Et la mélancolie errante au bord des eaux.
Chénier M. J. La promenade
Etimologicamente, a melancolia está associada à bílis negra secretada pelo fígado, afecção que levaria a um comportamento taciturno e depressivo; veremos, contudo, que este sentimento pode ser alvo, branco como versos ou como a neve sobre as areias de Oostende em um belo dia de inverno. Diante de tal paisagem, dunas, neve, pescadores e um porto, poder-se-ia afirmar, como fizeram os românticos, que a melancolia, assim como o estreito litoral belga, tem lá os seus charmes.
Diz-se comumente que a tristeza e a depressão são sentimentos suscetíveis de produzir belas obras de arte, e a joie de vivre dos Impressionistas seria uma exceção quase imperceptível na história das artes. Brueghel, Grünevaldt, Goya, Bacon e Munch, entre muitos outros, seriam os pintores da melancolia, da miséria e da depressão, sentimentos dos séculos e dos homens. Pode parecer que exageramos, mas ninguém vai a um museu para se divertir ou para esquecer de si mesmo; frequenta-se as musas porque não há saída, ou porque, como escreveu a belga Marguerite Yourcenar, antes de morrermos devemos cumprir o tour de la prison.
Elencamos acima alguns artistas melancólicos, mas omitimos um dos seus mais conhecidos adeptos, o belga James Ensor, natural da cidade flamenga de Oostende. Solitário e recluso, viveu boa parte da sua vida à margem da burguesia e até mesmo dos círculos artístico de vanguarda (foi expulso do Les XX, movimento artístico que ele mesmo havia contribuído para fundar), e tornou-se conhecido como o pintor de estranhas máscaras e de não menos estranhos esqueletos. Mas este pintor é conhecido, igualmente, pelas pinturas das paisagens de Oostende. A pintura Le phare d'Oostende é uma das suas vues mais conhecidas, na qual o artista, a partir de uma paleta quase impressionista – e apesar dela –, conseguiu reproduzir a atmosfera cinzenta do mar do Norte. Ora, não se pode imaginar a transposição da atmosfera jovial que se observa nas marinhas francesas do mesmo período em uma pintura que represente o mar do Norte belga, le dernier terrain vague, segundo Jacques Brel... Não se vai a Oostende para se banhar, mas para garantir a si mesmo que o limite está ali, instransponível, e que, portanto, não há um “além” catártico ou redentor.
O por do sol está comumente associado ao sentimento da melancolia, do fim, da ruína e da decadência e, por extensão, da morte. Mas, a este respeito, e pensando na neve sobre as brancas areias de Oostende, citemos o cineasta francês Jean-Luc Godard, que, ao ser perguntado se o cinema estava conhecendo o seu ocaso, respondeu positivamente, afirmando que, justamente, “é esta a mais bela hora do dia”. Devemos, então, pensar no por do sol branco em Oostende como a hora em que um suave abatimento se mistura a um estranho humor (as máscaras...), assim como o dia que se mistura, suavemente, a uma noite incerta. Felizmente, no lusco fusco nem tudo são trevas.
sobre o autor
Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima, arquiteto e urbanista, Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Espírito Santo, Doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Autor do livro: Arquitessitura; três ensaios transitando entre a filosofia, a literatura e arquitetura. Professor Assistente da Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Arquitetura e Urbanismo.