Em 2015, planejamos uma viagem para conhecer a cidade de Manaus e parte da Amazônia. A capital amazonense possui belos remanescentes históricos do período conhecido como Ciclo da Borracha, o que despertou nosso interesse logo de início. Ao pesquisarmos um pouco mais sobre sua história, nos deparamos com o Álbum do Amazonas (1), que traz registros fotográficos do início do século 20 feitos pelo português Felipe Augusto Fidanza. A obra, produzida por encomenda do então governador Silvério Nery, configura-se como um registro do espaço urbano daquele período.
A partir destas imagens, surgiu a ideia de elaborarmos um ensaio comparativo entre as fotos antigas e o atual cenário da cidade. Com isso em mente, buscamos também imagens de cartões-postais (2) do mesmo período e que, somados ao álbum, formaram a base inicial do nosso roteiro.
Começamos o passeio pela Praça São Sebastião, famoso ponto de encontro da cidade, que reúne em seu entorno grandes monumentos da história manauara, além de diversos restaurantes e bares. Entre uma visita e outra, pudemos experimentar pratos típicos locais como o delicioso tambaqui na brasa, além do tradicional tacacá no fim de tarde.
Junto à praça encontra-se a Igreja de São Sebastião, construída por volta de 1890 com seu sineiro único (o segundo nunca chegou a ser finalizado), e o Teatro Amazonas, cuja ativa programação cultural proporciona espetáculos semanalmente
Inspirado nas tradições arquitetônicas francesas, o Teatro Amazonas é o maior símbolo da riqueza proporcionada pelo Ciclo da Borracha durante a virada do século 19 para o 20. A curiosa pintura interna da cúpula cria a ilusão de se estar no ponto central em baixo da Torre Eiffel, de Paris. Não à toa, Manaus ficou conhecida como a “Paris dos Trópicos” durante seu apogeu econômico.
Nosso passeio pela cidade coincidiu com um interessante fenômeno astronômico: a conjunção entre a Lua, os planetas Vênus e Júpiter, e a estrela Regulus, que aconteceu em 18 de Julho de 2015. O resultado dessa formação gerou uma situação semelhante à constelação do Cruzeiro do Sul e pôde ser apreciado facilmente a olho nu, enquanto explicávamos o acontecimento aos transeuntes mais curiosos.
Ainda na região central, junto à Praça Dom Pedro II, visitamos o antigo Palácio do Governo (construído em 1874, seguindo referências neoclássicas) e atual Museu Paço da Liberdade. Inicialmente o prédio abrigava a administração do governo local, sendo usado posteriormente como residência de governadores do Estado e ainda, durante o século 20, como sede da Prefeitura de Manaus.
O Palacete Provincial é outro prédio que foi adaptado para o uso de museu. Inaugurado em 1875, foi sede do Quartel da Polícia por mais de 100 anos. Atualmente, abriga o Museu de Numismática, o Museu da Imagem e do Som do Amazonas, a Pinacoteca do Estado, o Museu de Arqueologia, o Museu Tiradentes e o Ateliê de Restauro de Obras de Arte.
O palacete é tombado em conjunto com a Praça Heliodoro Balbi e o Colégio Amazonense Dom Pedro II, uma das escolas mais tradicionais da cidade e que mantém suas atividades pedagógicas há quase 150 anos.
Um pouco mais afastada da região central, no bairro Cachoeirinha, a também tradicional Escola Estadual Euclides da Cunha, edificada em 1896, continua em funcionamento. O prédio ainda mantém características construtivas antigas, porém um pouco prejudicadas na sua integridade pelas ampliações que foram sendo construídas ao longo dos anos.
Já no limite do centro histórico, encontra-se o prédio do Hospital Beneficente Português do Amazonas. Fundado em 1873 por imigrantes portugueses, o hospital continuou sendo ampliado até chegar ao seu estágio atual, sendo hoje reconhecido como uma das referências em tratamentos de saúde no Amazonas.
Um dos passeios indispensáveis em Manaus é navegar para ver o encontro das águas, fenômeno que ocorre na confluência do rio Negro (água preta) e rio Solimões (água barrenta). Na região do porto (conjunto arquitetônico tombado como patrimônio histórico nacional), de onde saem a maioria das embarcações para o passeio, localiza-se a antiga alfândega.
Seguindo em direção à região norte da cidade, encontramos o Reservatório do Mocó. Inspirado numa plástica neorrenascentista, ele foi construído no final do século 19 com o propósito de abastecer a cidade com água potável. Ele continua em operação e ainda hoje abastece parte da cidade de Manaus, sendo outra obra manauara tombada como patrimônio histórico nacional.
Na Avenida 7 de Setembro, ligando o centro da cidade ao bairro Cachoeirinha, encontra-se a centenária ponte Benjamin Constant, também conhecida como ponte metálica. Construída com peças trazidas da Inglaterra em 1892, ela ainda mantém seu desenho original – apesar de ter sido totalmente reconstruída em 1938 e reformada novamente em 2009.
O igarapé do Mestre Chico, sob a ponte Benjamin Constant, foi em parte aterrado e transformado em parque como uma tentativa de revitalização do espaço público. Durante a década de 2010, o local era ocupado por moradores de uma densa favela de palafitas, que foram então alocados para conjuntos residências construídos nas proximidades.
Ao mostrarmos essas imagens comparativas pela primeira vez a um amigo, ele exclamou: ”As antigas são mais bonitas!”. Apesar de ter sofrido modificações intensas em seu espaço urbano, a memória arquitetônica da Manaus dos tempos áureos resiste. A transformação da paisagem, devido à dinâmica própria das cidades como obra humana em constante atualização, não diminuiu em nada nossas expectativas em relação ao prazer de visitar Manaus. Sua diversidade cultural, história e tradições fazem dela um ótimo destino para viajantes curiosos em conhecer pessoalmente um pouco mais deste rico mosaico que compõe nosso País.
notas
1
Todos os registros em preto e branco aqui reproduzidos foram extraídos de: FIDANZA, Felipe Augusto. Álbum do Amazonas 1901-1902. Manaus, Edição do autor, 1902.
2
Os cartões-postais aqui reproduzidos foram extraídos de: GERODETTI, João Emílio; CORNEJO, Carlos. Greetings from Brazil: Brazilian State Capitals in Postcards and Souvenir Albums. São Paulo, Solaris Cultural Publications, 2004.
sobre os autores
Karina Tengan é pesquisadora iconográfica, formada pela ECA USP e atua profissionalmente no ramo editorial de livros didáticos.
Rafael Schimidt é arquiteto, mestre pela FAU USP, doutor pela FAU Mackenzie e professor da graduação no FIAM FAAM Centro Universitário e na Universidade Presbiteriana Mackenzie.