Porto Alegre, capital do estado de Rio Grande do Sul, há anos se tornou modelo de participação e sustentabilidade, por ter sido campo de provas do Partido dos Trabalhadores em matéria de gestão urbana. Com uma dimensão semelhante a Barcelona, esta urbe costeira é famosa pelos “pressupostos participativos” criados em 1989, um processo que hoje tem menor incidência (desde 2004 o PT não governa na prefeitura), mas que foi muito forte na década de noventa. Baseado em reuniões periódicas em cada bairro para debater e decidir as prioridades, este modelo alcançou realmente uma maior eficácia do investimento público. Como resultado de todo este processo, é evidente a paulatina melhora da cidade nos últimos quinze anos, aumentando a qualidade das infra-estruturas, do saneamento, da educação, da cultura, do espaço público e do sistema ecológico costeiro.
A larga faixa costeira é um belo sistema de cais e docas que formam o porto na frente urbana e de reservas florestais nos arredores da cidade, onde foi criado um sistema de parques e de percursos para pedestres e bicicletas que seguem a linha do rio.
As antigas docas portuárias servem de sede à Bienal de Arte do Mercosul, que entre setembro e novembro de 2007 celebrou sua sexta edição. Em cada ocasião se realizam estimulantes intervenções artísticas nestes antigos armazéns do porto e se adapta o cais como área de estar. Na transição do sistema urbano ao início do sistema paisagístico nos arredores da cidade, se situa o antigo gasômetro e seu parque, transformado no Centro Cultural Usina do Gasômetro, símbolo de uma cidade que soube dar novos usos a seu patrimônio industrial, arquitetônico e urbano.
Estas qualidades da cidade foram incrementadas desde 30 de maio com a inauguração da Fundação Iberê Camargo. Os herdeiros deste artista expressionista promoveram um centro de arte de planta inovadora para a cidade, que em 1999 foi confiado a Alvaro Siza Viera, que dedicou o máximo esforço e carinho para convertê-lo em sua obra mais destacada do início do século XXI. Um trabalho que o arquiteto português quis realizar em homenagem a seus colegas brasileiros.
Este edifício todo de concreto branco, realizado impecavelmente com a colaboração do engenheiro José Luiz Canal, é para Siza uma reflexão sobre suas influências e apresenta uma síntese de antagonismos: o artificial e o natural, o côncavo e o convexo, o fixo da massa e o movimento das rampas que, levemente, se elevam e flutuam. Ai estão as qualidades espaciais da obra de Frank Lloyd Wright, em especial o Guggenheim de Nova York e o Templo Unitário em Chicago; as referencias à Le Corbusier e seu projeto de edifícios sinuosos na costa do Plano Obus para Argel; a presença da beleza e a concepção paisagística das obra de Alvar Aalto; a energia das formas orgânicas e surrealistas de Frank Gehry; e a homenagem a obras chave da arquitetura brasileira, como os museus brancos de Oscar Niemeyer ou a torre com passarelas de concreto aparente no Sesc Pompéia em São Paulo de Lina Bo Bardi.
O museu está perfeitamente situado no contexto ecológico da região, no extremo norte da cidade, no final de todo o percurso pela borda verde da margem do rio Guaíba, justamente no ponto onde a geografia se eleva, gira e muda de diretriz.
Há um corpo de base horizontal, que se adianta e recebe os visitantes, com interiores labirínticos e sucintos, dedicados a ateliês, biblioteca, oficinas e cafeteria. Sobre e detrás do edifício horizontal se eleva o museu vertical, de formas curvas e cegas, com seus braços no ar, que servem de rampas pelas quais se vai descendo desde o pavimento superior até o térreo, com o vestíbulo a toda altura. Pelo tanto, o museu atua como marco que amarra o território, que o significa, completando com uma obra artificial, de formas orgânicas e dinâmicas, um entorno natural junto à avenida do Padre Cacique.
O museu está perfeitamente situado no contexto ecológico da região, no extremo norte da cidade, no final de todo o percurso pela borda verde da margem do rio Guaíba, justamente no ponto onde a geografia se eleva, gira e muda de diretriz. Há um corpo de base horizontal, que se adianta e recebe os visitantes, com interiores labirínticos e sucintos, dedicados a ateliês, biblioteca, oficinas e cafeteria.
Sobre e detrás do edifício horizontal se eleva o museu vertical, de formas curvas e cegas, com seus braços no ar, que servem de rampas pelas quais se vai descendo desde o pavimento superior até o térreo, com o vestíbulo a toda altura. Pelo tanto, o museu atua como marco que amarra o território, que o significa, completando com uma obra artificial, de formas orgânicas e dinâmicas, um entorno natural junto à avenida do Padre Cacique.
Uma obra mestra, não por isso isenta de defeitos, como o contundente hermetismo de todo o edifício, no que se optou por pouquíssimas janelas. Siza dramatiza a visão Zen de belas janelas que, como um gigantesco visor de panoramas, se abrem para as melhores vistas de Porto Alegre. Porém, também é certo que mais aberturas zenitais nas rampas não teriam desvirtuado a obra e teriam permitido utilizá-las sem ter que recorrer à luz artificial todo o dia. Uma qualidade ecológica que tem é recolher e utilizar as águas pluviais, algo que sua situação e sua forma favorecem.
A contribuição desta obra em Porto Alegre, que será um foco de formação e debate sobre a arte contemporânea, se completa com outro museu no Rio Grande do Sul, constituindo um futuro sistema de museus situados nos antigos moinhos do século XIX construídos por imigrantes italianos; um patrimônio pré-industrial que foi salvo da deterioração e da destruição. É o Museu do Pão, no vale de Taquari, há duas horas a oeste de Porto Alegre, projetado pela equipe Brasil Arquitetura, dirigida por Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci.
Financiada pela Fundação Nestlé Brasil e com a colaboração da Universidade Caixas do Sul, a Associação dos Amigos dos Moinhos do Vale do Taquari – da qual também fazem parte os mesmos arquitetos autores da iniciativa e do projeto – conseguiu salvar, comprar, redesenhar e projetar a restauração dos antigos moinhos da região. Nesta primeira intervenção foi restaurado o Moinho Colognese, recuperando materiais e técnicas construtivas tradicionais, que levaram o mesmo Siza a declarar, quando conheceu a obra, que “é uma verdadeira celebração da madeira”.
O antigo moinho de madeira foi restaurado cuidadosamente, com todos seus mecanismos, servindo de museu do mesmo moinho e cafeteria. Este edifício existente foi abraçado com duas novas intervenções, de volumetrias abstratas e materialmente complementárias entre elas. Uma delas é um volume envidraçado e leve, elevado sobre uma plataforma de concreto, que serve para abrigar e valorizar elementos e instrumentos da vida cotidiana em relação ao pão. O outro volume, opaco, abriga como um cofre o espaço de transmissão de conhecimento – modernas instalações onde se transmitem às jovens gerações o saber tradicional da fatura do pão.
Por sua função, situação e forma, e por este caráter de arquitetura do ambiente criada para a experiência total dos sentidos, lembram os pavilhões de Mónica Bertolino e Carlos Barrado próximos de Córdoba, Argentina, que comentávamos nesta série no passado mês de março.
Por isso, o Museu do Pão é o primeiro de um sistema de pequenos museus da região, que se iniciou com o restauro do Moinho Colognese e que tem a intenção de criar um “caminho de moinhos”, uma nova rota turística e cultural que incluiria os moinhos Fachinetto, Marca, Dallé, Vicenzi e Castaman, muito próximos uns dos outros, nesta área do Vale do Taquari, ao redor do município de Ilópolis.
E este Museu do Pão se soma à tão qualificada obra de Ferraz e Fanucci, marcada pela consciência do valor público, social e cultural da arquitetura. E nele participam da posição de Alvaro Siza, de fazer uma arquitetura cuidadosa com a realidade, atenta aos valores do lugar, respeitosa com todo o esforço acumulado durante gerações que se reflete no patrimônio, a arquitetura, a cidade e a paisagem. Por todo isso, uma arquitetura que é, essencialmente, didática, projetada para o ensino e a formação cultural, para a experiência e o desfrute dos sentidos.
tradução Marcio Cotrim
sobre o autor
Josep Maria Montaner e Zaida Muxí, arquitetos residentes em Barcelona, Espanha