Atenas é muito interessante para o brasileiro. Há uma proximidade e uma distância grandes, isto é, para quem se aventura fora dos circuitos turísticos que são oferecidos aos estrangeiros. É preciso cultivar a arte de flanar para compreender um pouco esta cidade e ver tudo aquilo que nos aproxima e nos distancia.
O turista típico, dono cioso de um pacote vendido por uma agência de viagens, fará selfies excepcionais nos lugares famosos. Acrópoles, Templo de Zeus, Estádio Olímpico de 1896, Museus de etnografia e as incontornáveis ilhas (há passeios para vários gostos e tempos: um dia, dois dias, uma semana... para quem puder pagar pelo paraíso prometido, mesmo que dure algumas horas, pelas empresas que oferecem esses lugares incríveis – cheios de turistas). Mas para além das selfies há algo estranho que não é perceptível logo de início: não há nenhum roteiro para as arenas olímpicas de 2004. O Estádio Olímpico de 1896 está lá, reformado para os jogos de 2004, local que recebeu a tocha olímpica, mas onde fica o Estádio Olímpico de 2004? Sim, ele está no mapa, mas não há passeios organizados até lá.
A estação de metrô (linha 1, verde, estação Irini) que dá acesso ao Estádio, mesmo num dia comum à tarde, está vazia, poucas pessoas transitando. Espécie de “dessurpresa”, pois, logo adiante, a entrada do Estádio Olímpico está fechada e em alguns locais a vegetação grassa inculta. Alguns locais pichados (a cidade é toda pichada) pelas gangues urbanas habituais. Os gloriosos arcos da entrada do estádio imperam na paisagem, escondendo o estádio, se visto da estação de metrô. Nada, ninguém. A rua que permitiria o acesso de veículos ao complexo parece de costas, pois o trânsito ignora solenemente a existência de tamanho monumento e o metrô, mesmo às duas horas da tarde, ermo. De imediato vem imagens do Rio de Janeiro à mente.
A comparação é inevitável. Atenas-Rio. Onde iremos? Olhar o Estádio Olímpico através de grades impeditivas dá uma sensação do vazio que viveremos, isto é, já se pode viver o que acontecerá ao Rio aqui em Atenas. O complexo está lá como um monumento à política inglória de governantes que desejam marcar o nome na história, mesmo que isto custe tantos bilhões (dólares, euros, reais ou o que seja).
A Grécia, pela crise que atravessa, não tinha como comportar a enormidade dos Jogos Olímpicos, mas ela foi movida pela mesma esperança que temos: os jogos mudariam a cidade e, quem sabe, o país. Esse sonho foi cultivado a partir dos Jogos de Barcelona, cidade que sofreu uma intervenção bem sucedida. Ali foram recuperados vários bairros que estavam abandonados. A cidade praticamente renasceu. Porém a fórmula milagrosa – quer dizer, regada a muito dinheiro – não se repetiu posteriormente e as experiências frustradas não serviram de aviso às vindouras. Assistir à mortandade de locais imensos dentro das cidades que receberam Jogos Olímpicos não serviu de alerta. Estamos reproduzindo os mesmos erros, com um roteiro extremamente semelhante, de Atenas. Museus novos, arenas novas, bairros artificiais, linhas de VLT (aqui chamam de tram, mas que são os antigos bondes) que ligam lugares que não se conectam. É incrível!
Do outro lado da cidade, junto ao antigo porto de Flisvos, parcialmente reformado para os Jogos, foi construída uma marina que agora serve de ancoradouro para iates maravilhosos de milionários que nunca veremos em lugar algum; são pessoas invisíveis (o topo e o fundo da pirâmide social são feitos de pessoas invisíveis: ninguém olha para os extremamente pobres que fazem serviços renegados pela sociedade; ninguém vê os extremamente ricos, porque não frequentam os lugares que o vulgo frequenta; talvez, com um pouco de sorte, os vejamos de longe nos decks dos iates). Enquanto isso, o velho porto ainda serve aos pescadores e às empresas que fazem o tour de um dia pelas ilhas próximas de Atenas.
Descendo do tram, pode-se perceber que construíram um imenso parque ao longo do beira mar após o porto. O parque é árido, apesar da vegetação. Dezenas de bancos, na calçada, que não têm nenhuma sombra. Algumas árvores, na sua maior parte oliveiras, estão separadas dos passeios por grades ou pequenas guarnições de madeira, dizendo que não se pode avançar onde estão. Os caminhos são nus de árvores ou outro tipo de sombra. O calor, que em julho já está na faixa dos 35 graus, torna qualquer caminhada extremamente penosa. Alguns pescadores amadores, à beirada da calçada de concreto, avisam que ainda é possível ter alguma vida, mas, nada mais. A sensação é de que construíram aquilo tudo para proteger a marina. Nela, um shopping aberto com lojas e restaurantes para endinheirados.
Da estação de tram até a marina são centenas de metros de um parque ingrato, impedindo que pedestres tenham acesso fácil ao ancoradouro. Carros e iates são bem vindos, mas pedestres devem ter uma força de vontade grande para entrar na marina. Enquanto isso, o velho porto também não tem acesso fácil. Pois, o local foi separado da estação de tram mais próxima por uma longa caminhada através de calçadas desprotegidas de sombras. 35 graus torna a aventura incômoda. É melhor se preparar com protetor solar, chapéu, água e bons calçados. É uma zona morta, com uma bela vista da arena de handbal, vôlei de praia, taekendo e mais alguns esportes.
O mais interessante é que todos esses locais não aparecem nos mapas turísticos, aliás, nenhuma arena da Olimpíada de 2004 aparece, pois foram construídas em extremos opostos da cidade de Atenas, separadas por vários quilômetros das áreas de turismo tradicional.
Na região do Estádio Olímpico, o único foco de interesse é o gigantesco shopping construído na mesma época, localizado justamente num ponto de junção da linha de trem urbano com o metrô. Nessa estação o movimento é imenso, destoando completamente da anterior.
Os Jogos Olímpicos criaram zonas mortas numa cidade que tem vários problemas de urbanização, com bairros muito parecidos com aqueles que estão degradados na cidade São Paulo. Atenas emula aquilo que nos aguarda nos próximos anos.
nota
NA – O porto de Flisvos, a Marina, o Parque e as dependências olímpicas de 2004 em Atenas podem ser vistos no link https://www.google.fr/maps/@37.9337098,23.6813122,1238m/data=!3m1!1e3.
sobre o autor
André Luiz Joanilho é Professor Associado do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina.