
Le baiser de l'hotel de ville paris, 1950
Foto Robert Doisneau
Robert Doisneau foi o cronista infalível de uma época em que a banalidade do cotidiano competia com a lenta, porém obcecante evolução da sociedade. Do seu jeito, humano e perspicaz, ele foi o testemunho privilegiado de um tempo em que Paris se expandia para cima da periferia, a qual também devorava o campo, urbanizando o camponês contra sua vontade.
Nascido em Gentilly, no limite de Paris, Doisneau foi naturalmente o arauto deste espaço intermediário, desta “zona” entre cidade e campo. Está claro, portanto, que sua obra não pode ser entendida sem fazer referência às suas origens e à sua história pessoal.

Le bidon de lait, 1946
Foto Robert Doisneau
Foi neste cenário que ele desenvolveu um senso agudo da observação e uma grande ternura para com estas classes populares que ele frequentava e que iam se tornar durante mais de cinquenta anos seu objeto de estudo.
O repertório de Doisneau é muito vasto. Ele persegue o humor, evoca a narração, questiona a ambiguidade, imobiliza o movimento ou constrói sequências. Para tratar os temas recorrentes na sua obra – as crianças, a periferia, as pessoas simples, o insólito, a solidão – ele desenvolveu um novo modo de pensamento visual, que recorre a ângulos oblíquos, câmera alta e baixa, à desproporção entre os diversos planos, ou ainda a um enquadramento muito fechado ou fora do eixo.

Les pains de picasso vallauris, 1952
Foto Robert Doisneau
Esta audácia visual é colocada a serviço de um pensamento social muito rigoroso. Reflete-se, por exemplo, no seu hino à infância, sobretudo com as crianças do asfalto e do concreto, silhuetas delgadas esmagadas pela cidade ou pela fábrica – prestes a engolir sua energia – e que vivenciam suas últimas brincadeiras ou correm atrás de sua infância perdida.

Le baron william et son laquais, 1955
Foto Robert Doisneau
Visto que ele privilegia o respeito aos homens em relação à técnica e que o diálogo com seus modelos transmite um sentimento de cumplicidade e de ternura ao conjunto de sua obra, costuma-se qualificar Doisneau de fotógrafo humanista: é verdade, embora bastante redutor. Ele mesmo diz que cruzou com as vanguardas por acaso e que se inscreveu nas estéticas modernas por inadvertência. Ele reconhece a contribuição do construtivismo: um rigor formal, uma audácia visual e um gosto pelo objeto industrial. Ele sabe o que deve ao cinema soviético, ou seja, seu gosto pela oposição dos planos, pelo seu atropelamento e pela sua confrontação. Do surrealismo, ele tomou emprestado a colagem, a fotomontagem e os espaços intermediários entre a vida e a morte, entre a realidade e a ficção, entre a razão e a loucura. Precedendo finalmente os artistas contemporâneos que contestariam a objetividade da fotografia e encenariam sua própria realidade, ele construiu histórias eternas.

Les enfants dela place hebert, 1957
Foto Robert Doisneau
nota
NE
Texto curatorial da exposição Simplesmente Doisneau. Centro Cultural Justiça Federal, Rio de Janeiro, de 08 de março a 17 de junho de 2012.
sobre a autora
Agnès de Gouvion Saint-Cyr é curadora da exposição Simplesmente Doisneau.