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architectourism ISSN 1982-9930

Vista panorâmica de Casablanca, Marrocos. Foto Victor Hugo Mori

abstracts

português
Valdir Zwetsch, jornalista, esteve no Xingu por três vezes no início dos anos 1970, para fazer reportagens para as extintas revistas "O Cruzeiro" e "Realidade". As fotos que tirou na ocasião viraram exposição e aqui Zwetsch lembra as viagens.


how to quote

GUERRA, Abilio; GORSKI, Michel. Revisitando o Xingu através de imagens. Entrevista com Valdir Zwetsch. Arquiteturismo, São Paulo, ano 05, n. 050.01, Vitruvius, abr. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/05.050/3856>.


De 23 de março a 20 de abril de 2011, na Galeria da Arte da Unicamp, em Campinas, ficou aberta à visitação a exposição “Nu Xingu” (1). A mostra apresentou fotografias feitas pelo jornalista Valdir Zwetsch no começo dos anos 1970 no Parque Indígena de Xingu. Foram três viagens – a primeira para a revista O Cruzeiro; as duas seguintes para a revista Realidade –, sempre com a missão de escrever os textos, que viriam a ser publicados com grande destaque pelas revistas, na época com grande importância e penetração no país (2).

Valdir Zwetsch, jornalista, começou em 1968 como estagiário do jornal Folha da Tarde, de Porto Alegre. No ano seguinte veio para São Paulo e passou por vários órgãos de imprensa (O Cruzeiro, Jornal da Tarde, Zero Hora, Realidade, Pop, Veja, Playboy, entre outros). Na virada dos anos 1970 para os 1980, bandeou-se para o telejornalismo: Rede Globo, TV Cultura, Rede Bandeirantes, Rede Record. Atualmente é, pela segunda vez, editor-chefe do Jornal da Band.

A primeira das viagens ao Xingu, ocorrida em janeiro de 1972, Zwetsch acompanhou os irmãos Villas Boas, indigenistas a serviço da Funai, no contato inicial com os índios kreñakãrore, que viviam ainda isolados na selva. O título da matéria publicada na revista O Cruzeiro era "Os índios gigantes da Amazônia", motivado pelo apelido que os nativos tinham na região.

Nos dois anos seguintes, em 1972 e 1973, o repórter voltou à região, agora como uma máquina Pentax de 35 mm em punho, com a qual tirou mais de 700 fotografias, registrando os índios em seu cotidiano e durante rituais coletivos. Acompanhado de fotógrafos profissionais, as fotos de Valdir Zwetsch mantiveram-se inéditas até a recente exposição na Unicamp.

Na entrevista abaixo, o jornalista comenta suas viagens, ocorridas há quatro décadas.

Como foi sua chegada a São Paulo? Você já veio com um emprego? Quando foi?

Cheguei a São Paulo no segundo semestre de 1969. Trabalhava como repórter num jornal de Porto Alegre, e como todo jovem jornalista gaúcho da época sonhava com o mercado Rio/São Paulo. A oportunidade surgiu, e eu já cheguei com emprego de repórter na revista O Cruzeiro, dos Diários Associados.

Como você chegou ao Xingu e quais eram seus interlocutores?

Fui escalado para fazer uma entrevista com o sertanista Orlando Villas-Bôas, que junto com o irmão Cláudio, estava sendo cogitado para disputar o Prêmio Nobel da Paz. Foi paixão à primeira vista. Orlando me falou sobre o grande desafio deles naquele momento: atrair a tribo kreñakãrore para a área do Parque Indígena do Xingu. Era uma tribo isolada, considerada hostil e com uma tradição de encrencas e alguns confrontos violentos com outras nações xinguanas. Nos relatos exagerados dos velhos inimigos, eram chamados de “índios gigantes”. A atração era urgente: uma nova estrada (fora do parque) ia cortar a região, e a aldeia estava no caminho... Podia haver conflitos de consequências imprevisíveis. Os primeiros contatos teriam que ser feitos por especialistas – e o Villas-Bôas entraram em ação. É óbvio que cavei um lugar pra mim e pra um fotógrafo na expedição!

Expedição de atração dos índios Kreñakãrore, 1972. Vida dura: o repórter Valdir Zwetsch lavando roupa num riacho
Foto divulgação


Quais as diferenças entre as três viagens?

Na primeira, para O Cruzeiro, fizemos uma pequena escala na sede do Parque – Posto Leonardo Villas-Bôas – e um ou dois dias depois fomos com Orlando e alguns índios do Alto Xingu até a base aérea do Cachimbo, onde já nos aguardavam Cláudio e alguns índios do Baixo Xingu. Nos primeiros dias, caminhamos na mata usando uma estradinha aberta por tratores que davam apoio à frente de agrimensura e topografia, que começava a riscar in loco o traçado da futura estrada. À medida que avançávamos, o que era estradinha virava picada, e mais adiante o caminho ia sendo aberto pelos índios a facão e penado... Já se sabia que expedição seria longa, talvez demorasse mais de um ano – o que efetivamente ocorreu.

Nós – o fotógrafo Antonio Carlos “Soneca” Piccino e eu – havíamos nos comprometido a voltar no prazo de no máximo uma semana. Já tínhamos a rotina da expedição, os incríveis Orlando e Claudio Villas Boas, alguns personagens interessantes entre os índios e um veterano e experiente agrimensor... mas não tínhamos nem sinal dos índios gigantes! Mesmo assim, voltamos para a base do Cachimbo e a sorte – companheira fiel dos jornalistas aventureiros – deu as caras: lá estava um repórter d’O Globo, que saíra de Brasília num pequeno avião monomotor para tentar um vôo sobre a floresta em busca da aldeia kreñacãrore. E quem era esse repórter? Um bom amigo, que trabalhara n’O Cruzeiro e ajudara na minha contratação – o Ethevaldo Dias. Ele tinha o avião, mas não tinha nada da expedição. Nós tínhamos a expedição, mas não tínhamos os índios selvagens. Trocadas as figurinhas, alguns minutos depois estávamos voando sobre a incrível aldeia de onde índios pintados de preto tentavam mandar flechas e bordunas em direção ao avião... A sensação que tive está registrada na primeira frase da reportagem: era como se estivéssemos numa viagem através do tempo, sobrevoando a Idade da Pedra!

As outras duas visitas, pouco mais de um ano depois, já foram para a revista Realidade, em companhia do fotógrafo Luigi Mamprin, um veterano frequentador do Xingu. Fomos para acompanhar um Kuarup, a festa em homenagem aos mortos, na aldeia Kamayurá junto à lagoa do Ipavu. Ao chegar lá, o Orlando nos deixou a par dos preparativos para o ritual, e alertou: haveria, logo a seguir, na mesma aldeia, um Yamurikumá, a festa das mulheres – evento raro, que não obedecia a nenhuma periodicidade ou “calendário” específico. E que, segundo ele, pouquíssimos jornalistas tinham conseguido registrar... Ele mesmo, com 30 anos de convivência com as tribos da região, só testemunhado um Yamurikumá! Rapidamente, tomamos a decisão: após registrar o Kuarup, esticaríamos nossa visita até a festa das mulheres. Só que ninguém sabia dizer exatamente – numa contagem de dias, luas ou o que quer que fosse – quando exatamente seria a festa. Pelo rádio do posto consegui um contato com São Paulo e convenci o chefe de redação a permitir que o Mamprin ficasse, por segurança. Voltei a São Paulo com os filmes dele, escrevi a reportagem do Kuarup, e voltei voando pro Xingu. E aí... aquela festa que seria “logo após”, numa data que ninguém sabia precisar em alguma contagem “civilizada”... demorou quase um mês pra acontecer. Todos os dias eu recebi rádios de São Paulo exigindo nosso retorno imediato. Quase perdemos o emprego. Mas trouxemos a matéria.

Alguma história curiosa?

Durante nossa primeira viagem, em 1972 – época braba da ditadura, governo Médici, “Milagre Econômico” etc.  –, Soneca, e eu fizemos uma expedição na floresta acompanhados por um viralata chamado “Brasil”. Ele já estava escalado para o trabalho e, dizia-se, o nome dele tinha sido escolhido pelos próprios índios. O cão ia conosco para a frente de trabalho e a frase que os índios – uns tremendos gozadores – mais gostavam de dizer era: “Prá frente, Brasil!”

Jornalistas de O Cruzeiro na expedição de atração dos índios Kreñakãrore, 1972. À esquerda, Valdir Zwetsch, repórter; à direita, Antonio Carlos Piccino, o “Soneca”, fotógrafo; na frente, o viralata Brasil
Foto divulgação


Como vocês eram tratados pelos índios? teve algum problema?

Fomos sempre muito bem tratados pelos índios, principalmente porque estávamos lá a convite dos irmãos Villas-Bôas, e tínhamos as devidas autorizações da Funai. Não tivemos nenhum problema porque sempre respeitamos as regras estabelecidas pelos Villas-Bôas, baseadas nos valores culturais e limites estabelecidos pelas próprias tribos. Não participávamos de nenhuma atividade sem antes pedir autorização dos próprios índios. Jamais invadimos ou bisbilhotamos algum território ou espaço sagrado. Mesmo na “casa dos homens”, que fica no centro das aldeias, e onde mulher nenhuma pode entrar, decidimos entrar só se fôssemos convidados. Como ninguém nos convidou, não entramos.

Você chegou a mostrar as reportagens para os índios? qual foi a reação deles?

Não tive a oportunidade de mostrar pessoalmente as reportagens para os índios. Mas é bem possível que alguns tenham visto: naquela época, os aviões do Correio Aéreo Nacional pousavam com alguma freqüência no Posto Leonardo Villas-Bôas, sede do Parque. E tanto os pilotos como os visitantes podem ter levado as revistas pra lá... Da mesma forma, alguns índios eram trazidos para São Paulo, Brasília ou Rio de Janeiro, para tratamento de saúde ou mesmo para contatos com autoridades e entidades envolvidas com as questões do Parque.

Como era a paisagem natural? quais os lugares mais interessantes e qual o motivo?

Era o começo dos ano 1970, o desmatamento no entorno do Parque ainda era incipiente. Portanto, toda a área era de floresta exuberante, com pequenas clareiras onde as tribos instalavam suas aldeias e roças. Entre elas, trilhas e alguns raros campos de pouso, abertos a machado e facão. O mais interessante, além da própria mata e seus habitantes, era o rio: o Xingu é um rio imponente, caudaloso, de águas escuras, com uma rede de afluentes considerável, que sempre funcionou como provedor e via de transporte para os povos da floresta... E o espetáculo mais bonito acontecia nas margens, todas as manhãs e finais de tarde, quando a criançada das aldeias se jogava na água para o banho e as brincadeiras ... Era bonito ver indiozinhos de quatro, cinco anos mergulhando e nadando no Xingu sem nunca terem tido uma “aula de natação”... Raramente havia algum adulto junto. Eram os maiores que tomavam conta dos pequenininhos na alegre farra...

Jornalistas na aldeia Kamayurá, Parque Indígena do Xingu, 1973. Da esquerda para a direita: Luigi Mamprin, Luís Salgado, Pedro Martinelli, Edilson Martins, Valdir Zwetsch, Ethevaldo Dias, Joana Grillo e pessoa não identificada
Foto divulgação


O que vai acontecer com as fotos, onde serão expostas?

Depois da Galeria de Arte da Unicamp, onde fica até o dia 20 de abril, a exposição “Nu Xingu” vai para a Galeria ArteFato, em Porto Alegre, de 06 a 27 de julho. Pretendo levá-la também a outras cidades, talvez um pouco ampliada – no formato atual, são 29 fotos. Penso em aumentar para algo entre 40 e 50 fotos, e levar a exposição para São Paulo, Rio, Brasília... Ao mesmo tempo, estou desenvolvendo o projeto de um livro. Afinal, tenho um acervo em torno de 700 negativos de 35mm, em bom estado de conservação.

Você planeja voltar ao Xingú com o seu material?

É uma idéia que tenho, sim, talvez para um segundo livro, ou mesmo para um documentário. Gostaria de selecionar algumas fotos e ir ao encontro das pessoas retratadas, para descobrir o que aconteceu com elas ao longo desses quase 40 anos. É um projeto ambicioso, que exige planejamento logístico detalhado e muita dedicação.

Há algo mais no seu estoque?

Como jornalista de ofício e fotógrafo de paixão, sempre ando com uma câmera fotográfica à mão. Algumas viagens que fiz, profissionais ou turísticas, renderam material que julgo interessante, e talvez gostasse de mostrar. Por exemplo: a documentação (também em negativos 35 mm, preto & branco) de uma viagem pelo rio São Francisco, em 1975, a bordo do “gaiola” Benjamin Guimarães. Ou as fotos coloridas que fiz em 2009 em Paris, com uma camerinha digital, registrando basicamente pessoas – personagens comuns, do dia-a-dia da cidade, como garçons, a jardineira de um museu, estudantes togados de direito, o entregador de pão e um casal de orientais pousando para aquelas fotos de casamento numa ponte sobre o Sena...

nota

1
Exposição “Nu Xingu”. Fotografias de Valdir Zwetsch. Galeria de Arte da Unicamp, de 23/03/2011 a 20/04/2011.

2
Fotos das três reportagens estão presentes na galeria de imagens desta entrevista.

sobre os autores

Abilio Guerra e Michel Gorski são os editores da revista Arquiteturismo.

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050.01 entrevista
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050

050.02 Viagem cultural

Descobrindo o Porto

Maycon Sedrez

050.03 Arquiteturismo em questão

Após a tempestade

Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima

050.04 exposição

O cinema dos pequenos gestos (des)narrativos

Beatriz Furtado

050.05 Exposición

Exposición Félix Candela 1910-2010

Francisco Hipólito Ojalvo

050.06 ministério do arquiteturismo

Ministério do Arquiteturismo adverte

Michel Gorski

050.07 editorial

Virada Cultural em São Paulo

Abilio Guerra

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