O turismo é uma das atividades que mais cresce atualmente no mundo. De acordo com o superintendente da Embratur, Nilo Sergio Felix, a indústria turística brasileira é o setor que mais cresce no país, gerando 9 milhões de empregos diretos e indiretos. O avanço tecnológico dos meios de transporte, a diminuição das jornadas de trabalho e o aumento das horas de lazer são apenas alguns dos fatores que explicam o extraordinário crescimento das atividades turísticas no globo.
Neste contexto, os centros urbanos têm atraído, pelas mais diversas razões, um número crescente de turistas. O turismo urbano pode ser definido como a aglomeração de diversas atividades em uma cidade que resultam em um afluxo de viajantes. O turista urbano inclui vários tipos de viajantes, como por exemplo: participantes em congressos e eventos profissionais, culturais e esportistas, apreciadores de edifícios históricos, viajantes a negócios, assim como pessoas que visitam amigos e parentes.
No mundo globalizado, há várias razões para se promover o desenvolvimento do turismo urbano. O turismo tem não apenas impulsionado o crescimento de várias economias urbanas, mas o desenvolvimento das atividades turísticas tem também contribuído para a melhoria da qualidade de vida urbana, beneficiando comunidades locais.
A partir da década de 80, muitas cidades européias passaram a incluir em sua agenda de planejamento institucional a promoção do turismo e a inserção das atividades turísticas no cotidiano urbano. Planos estratégicos, programas e projetos urbanos, aliados a agressivas campanhas de marketing passaram a promover essas cidades em suas regiões, em seus países, e no mundo. A divulgação dos atributos existentes nessas cidades, a construção de novos atrativos e, certamente a promoção de determinadas imagens pelo city marketing, tem atraído não apenas visitantes mas também investimentos e mão-de-obra especializada para diversas destinações urbanas.
O crescimento do turismo inevitavelmente afeta não apenas a economia urbana, mas também o meio ambiente natural (ar, água, solo, flora, fauna, clima ,condições geológicas), sociocultural (valores, comportamentos, relações familiares, expressões criativas, cerimônias tradicionais, estilos de vida) e físico (edifícios, monumentos, tecido e mobiliário urbano, espaços abertos, parques artificiais) das cidades. Todavia, tais impactos podem ser tanto positivos quanto negativos.
A falta de coordenação do processo de desenvolvimento das atividades turísticas normalmente resultará em uma série de problemas urbanos, gerando externalidades e problemas internos que podem vir a tornar essa indústria insustentável a médio e longo prazos. Em tais circunstâncias, as próprias atividades turísticas causariam impactos negativos, seja no meio natural, social ou físico. Em tal cenário, visitantes não teriam as suas expectativas satisfeitas, o retorno financeiro seria minimizado, comunidades urbanas se oporiam ao crescimento das atividades turísticas e o próprio patrimônio turístico se veria ameaçado.
Inserida nessas preocupações encontra-se a constatação, baseada na experiência de várias cidades, de que a sustentabilidade da indústria turística dependera sempre da promoção e da manutenção de espaços urbanos de qualidade. Desta forma, o desenvolvimento turístico pode vir a promover uma melhoria integrada dos aspectos econômicos, sócio-culturais, físicos e ambientais das cidades contemporâneas, e o turismo destaca-se como uma das grandes esperanças para a governabilidade das cidades e a qualidade da vida urbana no novo milênio.
Os setores público e privado – incluindo-se ai comunidades e grupos organizados – são responsáveis pelo desenvolvimento turístico nos centros urbanos. Embora cada um desses setores tenha seus interesses específicos, todos compartem de um mesmo objetivo maior comum: a perpetuação dos benefícios provenientes do turismo urbano. Todavia, o sucesso da industria do turismo depende da conciliação dos mais diversos interesses manifestados nas cidades e da coordenação das diversas ações publicas e privadas.
Neste cenário, por um lado, entende-se que a função de coordenador dessas ações só pode restar no poder publico. Por outro lado, vê-se que a criação e a manutenção de espaços urbanos de qualidade será sempre um dos maiores desafios, que pode encontrar no desenho urbano um poderoso instrumento.
O desenho urbano pode ser definido como uma atividade multidisciplinar, interessada tanto no processo de transformação da forma urbana, quanto no espaço resultante de tal processo. Combinando questões técnicas, sociais e estéticas, projetistas urbanos atuam em todas as escalas do desenvolvimento sócio-espacial (1). Em poucas palavras, desenho urbano é a arte de fazer lugares para as pessoas (1a).
Esta definição sugere que o “projetista” urbano assumiria um papel fundamental de orientar as ações dos vários agentes responsáveis pelo desenvolvimento do turismo, assim como de envolver os vários atores urbanos nos processos de decisão. As intervenções urbanas resultantes desse processo participativo promoveriam a melhora do ambiente natural das cidades e favoreceria a prática das atividades culturais, através da criação de espaços físicos autênticos – porque inseridos na cultura dos lugares – e imaginativos – porque contribuindo para a cultura dos lugares – onde as pessoas se sentiriam atraídas a visitar, relaxar, trabalhar e conviver.
Nesse processo de criação de espaços urbanos de qualidade, o desenho urbano também pode ser visto como um poderoso instrumento na minimização dos impactos negativos que a indústria do turismo pode vir a causar no meio ambiente físico, cultural e natural das destinações. A “poluição arquitetônica” (2), por exemplo, tem sido citada como um dos indesejáveis efeitos que o turismo pode vir a ter no meio ambiente construído das cidades. A poluição arquitetônica seria causada por toda construção que venha a contribuir para criação de uma cidade ilegível, ou seja, uma cidade onde o usuário urbano teria dificuldade de se orientar por não ser capaz de formar uma clara imagem da estrutura urbana em sua mente. De acordo com Kevin Lynch, a ilegibilidade de uma paisagem urbana causaria desorientação e ansiedade nos usuários urbanos, transformando o caminhar pela cidade em uma atividade não prazerosa (3).
Os estabelecimentos comerciais/turísticos construídos frente à fachada principal da Lime Street Station (Liverpool) poderiam ser categorizados como poluentes da paisagem urbana, pois os mesmos têm ocultado o esplendor arquitetônico desse importante referencial urbano. De acordo com a agencia responsável pela regeneração urbana do centro da cidade, Liverpool Vision, somente a demolição de tais estabelecimentos poderia restituir a glória da primeira estação ferroviária para transporte de passageiros do mundo (4).
Objetivando diminuir os níveis de poluição arquitetônica, o processo de desenho urbano pensaria a cidade como uma estrutura física-espacial, onde os elementos alterados ou acrescentados nessa estrutura – as arquiteturas – não ameaçariam (dentro de certos limites) a integridade morfológica do todo, contribuindo para a criação de uma clara imagem urbana. Veja-se o exemplo do Plano Cerdá para Extensão de Barcelona.
Em 1855, o poder público autorizou a demolição dos muros da Cidade Antiga, então caracterizada por altas densidades habitacionais e insalubres condições de vida. Neste mesmo ano, o engenheiro Ildefons Cerdá definiu o traçado da nova cidade. A ortogonalidade da malha urbana, que segue o sentido mar-montanha, composta por blocos regulares de edifícios conferiu legibilidade e identidade a cidade de Barcelona. Apesar de quase 150 anos terem se passado desde o inicio da implementação do Plano, as novas propostas de intervenção urbana, como a Vila Olímpica, ainda tem se acomodado facilmente no racional layout proposto pelo engenheiro(5).
Conflitos sócio-culturais constituem apenas um dos vários impactos negativos que o turismo pode vir a causar no meio ambiente sociocultural de algumas cidades. A polarização geográfica das atrações e acomodações turísticas tem provocado medo e desconfiança mutua entre os viajantes e os habitantes locais de algumas cidades, causando conflitos e antagonismos.
Por outro lado, o uso do desenho urbano no desenvolvimento do turismo pode vir a contribuir para a criação de espaços democráticos, lugares do encontro. A produção de espaços urbanos de uso misto, por exemplo, e caracterizado por diferentes tipologias arquitetônicas, atrai diferentes usuários urbanos, por diferentes razoes, a diversas horas do dia.
A Extensão Cerdá mais uma vez ilustra como o desenho urbano pode colaborar para a criação de um espaço urbano inclusivo. A implementação do plano foi feita de tal forma que as diferentes camadas sociais tem coabitado o mesmo bloco de edifícios por décadas. Enquanto os apartamentos térreos com jardins aos fundos tem sido habitados pelas camadas mais favorecidas da sociedade, os apartamentos mais altos tem sido ocupados pela classe mais pobre (6).
Da mesma forma, o desenho urbano também poderia vir a colaborar para a criação de espaços urbanos ocupados tanto por viajantes quanto por uma vibrante comunidade local. Tal modelo garantiria a todos usuários urbanos um fácil acesso aos equipamentos urbanos (transporte publico, atrações turísticas e etc), o que contribuiria para o desenvolvimento de uma sociedade mais tolerante.
Entretanto, o turismo pode impactar negativamente não apenas o meio ambiente físico e sociocultural das cidades, mas também o meio ambiente natural. Ilustrando: a exaustão proveniente dos veículos automotores utilizados no transporte dos turistas, tem contribuído significativamente para o aumento dos níveis de poluição nos grandes centros urbanos. Todavia, enquanto as atividades turísticas são apenas parcialmente responsáveis por tal poluição, a forma e estrutura urbana têm um papel fundamental na melhora da qualidade ambiental. Argumenta-se que a poluição urbana pode ser drasticamente diminuída desde que a forma urbana resulte em uma combinação de altas densidades residenciais, uso-misto e uma eficiente rede de transporte público (7).
A regeneração do centro urbano da cidade de Birmingham é um ótimo exemplo de como o desenho urbano pode melhorar a qualidade ambiental das cidades . A integração de uma série de espaços públicos resultou em um espaço urbano permeável e acessível aos pedestres e portadores de deficiência física, reduzindo a demanda por veículos motorizados. Tal estratégia transformou o caminhar pelo centro de Birmingham em uma atividade extremamente prazerosa, o que tem contribuído para a rápida transformação da imagem e da qualidade ambiental da cidade (8).
Como se pode ver, há várias razões para se promover o desenvolvimento do turismo urbano no mundo globalizado.Todavia, como a sustentabilidade do turismo depende da criação e manutenção de espacos urbanos de qualidade, a prática do desenho urbano é mais necessária do que nunca.
Tal atividade multidisciplinar teria o papel de orientar as ações dos vários agentes responsáveis pelo desenvolvimento do turismo, assim como de envolver os vários atores urbanos nos processos de decisão. Espera-se que tal processo participativo não apenas minimize os impactos negativos que a indústria do turismo pode vir a causar nos recursos urbanos das destinações, mas também promova a melhora da qualidade do meio ambiente natural das cidades, favorecendo a prática das atividades culturais, através da criação de espacos físicos únicos e imaginativos. Definitivamente, já não se fazem mais cidades como antigamente!
notas
1
MADANIPOUR, Ali. Design of urbanspace: an enquiry into a socio-spatial process. West Sussex, John Wiley & Sons, 1996.
1a
Nota especial da autora (out.2010) – A definição de desenho urbano como a “arte de fazer lugares para as pessoas” está presente na seguinte publicação: Commission for Architecture and the Built Environment and Department of the Environment Transport and the Regions. By Design: Urban Design in the Planning System: Towards Better Practice. London, Thomas Telford, 2000.
2
HALL, C. M.; PAGE, S. J. The geography of tourism and recreation: environment, place and space. London, Routledge, 1999.
3
LYNCH, Kevin. The image of the city. Cambridge, MIT Press, 1960.
4
SKIDMORE, OWINGS & MERRIL. Liverpool vision strategic regeneration Framework, 2000.
5
BERNIS, Josep; NOBELL, Pablo. The Cerda extension: urban structure, identity and civic values. Rotterdam, Cultures of cities: 4th Biennial of Towns and Town Planners in Europe, 2001.
6
Idem, ibidem.
7
WILLIAMS, Katie; BURTON, Elizabeth; JENKS, Mike. Achieving sustainable urban form. London, E&FN Spon, 2000.
8
GREED, Clara; ROBERTS, Marion. Introducing urban design: interventions and responses. Essex, Longman, 1998.
sobre a autora
Paula Barros é arquiteta Urbanista pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre em Regeneração Urbana pela Liverpool Hope University College (Inglaterra) e especialista em Arquitetura Contemporânea pelo IEC (PUC-MG)