O dia nublado, chuvoso e frio e o céu acinzentado na pequena cidade de Santa Cruz de Salinas, com filetes de água que escorrem por pedras redondas e lajedos esparsos. Foi a primeira visão que o grupo da Universidade Federal de Juiz de Fora, coordenado por mim, teve deste município localizado na parte norte do Estado de Minas Gerais. A cidade emancipou-se em 1995, sendo que as origens da localidade, remontam ao ano de 1885. Os acessos rodoviários se configuram por estradas vicinais de terra e rodovias federais, a saber, a BR-251 e a BR-116 (antiga Rio-Bahia). O território municipal apresenta altitudes entre 700 e 1.000 metros e pertence à Bacia Hidrográfica do rio Jequitinhonha e à Sub-bacia do rio Mosquito, com grande quantidade de córregos e ribeirões, como o rio Itinga, os córregos Sumidouro, dos Macacos, Candeias, Candial e Pedra Redonda, dentre outros inúmeros corpos hídricos. A sensação de percorrer leitos de córregos e rios, ora em trechos assoreados, ora sobre rochas esculpidas pela água é fascinante. Neste período, os cursos d’água escorrem sobre estas superfícies rochosas em menor potencial, com filetes ora expostos, ora adentrados em fendas. Cavidades nas rochas revelam-se ao longo dos trajetos.
O relevo que caracteriza a região da “Terra das Alterosas” é montanhoso com aflorações rochosas magníficas, com formações calcáreas e vegetação típica de área de transição do Cerrado para a Caatinga. Áreas florestadas se inserem de modo diferenciado, com pequenos trechos de densidades maiores de vegetação, intercalados por lajedos de pedra e arborização de médio porte, com cascas grossas, galhos e troncos retorcidos e espinhosos.
O distrito sede de Santa Cruz conjuga-se por casario implantado no vale do córrego Brasa Mundo e entorno repleto de formações rochosas diversificadas. No morro do cruzeiro, a capela de Nossa Senhora da Piedade e, no topo, encravada em pedra redonda a inscrição luminosa Santa Cruz de Salinas.
Na atualidade ainda permanecem conjuntos edificados em sistemas tradicionais de adobe e taipa, em bom estado de conservação, com a inserção de tecnologias atuais como o concreto armado e tijolos cerâmicos. Edificações de dois a três pavimentos já se destacam no centro urbano, rompendo o gabarito das primeiras ocupações.
A exploração mineral, incipiente ainda hoje, para pavimentações, fundações e pequenos serviços em geral, já ocorre de maneira industrial em outros municípios, como Medina e Comercinho. O tema é muito polêmico, em uma região que depende de atividades e ações, para amenizar dificuldades e carências de toda natureza. Quando estávamos sobre o magnífico lajedão de pedra (o "lajedão do Albertino"), no Sumidouro, um estrondo de dinamite ouvido ao longe, causou grande apreensão sobre o futuro da região. A visão privilegiada da percepção da rocha e a que se descortina pelo horizonte oferecem ao visitante uma sensação de imensidão e a certeza de que há muito a ser conhecido e valorizado nas Gerais. O que hoje revela-se como patrimônio cultural, em termos de bens naturais, pela multiplicidade de afloramentos rochosos, com enorme potencial para o aproveitamento turístico, amanhã pode vir a ser “destruído” por explosivos e máquinas. Sensibilizados quanto a esta questão, sobre a necessidade da conscientização por medidas efetivas e urgentes para a proteção deste patrimônio, buscamos compartilhar o problema com a comunidade local, que tende a ficar dividida entre o pragmatismo do retorno econômico da exploração e a nostalgia da preservação.
A execução de prospecções geológicas na região, como pesquisas encomendadas, já anunciam a etapa seguinte, da dinamitação das rochas e da transformação das mesmas em blocos industrializados. Assim podemos ter uma pequena mostra das ameaças reais de agressões sócio-culturais e econômicas na região norte de Minas Gerais. Neste sentido, enquanto percebemos as rochas como referências culturais, outros olhares especulatórios à espreita, vislumbram somente referências econômicas… nas encruzilhadas e entroncamentos por estradas rurais nos sentimos incomodados e perplexos por estas ameaças à ambiência paisagística e cultural sertaneja.
Ainda ressaltamos a existência de vestígios de comunidades remotas, em inscrições rupestres, presentes em trechos de escarpas de rochas e, mesmo, grandes cavidades. Assim nos deparamos com o promontório rochoso conhecido como Serra Pintada, entre os municípios de Santa Cruz de Salinas e Comercinho. A caminhada de 1 hora e 30 minutos passa por algumas propriedades rurais bem conservadas, com hortas e pomares, além de criações de porcos, galinhas e gado.
Estas edificações foram instaladas no sopé de morros repletos de rochas com formações arredondadas e também estendidas em paredões e lajedos. A subida até as rochas não é fácil, em trilha arenosa, com trechos de capins e obstáculos como cercas de arames farpados. Já sob os paredões inclinados, visualisamos as inscrições de povos antigos que, provavelmente, utilizavam aquelas formações como abrigo. Escalamos rochas e penetramos em cavidades para registrar estes vestígios remotos. Na descida, de casa em casa, um almoço nos esperava e saboreamos ensopado de frango, arroz e feijão de andu, além de verduras… uma, duas, três vezes… tal foi a acolhida dos moradores daquela comunidade rural.
Outro tema importante refere-se à preservação de conjuntos edificados em sistemas construtivos tradicionais, tendo em vista o processo de renovação desencadeado e disseminado pelo município, com o uso do concreto armado. Velhas casas de taipa e de adobe, com estruturas de madeira e cobertura em telhas de barro, algumas bastante deterioradas, outras ainda em bom estado de conservação retratam tempos passados.
Estas edificações foram instaladas no sopé de morros repletos de rochas com formações arredondadas e também estendidas em paredões e lajedos. A subida até as rochas não é fácil, em trilha arenosa, com trechos de capins e obstáculos como cercas de arames farpados. Já sob os paredões inclinados, visualisamos as inscrições de povos antigos que, provavelmente, utilizavam aquelas formações como abrigo. Escalamos rochas e penetramos em cavidades para registrar estes vestígios remotos. Na descida, de casa em casa, um almoço nos esperava e saboreamos ensopado de frango, arroz e feijão de andu, além de verduras… uma, duas, três vezes… tal foi a acolhida dos moradores daquela comunidade rural.
Outro tema importante refere-se à preservação de conjuntos edificados em sistemas construtivos tradicionais, tendo em vista o processo de renovação desencadeado e disseminado pelo município, com o uso do concreto armado. Velhas casas de taipa e de adobe, com estruturas de madeira e cobertura em telhas de barro, algumas bastante deterioradas, outras ainda em bom estado de conservação retratam tempos passados.
Na sede municipal destacamos o setor definido como núcleo original do povoado, em traçado que se estende pelo vale do córrego Catuninho (Brasa Mundo no seguimento da área urbana). Ao longo do seu curso foram instaladas as primeiras edificações, com frente para a rua e quintais nos fundos voltados para o córrego. Assim, temos quintais dos imóveis de frente para o rio, tanto na margem direita onde está a rua Salinas, como na margem esquerda, com pequenas vielas transversais, que desembocam na rua João Antônio de Araújo e avenida Totó Costa, onde uma ponte liga as duas margens”. Merece destaque neste conjunto a capela de Nossa Senhora da Piedade, com sua singeleza, em adobe com estruturas de madeira, instalada na encosta de morro, junto ao cruzeiro. Este, ao invés de ter sido posicionado na frente da capela, foi implantado nos fundos da mesma. Além do setor configurado pelo núcleo original, uma área de expansão configurou-se, tanto na margem direita, quanto na margem esquerda do córrego. Estas ocupações foram implantadas em direção às encostas, com vias de traçado regular e sistemas construtivos diferenciados, com o emprego do concreto armado e de alvenarias de tijolos cerâmicos industrializados. Neste setor, foram executados planos habitacionais com o apoio do governo municipal e estadual.
Os povoados de Água Boa, São José da Boa Vista e Santo Antônio do Itinga constituem distritos rurais com núcleos urbanizados. Em Água Boa, extensa e larga avenida marca o centro do núcleo localizado às margens do córrego de mesmo nome. O casario disposto ao longo desta avenida se insere com sistemas construtivos e tecnologias tradicionais. Vias transversais conduzem a caminhos diferenciados. O relevo é composto de morros homogêneos que se projetam em horizontes ilimitados.
Em Santo Antônio, o núcleo tem implantação contígua ao rio Itinga, concentrado em torno da capela e do cruzeiro. O tradicional prepondera em relação às tecnologias atuais, com coloridos marcantes em pigmentos azuis, verdes, rosas, laranjas, vermelho e branco. O povoado de São José da Boa Vista, também às margens do rio Itinga, expressa traços fortes da cultura local. Ao final, a real sensação vivida do potencial interesse turístico a ser aproveitado neste município que nos acolheu tão bem, pela riqueza da paisagem e pela diversidade das tradições locais.
sobre o autor
Fabio Jose Martins de Lima, arquiteto (UFMG, 1989), é professor do DAU-UFJF, mestre (FAU-UFBa, 1994) e doutor (FAU-USP, 2003). O texto é resultante de viagem ocorrida no período de 4 a 20/07/2008, durante a Operação Norte de Minas, Projeto Rondon do Ministério da Defesa e vinculação a projetos com o apoio CNPq e FAPEMIG. O grupo contou com os seguintes acadêmicos da UFJF: Bárbara Lopes Barbosa, Denyse Pereira Neves Delgado e Douglas Montes Barbosa (Arquitetura e Urbanismo), Antonio Carlos Boscariol e Carolina Campos Eduardo (Geografia), Bianca da Silva Marcondes Veiga e Valéria Fernandes Rezende (Turismo)