1. Síntese
A técnica
Este trabalho mostra uma técnica econômica, milenar e moderna, para construir coberturas com tijolo sem cimbre ou outro tipo de reforço. Estas características fazem com que seja uma forma de cobrir o espaço com um custo muito baixo. Pode-se utilizar, além disso, tanto para contrapisos como para coberturas de terraço. É uma técnica que pode ser aprendida e apreendida por construtores profissionais e também por autoconstrutores. Uma técnica muito inteligente e sábia, como veremos mais adiante, não inventada por arquitetos ou engenheiros. É fruto do saber popular, com demasiada freqüência ignorada, ou ao menos, deixada de lado pelos profissionais e acadêmicos. Por tal razão, é uma técnica que não se ensina nas escolas e tende a desaparecer. A técnica permite construir coberturas de até dez metros de vão menor e, portanto, isto inclui a possibilidade de cobrir a maioria absoluta dos espaços arquitetônicos especialmente os habitacionais, destinados a moradias unifamiliares ou coletivas; os espaços educativos e os assistenciais, entre outros.
A economia
Seu baixo custo se baseia em três condições. A primeira é, como dissemos, que não requer nenhum tipo de cimbre ou suporte algum enquanto se constrói. Além do mais, se utilizam materiais de baixo custo, como o tijolo comum de barro ou tijolo de solo-cimento ou simplesmente adobe. E em terceiro lugar, a mão de obra tem um alto grau de eficiência, pois só se necessitam duas horas/homem, em média, para construir um metro quadrado de cobertura. Com o critério que chamamos “construir terminando”, pois a abóbada fica acabada em sua parte inferior. Tão pouco requer reforços – ferro ou concreto – adicionais. Só usa peças de barro e talento construtor. “Curvas de suspiro e barro” (1) – assim chamamos este trabalho e a nossas oficinas teórico-práticas. A de barro é óbvia e a de suspiro não mencionaremos aqui, por pretender ser este um trabalho sério.
Os materiais
O tijolo com que se constrói pode ser o tijolo de barro normal feito à mão ou um tijolo de barro sem cozer, comumente chamado adobe ou um tijolo de solo-cimento na proporção de 1 a 10. Suas dimensões são 5 x 10 x 20cm – sendo os 10 cm a espessura da abóbada – e em caso de que não se consiga o tijolo com estas medidas ou resulte custoso elaborá-lo, então também se pode usar o tijolo comum de parede – inteiro ou pela metade – que em nosso país mede 6 x 12 x 24 cm. Neste último caso, as abóbadas terão 12 cm de espessura. A argamassa utilizada é uma mescla “tripartite” – cal, cimento e areia – semelhante à utilizada nas paredes.
A mão de obra
Normalmente, no centro da República, este tipo de cobertura é realizado por construtores especializados, chamados bovederos (construtores de abóbadas) com seus ajudantes. Eles realizam seu trabalho por empreitada, que inclui os movimentos dos andaimes necessários, a realização da abóbada propriamente dita e o acabamento interior aparente do tijolo. Isto faz, graças a sua eficiência, que os construtores sejam mais bem pagos. Em nossa experiência, a técnica pode ser aprendida por qualquer construtor e por qualquer pessoa – estudantes, autoconstrutores ou profissionais – com vontade e interesse em fazê-lo.
2. Situação prévia
A técnica
Esta técnica construtiva de coberturas de tijolo sem cimbre é uma técnica milenar no Oriente Próximo e é uma técnica secular no México. Seus antecedentes se encontram especialmente na antiga Mesopotâmia e na parte meridional de Egito (2) e numa época mais próxima na zona central da República Mexicana. Um de seus vestígios está no Centro Funerário de Ramsés ou Ramesseum, situado no Vale dos Reis, na ribeira oposta do Nilo na cidade de Luxor. Esta construção, que ainda em nossos dias pode se observar, foi realizada há 3.300 anos. As coberturas se conhecem como abóbadas núbicas. Às nossas chamaremos “abóbadas” mexicanas (3). Ambas partem do mesmo princípio básico – o tijolo inclinado ou recarregado – mas se diferenciam, tanto no tipo de tijolo utilizado – adobe (4) em Núbia e pequenas peças cozidas no México –, como na forma de apoiar-se. Nas núbicas, as abóbadas se apóiam contra uma parede que é mais alta que as paredes sobre as quais se desloca. Nas nossas abóbadas, os apoios são os lados menores – no caso de uma abóbada alongada – ou as esquinas, literalmente uns pontos, para abóbadas de forma quadrada; como mostraremos nos diagramas correspondentes. No México esta técnica data da segunda parte do século XIX e tem dois possíveis locais originários: San Juan del Río em Querétaro e Lagos de Moreno em Jalisco. Seria necessária uma história desta técnica e caberá aos historiadores pesquisar as datas e lugares precisos. Assim como explicar como esta técnica pôde viajar mais ou menos quinze mil quilômetros para o ocidente, conservando a mesma latitude, e aparecer em nosso país, pouco mais de três mil anos depois.
Mão de obra e materiais
Para utilizar esta técnica é preciso localizar os construtores de abóbadas nas regiões escolhidas. A maior parte deles aprendeu o ofício com seus pais. Em menor número são aqueles que aprenderam a técnica auxiliados ou simplesmente observando os especialistas. É sabido que os primeiros não são especialmente generosos em compartilhar seus conhecimentos, pois uma difusão maior afeta diretamente a demanda de seu trabalho. Nas escolas a informação é quase nula, pois estes conhecimentos não fazem parte de nenhum plano de estudo. Conhece-se o trabalho do tijolo como material resistente à compressão, podendo ser utilizado para elementos de sustentação (5) como alicerce, colunas e, sobretudo em nosso meio, nas paredes de carga. Mas é quase inédita sua utilização em elementos suportados, como são as coberturas, que além da tensão compressiva podem apresentar tensões de tração. Daí as diferentes características dos tijolos; grandes e pesados para suportar e ao contrário, pequenos e leves para serem suportados.
O tijolo utilizado é chamado “cuña” e tem 1000 cm3 (5 x 10 x 20 cm); com uma resistência que oscila entre 60 e 75 kg/cm2 e um peso aproximado de um quilo e meio. Esta baixa resistência permite que possa ser cortado manualmente com a pá de pedreiro, condição necessária para a rápida execução das abóbadas. Um artesão hábil, com seu ajudante realiza de 7 a 8 m2 por dia. Quer dizer, cada metro quadrado de abóbada tem 2 horas de trabalho. Quantidade três ou quatro vezes menor que as horas de trabalho necessárias para construir uma laje de concreto. Nos interessa insistir nestes dados, pois há especialistas que mencionam – como objeção – que nossa técnica é artesanal; ignorando que para construir uma laje de concreto são necessárias de 3 a 4 vezes mais horas/homem por m2. Em outros termos, ambas técnicas são artesanais, mas no caso das coberturas de tijolo, ao necessitar-se somente 2 horas/homem por m2, esta técnica é muito mais eficiente.
3. Objetivos e estratégias
Explicação
Ao invés de falar nos termos que propõe este aparte, que mais que arquitetônico nos parece próprio do vocabulário militar ou castrense (6) – consultar suas etimologias – falaremos de fins e meios, que interpretamos como semelhantes.
Os fins
A finalidade principal deste trabalho – e das oficinas que dividimos – é a difusão do conhecimento desta técnica, com a intenção básica de por ao alcance do maior número de pessoas possível esta forma de cobrir um espaço ao menor custo necessário. Incluímos entre as pessoas interessadas não só estudantes ou profissionais da arquitetura e da construção, como também trabalhadores, autoconstrutores, proprietários e demais pessoas necessitadas de um teto de baixo custo. Também nos interessa rebater a opinião – aplicada indistintamente – que afirma que o elemento mais custoso de uma edificação – falando de construções de um pavimento –, é a cobertura. Afinal sabemos que a estrutura de suporte, fundação e paredes reforçadas de carga, – sobretudo em casas ilogicamente pequenas – é a parte mais custosa da obra civil. Em nossa experiência com esta técnica, o custo da cobertura – considerando vãos entre 3 e 4,50 metros – em residência média e residência mínima, oscila entre 8 e 12% do custo total. Estes dados estão baseados no pagamento por empreitada da mão de obra, que como anotamos, é um pagamento significativo. As porcentagens tenderão a reduzir-se se consideramos que as abóbadas podem ser feitas por construtores não especializados. E esta redução do custo será maior, como é nosso propósito, se as coberturas forem construídas por mulheres e homens autoconstrutores. Sabemos também que a autoconstrução implica uma sobre-exploração da mão de obra. Não a justificamos, mas sabemos que em sociedades tão injustas como as nossas tal fato não é a exceção, mas a regra. Além disso, se estas reflexões podem ser feitas sob um teto seguro para os “sem teto”, já estaremos felizes.
Os meios
Um dos meios principais para se conseguir os fins apontados – dentro de nossas possibilidades – é e tem sido a realização de oficinas teórico-práticas abertas. Oficinas nas quais se expõem todos os conhecimentos teóricos, incluindo as análises estruturais, traços, geometrias possíveis, etc. Esta parte teórica se complementa com a prática que consiste na realização de uma abóbada que pode ser definitiva – ao ter uma utilização posterior – ou temporal e ter só um caráter experimental. Este meio de difusão, por desenvolver-se principalmente em espaços acadêmicos, tem se mostrado limitado, pois os grupos são formados geralmente por professores e estudantes.
Nossa única experiência com um grupo mais aberto e heterogêneo foi no Natural Construction Colloquium, que se realiza a cada dois anos em Kingston, Novo México, EUA, coordenado pelo arquiteto Joe Kennedy. Ali, num grupo de 150 pessoas, somente uma dezena era formada por arquitetos ou engenheiros. O resto era composto por proprietários, trabalhadores da construção, defensores do ambiente, editores especializados, investigadores de técnicas tradicionais, etc. A experiência é interessante porque se convive com o grupo durante uma semana completa, manhã e tarde, compartilhando tanto as sessões teóricas como as práticas, nas quais se constroem os modelos escala um para um, com diferentes técnicas e materiais. Nesta ocasião foram experimentados bambu, caña guadua, coberturas de palha (thatch roof);taipa, terra mesclada com fibras vegetais (cob clay); bolsas de terra; fardos de palha e tijolo.
Outro meio importante de difusão seria o material impresso. Em especial, um Manual dirigido a todo público, com toda a informação correspondente. Editar um livro muito bem ilustrado que mostre todas as possibilidades da técnica, com exemplos de diferentes tipos ou gêneros arquitetônicos e que, além disso, seja de baixo custo para que esteja ao alcance de todos, especialmente dos estudantes.
É o que fazem em Kingston, Novo México, onde editam as gravações em vídeo das práticas realizadas e também publicam revistas periódicas como The last straw, o Adobe journal com informação atualizada, sobre as técnicas que eles chamam de “construção natural”. Um destes vídeos realizado pela Faculdade de Arquitetura da U. A. de Chiapas, é o que mostramos em nossas oficinas.
4. Narrativa do processo
Introdução
Na aplicação desta técnica geralmente se projetam as abóbadas substituindo uma laje plana limitada por um perímetro horizontal retangular ou quadrado. Quando surgem espaços que não têm essas figuras como perímetro, então se “regularizam”. Se existe uma planta em forma de “L”, o artesão ou o arquiteto pedem que se ponha uma viga intermediária para que esta forma desapareça e fiquem outra vez duas figuras retangulares. Há 12 anos (7); iniciamos nossas experimentações, sempre em função das condições do espaço interno, o que habitamos, e como conseqüência temos mudado a horizontalidade e linearidade do perímetro envolvente das abóbadas. Em certas ocasiões as diretrizes são seções de concreto e em outras, são ângulos metálicos comerciais.
As seções esferoidais que construímos têm um perímetro que pode ser regular ou irregular. Também as linhas que o formam podem ser retas ou curvas ou linhas mistas e ser, além disso, horizontais ou inclinadas. Estas linhas são as diretrizes da superfície. Por outro lado, as fiadas de tijolo que a conformam, têm diferentes dimensões e ao ir gerando a superfície se constituem, precisamente, em suas geratrizes.
O exemplo
Neste caso descreveremos o processo construtivo de uma cobertura de planta quadrada de quatro metros de largura; com um peralte de um metro e com um perímetro horizontal e quatro pontos – os cantos – de carga.
A descrição
Ao iniciar a construção, o primeiro tijolo é cortado na metade e colocado com uma inclinação de 45 graus em uma das esquinas, apoiado sobre a argamassa e fragmentos do próprio tijolo. O início pelos cantos é, geralmente, em abóbadas sobre plantas de forma quadrada ou retangular cuja proporção não é maior a uma vez e meia a relação entre seus lados. Um critério semelhante à classificação das lajes de concreto em perimetrais ou simplesmente apoiadas. Depois temos a primeira fiada, que descansa sobre o meio tijolo inicial, a segunda sobre a primeira e assim sucessivamente. O artesão cuida para que a distância que avança cada fiada seja a mesma nos dois lados de apoio. Não faz nenhum traço adicional. Nas práticas com estudantes, pusemos umas varetas em forma de arco com a relação suposta entre claro e flecha. O peralte do arco é entre 20 e 25% do vão a vencer. Cada fiada tem uma longitude que se incrementa ao avançar. Estas fiadas começam nas bordas com tijolos completos e os ajustes se fazem aproximadamente no centro. Tudo isto se realiza nos quatro 4 cantos, formando seções cônicas. Estes mantos se juntam nos centros dos vãos – em nosso exemplo aos dois metros – e a partir daí constroem-se as fiadas uma de cada lado. No avanço das fiadas o ângulo que formam com a horizontal vai aumentando até que na parte final, os tijolos do centro são praticamente verticais pois seu ângulo é de 90 graus. A união mais simples entre as seções iniciais é em forma de fecho ou em zig-zag. Os artesãos inventam belas uniões que são, em suas próprias palavras, “para dar desenho à abóbada”.
A argamassa se coloca de maneira que a junta entre tijolo se encha na parte inferior e deixe ocos na superior. Faz-se assim para que ao cobrir-se a abóbada por cima, o tijolo superior penetre dentro das juntas. Trabalham somente duas pessoas – o bovedero e seu ajudante. Este se encarrega de auxiliar e limpar a abóbada em seu interior conforme avança a construção.
Esta, nos parece, é uma técnica construtiva muito inteligente e singular. Em vez de enfrentar-se e preparar uma luta desigual contra a gravidade, se declara de principio vencida ante ela. Ao invés de sua derrota, ganha sua estabilidade, apoiada por outros fatores a seu favor, entre eles, sua leveza – a de um pequeno tijolo (8) – e a forma “abobadada” da cobertura.
Dentro do procedimento existem três características da técnica. Em primeiro lugar, os tijolos se apóiam uns sobre os outros numa contínua sucessão. Em segundo, o tijolo para ser suportado necessita ser leve e pequeno. Ao contrário de um tijolo portante que requer ser grande e pesado. Com as pequenas reduções de suas medidas, o tijolo passa de 1728 cm3 a somente 1000 cm3. E pesa quase 60% do tijolo de parede. E em terceiro lugar o tijolo – diferentemente do tijolo de parede – se monta a seco, para aumentar sua aderência. A argamassa é composto por cimento, cal e areia na proporção 1:1:8; ou 1:1:10; segundo a quantidade de areia definida por cada artesão.
Anotemos aqui como uma digressão, que é sabido que o procedimento descrito – a não-utilização de cimbre ou suporte algum – não é exclusivo de nossas coberturas. O procedimento de construção sem cimbre, também é utilizado por outras técnicas, como o sistema de tijolo aparente – técnica persa dos arquitetos sasánidas –, com o chamado “teto de abóbada”, suportado por vigas de distintos materiais colocadas a cada 90 ou 100 cm, com as tiras de tijolo inventadas há várias décadas pelas Cooperativas de Habitação do Uruguai; com as tiras curvas “mexicanas” – que compartilham o mesmo princípio das uruguaias – em forma de meios arcos, construídas pelo arquiteto González Lobo e com a chamada “abóbada catalã”, de duas camadas de tijolo delgado – dois centímetros de espessura – e vigas a cada 60 cm; entre outras.
Voltando à nossa técnica, a abóbada mais simples se constrói sobre quatro paredes retas horizontais em forma quadrada. Como citamos, se inicia apoiando o tijolo sobre os quatro cantos, com uma inclinação de 45 graus. Os arcos recarregados são as geratrizes da superfície e as linhas perimetrais sobre as quais se apóia são suas diretrizes.
A relação entre a flecha da abóbada e o vão a cobrir se define pela posição dos pontos de inflexão e porque o tijolo é um material que trabalha melhor na compressão. Quer dizer, os pontos nos quais muda o fenômeno tensional (9), das compressões na parte superior – área na qual deve manter-se a abóbada – às trações da parte inferior. A respeito desta mudança, vale ressaltar que em abóbadas rebaixadas ou abatidas de vãos pequenos, como é a esmagadora maioria das construídas, não se apresentam trações, só compressões. O que afirma Salvadori (10) sobre as cúpulas rebaixadas “em teoria”, podemos faze-lo extensivo na prática às abóbadas ou coberturas cupuloidais (11). Basta um apoio perimetral de concreto para absorver os possíveis empuxos laterais. Dito em outros termos, as abóbadas pressionam lateralmente muito menos do que supomos. Seu esforço crítico, sua tensão crítica, não é a tensão cortante horizontal, nem as cargas acidentais, como o sismo – por seu peso – ou o vento, mas o esforço cortante vertical. Fica por aqui a argumentação, pois não é este o espaço adequado para esta demonstração. Para quem julga de interesse as análises estruturais e sua quantificação, observamos que formam o conteúdo do Seminário Oficina, “Arquitetura e Tecnologia”, que ministramos na Unidade de Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura da UNAM.
Do que foi mencionado, podemos dizer que, na maioria dos casos, a seção das abóbadas pode limitar-se dentro da área das compressões até chegar aos pontos de inflexão. Alguns especialistas localizam estes pontos na intersecção do arco com um ângulo entre 51 e 52 graus com a vertical e outros no mesmo ângulo mas com a horizontal (12). Enquanto os especialistas se põem de acordo, nós trabalhamos no meio de suas propostas, a 45 graus. Isto não significa que não possam construir-se coberturas para além desses limites. Pode-se, mas é necessário reforçar com corcholata ou tela de galinheiro de polegada, meio metro acima e abaixo, como uma braçadeira, a zona dos pontos de inflexão.
A lógica construtiva da técnica adiciona-lhe uma de suas principais características: seu baixo custo. Quer dizer, é uma técnica que permite “delimitar e envolver o espaço” – em palavras de Torroja – de forma econômica. Os dados precisos variam segundo as regiões e as dimensões, mas podemos dizer que, na Cidade do México o custo atual das abóbadas por m2 está entre os 50% e os 60% do custo de uma laje comum de concreto, em vãos até de 4 metros. Em vãos maiores, a redução do custo se incrementa.
A razão econômica outorga à técnica e ao tijolo sua vigência, sua atualidade e a razão de sua desejada difusão. Recordamos que não construímos com esta técnica por razões formais ou estetizantes, nem tão pouco devido a uma visão nostálgica da tradição, mas porque a técnica permite uma economia no processo construtivo. Além do mais, estamos falando de uma invenção popular arraigada em nosso país, com peculiaridades que não se encontram em nenhuma outra parte, até onde sabemos. Ao menos na América, apesar de existirem países com uma riquíssima tradição na construção com tijolos, como Colômbia; não se conhece esta técnica. Um sistema não inventado por nenhum engenheiro ou arquiteto, não reconhecido pela academia e portanto, não ensinado na esmagadora maioria das escolas. A técnica permite dar uma resposta atual ao eterno problema de cobrir o espaço. Daqui, que afirmemos que o tijolo é um material milenar e moderno, pois a modernidade não é privilégio do novo, mas do que segue sendo vigente.
De outra parte, a técnica permite cobrir superfícies aonde o vão menor pode ser até de 10 metros sem nenhum reforço adicional. Isto quer dizer, que os espaços da maioria dos gêneros arquitetônicos – de maneira principal, o habitacional, o assistencial e o educacional – podem ser construídos com esta técnica.
Como um dos fins principais é, como dissemos, que esta técnica seja conhecida e possa ser utilizada, desde a realização da Oficina, esta aprendizagem se apresenta pela imediata aplicação dos conceitos teóricos repartidos em classe. Notamos grande interesse, especialmente por parte dos estudantes, ao ver a possibilidade de usar um material próximo, com uma técnica “original” e milenar, para fazer construções de baixo custo. Outra experiência quase inédita no meio acadêmico, a possibilidade de construir – ainda que seja experimentalmente – e tocar e verificar o peso do tijolo real e não do desenhado.
Nas regiões onde existe, em maior ou menor grau, uma tradição de construção com tijolos, tanto em materiais como na especialização da mão-de-obra, se costuma apresentar uma ampla receptividade a uma técnica desconhecida, mas fácil de aprender.
Um interesse complementar que não podemos deixar de citar, é que ao ser esta uma invenção popular, não há que se pagar nenhum direito autoral, como seria o caso, se tivesse sido um invento de algum arquiteto.
5. Impacto e sustentabilidade
O tijolo cozido, como todos sabemos, requer combustível necessário para seu adequado cozimento e, portanto, implica no consumo energético com a correspondente alteração das condições do meio. Seriam necessários estudos neste sentido, permitindo situar nosso material na mesma escala de desenvolvimento que outros de ampla utilização no campo da construção, como o concreto, o ferro, as estruturas metálicas, os materiais plásticos e demais.
Temos anotado, que na técnica da recarga podem utilizar-se diferentes tipos de tijolo. O chamado comum de barro, cujas características principais já temos descrito; o tijolo sem cozer e um tijolo feito com terra e cimento. Este último é prensado mecanicamente e tem uma proporção de nove partes de terra por uma de cimento. Temos construído com esta proporção, pois com ela o tijolo alcança uma resistência similar à do tijolo de barro cozido. Portanto, incrementar a quantidade de cimento, o encareceria e elevaria a resistência a um nível desnecessário para o elemento construtivo. Recordemos que esta resistência se encontra entre 60 e 75 kg/cm2.
6. Replicabilidade e transferibilidade
Se esta seção se refere à possibilidade de transportar a experiência construtiva a outros lugares e especialmente a outros países, nossa resposta é sim. Nossa experiência neste sentido é expressiva. Temos construído com artesãos locais, que nunca haviam construído uma abóbada, nem conheciam a técnica: uma abóbada tipo em um Parque Infantil recreativo em Cúcuta, Colômbia, situado na pracinha – redoma – na chegada do aeroporto da cidade; as abóbadas iniciais da Cafeteria da Universidade Lasalle em Pachuca, Hidalgo; na Universidade do Vale de México (Campus Tlalpan); na Universidade Autônoma de Cidade Juárez, Chihuahua e no Auditório da Escola de Arquitetura na U. A. de Chiapas, sede em Tuxtla Gutiérrez. Estas duas últimas, feitas profissionalmente por Ignacio Dorantes.
Temos realizado abóbadas experimentais, que nos serviram de apoio para as oficinas teórico-práticas, com artesãos locais desconhecedores do procedimento nas mais variadas situações: na Universidade Nacional de Tucumán, Argentina; no campo experimental “O Laurel” da Universidade Central de Venezuela, na cidade de Caracas; dentro das atividades do Natural Building Colloquium, celebrado em 1997, em Kingston, Novo México, EUA e em agosto próximo o faremos na Universidade Nacional de Salta, Argentina e na Universidade da República Oriental em Montevidéu, Uruguai.
7. Principais lições. Resultados da experiência
As lições são múltiplas e em diferentes níveis. Por razões de espaço, só mencionarei algumas. Começo reiterando uma velha idéia. O reino das idéias e talvez também o das palavras podem ser espaços próprios para os profissionais da construção, mas o reino dos feitos não lhes pertence. Se os feitos conformam a realidade tangível, este reino pertence aos anônimos trabalhadores da construção, cujo destino – temos escrito em outra ocasião – é não habitar o que constroem, por regra geral. Neste caso especial, o reino dos feitos é dos artistas construtores de abóbadas, que – como aranhas humanas – com pedaços de argila e seu talento construtor, “tecem”, urdem, desdobram sua tela sobre o ar e o – para nós materialmente – inapreensível espaço.
E lhes chamo de artistas não circunstancialmente, mas entendendo a arte no antigo sentido aristotélico: “O hábito de produzir acompanhado de razão verdadeira”. Não sob o atual conceito excludente e elitista da arte, onde só uns quantos podem sê-lo. Como entender que a arquitetura seja uma arte composta de muitos outros fazeres que não o são? Contradição insolúvel. A definição de Aristóteles a resolve. Todos os fazeres racionais são artísticos. Portanto o fazer dos bovederos, dos construtores, dos carpinteiros, ferreiros e demais, são fazeres artísticos. Portanto, sua integração, sua soma é também um fazer racional. Uma arte. Os artistas construtores de abóbadas.
Outra consideração final – por agora – é que estou convencido que todos somos construtores, em maior ou menor grau. E construir é fascinante, pois é dar vida, desocultar, fazer aparecer o inexistente. Um balbucio incipiente ante o discurso avassalador da natureza. Todos construímos a vida dia após dia, mas, além disso, todos podemos fazer algo com as mãos, como esta possibilidade, dentro da tecnologia arquitetônica, de procurar-nos um teto.
Construir em qualquer sentido do fazer humano é sonhar ser um fazedor de sonhos.
Construo, logo sou.
[Tradução de Cláudia dos Reis e Cunha]
notas
1
Frase original do poeta espanhol Frederico García Lorca.
2
O arquiteto egípcio Hassan Fathy é quem recupera esta tradição construtiva em seu país. Sua obra principal é FATHY, Hassan. Arquitectura para los pobres. Editorial Extemporáneos. 1975. Para ver o procedimento construtivo (p. 277 a 281).
3
Em nossa visão, uma abóbada tem como elemento geométrico dominante o cilindro. Portanto uma abóbada é uma seção cilíndrica ou cilindroidal como é o caso das abóbadas núbicas, pois sua seção não é circular, mas parabólica. Uma cúpula, diferentemente, tem a esfera como modelo geométrico principal. As “abóbadas” mexicanas são, segundo o anterior, superfícies que se assemelham a uma esfera, portanto, são seções esferoidais. Faço esta digressão, somente para o âmbito acadêmico e por conta da precisão, pois tentar mudar o uso dos termos, depois de tantos anos, no mundo real, me pareceria uma pretensão desmesurada e condenada ao fracasso (acontece o mesmo, em nosso país, com o uso da palavra tabique, ao invés da palavra correta que é tijolo).
4
As medidas do adobe egípcio, núbico, são 5 x 15 x 25cm, com duas fendas diagonais feitas com dois dedos, em uma de suas faces.
5
A classificação dos elementos arquitetônicos em portantes e suportados, corresponde ao filósofo alemão G. W. Hegel.
6
Nos penúltimos bombardeios à milenar Bagdá, os agressores de sempre, apesar dos mortos civis, dizem cinicamente: “Somente se bombardearam objetivos estratégicos...”.
7
A enorme maioria dos construtores de abóbadas preferem trabalhar sobre superfícies regulares –quadrados e retângulos – e vigas horizontais. Tudo o que saia do anterior é “detalhe” e por suposto, tem um custo extra. Mas há notáveis exceções, verdadeiros artistas que assumem as novas experiências como retos a seu enorme talento construtor. Tive o privilégio de encontrar a dois destes prodigiosos construtores de abóbadas, que foram e continuam sendo meus mestres nesta técnica. São Ignacio Dorantes de Guanajuato e Manuel Perrusquía de Querétaro.
8
É um tijolo de barro comum feito a mão, que mede 5 x 10 x 20cm – 1000cm3 – de baixa resistência, entre 60 y 70 kg/cm2. Os fabricantes lhe chamam tabique cuña.
9
TORROJA, Eduardo. Razón y ser de los tipos estructurales. Editorial Instituto E. Torroja, 1960, p. II-3. O segundo capítulo se intitula precisamente assim, “O fenômeno tensional” e diz: “O sólido se encurta ou se alonga proporcionalmente à tensão, quer dizer, a tração e a compressão por unidade de superfície”.
10
“Em outras palavras, pode considerar-se que uma cúpula de pouca altura se comporta como uma série de arcos meridianos, elasticamente apoiados nos paralelos, desenvolvendo tensões de compressão (em ambos)... e ao menos em teoria, é possível construí-la com materiais incapazes de desenvolver tensões de tração, como alvenaria ou tijolos”. SALVADORI, Mario Salvadori; HELLER, R. Structure in architecture [Mal traduzido como Estructuras para arquitectos]. Ediciones La Isla, 1966, p. 330-331.
11
Formas parecidas às cúpulas, pois as seções esféricas, para sê-lo devem ter bases circulares. As que construímos com a técnica, ainda que possam ter bases redondas, regularmente são poligonais.
12
Este último critério é ratificado nos trabalhos de campo realizados em Puebla na raiz dos tremores de 1999, pela engenheira Isabel García, investigadora do IPN.
sobre autor
Alfonso Ramírez Ponce é arquiteto mexicano, professor, escritor, conferencista, projetista e construtor de obras de baixo custo, com matérias primas como o tijolo. Assessor da FPAA (1992-2000) e da Fundação Rigoberta Menchú. Ganhador do Prêmio Armando Mestre da República de Cuba. Primeiro prêmio do Concurso de Transferência Tecnológica para a Habitação Popular, organizado pelo CYTED