Robert Doisneau foi o cronista infalível de uma época em que a banalidade do cotidiano competia com a lenta, porém obcecante evolução da sociedade. Do seu jeito, humano e perspicaz, ele foi o testemunho privilegiado de um tempo em que Paris se expandia para cima da periferia, a qual também devorava o campo, urbanizando o camponês contra sua vontade.
Nascido em Gentilly, no limite de Paris, Doisneau foi naturalmente o arauto deste espaço intermediário, desta “zona” entre cidade e campo. Está claro, portanto, que sua obra não pode ser entendida sem fazer referência às suas origens e à sua história pessoal.
Foi neste cenário que ele desenvolveu um senso agudo da observação e uma grande ternura para com estas classes populares que ele frequentava e que iam se tornar durante mais de cinquenta anos seu objeto de estudo.
O repertório de Doisneau é muito vasto. Ele persegue o humor, evoca a narração, questiona a ambiguidade, imobiliza o movimento ou constrói sequências. Para tratar os temas recorrentes na sua obra – as crianças, a periferia, as pessoas simples, o insólito, a solidão – ele desenvolveu um novo modo de pensamento visual, que recorre a ângulos oblíquos, câmera alta e baixa, à desproporção entre os diversos planos, ou ainda a um enquadramento muito fechado ou fora do eixo.
Esta audácia visual é colocada a serviço de um pensamento social muito rigoroso. Reflete-se, por exemplo, no seu hino à infância, sobretudo com as crianças do asfalto e do concreto, silhuetas delgadas esmagadas pela cidade ou pela fábrica – prestes a engolir sua energia – e que vivenciam suas últimas brincadeiras ou correm atrás de sua infância perdida.
Visto que ele privilegia o respeito aos homens em relação à técnica e que o diálogo com seus modelos transmite um sentimento de cumplicidade e de ternura ao conjunto de sua obra, costuma-se qualificar Doisneau de fotógrafo humanista: é verdade, embora bastante redutor. Ele mesmo diz que cruzou com as vanguardas por acaso e que se inscreveu nas estéticas modernas por inadvertência. Ele reconhece a contribuição do construtivismo: um rigor formal, uma audácia visual e um gosto pelo objeto industrial. Ele sabe o que deve ao cinema soviético, ou seja, seu gosto pela oposição dos planos, pelo seu atropelamento e pela sua confrontação. Do surrealismo, ele tomou emprestado a colagem, a fotomontagem e os espaços intermediários entre a vida e a morte, entre a realidade e a ficção, entre a razão e a loucura. Precedendo finalmente os artistas contemporâneos que contestariam a objetividade da fotografia e encenariam sua própria realidade, ele construiu histórias eternas.
nota
NE
Texto curatorial da exposição Simplesmente Doisneau. Centro Cultural Justiça Federal, Rio de Janeiro, de 08 de março a 17 de junho de 2012.
sobre a autora
Agnès de Gouvion Saint-Cyr é curadora da exposição Simplesmente Doisneau.