Sobre regionalismo e eco-eficiência
É preciso, de início, esclarecer o sentido que estamos dando às palavras regionalismo e eco-eficiência. Acepções como estas exigem de nós um esforço crítico para a superação de suas capas ideológicas, de maneira que possamos pensá-las sob uma perspectiva mais ampla.
Nunca é demais lembrar que a vertente regionalista da arquitetura, que vem sendo rediscutida desde princípios da década de 80, professa contra a homogeneidade e indiferença de uma cultura da virtualidade e da imagem, conclamando a uma ação centrada em uma agenda de ética social. Nesse sentido, o trabalho de Severiano Porto traduz tais aspirações de maneira exemplar, como poderemos constatar no decorrer deste artigo. Entretanto, devemos sublinhar que a noção de regionalismo presente nos discursos das várias áreas de conhecimento, arquitetura inclusive, assenta-se na crença, por si só problemática, da existência de tradições locais "autênticas" que devem ser preservadas. Isto Implica, portanto, em que possamos avaliar a legitimidade dos signos representativos de uma cultura. Ora, esta tarefa está fadada ao fracasso pois, como demonstrou Alan Colquhoun (2) em seu texto já antológico sobre o conceito de regionalismo, tais signos decorrem de histórias alternativas e revisionistas que foram forjadas pela vontade política dos movimentos nacionalistas do século XIX. De maneira que devemos entender a opção pelo regionalismo não como uma atitude de fé no valor dos códigos arquitetônicos ligados aos costumes de regiões culturais, mas sim como busca de procedimentos contextualizados.
Esse regionalismo identifica-se com as antigas recomendações de Vitrúvio (3) que, no seu "Da Arquitetura", tratado escrito no século I a.D., conclama o arquiteto a observar o Decoro ou Conveniência que é "o aspecto correto da obra, que resulta da perfeita adequação do edifício para que não haja nada que não esteja fundado em alguma razão", isto é, que decorra necessariamente da "observância dos costumes ou da natureza do entorno"; bem como para a atenção à Distribuição ou Oikonomía, "que consiste no devido e melhor uso possível dos materiais e dos terrenos, e em procurar o menor custo da obra, conseguido de um modo racional e ponderado".
Essa Oikonomía, cujo radical grego Oikos traduz-se por 'casa' ou, em sentido geral, 'ambientes' significa a administração geral da casa ou, mais amplamente, a ordem ou regularidade de uma totalidade qualquer. Tal ordem será entendida historicamente como tanto melhor quanto mais realize o máximo resultado com o mínimo esforço, tal como acontece na natureza. É interessante verificar que nesse mesmo sentido, a palavra economia foi utilizada por Haeckel, (1834-1919), para, em 1866 forjar a palavra Ecologia. Ele foi professor de zoologia da Universidade de Jena, na Alemanha, adepto fervoroso das teorias evolucionistas, e definiu ecologia como o estudo da economia e do modo de habitar dos organismos vivos, considerando a rede intrincada de relações que estabelecem entre si e com o ambiente em que vivem, tendo como objetivo a luta pela existência.
A idéia de organização embutida no conceito de ecologia de Haeckel, de que existem forças que atuam dentro de zonas ambientais, equilibrando-as e ordenando-as em formações típicas, referenda as teorias liberais da época e vai influenciar enormemente outras áreas de conhecimento. A Sociologia Urbana, por exemplo, no início do século XX, vai estudar a cidade sob o ponto de vista daquilo que denominaram Ecologia Humana e passam a interpretar a forma urbana e sua organização como reflexo direto dos esforços de adaptação e busca do equilíbrio natural empreendido pelos homens. Vale dizer, que esta vinculação mecânica da disposição espacial a um processo social natural de adaptação ao meio, naturalizava a ordem urbana, descolando-a dos mecanismos econômicos e políticos que a produziam e, portanto, distanciando o homem da possibilidade de transformação da realidade social.
Quando empregamos a expressão eco-eficiência para qualificar o regionalismo de Severiano Porto, corremos o risco de que, aderida historicamente a tais conteúdos ideológicos do liberalismo, ela fosse compreendida como defesa da aplicação desse pensamento ao controle das soluções de desenho. Pelo contrário, acreditamos que um regionalismo eco-eficiente não pode se apoiar na naturalização dos procedimentos construtivos e organizacionais do lugar. Deve ser entendido como aplicação sempre renovada dos princípios de conveniência e economia de que Vitrúvio já falava ao definir a Arquitetura.
O regionalismo eco-eficiente de que falamos para a arquitetura, pressupõe o emprego dos princípios de pluralidade e reciprocidade encontrados nos ecossistemas, mas longe de naturalizá-los, historiciza-os pela dimensão crítica do desenho. Refere-se ao conceito maior de sustentabilidade quando diz respeito a um tipo de interação humana com o mundo que preserva tanto politicamente quanto poeticamente a sua diversidade e flexibilidade. O trabalho de Severiano Porto na Amazônia que apresentamos a seguir, com a análise das casas do projeto "Aldeia SOS do Amazonas" se encarregará de exemplificar as questões de que tratamos até então.
O arquiteto e o lugar
A idéia de regionalismo eco-eficiente se faz presente nos projetos do arquiteto Severiano Porto com a necessária abordagem holística, uma vez que os aspectos condicionantes de suas obras, realizadas durante mais de trinta anos que se estabeleceu na região amazônica, não se resumem à mera aplicação de técnicas de adequação da arquitetura ao lugar. As estratégias de concepção que atentam indiscutivelmente para o rigor do clima ou para a racionalidade construtiva em vista da economia de meios, traduzem mais especificamente o que poderíamos chamar aqui de poéticas da adequação. Ele tem o olhar alargado pela sensibilidade humanista e chega a soluções de projeto só alcançadas pela síntese dos poetas.
Desde sua chegada à capital do Amazonas, Severiano Porto se conscientizou dos problemas do crescimento urbano e do seu impacto no meio ambiente e na cultura do homem local. Notou que a riqueza dos recursos disponíveis na região, tais como as soluções construtivas adotadas pela arquitetura autóctone e a potencialidade da mão-de-obra com sua habilidade no manejo da madeira, eram desvalorizadas em favor de outras vindas de culturas distantes em nada compatíveis com o lugar. Com olhar crítico e sensível Severiano Porto retoma os princípios da arquitetura amazônica autóctone, resgata as técnicas construtivas e tipologias tradicionais fundindo-as sutilmente ao repertório moderno. Essa atitude de abertura ao lugar resulta em uma arquitetura contextualizada, coerente com o meio físico e cultural em que se insere.
Manaus, cidade onde o arquiteto Severiano Porto realizou boa parte de suas obras, está situada em uma região muito específica: a Amazônia. Lá, a presença da densa floresta, dos rios e seus regimes de cheias e vazantes, das chuvas intensas, do calor e da umidade, sempre foram fatores de grande desafio para o colonizador.
Nesta região caracterizada pelo clima do tipo quente-úmido e atravessada pela linha do Equador, a incidência dos raios solares sobre o plano horizontal ao meio-dia é quase perpendicular durante todo o ano, gerando temperaturas de valor máximo neste horário. O aquecimento se intensifica devido ao relevo predominante, uma extensa planície de modestas altitudes, próxima ao nível do mar, e também à baixa velocidade dos ventos. Manaus, cidade localizada na latitude 03°06’07” Sul e a 92,9 m de altitude, tem temperatura média anual superior a 26°C. A sensação de calor se agrava pela alta umidade relativa do ar provocada pela transpiração da vegetação florestal e evaporação das águas da bacia hidrográfica. Nestas condições o índice de chuvas é elevado, com média anual em torno de 2.300 mm, e só se pode sentir uma redução sensível da precipitação no período entre os meses de junho a novembro, curto período de seca quando ocorre a vazante dos rios e quando a temperatura média chega a 35°C. A intensa nebulosidade ao longo do ano, no entanto, faz com que a amplitude térmica diária seja relativamente pequena.
Proteger a edificação do acúmulo de calor, das chuvas constantes, do sol, dos insetos, e otimizar a ventilação natural, essas são as premissas básicas a serem seguidas para se obter uma arquitetura adequada ao clima quente-úmido em ambiente selvático, sem se esquecer, é claro, que o impacto ambiental deve ser o menor possível.
Na arquitetura autóctone amazônica estas preocupações acima citadas sempre fizeram parte da construção dos abrigos. Severiano Porto observou isto bem em suas viagens ao interior do Estado, viu como os indígenas e seus descendentes, os caboclos, sincronizaram suas vidas com o rigor do clima, respeitando a delicada vegetação e as variações dos rios, elementos dos quais dependem para sobreviver. Sem agredir o ambiente, os caboclos sabem escolher os materiais naturais para construir seus abrigos, sejam os temporários na floresta, sejam os localizados nas várzeas, sempre apresentando soluções adequadas ao seu meio natural e cultural. Dispõem suas casas de maneira que a ventilação percorra todo o ambiente; elevam-nas do solo para evitar a umidade excessiva e para protegê-las da cheia (FIGURAS 3,4); utilizam-se da palha, material de baixa capacidade térmica, tanto para cobertura quanto para vedação. Mais comum ainda é a utilização da madeira. Os caboclos são hábeis no seu manejo e sabem escolher as mais adequadas para o seu uso – seja na construção de suas casas, seja na construção de seus barcos.
Se as casas ribeirinhas espalhadas pelo vasto território amazônico apresentam-se adaptadas ao meio, o mesmo não podemos dizer com relação às de Manaus. Lá, o crescimento demográfico acelerado e a falta de planejamento urbano modificaram o equilíbrio encontrado nos modos de vida tradicionais. Além disso, sob o ponto de vista da cultura, verifica-se, de uma maneira geral, uma indiferença às técnicas construtivas regionais, à adequação ao clima e às práticas populares. A madeira, por exemplo, mesmo com o insistente uso que Severiano Porto fez do material, e das aquisições técnicas do homem local sobre ela, ainda tem conotação de pobreza. A imagem de progresso e de crescimento na cidade, esteve sempre simbolicamente associada a modelos arquitetônicos de regiões diferentes e distantes, muitas vezes incompatíveis com o contexto amazônico.
Já a arquitetura desenvolvida por Severiano Porto na Amazônia sempre se pautou pela atenção ao meio. Construída ora com materiais e técnicas construtivas locais, como com a utilização da madeira (FIGURA 5) ou empregando tecnologias modernas em estruturas metálicas ou concreto (FIGURA 6) a atitude de se fazer uma arquitetura adequada é uma constante.
Este comportamento criterioso e consciente do arquiteto fez com que todos os problemas observados por ele – os climáticos, ambientais e tecnológicos – tornassem a realização de cada obra uma interpretação arquitetônica singular. No projeto Aldeia SOS do Amazonas, estudo de caso que apresentaremos a seguir, privilegiando a análise das residências, veremos como ele emprega soluções de desenho, técnicas construtivas e material coerentes com o programa e o entorno, tornando a obra apropriada ao bem-estar físico e social dos usuários.
Poéticas da adequação: Aldeia SOS do Amazonas
O programa sem fins lucrativos Aldeias Infantis SOS tem por finalidade criar famílias para crianças orfãs, em ambiente propício a um crescimento saudável e o mais normal possível. Criada em 1949 a partir da filosofia pedagógica do educador austríaco Hermann Gmeiner, a idéia das Aldeias é formar pequenas comunidades com 10-12 casas-lares. Cada casa deve ser composta por uma Mãe-social que cuida de sete a nove crianças. Para que estas construam seu futuro com autonomia, o programa incentiva que elas participem ao máximo da sociedade em que estão inseridas. Desta maneira, dependendo do local onde estão localizadas as Aldeias Infantis SOS, seus núcleos podem incluir projetos destinados ao uso e à participação das comunidades vizinhas.
O conjunto da Aldeia SOS do Amazonas, projetado pelo arquiteto Severiano Porto na cidade de Manaus, foi cuidadosamente pensado e planejado, visando a melhor integração do conjunto ao meio natural, ao contexto urbano e atendimento ao bem estar das crianças e dos funcionários. Suas casas, porque dignas para o convívio familiar e comunitário, são espaços que ecoam respeito, beleza, conforto, alcançando os objetivos do programa.
O projeto concluído em 1997 ocupa uma área de 6.431.22 m2, e é formado por 12 casas-lares. O conjunto contempla também, casa das tias, casa do dirigente, casa do zelador, escola de mães, alojamento para visitantes, vestiário de educação física, trabalho com terra, refeitório, garagem e lavanderia. Uma casa comunitária funciona como o centro administrativo da aldeia e local para atendimento médico e odontológico.
Este projeto desenvolvido pelo arquiteto ainda está para ser finalizado com a construção do pavilhão de criação e artes e o parque aquático.
O conceito de aldeia se sustenta pela integração das casas-lares aos espaços de uso comum como circulação coberta, auditório, jardim de infância, biblioteca infantil, área de esportes e lazer, que também são freqüentados pelas comunidades vizinhas.
As diversas edificações da Aldeia são interligadas pela sinuosa circulação coberta (FIGURA 9) construída em madeira e folhas de palmeira, onde podemos perceber claras referências à cultura local, tanto no processo construtivo como no tipológico, lembrando os grandes espaços comunitários das ocas indígenas (FIGURAS 10,11). Este local de funções múltiplas é pontuado por momentos em que as curvas da cobertura se alargam e o pé-direito cresce formando grandes abrigos alternativos onde podem ser realizadas diversas atividades, como o lazer das crianças em dias de chuva, atividades educativas ou a simples circulação. É o pólo mais importante de convívio, espinha dorsal do projeto, constituindo-se verdadeiramente como a rua-praça desta pequena aldeia. Sua existência permite a integração física e social da comunidade.
O conjunto de edificações proposto no programa ficou distribuído em um terreno de dimensões generosas (400,7m x 164,1m) e de suave declividade. O lote está localizado em meio a um contexto urbano de uso predominantemente residencial, com construções modestas de pequeno e médio porte. As partes do programa que são freqüentadas pela comunidade externa foram situadas próximas aos eixos viários circundantes principais e, portanto, com maior comunicação com o meio urbano. Aquelas que requeriam aconchego e privacidade as casas-lares e as outras habitações do conjunto, foram colocadas nas áreas mais distanciadas das vias públicas. A implantação das edificações acomodou-se aos desníveis do terreno alterando minimamente suas características naturais.
No que se refere ao seu arranjo espacial, foram dispostas de tal forma a possibilitar a ventilação cruzada por todos os edifícios. A determinação das distâncias, no entanto, manteve uma aproximação entre elas, buscando o sentido de vizinhança da aldeia, ainda que resguardando a importância da intimidade (FIGURAS 12,13).
O partido arquitetônico das edificações visou a uma orientação adequada em relação à trajetória do sol em Manaus (FIGURAS 14,15), assim como em relação aos ventos dominantes.
Para as casas foi possível, pelas dimensões do terreno, adotar uma forma alongada o que permitiu tanto aberturas no sentido dos ventos para diversos compartimentos, quanto o posicionamento das menores dimensões do volume à orientação leste-oeste como requer o clima (FIGURA 16).
Na configuração espacial a rigidez da forma retangular predominante se desfaz com o movimento das paredes. Observa-se que as reentrâncias e saliências determinadas para as faces do volume, permitem uma dinâmica volumétrica interessante criando áreas de cheios e vazios, de sombras e luz (FIGURA 17).
É inegável que este recurso, além de dotar o volume de qualidade plástica, melhora sobremaneira a ventilação e iluminação nos ambientes ao permitir maior quantidade de paredes com aberturas e a captação e canalização das brisas para o interior da edificação (FIGURA 18).
O espaço interno ficou distribuído em duas alas distintas: em um primeiro nível e ao lado esquerdo da entrada principal situa-se a ala de convívio e de serviços e do lado direito, em um nível um pouco mais abaixo, a ala íntima. A distinção entre as duas áreas dá-se pelo recorte de uma zona de interseção definida pelo jardim interno e os degraus.
As soluções de desenho para as esquadrias, também foram pensadas para otimizar o fluxo, volume e velocidade do ar nos ambientes. Seus diversos mecanismos, como as venezianas móveis e janelas basculantes, permitem o controle da passagem do ar e da luz (FIGURAS 19,20). Mas isso não é tudo, percebemos que nestas soluções de desenho estão presentes também outros cuidados, tal como com as proporções de suas formas. Linhas e planos se harmonizam em rigorosa modulação, criando um jogo plástico pela combinação de materiais de natureza distinta: a madeira opaca e cálida, e a transparência das superfícies de vidro, quando seu emprego é recomendado. Digno de nota é a variação de textura dos panos de veneziana, permitida pela mobilidade tanto das réguas quanto dos quadros que as sustentam. Dos ambientes internos percebemos também, que as dimensões e localizações das aberturas determinam visadas variadas da paisagem sem prejudicar a privacidade do espaço interior.
A cobertura de duas águas foi desenhada com grandes beirais para proteger as paredes externas e o interior da casa das chuvas e do sol. Sua inclinação visa a minimizar os efeitos da radiação solar e propiciar o escoamento adequado das águas. O pé-direito alto, daí decorrente, contribui para que a ventilação cruzada proporcionada pelas aberturas nas duas extremidades da cobertura retire o calor que atravessa as telhas cerâmicas (FIGURAS 21,23). O pé-direito alto responde também a outras funções além das utilitárias. Na sala, por exemplo, área de maior dimensão da casa e lugar do convívio da família, ele determina a generosidade espacial do ambiente e torna visível a riqueza plástica da composição dos planos de fechamento das áreas íntima e de serviço.
Neste mesmo espaço, observamos uma série de outros elementos que combinados favorecem o conforto térmico ao mesmo tempo em que enriquecem a experiência espacial e visual. Exemplo disso é o dispositivo de proteção solar, uma espécie de reinterpretação da pérgula tradicional, que Severiano criou para proteger a janela que dá para oeste (FIGURA 22). Da abertura, a qual se fez necessária para favorecer a ventilação cruzada que entra pela fachada oposta, também é possível apreciar a pérgula.
Um outro recurso arquitetônico utilizado na sala foram as varandas, colocadas nas fachadas sul e norte. Estes espaços de transição cobertos e abertos, de forte significado cultural na arquitetura brasileira, fazem o elo de ligação do mundo externo com o interno, além de funcionarem como uma extensão da área de convívio e proteger os acessos dos efeitos climáticos.
Nos quartos, assim como nos demais compartimentos da casa, forros de madeira, protegem o ambiente da entrada de insetos ao mesmo tempo em que funcionam como isolantes acústicos e térmicos. O seu desenho foi resolvido pela conjugação de dois planos inclinados que convergem para a linha da cumeeira. A declividade distinta destes planos resulta em uma abertura ao longo da linha de interseção entre eles, por onde sai o ar quente acumulado no interior dos quartos (FIGURAS 23,24).
É possível ainda perceber na forma resultante dos quartos um caráter lúdico e educativo com a sugestão da forma de uma pequena casa dentro da casa principal (FIGURA 22). A configuração formal estimula, através da relação pequena-casa/casa-maior, o sentimento de autonomia necessário às crianças em sua formação psicológica, ao mesmo tempo que resguarda o sentimento de proteção com a imagem do pequeno dentro do grande, dessa metáfora do útero, do aconchego do lar e da figura da mãe.
Conclusão
Percebemos, na análise deste projeto, uma combinação de fatores que fizeram alcançar um resultado qualitativamente superior ao que foi pedido pelo cliente, pois o arquiteto tornou-se agente ativo na formulação de propostas pedagógicas e sociais que enriqueceram o elenco tradicional de requerimentos funcionais da entidade, que foram incorporadas, daí em diante, às necessidades das novas construções. As respostas ao programa ultrapassam, como pudemos perceber, resultados meramente funcionais. A idéia básica do programa das Aldeias Infantis SOS de sustentar a vida das crianças em ambiente saudável, onde o convívio comunitário é de grande importância, foi sem dúvida interpretada pelo arquiteto Severiano Porto com soluções que intensificam e colaboram de maneira notável no desempenho de todo o espaço. Evidentemente que tal resultado é tributário de um processo projetual que domina o programa por meio de investigações rigorosas sobre os temas em questão. A curiosidade por tudo e o desejo de sempre saber mais foram sempre seu trunfo em cinco décadas de experiência profissional.
Sua compreensão do conceito de identidade cultural fez com que nunca o confundisse com o de identidade nacional. Isto permitiu a vigência, em seus projetos, de uma memória aberta às transformações motivadas pela mobilidade do mundo contemporâneo. A eco-eficiência na obra de Severiano, está em sua capacidade de corresponder aos vários níveis de exigência de uma cultura móvel, dinâmica e, portanto, viva. Caracteriza-se pelo alargamento e aprofundamento do conceito de adequação, apoiado por uma inatacável conduta ética. Sem dúvida, é este Decoro aplicado em todos os níveis da intervenção arquitetônica que, longe de situar sua obra em um funcionalismo ortodoxo, faz com que possa ser chamado de um regionalismo eco-eficiente no melhor sentido de uma poética da adequação.
notas
1
O presente artigo foi originalmente publicado em inglês no PLEA 2003 – The 20th Conference on Passive and Low Energy Architecture, Santiago, Chile, em novembro 2003, e apresenta argumentos que constituem parte de uma pesquisa maior em curso que resultará na dissertação de mestrado que estou desenvolvendo no PROARQ/FAU/UFRJ.
2
COLQUHOUN, Allan. O conceito de regionalismo. In: Revista Projeto, n. 159, dez. 1992, 75-78.
3
VITRUVIO, M.L. Los Diez Libros de Arquitectura. Tradução, Prólogo e Notas por Agustín Blánquez, Barcelona - Editorial Ibéria (1997), 14-15.
sobre o autor
Mirian Keiko Ito Rovo é arquiteta, UFRJ, mestranda do Programa de Pós-graduação em Arquitetura, PROARQ/FAU/UFRJ, atualmente desenvolve trabalho de pesquisa sobre a obra do arquiteto Severiano Mário Porto
Beatriz Santos Oliveira é arquiteta, Doutora FAU-USP, Professor Adjunto Programa de Pós-Graduação em Arquitetura FAU-UFRJ, autora de Espaço e estratégia: considerações sobre a arquitetura dos jesuítas no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988; A Construção de um método para a arquitetura: procedimentos e princípios em Vitrúvio, Alberti e Durand. E-book, 1997; Arkhé: uma abordagem fenomenológica da Arquitetura