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architectourism ISSN 1982-9930

Museu do Ipiranga, São Paulo. Foto Victor Hugo Mori

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Leia o artigo de Carlos M. Teixeira sobre sua visita à cidade de Chicago e às importantes obras de arquitetura ali presentes, inclusive alguns ícones de arquitetos internacionalmente reconhecidos como Rem Koolhaas e Mies Van der Rohe


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TEIXEIRA, Carlos M. Koolhaas X Mies. Arquiteturismo, São Paulo, ano 04, n. 043.02, Vitruvius, set. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/04.043/3547>.


Chicago é a cidade do arquiteto alemão Mies van der Rohe, do calculista Fazlur Khan (SOM) e de Louis Sullivan: todos eles têm ruas batizadas com seus nomes; isso num país onde as ruas e avenidas sempre têm toponímia de números ordinais. (Uma referência importante para o Brasil, país onde mais de 50% dos projetos em tramitação nas câmeras municipais são propostas para homenagear ilustres desconhecidos com nomes de rua – nomes compostos, muitas vezes, de nome próprio mais três ou quatro sobrenomes.) Chicago é o berço do arranha-céu – do Auditorium Building, da Sears Tower, do bizarro Chicago Temple com sua igreja neo-gótica no trigésimo andar e, melhor de todos, do John Hancock Center de Fazlur Khan. Nos últimos anos, a cidade tem sido festejada por sua nova arquitetura, como o pavilhão Jay Pritzker e a ponte BP de Frank Ghery, o feijão de Anish Kapoor e a extensão do Chicago Arts Center de Renzo Piano.

Depois de ver tudo isso, segui para o Loop (o centro) ver três Mies enfileirados no Federal Center, depois para o lago Michigan ver seus Lake Shore Drive Apartments, e depois para o rio Chicago ver mais um Mies (Ed. IBM) ao lado das lindas torres da Marina City. E ainda fui (era preciso mais – pessoalmente, não gosto tanto dos Mies verticais quanto dos horizontais) no Illinois Institute of Technology – uma cidade universitária inteira projetada por Mies.

O arquiteto holandês Rem Koolhaas fez um hilariante comentário sobre o alemão em sua instalação para a Trienal de Milão em 1985; uma reconstrução iconoclasta do Pavilhão de Barcelona de Mies (1929). A sala alocada para o Office for Metropolitan Architecture de Koolhaas era curva, correspondendo à planta em semi-círculo (ou curva B1) do Palazzo dell’Arte, a sede estilo fascista da Trienal. Como uma obra site-specific, o pavilhão foi “calandrado” para caber no espaço B1, fazendo da suposta homenagem a Mies uma irônica crítica ao ângulo de 90º e ao reducionismo do Estilo Internacional em arquitetura. No seu livro S,M,L,XL, Koolhaas complementa a apresentação da instalação com um falso documentário sobre as andanças dos restos do Pavilhão, passando pela Segunda Guerra até a queda do muro de Berlim. Segundo o relato, os componentes originais de Barcelona foram resgatados, reciclados e encurvados (receita do DOCOMOMO?) na montagem do pavilhão curvo.

Em Chicago, passear pelo MacCormick Tribune Campus Center, no coração do IIT, foi primeiro um alívio; depois, uma saudável surpresa ao perceber que as contradições de Koolhaas permanecem mesmo quando limitadas por todas as forças externas da arquitetura. Depois de tanto puritanismo miesiano manifestado em caixas de vidro com estrutura de aço preto, uma arquitetura onde a diversidade urbana está – como seu arquiteto insiste em frisar – realmente comprimida em um único prédio.

“Questão: re-urbanizar o vazio”; “re-urbanizar: ocupar o maior território com a menor massa para gerar vida urbana”: diz a lenda que, quando começou a projetar o Centro MacCormick, Koolhaas pôs vários estudantes para mapear os caminhos por onde circulavam os estudantes do campus. Até então, o terreno do prédio – um vazio sob o viaduto da linha verde de metrô, que corta o campus em dois – era um incômodo hiato entre os dormitórios dos estudantes de um lado do campus e os edifícios das salas de aula do outro. Essas trilhas espontâneas foram endossadas e usadas como os grandes corredores do Centro, deixando o espaço entre os corredores como ilhas de programa (restaurante, administração, livraria etc.), cada qual com uma identidade visual própria, e cada corredor como um segmento coberto das antigas trilhas entre os dois lados antes isolados do campus.

O aspecto dubiamente molesto do prédio está na relação nada delicada deste com seu vizinho Commons Building, o antigo diretório acadêmico de Mies que fora premiado pelo American Institute of Architects em 1953. O ataque é bem explícito: com tanta área disponível num campus definido como "um vazio dentro de um vazio”, dois prédios que poderiam estar a dezenas de metros um do outro estão grudados, assim como duas casas geminadas (não univitelinas) construídas em um mar de espaço aberto. Paredes externas do Commons viraram paredes internas do McCormick, e parte da cobertura deste passa por cima daquele – um gesto obsceno que, mesmo despertando a ira de todos os burocratas do “IPHAN” de Illinois, foi construído com poucas modificações no projeto original. (A proposta original previa a extensão das rotas para dentro do Commons Building, mas essa que seria uma canibalização de Mies não foi aprovada).

Ambiguidades atenuam esse acinte. Um enorme retrato de Mies estampa uma das portas de entrada do MacCormick, enquanto os pilares do Pavilhão de Barcelona são citados e usados como sua estrutura principal. Porém, eles foram misturados com os toscos pilares de concreto do viaduto do metrô – que caem sem a menor cerimônia ao lado dos pilares miesianos –, e ainda sofrem com a intromissão de mais um terceiro grupo de pilares – os diagonais de concreto preto, suportando um tubo metálico, ou tubo Exelon, que envolve o viaduto do metrô para amortecer o ruído dos trens. Aliás, a arquitetura, ao invés de negar a presença do tubo, deixa que ele sirva como um elemento que divide e achata a cobertura em duas. Estas são dois planos inclinados que, vistos em conjunto, fazem do prédio uma situação bizarra onde o telhado parece que foi forçosa e desajeitamente inserido por baixo do tubo Exelon; algo que provocou a combinação de um tubo e de dois telhados de maneira aparentemente acidental.

Um corte do prédio deixa mais clara a impressão de que a presença da cobertura é mesmo acidental: um desses planos inclinados é tão baixo quando “enfiado” por baixo do Exelon que gera um espaço intersticial e inútil devido a seu pé-direito baixo demais; fato encontrado em outras obras de Koolhaas onde a lógica do funcionalismo é transgredida.

Diz também outra lenda (ditas por Anand Narinder Singh, estudante que me ciceroneou pelo ITT) que, devido a problemas de orçamento – o Exelon custou 13,6 milhões de dólares, contra uma previsão de dois milhões – o material do forro teve que ser alterado. Placas de gesso verde claro substituíram o que antes seriam elegantes lambris de madeira, mas o rejuntamento entre as placas foi deixado à vista, tudo ficando sem pintura, como que um forro inacabado com as marcas do rejuntamento porcamente aplicado: “este é um retorno ao puritanismo de Mies com relação ao aço, porém em um material mais abjeto”, disse o arquiteto em entrevista, assim confirmando as informações do indiano.

Hoje ninguém nega que Koolhaas é um arquiteto influente e que sabe misturar contextualismo com uma certa alegoria narrativa, como nos diz esse prédio. Mas fiquei surpreso em saber que os arquitetos brasileiros não são os últimos modernistas do mundo: são os arquitetos do IIT. A poucos metros do MacCormick está o Crown Hall, uma das mais famosas obras de Mies, onde funciona a escola de arquitetura do campus. Lá vi dezenas de maquetes de madeira logo ao lado de uma sala de estúdio. Perguntei ao meu guia: “São vilas de Mies?” “Não – ele me respondeu solenemente – são projetos dos alunos de quarto ano.”

sobre o autor

Carlos M Teixeira é arquiteto pela EA-UFMG e mestre em urbanismo pela Architectural Association. Publicou os livros “História do vazio em BH” (CosacNaify), “Espaços colaterais (cidades criativas)”, “O condomínio absoluto” (C/Arte), e é sócio do escritório Vazio S/A.

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