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architexts ISSN 1809-6298


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FUKSAS, Massimiliano. Magma: fim da centralidade, fim da forma urbana. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 018.05, Vitruvius, nov. 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.018/831>.

Freqüentemente, quando a capacidade de análise torna-se escassa por um período da nossa história ou vida, chega-se a fácil conclusão que se trata de um período de transição.

Em alguns casos não existem elementos que permitam compreender a complexidade dos fenômenos, e em outros casos, a intenção não é o suficiente.

Creio estarmos atravessando estes últimos anos como se as imagens fossem projetadas por um automóvel em movimento acelerado, onde dias e meses são vividos em instantes. Uma mudança superior, pelo impacto, à grande revolução industrial.

Tudo teve início quando na presidência dos EUA, Ronald Reagan iniciou a segunda fase da comunicação no espaço.

A chamada guerra espacial não era senão um sistema de cabeamento via satélite de todo o planeta – o sistema digital teve uma experimentação acelerada no final dos anos 80. Com a Guerra do Golfo houve um xeque mate quase definitivo no sistema de controles nas diferentes instâncias comerciais, seja pela pesquisa espacial seja pelos novos “instrumentos”.

O controle, o comando, a gestão – termos que sempre acompanham os mitos do poder – parecem totalmente possíveis pela primeira vez, a ponto de ter uma conotação ainda mais metafísica. Os lugares onde, por hábito e comodidade, se exercitava o controle, primeiro com as mudanças informáticas e depois digitais, perderam gradualmente interesse como centralidade, e assumiram configurações das mais diversas. Falo da cidade como lugar físico, que podia acumular conhecimento e desenvolvimento econômico.

Paralelamente às grandes mutações, nos últimos 20 anos presenciamos, nos meios produtivos do planeta, a um constante crescimento da população urbana em relação àquela que ainda habita as áreas agrícolas ou periféricas.

Aproximadamente 3 bilhões de pessoas vivem em cidades, termo já quase sem significado, ou melhor, em grandes espaços urbanos.

A Guerra do Golfo introduziu o controle à distância: de trajetórias, informações, uma adaptação melhor à causalidade e aos eventos imprevistos.

De qualquer lugar se podia receber e dar informações, e quando, em janeiro de 1991 começou o conflito, paralelamente decolou a informação via satélite. A CNN mandava imagens dos mísseis lançados e dos objetos atingidos quase que em tempo real.

Tudo parecia tão irreal a ponto de fazer do desastre ou dos atos cruéis trechos de um filme de guerra espacial.

Havíamos entrado definitivamente em um outro grande capítulo das mudanças que este planeta continua sofrendo no curso de sua longa vida.

A perda da importância do lugar começava a se sentir. Durante os anos 80, os deslocamentos se tornavam mais rápidos, as distâncias diminuíam, assim como a possibilidade de contatos. Mesmo o cinema, a literatura, a arquitetura começavam a sentir as mutações.

A internacionalização das grandes cidades, primeiro, e a globalização, mais tarde, mudavam os nossos gostos e os nossos meios de expressão. Aos habitantes de uma cidade se juntavam, com um crescimento exponencial, os novos nômades do turismo.

Na França, com 56 milhões de habitantes, para o ano 2000 eram previstos 76 milhões de turistas e na Itália o número, ainda que inferior para 54 milhões de habitantes, segundo o censo, era de aproximadamente 50 milhões de turistas.

Números importantes. Unido à grande imigração e à modificação substancial e sempre em mutação do núcleo original que habitava as cidades ocidentais, se instaurou um sistema de precário equilíbrio. A lembrança das cidades como as conhecemos, pelo menos na Europa, é envolvida pela neblina e pela velocidade das mutações.

A cidade pelo menos por dois séculos foi considerada o lugar onde se exercitava o poder e o controle.

Gozamos de uma simplificação social incrível – duas classes antagônicas e uma outra funcionando como mola de ajuste, ou melhor, possibilitando, no imaginário coletivo, a passagem de uma classe para a outra. Nos EUA se enfrenta o problema de dar um significado político às mutações que aconteceram nos últimos anos. Difícil para uma sociedade complexa encontrar soluções simples. Os lugares onde se exercita o poder e o lugar onde ele era centralizado já são diferentes.

Devemos esquecer tudo isso. A cidade, por boa parte do Novecento, foi cenário de conflitos de uma representação dolorosa, rica de relações conhecidas e complexas, mas que perdeu sua centralidade.

Centralidade derivada de uma posição própria da civilização ocidental. O incrível desencontro, de certa forma diabólico, entre a velha economia (automóveis, armas, petróleo, indústria) e a nova economia (comunicação e sistema de controle) não passa mais pelas nossas cidades.

O fator inovador não lhe pertence e exila as competências dos partidos e dos governos. As instituições da sociedade das máquinas, dos grandes conflitos sociais e das guerras parecem resíduos sem identidade, numa engenhosa busca de uma nova identidade em cenários extremamente complexos e sem mediações.

O sonho de trazer a centralidade para as cidades faliu: não existirão mais, repito, como as conhecemos: lugares onde se explicitava poder e controle.

Nova York vive como centro de máximo acúmulo e pleno controle econômico do mundo, mas os candidatos a presidente para as eleições de 2000 esperavam os resultados, um democrático em Nashville no Tennessee, e o outro, em Huston. Nesse meio tempo, em Los Angeles, com área aproximada de 170 km por 40 km, vive uma população que fala majoritariamente espanhol e a televisão, em suas reportagens, não fala quase nunca de Washington, sede das instituições.

Portanto, vê-se que a cidade perdeu sua natureza quase física onde se exercitava o controle e, em sua mutação, transforma-se em outra.

O desencontro de ações de uma economia que tenta sobreviver às grandes mudanças e que ainda hoje corresponde a 50% do modo de produção (ainda parte dos nossos hábitos) e outra, não mais em formação, mas em rápido crescimento, compromete e tira definitivamente dos partidos políticos e das suas capacidades de governo, qualquer controle e prerrogativa para o futuro.

A pergunta que muitos se põem é simétrica ao futuro das cidades: qual será a forma de democracia que conseguiremos expressar, aceitando a idéia de que nos próximos 20 anos as áreas urbanas continuarão a crescer a um ritmo ao menos igual aos atuais? Em que cidade viveremos?

Que cidade, que lugar?

A cidade histórica na Europa representa a forma em que vivemos no passado. Densa, como os centros históricos, rica de espaços para a nova burguesia, dilatada sem limites para os outros.

No centro, o subproletariado urbano – imprescindível para a nova sociedade industrial – pouco a pouco imigrou além dos confins visíveis. Em seu lugar, Museus, restauros, e o fluxo ininterrupto de turistas, habitantes ocasionais.

A vida vai além dos 12 km de diâmetro de Paris, e além de Amsterdã, Haia, Roterdã: aquilo que uma vez se chamou campo na Holanda, hoje é um contínuo subúrbio de casas unifamiliares. Um rodoanel liga as três cidades. Cada hora do dia é sinônimo de automóveis que se deslocam nos dois sentidos numa lentidão irritante.

Londres insiste em seus princípios de modernidade. Depois dos anos das declarações felizmente não ouvidas de um retorno ao passado, interveio-se em boa parte da cidade com substituições maciças, completando um velho desenho do início dos anos 60.

Assistimos a uma tal furiosa vontade de contemporaneidade que às vezes nos deixa paralisados.

Megalópole cujos limites se perderam na dimensão regional, Londres experimenta um modo definitivo de integração com as populações de seu ex-império, mas também com a nova onda migratória da Europa Oriental.

No continente asiático, Hong Kong ou as grandes cidades chinesas, Shangai, Pequim ou Bombay, com sua grande rapidez de crescimento intervieram nas cidades, em toda a sua complexidade, com fúria desatenta.

A cultura e a tecnologia digital e informática permitem a áreas extremamente atrasadas passar diretamente do subdesenvolvimento a uma economia avançadíssima, abreviando o tempo e reduzindo os recursos.

Numa recente viagem à Índia, visitei regiões muito diferentes. Percebi em Dhaly, em Bombay, na cidade nova de Chamdigar ou na turística Jaipur que o papel da universidade como fator multiplicador para a economia e desenvolvimento era o verdadeiro valor incorporado. Se pode dizer que a cidade, se tem um pólo educativo de excelência, assume imediatamente um papel, uma função.

É a primeira vez, depois da organização empresarial de Taylor, que a economia não se baseia na quantidade de peças produzidas, mas na massa cinzenta presente no processo de produção e inovação.

As cidades que possuem centros de pesquisa e universidades dinâmicas transformam-se em “lugares”, cujo crescimento e capacidade de atração transforma-as em áreas experimentais: populações e culturas diversas mas unificadas e homogeneizadas através de novos instrumentos.

O ser humano, nos últimos anos, se enriqueceu de novos instrumentos como não acontecia desde a Revolução Industrial. A fabricação de “meios invisíveis” não enche as cidades de monumentos e também não celebra a nova economia com torres extraordinárias ou complexos impressionantes, manifestações concretas de potência e poder econômico. São estruturas invisíveis, que usam a refinada e quase alquímica produção de inteligência artificial como sistema de autocomunicação e informação.

As áreas urbanas são celibatárias ou mesmo viúvas do mito de Van Der Bilt ou dos Rockfeller, as grandes famílias que construíram Manhattan.

Um cliente invisível para os arquitetos e para as cidades. Eis com o que nos confrontamos. O acúmulo de recursos se desprende do universo dos “fundos”. Evoca uma vida já muito longa para dar certezas. A ansiedade está na insegurança de se ter superado limites não conhecidos e reproduz, de forma incomum, o mito da eternidade.

A religião não é mais suficiente para conduzir-nos às lógicas da existência. Uma vida onde a idade e a saúde são consideradas fatores marginais. E finalmente os funerais, ou como se diz, a "partida", não ocupam mais a cena da cidade. Prematuramente concluídos, se alternam ao nascimento como produtos da tecnologia fora do comum.

A origem e o fim, os lugares ao quais se pertence, são esquecidos, ou melhor, apagados da memória.

Grupos ou forças vencidas, colocados a parte em relação às grandes mutações, movem-se antagonicamente. Mas creio que tudo é tão radical a ponto de eliminar qualquer forma de pensamento “saudosista”.

Calcutá, uma área urbana regional com cerca de 44 milhões de habitantes, ou Kuala Lampur, com pelo menos 14 milhões de habitantes, representam dimensões extremas, mas também novos modos de aglomeração e de produção.

No caso de Calcutá, trata-se quase de formas espontâneas de ocupação e de vizinhanças estranhas às gestões públicas. Kuala Lampur, uma cidade que cresce num ritmo inacreditável, descobre novas formas de vizinhança e reduz os deslocamentos, hoje impossíveis. A perda de controle das instituições transforma cada atividade individual na integração de mais fatores.

A complexidade das megalópoles é também sua razão de ser: possibilidades de encontrar trabalho ou ocasiões, certeza que as áreas periféricas e distantes dos grandes centros habitados estão num grau de desenvolvimento próximo ao zero.

O crescimento incrível dos novos sistemas de comunicação gerou definitivamente a figura da imprensa individual: imprensa molécula.

Individualidade, grupos e associações fragmentadas representam uma nova sociedade irredutíveis a segmentos e não agregáveis, movidas apenas por específicos interesses de grupo.

A visão mediatriz dos partidos políticos resulta em um forte redimensionamento. Resulta ainda em um modo puntiforme, que usa métodos de comunicação rápidos e complexos, de difícil representação e compreensão.

A tentativa política tradicional em agir, digamos, para compreender e orientar as necessidades deste novos atores, foi o uso maciço da mídia. A multiplicação dos mesmos e a tecnologia a baixo custo da Internet, as plataformas digitais, desarmaram o efeito e o poder de comunicação e convencimento dos meios usados. Tentou-se uma outra via: usar as sondagens para compreender complexidades, necessidades e desejos da sociedade em mutação.

A cidade transformou-se em lugar de experimentação e análise.

Se num primeiro momento a teoria que está na base das sondagens deu bom resultado, com o passar do tempo a total molecuralização do sistema tornou as sondagens contraditórias e destituídas de qualquer valor.

A velocidade de cisão de nosso sistema é de tal ordem que procurar necessidades, interesses e desejos, fragmentados e pulverizados, torna-se impossível.

As áreas urbanas seguem, de modo não previsto, mas com uma lógica sutil, comportamentos anárquicos e autônomos. Surpreendente! Roma, com seus 800 mil lambretas assemelha-se a Bangkok, ou ainda, a periferia das grandes áreas européias, desesperadas e de difícil gestão, assemelham-se, como sistema de subsistência e meios de produção, às cidades do sudeste asiático. Há uns 10 anos atrás isso teria parecido inacreditável.

Os números não são mais a forma mas a substância do desenvolvimento urbano, e isso antes mesmo de analisar as modificações da cultura e dos novos habitantes.

Uma geometria sem limite nem confins, em contínuo vir a ser, eis ao que se assemelha a cidade. A um "Magma", onde as diferenças se confundem, se confundem também as origens, havendo um permanente estado de conflito.

Não fosse pelas dimensões, poderíamos pensar nos guetos das cidades ou nos antagonismos entre diversos centros no passado. Bairros e campanari (2), confrontados por novas migrações e conquistas dos territórios urbanos. Place d’Italie, em Paris, é um bairro habitado por chineses, ou melhor, asiáticos. Little Italy, em Nova York, foi já conquistado pela comunidade chinesa, em Berlim, um enorme bairro é habitado pela comunidade turca...

notas

1
Texto extraído de “Caos Sublime. Massimiliano Fuksas con Paolo Conti”, editado pela Rizzoli, 2001 RCS Libri S.p.a, Milano. Tradução a partir do original italiano e organização editorial de responsabilidade de Assunta Viola, arquiteta e assistente do Studio Fuksas de 1994 a 1996 em Roma e Paris.

2
Termo usado com a conotação de bairro, no sentido de terra natal.

sobre o autor

Massimiliano Fuksas (Roma, 1944) é formado em arquitetura pela Universidade "La Sapienza", Roma, mesma cidade onde mantém seu escritório desde 1967. Tem também escritório em Paris e Viena (desde 1989 e 1993, respectivamente). É professor convidado nas seguintes universidades: Staadtliche Akademia des Bildenden Kunste di Stoccarda, Alemanha; l'Ecole Spéciale d'Architecture di Parigi, França; l'Institut fuer Entwerten und Architektur di Hannover, Alemanha; l'Akademie der Bildenden Kunste de Vienna, Austria; e Columbia University di New York, N.Y. Estados Unidos. Vencedor de vários prêmios, de 1998 a 2000 foi curador da VII Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza 2000 "Menos Estética mais Ética".

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