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architectourism ISSN 1982-9930


abstracts

português
Nesta entrevista, Renato Cymbalista, arquiteto que trata da memória urbana associada à morte, conta como chegou ao tema de várias teses e livros, culminando como guia turístico de percurso temático no centro de São Paulo

english
Renato Cymbalista deals with the urban memory associated with the death. He tells us how he came across the subject after having access to several books and theses, which culminated into a specialized tour guide around the center of Sao Paulo

español
En esta entrevista, Renato Cymbalista, arquitecto que trata la memoria urbana asociada a la muerte, cuenta cómo llegó al tema a partir de diversas tesis y libros, culminando en una guía turística temática por el centro de San Pablo


how to quote

CYMBALISTA, Renato. Visitando os mortos e suas relíquias. Arquiteturismo, São Paulo, ano 03, n. 029.03, Vitruvius, jul. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/03.029/1538>.


Quando começou seu interesse pelo tema do cemitério?

Tive uma bolsa de iniciação científica do CNPq de 1994 a 1996, na FAU-USP, orientado pela Ciça França Lourenço. O objeto da pesquisa eram os museus de arte popular. Durante a pesquisa, percebi que os pequenos cemitérios de cidades do interior do Estado de São Paulo podiam ser tratados como museus a céu aberto das expressões construtivas populares, com seus túmulos coloridos, feitos não por arquitetos, mas por pedreiros, que se utilizavam de referências da própria arquitetura das cidades dos vivos.

O interesse não foi especificamente relacionado à morte ou aos mortos, era mais relacionado às técnicas construtivas, à decoração, ao imaginário popular. Durante a pesquisa, fiz uma série de registros fotográficos desses túmulos, e prossegui com essa pesquisa no meu trabalho de conclusão de curso, que naquela época se chamava TGI (Trabalho de Graduação Interdisciplinar), e agora se chama TFG (Trabalho final de graduação).

Mas os mortos são muito poderosos, conforme eu visitava os cemitérios, percebia que os registros da morfologia dos túmulos não davam conta de várias questões que apareciam naqueles cemitérios: espaços de devoção popular, de comunicação entre vivos e mortos, de expressão de imaginários afro-brasileiros...

Essas questões eu desenvolvi em minha dissertação de mestrado, que fiz também na FAU-USP, com a orientação da Ana Lúcia Duarte Lanna, que foi uma pessoa fundamental na minha trajetória de pesquisa, que soube me mostrar como as questões com as quais em me deparava em campo poderiam ser tratadas de forma acadêmica.

O trabalho de mestrado foi publicado pela editora Anna Blume e pela Fapesp, virou o livro Cidades dos vivos: arquitetura e atitudes perante a morte nos cemitérios do Estado de São Paulo. A Fapesp, aliás, tem sido um grande apoio para o meu trabalho, tive bolsa de mestrado e agora estou com bolsa de pós doutorado dessa agência, em uma pesquisa sobre martírios.

Quais os grandes "destinos" associados à morte?

O mundo pré-moderno foi estruturado em grande medida pelos espaços dos mortos. Qualquer igreja ou catedral construída até o século 18 era também um cemitério. A cidade de Jerusalém é toda marcada pelos passos do martírio de Cristo. As catacumbas romanas são verdadeiras cidades subterrâneas. Varanasi, na Índia, é um local onde os hindus vão para morrerem. Auschwitz, na Polônia, é um local importante para a memória do Holocausto, onde estão sepultadas as cinzas e a memoria de milhões de judeus, mas também ciganos e homossexuais. A lista é imensa. Recomendo muito a capela dos ossos de Évora, toda construída com ossos.

A canonização do Padre Anchieta gerará turismo?

Acho que poderá gerar um centro de peregrinação no centro de São Paulo, no Pátio do Colégio. O Mosteiro da Luz, onde está sepultado Frei Galvão, é muito visitado.

Quando começou a visitar criptas e tumbas?

As criptas e tumbas vieram um pouco depois que comecei a visitar cemitérios. Um dos principais saldos da pesquisa de mestrado foi uma grande inquietação com uma documentação que revelava que, em alguns casos, os mortos chegaram antes dos vivos nos princípios da urbanização das cidades paulistas. O cemitério ou o túmulo de um personagem especial parecia não só preceder, mas até mesmo orientar, condicionar posteriores assentamentos permanentes, alguns dos quais se tornaram grandes cidades. Essa inquietação se transformou na minha pesquisa de doutorado, que resultou na tese Sangue, ossos e terras: os mortos e a ocupação do território luso-brasileiro, na qual fui muito longe no tempo e no espaço.

A pesquisa investigava a ocupação do território da América Portuguesa nos séculos 16 e 17, do ponto de vista dos mortos. No percurso, encontrei uma imensa documentação que mostrava que os mortos foram um dos fatores relevantes para a construção de assentamentos permanentes no período colonial.

Até o século 18, em um mundo altamente estruturado pela religiosidade, viabilizar um espaço sagrado para os mortos era uma das principais funções das cidades. Nesse trabalho, inverti um pouco a lógica dos estudos urbanos, sempre preocupada com os vivos, suas ambições, suas riquezas, e procurei contar a história da urbanização do ponto de vista dos mortos. A tese também vai virar livro, a ser publicado asté o fim de 2009 pela Editora Alameda, também com apoio da Fapesp.

Nesse percurso, identifiquei que vários dos locais de sepultamento mais antigos das cidades permanecem visitáveis até os dias de hoja, alguns deles com significados especiais para a população. Percebi que, em alguns casos, o passado remoto que estudei, no qual vivos e mortos conviviam com muita proximidade, é bastante presente até os dias de hoje, principalmente para os grupos mais populares.

Quais as relíquias sagradas mais importantes do país?

No Brasil, os dois enormes relicários da Sé de Salvador, com inúmeras relíquias de santos, separados por gênero: um para os santos mártires, outro para as santas virgens. Em São Paulo, acho que são o femur de José de Anchieta no patio do Colégio, o túmulo de Frei Galvão no Mosteiro da Luz, o corpo de Santa Donata na Igreja de Santa Cecília. Quem não souber o que são relíquias sagradas, pode ler o meu texto “relíquias sagradas e a construção do território crisão na Idade Moderna” publicado nos Anais do Museu Paulista.

Quais os cemitérios do mundo mais visitados?

Pére-Lachaise em Paris, Recoleta em Buenos Aires, Arlington em Washington. São os que me lembro sem precisar pesquisar muito.

Como você relaciou o cemitério ao turismo?

Minha relação com o mundo dos mortos sempre foi essencialmente acadêmica, e o meio da pesquisa tem seus formatos já estabelecidos: dissertações, teses, artigos acadêmicos, comunicações em seminários, palestras. Excursões in locu não costumam entrar na “gaveta” acadêmica, na maior parte dos casos a academia trata o trabalho de campo como forma de coleta de informações, e não de disseminação de conhecimento. É assim que eu enxerguei as criptas e cemitérios por muitos anos, como a parte de trabalho de campo das minhas atividades de pesquisa, e nunca como locais aonde eu poderia levar pessoas para visitas.

Quais os locais mórbidos para conhecer antes de morrer?

São muitos. Acho que dá para começar pelo roteiro que escrevi para o livro Dez roteiros a pé em São Paulo, da Editora Narrativa Um: a Cripta dos jesuítas no Pátio do Colégio, a igreja das almas dos enforcados na Liberdade, a cripta da Sé, que é Linda, o túmulo do professor Julius Frank, na faculdade de direito do largo de São Francisco, o cemitério da Consolação.

Qual é sua pesquisa atual?

Atualmente desenvolvo pesquisa de pós-doutoramento na Unicamp, com bolsa da Fapesp, que tem como objeto de pesquisa os mártires da Companhia de Jesus nos séculos 16 e 17. O projeto insere-se no projeto temático “Dimensões do Império Português”, sediado na Cátedra Jaime Cortesão da FFLCH-USP, e é também financiado pela Fapesp, coordenado por Laura de Mello e Souza. A idéia desse projeto de pós doutorado é investigar a função dos martírios – e principalmente das narrativas em torno deles – como elemento de cristianização do território da América Portuguesa nos primeiros séculos da colonização. Existe uma imensa (e muito pouco explorada) documentação que mostra que os jesuítas vinham para a América ansiosos por serem martirizados. Reproduzindo a trajetória da paixão de Cristo e de seus primeiros seguidores, martirizados nos primeiros séculos da Cristandade, os jesuítas acreditavam que estariam permitindo que a cristandade se enraizasse na América. Assim como em todas as comunidades católicas, a cristandade por aqui também precisava de martírios fundadores.

Embora essa pesquisa vá muito longe no tempo, meu interesse aplica-se também à cidade contemporânea. Interessam-me esses mecanismos espirituais de construção do território, e se olharmos com atenção a nossa cidade também está povoada pelos mártires. O Obelisco do Ibirapuera é um grande sepulcro de mártires. O túmulo de Julius Frank na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco pode também ser considerado um monumento a um mártir.

O recém reformado memorial da resistência, construído nas celas do antigo Dops na Estação Pinacoteca, idem. Nossas cidades estão até hoje negociando com os mártires, e atribuindo significados especiais aos locais onde ocorreram martírios, que nos dias atuais têm menos conotações explicitamentee religiosas, e mais conteúdos políticos. Esse tipo de associação entre passado e futuro – que deve ser feito com muitas ressalvas, é claro. Mas se olharmos bem, os mecanismos de atribuição de sentidos a esses lugares possuem muitas similaridades como os martírios antigos.

sobre o autor

Renato Cymbalista, arquiteto e urbanista, mestre e doutor pela FAU USP, coordenador da área de urbanismo do Instituto Pólis (2003-2008), professor de História da Cidade na Escola da Cidade. É autor dos livros "Cidades dos vivos: arquitetura e atitudes perante a morte os cemitérios do Estado de São Paulo" (Anna Blume) e "São Paulo 360 graus" (Com Helmut Batista, Panawiew). É pesquisador de pós-doutorado do IFCH-UNICAMP e bolsista FAPESP

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029.03 Entrevista
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