Após 12 horas de viagem e uma conexão maluca na Cidade do Panamá, chegamos a Quito, capital do Equador. Estávamos em cinco arquitetos, vindos de São Paulo: Abilio Guerra, Silvana Romano, Marta Bogéa, Fernando de Mello Franco e Mauro Munhoz. No caminho para o hotel, com a noite clara e a cidade bem iluminada, pudemos observar as montanhas altas que rodeiam a cidade, mas não os efeitos da altitude de 2850 metros, que cobraria seu tributo apenas no dia seguinte com dores de cabeça nos mais infelizes e uma curiosa euforia nos mais afortunados. O percurso se fez pelas áreas de urbanização mais recente, passando ao largo do centro histórico, que demoraríamos a conhecer.
O motivo da viagem era o convite recebido da escola de arquitetura da Universidad San Francisco, na figura do seu diretor, arquiteto Diego Oleas, para participarmos da décima edição do Foro Internacional de Arquitectura de Quito. As edições mais recentes do evento havia sido sobre países específicos – Portugal, em 2008; Espanha, em 2007; México, em 2006 – e neste ano o país selecionado foi o Brasil. Para a montagem do escopo geral, com seleção de participantes e temáticas, foi convidado o arquiteto Abilio Guerra.
Somente no dia seguinte, no café da manhã, veríamos o restante da delegação: a segunda leva de São Paulo, com Marcos Acayaba, Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, que fizeram conexão em Bogotá, Colômbia; e os representantes do Rio de Janeiro, Luiz Carlos Toledo, e de Minas Gerais, Carlos Teixeira. Das janelas do restaurante podíamos ver que a primeira impressão noturna de uma cidade rodeada de montanhas não era exatamente precisa, pois toda a área urbanizada estava encastelada sobre elas.
No primeiro dia visitamos as dependências da Universidad San Francisco, conhecendo os membros da direção da Universidad e diversos de seus professores. Almoçamos em um dos restaurantes da universidade, que serve como escola de gastronomia e formadora de mão de obra especializada para a área de culinária. Após o almoço de excepcional qualidade, percorremos os espaços de preparação da comida, com cozinha industrial, adega, dispensa, frigorífero e demais dependências necessárias. Após o passeio gastronômico, fomos conhecer a biblioteca e outros espaços da escola. No fim do dia, retorno para o hotel e jantar. A cidade teria que esperar...
No segundo dia, com uma solenidade capitaneada por Diego Oleas, diretor da escola de arquitetura, começou o Foro Internacional de Arquitectura de Quito. A apresentação inicial foi de Abilio Guerra, com um panorama da arquitetura contemporânea brasileira, com foco especial nos equipamentos públicos, infra-estrutura e projetos arquitetônicos e urbanísticos mais prospectivos e interativos com a sociedade, que seria o tom das outras palestras.
Logo após Mauro Munhoz apresentou dois projetos de grande impacto social: o Museu do Futebol no Pacaembu, e o projeto cultural da FLIP - Feira Literária Internacional de Paraty. Este segundo mereceu especial atenção dos próprios brasileiros, que desconheciam o amplo e cuidadoso estudo da evolução urbana da cidade e sua interação com o meio ambiente, que amparava as várias hipóteses de correção dos danos urbanos sofrido pela cidade nas últimas décadas. Finalizando o primeiro dia, Carlos Teixeira apresentou alguns projetos de intervenções efêmeras, onde a arquitetura interagia com outras artes, em especial com o teatro e a dança, usando como suporte situações geográficas e urbanas inóspitas: as estruturas expostas de edifícios em terrenos inclinados, cavas e tuneis abandonados, passagens subterrâneas, etc.
No período da tarde, os dez arquitetos brasileiros foram convidados a participar de atividades pedagógicas da escola de arquitetura. Luiz Carlos Toledo, Marcos Acayaba e Francisco Fanucci foram convidados a participar de um concurso interno de projeto de equipamento urbano, que selecionou um protótipo que será construído. Os demais participaram de avaliação de trabalhos de alunos para disciplinas de projeto arquitetônico. Em um deles, o tema era um projeto de edifício público junto a uma "quebrada", um tipo de fratura no terreno, provavelmente provocada por erosão de água pluvial, situação que permitia interessantes possibilidades de implantação dos volumes arquitetônicos e áreas livres.
O segundo dia foi aberto com uma bela palestra de Marta Bogéa, uma sensível e elogiada abordagem de alguns projetos contemporâneos. A seguir foi a vez de Luiz Carlos Toledo fazer a platéia rir e chorar com sua apresentação sobre a reurbanização da favela da Rocinha no Rio de Janeiro. E finalizando o foro, a dupla Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci apresentou quatro projetos arquitetônicos voltados para programas culturais, dentre eles o premiadíssimo Museu do Pão em Ilópolis.
Na noite de sexta-feira, ao final do primeiro dia de atividades, pudemos ter o primeiro contato com o centro histórico de Quito. O sítio, primeiro conjunto urbano declarado patrimônio histórico da humanidade pela Unesco em 1978, é uma magnífica coletânea de arquitetura dos períodos colonial e republicano, e conta com um projeto luminotécnico integrado, com predominância das cores quentes, o que dá um tom amarelado homogêneo a todas as construções. Alguns monumentos se destacam por sua impressionante beleza. Mais antigo e mais simples, o imponente Convento de São Francisco, tido por alguns como o mais antigo edifício religioso europeu construido na América, pois sua inauguração data de 1535. Sua extensa fachada fecha um dos lados de uma praça seca com calçamento em pedra. Contrastando por sua imensa riqueza, nas proximidades temos a Igreja de La Compañía, do século 17; em estilo barroco, é totalmente coberta de ouro. Em sua nave principal tivemos um dos momentos mais bonitos da viagem, pois de forma inesperada presenciamos a apresentação de um músico tocando o imenso órgão situado em balcão superior. Podia-se ver pouco do órgão e nada do músico, mas a música ecoava solene pelas paredes adornadas da igreja, com um reverencioso silêncio do público.
No sábado à tarde, após o término do evento, pudemos finalmente ver o centro histórico à luz do dia. A calma das pessoas caminhando pelas calçadas e praças denunciava o dia de pouco trabalho. A situação geográfica da localidade ficou ainda mais evidente, pois praticamente não há visadas que não se veja ao fundo as montanhas mais altas que cercam a cidade. O vulcão Pichincha, referência constante nas conversas dos locais, não esteve visível completamente em nenhum momento de nossa estadia, pois permaneceu o tempo todo coberto pela névoa. Guiados pelos professores da Universidad San Francisco, nestes dois passeios pelo centro histórico pudemos conhecer a fachada de alguns dos edifícios principais, assim como parte da história de edifícios e monumentos. O tempo se mostrou muito curto para um conhecimento mais sólido, o que gerou uma grande vontade de voltar.
À noite fomos jantar e encontramos no restaurante a equipe da rede Globo que transmitiria o jogo entre as as seleções equatoriana e brasileira no domingo. Não houve jeito: todos quiseram conversar e tirar fotos com o grande craque da seleção de 1982, o ex-jogador Falcão.
No domingo, único dia livre da viagem, optamos por conhecer alguns lugares mais populares, como o Mercado Municipal (ver ensaio fotográfico de Silvana Romano, neste mesmo número) e uma feira de artezanato.Fomos almoçar no centro da cidade, coalhada de equatorianos paramentados com a camisa amarela da seleção local. Almoçamos em um restaurante com televisão para assistir ao jogo, pois todos nossos esforços em conseguir ingressos para a partida foram frustrados. No dia seguinte começou o retorno do grupo, uns voltando para o Brasil, outros indo para outros países ou localidades equatorianas. Em todos os semblantes era possível constatar uma enorme alegria pelos dias de grande alegria e extrema harmonia, com momentos memoráveis: os translados de Van com as histórias divertidas do Toledo; a compra coletiva dos legítimos "chapéus do Panamá" fabricados no Equador; os almoços e jantares deliciosos propiciados por nossos anfitriões; as apresentações brasileiras, onde todos puderam conhecer o trabalho dos colegas; o intercâmbio com os arquitetos equatorianos, que puderam ver algo de nossa realidade arquitetônica e nos apresentar a deles. Faltou conhecer melhor o centro histórico e ver o vulcão Pichincha, mas para isso teremos que voltar.
sobre o autor
Abilio Guerra, arquiteto, professor da FAU Mackenzie, editor do Portal Vitruvius e do Arquiteturismo