva. Os novos hotéis derivaram, em alguns casos, a uma estética metabolista literalmente vinculada à idéia de crescimento ilimitado. Um manifesto de fé na nova economía mundial.
A crise econômica dos setenta e o desenvolvimentismo dos anos oitenta abriram as portas à banalização da arquitetura como ferramenta de venda de sonhos. A arquitetura materializou o que a televisão tinha transmitido às gerações precedentes: a fascinação pela diferença.
O local é diferente e a oferta de experiências se amplia para seguir recrutando usuários nos noventa. O fenômeno turístico se diversifica e cobre toda a demanda. A oferta turística do “sol e praia” se diversifica ao golfe, à neve, aos cruzeiros, ao turismo urbano, ao turismo cultural, ao turismo rural e aos resorts, entre outros.
Mas os efeitos desta arquitetura pós-moderna aplicada ao turismo se baseiam precisamente na distinção do consumo de signos e significados. Até então o turismo estava baseado na família e em grupos de classe homogênea que desfrutavam de lugares privilegiados ou da própria praia. A partir dos anos setenta os destinos fundamentados na identidade de grupo e nos padrões de classe perdem atrativo. O turista busca imagens e experiências extraordinárias que o distanciem da rotina de cada dia. Isto gera uma crescente produção de objetos icônicos por parte dos agentes da promoção turística.
Propagou-se uma nova forma de vida transnacional, a que Ulrich Beck define como “poligamia local do turista médio” (“El final de lo otros”, El Pais, 07/02/2005).
O cosmopolitismo banal do turismo de massas e sua mobilidade extensiva provocaram, ao longo dos últimos vinte anos, uma redução das distâncias tanto físicas como culturais entre lugares do mundo muito longínquos. O gérmen de um mais amplo processo de globalização cresceu a base de vendas de pacotes organizados. O mercado se apropriou do tempo de ócio dos trabalhadores. John Urry e Scott Lash nos anos noventa postulavam que havia ocorrido uma mudança substancial de um capitalismo organizado a um auto-organizado. Produziu-se uma mudança do consumo massivo a padrões de consumo individualizado, onde o importante não é o produto e sim o consumidor.A atividade turística se desenvolveu de uma forma indiscriminada ao longo da costa espanhola, mas a competência dos novos destinos turísticos a nível global e a mudança de perfil do turista obrigam a repensar o modelo de desenvolvimento. Como vimos esta nova fase na qual vive o setor já não se limita só à costa. As topografias turísticas estão se gerando a partir da mutação de modelos antigos superpostos com fenômenos ligados ao desenvolvimento de massas.
Ante um abuso de tal calibre do território nós queremos propor, por um lado, três critérios que dêem chaves para construir novas topografias turísticas baseadas mais na densidade, de tempo e de espaço, que na dispersão: a densidade temporal. Esta depende da distância temporal dos espaços, é uma ferramenta chave para a organização de seqüências de tempo; a diversificação do destino e da oferta. Se a Organização Mundial do Turismo augura um aumento dos turistas urbanos é precisamente porque a cidade é o destino que mais diversidade representa quanto à oferta de seqüências de ócio e atrativos turísticos; e à transversalidade no território. A diferença entre um turismo organizado e um espontâneo reside em que, no primeiro, as seqüências de tempo são organizadas por um só destino, e no segundo, vários destinos diversificados permitem ao próprio turista organizar as suas.
E por outro lado, queremos fomentar redes de pesquisa que sejam capazes de gerar conhecimento e propostas eficientes e sustentáveis que relacionem o fenômeno do turismo e o uso inteligente do território.
É por isso que, há quatro amos, criamos uma unidade de I+D+I chamada Intelligent Coast. Esta unidade desenvolve uma Pós-graduação pioneira na Europa nesta área em colaboração com a Universidade Politécnica da Catalunha de Barcelona, chamado Intelligent Coast. Organiza anualmente o Simpósio Internacional ‘Turismo XXL’, que igualmente se desenvolve em Barcelona. Este ano iniciamos um novo programa TNT, Turismo, Novos Territórios, que organizamos conjuntamente com o Centro Metropolitano de Arquitetura Sustentável, no México.
O turismo foi implantado naqueles territórios de maior artifício de todos os países costeiros turísticos. É uma responsabilidade e uma obrigação incidir e impulsionar a pesquisa sobre um fenômeno que hoje, ainda mais com a importância que está tendo para o planeta a consciência no meio-ambiente, se converteu num setor determinante para uma grande maioria de economias, tanto em países economicamente desenvolvidos, como aqueles que estão em desenvolvimento.
sobre os autores
Silvia Banchini e Luis Falcón Martínez de Marañón, sócios diretores do escritório LOAD office architecture, são professores e diretores do Master “Intelligent Coast, novas estratégias turísticas, novas estruturas territoriais” (Fundación de la Universidad Politécnica de Cataluña), do ciclo de debates anuais no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona e do Simpósio Internacional “Tourism XXL”