O turismo residencial tem desempenhado um papel importantíssimo como indutor de desenvolvimento de destinos turísticos e expansão urbana. Em todo o Brasil, os hotéis, as casas e apartamentos de férias, à beira-mar, nos campos e nas montanhas, construídos por todo o século passado foram fundamentais para o surgimento de cidades, estâncias balneárias e hidrotermais, destinos com vocações turísticas de lazer e de saúde.
História
O Rio de Janeiro, principal destino turístico brasileiro, abriga o mais importante hotel do país. O Copacabana Palace, construído em 1923 na orla sul virgem, em menos de uma década induziu ao surgimento e crescimento de um bairro nobre em seu entorno, que se tornou internacionalmente famoso. Copacabana com seus prédios construídos no padrão indicado pelo hotel pioneiro abriga um grande parque hoteleiro, além de apartamentos de primeira e segunda moradia, muitos de férias de proprietários de todo o mundo. Os cariocas, por outro lado, possuem residência de férias nas serranas Petrópolis e Teresópolis ou nas litorâneas Angra dos Reis e Búzios.
Campos do Jordão, que é o mais destacado destino turístico de inverno do estado de São Paulo nasceu como estância de recuperação de tuberculosos e, com o surgimento da vacina, transformou-se rapidamente em destino de lazer, no período da segunda grande guerra, através de seus três primeiros hotéis, o Toriba, o Grande Hotel e o Vila Inglesa, que foram responsáveis pelo fortalecimento do destino e, como complemento, surgia ali o setor imobiliário, com vendas de terrenos e construções de casas, vilas e prédios aos fiéis turistas, modelo adotado e aprimorado com o passar das décadas.
Guarujá, que é a principal estância balneária paulista do século passado, nasceu como destino turístico em 1893, oferecendo um hotel-cassino – o Grand Hotel de La Plage –, dezenas de casas e uma igreja – todos de madeira –, espalhados pela Praia das Pitangueiras e uma linha de trem ligando a orla ao ferry boat. Com a fidelização dos hóspedes, as casas e terrenos próximos foram vendidos e, nos anos 1950, a praia já apresentava uma extensa cortina de prédios de apartamentos de alto padrão, cujos proprietários, via-de-regra, eram turistas paulistanos ou do interior do estado.
Encontram-se modelos urbanos e turísticos como estes, desenvolvidos no século XX, por todos os estados brasileiros, em destinos turísticos desenvolvidos – principalmente – para moradores das capitais e cidades grandes próximas, abrigando hotéis e residências de férias. E o processo, geralmente, é sempre o mesmo: em um destino potencial ergue-se um hotel, leva-se o turista, que ali se hospeda, encanta-se, torna-se habitué e adquire ou passa a alugar imóveis na região.
Este mesmo fenômeno é observado em destinos turísticos internacionais importantes; é significativo o número de apartamentos de férias em Paris, Nova Iorque e Barcelona, para citar três dos destinos que mais recebem estrangeiros no mundo. E há um detalhe importante: são três magníficas metrópoles, para a prática de turismo de negócios, eventos, cultura, compras, gastronomia, somente; não se vai a Barcelona para desfrutar de suas praias, ou a Nova Iorque para curtir a sua neve, ou mesmo a Paris para banhos de sol às margens do Rio Sena, estes são hábitos dos próprios moradores.
Os novos projetos
Os novos projetos de empreendimentos imobiliário-turísticos contemplam grandes resorts que oferecem condomínios, hotéis, pousadas, campos de golfe, marinas, hípicas, clubes sociais, etc., situam-se em geral em áreas distantes das capitais e aeroportos, oferecem grande infra-estrutura urbana e turística, integrando hotelaria e residências, proporcionando serviços hoteleiros, gestão e locação destes imóveis, intercâmbio de semanas de férias, serviços turísticos como receptivos, city tours, passeios, atividades aos diversos tipos de visitantes (terceira idade, jovens, esportistas, crianças, amantes da natureza, etc.), com o objetivo principal de promover a integração social entre os compradores das habitações, os hóspedes dos hotéis e a população local.
E eles estão sendo planejados geralmente a menos de 100 km dos aeroportos internacionais e das capitais, em todo o litoral do Nordeste do Brasil, no litoral e interior paulista, no litoral e serra fluminense, na costa e serra catarinense, no interior mineiro, nos destinos goianos, na serra gaúcha, no Pantanal, na Amazônia.
O turismo residencial como segmento turístico
Como conseqüência deste movimento, a Embratur estuda o turismo residencial no país e identifica, em pesquisa dirigida, que mais de cinco por cento dos turistas estrangeiros que visitam o Brasil ficam em casa própria e que, há alguns anos, esse número era tão inexpressivo que nem era identificado nas estatísticas oficiais. Como conseqüência, é natural admitir a regulamentação do Turismo Residencial na matriz de classificação de segmentos turísticos, ao lado de Turismo Social, Cultural, de Estudos e Intercâmbio, de Esportes, de Pesca, Náutico, de Aventura, de Sol e Praia, de Negócios e Eventos, Rural, de Saúde e Ecoturismo.
Além de consultor imobiliário e hoteleiro, também leciono – o que me proporciona a rica experiência de freqüentar indistintamente o meio acadêmico e as entidades das indústrias imobiliária, hoteleira e turística; sistematicamente tenho ministrado cursos, realizado palestras e participado de debates em universidades e em eventos dos setores imobiliário-turísticos nestes últimos dez anos, dentro e fora do Brasil.
O tema de minhas conferências, na maioria dos casos, aborda os empreendimentos imobiliário-turísticos. Apesar de todas as evidências expostas e do crescimento excepcional deste setor, percebo que há forte resistência, por parte tanto de professores como de profissionais da indústria do turismo, no reconhecimento do Turismo Residencial como um segmento do setor turístico, sob o argumento de que somente o turista que se hospeda em hotéis ou navios deve ser considerado como tal, ou mesmo ser contabilizado para efeito de pesquisas, o que discordo.
O turista de segunda-residência movimenta a indústria do turismo de forma até mais ampla e constante que o hóspede dos hotéis e resorts – e principalmente que o turista dos cruzeiros –, pois se utiliza de todos os tipos de transportes, aluga automóveis, adquire pacotes turísticos, realiza compras nas lojas locais, freqüenta os restaurantes, as casas de cultura e entretenimento, realiza esportes...
E vai além: pratica hábitos de morador, como compras em farmácias, supermercados, lojas de eletrodomésticos, padarias, depósitos de materiais de construção, locadoras de vídeos, correios, possui conta em banco local, constrói, reforma, muda a decoração, proporcionando criação e manutenção de empregos, gerando impostos e movimentando a economia local durante todo o ano, não apenas na alta temporada. Entre muitos outros benefícios, a conseqüência deste processo é a evolução social e econômica das populações das regiões destes empreendimentos, no contato com diversas origens de turistas.
O proprietário de uma residência de férias é um freqüentador assíduo, influencia pessoas de seu convívio a conhecerem o destino e a se hospedarem nos hotéis, criando, assim, um ciclo produtivo muito eficiente. É um engano considerar este proprietário como um “vilão” dos hotéis, pois ele, que já foi um hóspede, vai ajudar a divulgar o destino e influenciar futuros turistas.
Dá para imaginar como seria, por exemplo, Campos do Jordão, com seus hotéis, pousadas, lojas e restaurantes, mas sem seus prédios de apartamentos, vilas e casas? Quem freqüentaria a estância de Setembro a Maio? E como seria a economia local, a geração de empregos e de impostos? Certamente bem diferente da atual, que, em virtude de milhares de propriedades e de contribuintes não-moradores fixos, permite investimentos em recuperação e construção de infra-estrutura urbana e turística equivalente ao nível de turismo ali praticado.
Fica a certeza de que, em virtude de todos estes fatos, da mesma forma que a indústria imobiliária, a indústria do turismo deverá qualificar o Turismo Residencial como um dos segmentos de maior relevância do setor, isto é inevitável e independente de opiniões.
sobre o autor
Engenheiro civil, sócio-diretor da Caio Calfat Real Estate Consulting, consultor imobiliário e hoteleiro, conselheiro e ex-presidente da LARES – Latin American Real Estate Society, Professor de Análise de Empreendimentos Hoteleiros do MBA Real Estate da FUPAM/ FAU-USP e do pós-graduação de Gerenciamento de Empreendimentos na Construção Civil, na FAU-Mackenzie