Viana do Castelo é uma pequena cidade situada no Norte de Portugal com pouco mais de 38.000 habitantes. Os primeiros ocupantes remontam ao período mesolítico, entre 10.000 e 5.000 a.C., mas são os celtas, a partir do século IV a.C., que deixaram os vestígios mais evidentes da chamada civilização castreja na Citânia de Santa Luzia, localizada no monte de mesmo nome (Foto 1). No alto desse monte se construiu entre 1903 e 1925 a Basílica de Santa Luzia, uma igreja de planta em formato de cruz, inspirada na Basílica de Sacré Coeur de Paris. O projeto neoclássico, mistura neo-romântico, neogótico e bizantino, mas seu ecletismo resultou interessante e a basílica tem uma beleza imponente. Mais do que a beleza da Basílica é deslumbrante a vista da cidade, pousada às margens do rio Lima e sua região de entorno, que se aprecia a partir do seu pátio externo ou do seu zimbório em dias claros. Tanto é que a National Geographic a considerou um dos mais belos panoramas de paisagem do mundo.
Conta a lenda que quando os romanos chegaram à região no século I a.C. se maravilharam com a paisagem na foz do rio Lima. Conhecido como Lethes, o rio que apagava todas as memórias de quem o atravassasse, os romanos se negaram a cruzá-lo. Então o comandante, Décio Junos Brutis, empunhando o estandarte das águias de Roma, fez a travessia e “chamou da outra margem cada soldado pelo seu nome. Assim lhes provou não ser esse o rio do esquecimento” (texto constante na tapeçaria de Almada Negreiro “A travessia do rio Lethes”).
O mítico e belo rio Lima sempre esteve ligado não só às tradições folclóricas de Viana do Castelo, mas também à sua história econômica e estratégia de defesa. Uma fortificação com cinco baluartes e dois revelins edificada em 1572 junto à foz do rio onde hoje se localiza a frequesia de Monserrate denominado Castelo de Santiago da Barra, explica a origem do nome Viana do Castelo.
As margens desse rio de lendas e história, o arquiteto português Fernando Távora idealizou em 1995, como parte da reabilitação da faixa ribeirinha de Viana do Castelo, a Praça da Liberdade, espaço público inaugurado em 1999, em homenagem ao 25º aniversário da Revolução dos Cravos. Na praça reúnem-se três edifícios projetados por cada um dos três mestres da arquitetura portuguesa da chamada “Escola do Porto”: o próprio Távora, Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura, além da monumental escultura de 16 metros de altura de José Rodrigues.
Fernando Távora (1923-2005), referência para várias gerações de arquitetos e ex-professor de Siza e Souto de Moura concebeu a praça e projetou os dois edifícios de escritório semelhantes que compõem o seu núcleo. De arquitetura limpa, típica da “Escola do Porto”, os dois prédios têm planta retangular e dois pisos circundados por uma galeria no térreo.
Ladeando um dos prédios de Távora está a Biblioteca Municipal de Álvaro Siza Vieira. Laureado com o Prêmio Nacional de Arquitetura Contemporânea em 2007, o edifício em concreto branco tem a elegância que caracteriza a obra de Siza Vieira. Com o mesmo gabarito baixo dos demais prédios da praça, parte do edifício se assenta em pilotis que libera a vista do rio e conforma um pátio interno que cria surpreendentes perspectivas.
No lado oposto foi inaugurado em agosto de 2013 o Pavilhão Multiuso, projetado por Eduardo Souto de Moura. Concebida em 2000, a construção foi iniciada em 2007 e demorou mais de cinco anos para ser concluída, devido a problemas técnicos e de financiamento. Para resolver o programa que previa desde atividades culturais a esportivas, Souto de Moura enterrou parte do edifício e criou uma grande laje apoiada somente em quatro pilares sobre a qual depositou instalações aparentes que evocam a arquitetura naval. Sem fugir ao partido definido para a praça, Souto de Moura marca presença com um projeto ao mesmo tempo ousado na sua estética e clássico na sua concepção e implantação modernista.
Além desse belo conjunto arquitetônico da Praça da Liberdade, que ainda tem o posto de turismo local, projetado por José Bernardo Távora, filho de Fernando, Viana do Castelo surpreende ao visitante interessado em arquitetura com outras boas obras contemporâneas e edifícios históricos dos períodos manuelino e barroco. Dentre elas, o arrojado Hotel Axis Viana, projetado por Jorge Albuquerque, a Biblioteca Barbosa Romero de Bernardo Távora, o Auditório Lima de Carvalho de Fernando Távora, a Pousada da Juventude de João Luis da Graça, o conjunto de edifícios do Largo das Almas de Alves Costa e Sérgio Fernandez, edifício multifamiliar de Paula Santos e o edifício de recepção da Citânia de Santa Luzia da mesma arquiteta.
No centro histórico restaurado, se destacam os Antigos Paços do Concelho, a Casa dos Nichos, o Edifício da Misericórdia, a casa dos Sá Sotomaior, a Sé, a intervenção na Igreja das Almas do século XIII e o conjunto urbano e arquitetônico recuperado da rua de Roque de Barros.
Tantos exemplos de boa arquitetura em uma pequena cidade motivaram a revista inglesa Wallpaper a designar a cidade de “Meca da Arquitetura” (1). Talvez haja um certo exagero sensacionalista na afirmação, mas o visitante de forma alguma se decepcionará. Descobrirá uma cidade, antes mais conhecida por um desvario arquitetônico e urbanístico, que foi a construção em pleno centro histórico de um edifício de 13 andares na década de 1970, o chamado “Prédio Coutinho”, hoje se reabilitar e demonstrar respeito ao patrimônio arquitetônico.
Declarado de utilidade pública para expropriação desde 2005, o “Coutinho” até 2013 ainda resistia por conta de ações judiciais. Viana do Castelo, contudo, soube por meio de outros projetos e de um planejamento urbano acertado unir harmoniosamente o centro histórico, a encosta do monte de Santa Luzia, o rio e mar, conciliando natureza, história e modernidade. Um exemplo a ser admirado e seguido, principalmente nas cidades brasileiras.
nota
1
Consultar o blog Arquitetura Portuguesa para ver mais detalhes e fotos dos projetos <www.arquiteturaportuguesa.blogspot.com.br/2013/06/Viana-do-Castelo-roteiro-arquitetura.htm>.
sobre o autor
Sérgio Jatobá, arquiteto e urbanista (UnB, 1981). Doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB/Univerdidad de Valladolid, 2006). Servidor do Governo do Distrito Federal, também desenvolve atividade docente e de pesquisa no Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais – NEUR da e no Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Foi pesquisador bolsista do IPEA.