A casa moderna (1950-1960)
O movimento moderno na arquitetura residencial brasileiro surgiu em São Paulo, em 1927, com a construção da Casa Modernista do arquiteto russo Gregori Warchavchick. A casa moderna em Campo Grande, considerada aquela projetada e construída segundo os padrões e métodos dos mestres modernistas, foi erguida 30 anos depois, em 1957, pelo médico Koei Yamaki (fig. 01), na Rua Barão do Rio Branco, projetada pelo arquiteto Israel Barros Corrêa e construída por Gabriel do Carmo Jabour. A planta tem dois pisos e a separação das funções da casa – social, íntimo e serviço –, vai acontecer muito claramente nessa casa. No andar superior, os quartos; no andar térreo, salas e escritório e o serviço em separado do corpo da casa. Arquitetura sem ornamentos, reta e com poucos materiais, como mandava o modernismo; azulejos no revestimento, cores fortes no interior, aplicadas através das cerâmicas; paredes externas em pastilha e linhas esbeltas, com inclinação suave. A platibanda escondendo o telhado em telha de fibrocimento, era a grande novidade. Antes, nos anos 40, o telhado, apesar da platibanda, era de telha cerâmica, com baixa inclinação.
Os anos 50 vai apontar no seu início, ainda a construção dos bungalows de estilo californiano que perdiam força para as casas modernas. Essas casas vinham sendo influenciadas pelas modernidades ocorrentes na música e na pintura, principalmente. O automóvel, necessário e fundamental no uso diário, veio influenciar a arquitetura. Já não cabia mais o uso de materiais coloniais, pois, isso representava um Brasil do passado; a moda agora era o concreto armado, o revestimento em pedra, cerâmicas, pastilhas, conforme a tecnologia determinava. Foi assim que diversas famílias de alta renda, moradores de Campo Grande, passaram logo a absorver o moderno como estilo e não como modismo de uma época. As casas de Magno Coelho, na Rua Barão do Rio Branco, de Hélio Baís e Plínio Martins na Rua Sete de Setembro (fig. 02) e a de Laucídio Coelho na Av. Afonso Pena, todas projetadas pelo engenheiro modernista Hélio Baís Martins no final dos anos 50 e tinham o modernismo como laço comum: padrões tipológicos do modernismo carioca, do arquiteto Lúcio Costa, com telhados inclinados, materiais de revestimento contemporâneos, como o elemento vazado em concreto e uma enorme preocupação com a proteção solar.
O engenheiro Hélio Baís ainda concluiu nos anos 60 a casa de Odon Barbosa, na Rua 13 de Maio, onde os elementos modernos permaneciam, como o telhado inclinado, chamado de teto borboleta, composição em prisma retangular e pergolado. Outro engenheiro que vai projetar e construir casas modernas em Campo Grande é Gabriel do Carmo Jabour. A casa de seu pai, na Rua Antônio Maria Coelho, mais conhecida como “casa-aranha” é um dos mais técnicos exercícios projetuais modernos para habitação. A laje plana, sem cobertura, impermeabilizada, elementos de concreto em forma de bumerangues, pilares de sustentação, dão corpo a essa casa, que já foi referência na cidade. Outras casas modernas de Jabour são a casa de forma elíptica da família Maksoud, na esquina da Rua 25 de Dezembro com a D. Aquino ou a casa de Wilson Barbosa Martins, na Rua XV de Novembro.
O engenheiro Euclides de Oliveira também construiu sua casa moderna, na esquina da Av. Afonso Pena com a Rua Padre João Crippa e lá estão presentes os elementos do modernismo, como o telhado inclinado.Todas eram modernas na forma e no programa de necessidades e usavam materiais de revestimentos muito usados na arquitetura moderna brasileira, como o combogó de concreto ou a pedra em lâminas deitada. O modernismo brasileiro se difundiu no Brasil como um todo, irradiando-se do eixo Rio-São Paulo, inclusive para o interior. Campo Grande era um campo fértil para o modernismo pois, anos antes, em 1954, já tinha abrigado a Escola Estadual de Oscar Niemeyer e seus elementos já estavam sendo usados na arquitetura residencial mais popular.
Quando o moderno era estilo: a casa popular moderna
Através da análise de fotografias de diversas residências existentes em nossa cidade, passo a registrar como os elementos criados pelo movimento moderno na arquitetura brasileira, passaram a fazer parte do repertório construtivo dos mais simples construtores. Os elementos de arquitetura, por definição, são como corpos, limites (envolventes) espaciais que fazem existir os elementos de composição; são coisas concretas, tem natureza definida (portas, janelas, pilares, artefatos, etc); são partes da construção. Já os elementos de composição são espaços, abstrações. Não tem uso por si mesmos; são rótulos que se aplicam aos espaços segundo uma determinada situação. Os elementos de arquitetura são as partes mais visíveis de um edifício e expressam a definição do todo edificado e, assim, pilares, paredes, coberturas, vedações, etc. são partes de uma habitação que podem ser vistas por todos os moradores de uma cidade.
Pedras usadas como revestimento de fachadas, em paredes, muros ou detalhes de varandas; pergolados de concreto, apoiando vigas de varandas ou até compensando elementos de fachada; pilares falsos que não tem função de apoiar coberturas mas que tem função de dar novo ar à edificação, imitando os pilares da arquitetura moderna de Oscar Niemeyer ou de Lúcio Costa ou ainda, conjunto de apoios em forma circular, na realidade pedaços de barras de ferro preenchidas com concreto; pilares com formas em “V” muito usadas pela arquitetura paulista e carioca nos anos 50 e muito difundida pela revistas de época, principalmente a O Cruzeiro; platibandas que escondem a cobertura em telha de barro francesa e que ornamentam a fachada com frisos horizontais e verticais, ainda numa semelhança do estilo Art Déco; falsas platibandas inclinadas para lembrar o telhado em borboleta; elementos inclinados na fachada frontal, para quebrar a forma reta do edifício, dentre outros elementos, são muito encontrados na arquitetura popular, geralmente feita sem arquitetos ou engenheiros e que os construtores obedeciam quase que uma ordem do proprietário.
Esses elementos, juntos numa cidade de pouco mais que 130 mil habitantes, como era Campo Grande no final dos anos 60, davam corpo e densidade à arquitetura moderna. Todos queriam usar esses elementos que com a música Bossa Nova, formavam a sociedade moderna. Assim Campo Grande passou a viver, na arquitetura residencial, com os elementos do modernismo, embora as edificações, internamente, ainda pecassem pelos espaços dos elementos de composição do movimento moderno. O moderno era estilo e como tal, reinava absoluto em quase todas as casas construídas nos anos 50 e 60 em Campo Grande, e podem ser vistas em diversos bairros da cidade, como a Vila Carvalho, bairro Amambaí, São Francisco e arredores. Esse estilo perdeu força nos anos 70 quando novos elementos de arquitetura e de composição passaram a fazer parte do sistema habitacional da cidade (fig. 3 e 4).
A casa de Campo Grande dos anos 70 e 80
Em 1970 Campo Grande, com mais de 130 mil habitantes, continuava apresentando altas taxas de crescimento demográfico, mais de 8% ao ano. A riqueza econômica do sul do Estado de Mato Grosso, com a modernização da agricultura e da pecuária, contribuiu para que a verticalização das edificações da cidade continuasse, ao mesmo tempo, que a arquitetura residencial importasse projetos de arquitetos famosos do eixo Rio-São Paulo, para fazer as casas de Antônio Barbosa, na Av. Afonso Pena, projetada por Vilanova Artigas (fig. 05), ou a de Roberto Nachif na Rua Euclides da Cunha, de Siegbert Zanettini (fig. 06). Erguidas em terrenos de grandes dimensões, os edifícios residenciais da classe de alta e média renda da cidade permitiam grandes jardins bem cuidados, elementos novos e importantes na edificação.
Essa foi a década do trabalho dos arquitetos, que apesar de existirem em menor número, deixaram sua contribuição para a história da arquitetura da cidade com seus projetos residenciais. Celso Costa, Jurandir Nogueira, Alex Maymone da Silva, Arnaldino da Silva, Rubens Gil de Camillo (1934-2000), Lauro Veloso Malaquias, Leonídio Pereira Mendes, Norberto Bráulio Olegário de Souza, Domingos Carlos de Saboya (1942-1998), Gilson Nogueira de Oliveira (1943-1998), Edilson Russul Vieira, Wilson Verde Selva Júnior, Ângelo Gonçalves da Rosa, Eduardo Fachini Gomes, Herman Tenuta, Roberto Hogdson, Jesus Edmir Escalante Ribeiro (1947-2000) e Eudes Costa (1946-1981), constituindo a geração da primeira metade dos anos 70, todos abrindo escritórios isoladamente, ou em sociedade entre si, e atuando no crescente mercado de edificações residenciais.
A divisão do Estado de Mato Grosso, em 1977, alterou as relações econômicas, sociais e culturais da nova capital, Campo Grande. A atração pelo novo Estado, a riqueza oriunda da soja e do gado bovino, o centro do poder político estadual e a localização estratégica em relação a São Paulo trouxeram mudanças nas relações empresariais locais atraindo migrantes de todas as partes do país. A habitação residencial burguesa passou a dominar os projetos dos escritórios de arquitetura. Num primeiro momento, no final dos anos 60 e meados dos 70, a cobertura predominante era a de fibrocimento, tipo canaletão ou similar; pilares e vigas em concreto aparente, recuos frontais e laterais, deixando a casa isolada no terreno; grandes espaços de convívio dominavam o programa residencial e a casa era voltada para dentro e para o interior, criando espaços de recreação, como piscinas e churrasqueiras, nos fundos. A casa intimista admitia lareiras para os períodos frios mas descuidava da relação com a orientação solar, quando não cuidava do revestimento adequado para o calor e o frio.
O tijolo de barro foi sendo abandonado quando foi substituído por concreto e parede branca e assim, o brutalismo na arquitetura foi mudando a face da arquitetura residencial dos anos 60, do modernismo carioca. Algumas casas se sobressaem no conjunto de mais de 500 unidades erguidas nesses anos e dessas, escolhi algumas delas para ilustrar esse texto. Tipologicamente fazem parte de uma mesma família de edifícios residenciais, térreas ou sobradadas, usavam o branco como revestimento, concreto aparente e um elástico programa de necessidades. São projetos residenciais de Jurandir Nogueira, Rubens Gil de Camillo, Cyríaco Maymone Filho, Celso Costa, Arnaldino da Silva, Cassemiro Sória. Casas que permeam a malha urbana mais central da cidade, construídas entre os anos 70 e 80 e que são referências na arquitetura residencial local (fig. 07 e 08).
A casa contemporânea de Campo Grande
Nos textos, parte I e neste, foi feita uma análise da evolução da casa em Campo Grande, desde a chegada dos primeiros habitantes e encerro essa análise, abordando os anos 90 aos dias atuais. Com essa análise, abordando os aspectos arquitetônicos e patrimoniais do edifício residencial, estamos contribuindo para conhecer nossa história, contada a partir da edificação mais simples até a mais burguesa.Qual é o estilo da arquitetura que passou a predominar nos anos 90 e na virada do século XXI? O que está acontecendo no Brasil e no mundo que pode refletir em Campo Grande e que nossos olhos podem enxergar como algo novo, moderno, contemporâneo? Os códigos da nova arquitetura estão sendo assimilados pela população?
A Arquitetura do Futuro vem apontando para uma sociedade sustentável, com uma visão global do ambiente e um enorme respeito às tradições locais buscando definições e respostas para que a arquitetura do século XXI seja sustentável, voltada para o homem e para a cidade onde ele vive o que nos invoca o conceito de cidade e de cultura. Há quem fale da necessidade de uma arquitetura ecológica, ambientalmente correta, mais preocupada com novos padrões energéticos mundiais, utilização de material reciclado, reaproveitado, etc. Há quem se refira à nova arquitetura como aquela que deve estar preocupada com as questões culturais, do patrimônio construído e com novas maneiras de revitalizar bens e espaços e tradições. Mas há uma outra corrente que busca a utilização da tecnologia mais moderna em todos os sentidos, usando materiais de alta resistência, informatização completa dos ambientes, dando-lhes até inteligência, dentre outros.
O que a arquitetura residencial contemporânea está buscando é outro caminho, desde os meados anos 60 no mundo e, aqui no Brasil, a partir dos anos 80, dentro do movimento mais conhecido como pós-moderno, num contraponto sociológico ao moderno enquanto movimento dos anos 30 aos 50.Essa arquitetura pós-moderna pode ser vista como uma arquitetura saudosista, um revival, uma busca de valores aplicados no presente; são signos de uma arquitetura que se colocam à disposição da modernidade, na falta de outros signos, mais contemporâneos, futuristas, como queiram chamar. É comum vermos as casas com frontões das fachadas clássicas. É também comum acharmos essas casas com uma cara de antigo-novo. Em Campo Grande há diversas residências que foram construídos ao longo dos anos 90 que possuem elementos externos que sinalizam com uma nova linguagem, com esse novo estilo e que difere da arquitetura dos anos 50 e 60 do modernismo.
Há algumas características comuns aos edifícios de arquitetura pós-moderna (fig. 09). Há sinais evidentes de uma nova arquitetura com o uso de cores, novas texturas, materiais modernos – mármores, cerâmicas, vidros coloridos, pilares arredondados e algum ornamento de fachada etc. Há ainda sinais da busca de uma simplicidade arquitetônica traduzida no minimalismo dos materiais e da forma (fig. 10). Há vários exemplos na cidade construídos nos anos 90 do século passado que possuem algumas destas características. Entretanto, destacamos as casas que simplificaram a arquitetura e voltaram para o uso do tijolo aparente, da telha cerâmica com amplos beirais, madeira e uma presença das áreas verdes como elemento de composição. Essas casas foram construídas nos bairros Cachoeira, Jardim dos Estados, São Bento, Bela Vista, Itanhangá, Vivendas do Bosque e Santa Fé, na porção centro-norte da cidade (fig. 11 e 12).
Conclusão
Campo Grande, capital do Estado de Mato Grosso do Sul desde 1979, é uma cidade que possui características arquitetônicas que as diferem de outras cidades do mesmo porte, por força de sua localização e por força da fronteira Brasil-Paraguai-Bolívia. A arquitetura da casa campo-grandense, fruto de seu processo evolutivo social e econômico, apresentada nos dois textos, demonstra a conexão da cidade com lugares mais desenvolvidos, principalmente a partir da sua ligação ferroviária. Sem ser capital do Mato Grosso nos anos 20 a 70, mas na prática exercendo um papel econômico importante pela produção pecuária, atraiu riquezas que permitiu novas linguagens modernas no seu tempo e que, como vimos nesses mais de 130 anos de evolução, conectada com o desenvolvimento nacional, a cidade permitiu uma integração de valores e signos resultantes de sua miscigenação cultural. A fusão dos valores rurais com os urbanos contribuiu para que a habitação evoluísse muito a ponto de valorizar elementos da arquitetura regional, como o barro usado no campo com os mais modernos revestimentos.
notas
1
Primeira parte do artigo: ARRUDA, Ângelo Marcos Vieira de. "A casa em Campo Grande: Mato Grosso do Sul, 1950-2000 – parte 1". Arquitextos, Texto Especial n. 183. São Paulo, Portal Vitruvius, jun. 2003 <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp183.asp>.
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sobre os autores
Ângelo Marcos Vieira de Arruda é arquiteto e professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Uniderp, Secretário- Executivo da ONG Ação Cultural Ferroviária (Ferroviva).
José Alberto Ventura Couto é arquiteto e professor da Uniderp.