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architexts ISSN 1809-6298


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Autor realiza análise histórica e conceitual sobre a relação entre comércio de materiais de demolição e proteção do patrimônio histórico e cultural


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IRIBARREM LEMOS, Cristian. O comércio de materiais de demolição. Análise histórica e conceitual sobre a proteção do patrimônio histórico e cultural. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 049.07, Vitruvius, jun. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.049/579>.

Em Pelotas começa a ter lugar a utilização de materiais de demolição em construções novas. É sabido que há muito tempo existem empresas especializadas na demolição de prédios, porém a valorização de uma “arquitetura de reciclagem” é relativamente nova na nossa região. Se buscarmos em experiências mundiais e nacionais, encontraremos exemplos onde essa prática já está consolidada, como por exemplo, no centro do país e na Inglaterra, onde o próprio Estado incentiva ao máximo o aproveitamento de materiais de demolição, inclusive pagando 10% a mais para construtoras que utilizem estes materiais. Mas essa relação de respeito e valorização destes materiais é baseada no consenso por parte dos envolvidos nesse comércio. São pessoas que já possuem algum nível de conhecimento sobre a questão do patrimônio e que praticam esse comércio de maneira informal, sem nenhum tipo de legislação ou fiscalização por parte de órgãos responsáveis.

A partir dessas constatações, restam alguns pontos a serem discutidos e analisados, como por exemplo, as ações que fogem da simples consciência de resgate e preservação da memória, que é o ponto que esse comércio se apega. É preciso bem mais que isso. Sem dúvida, como observamos em raras recomendações já escritas, uma fiscalização faz-se de suma importância, além é claro, de conhecimentos aprofundados sobre conceitos de restauração, conservação, preservação, salvaguarda, etc. A grande maioria das peças retiradas das demolições são armazenadas de forma inadequada, comprometendo sua conservação. Também a forma de extração não é baseada em regras para manter a integridade do bem. Em muitos casos esses materiais são colocados em “boutiques” de materiais de demolição, já restaurados e prontos para serem instalados em obras novas, mas muitos profissionais questionam e condenam essa prática comercial, fundamentados na teoria de que o artefato perde seu valor histórico e cultural quando retirado de sua construção original e é utilizado somente como diferencial estético.

Por outro lado, esta prática assegura a preservação de objetos que, sem dúvida alguma, possuem seu valor histórico, artístico e cultural, também quando isolados e que em sua situação anterior estava destinado à simplesmente desaparecer. Mas para tanto, faz-se necessário conhecer os antecedentes sobre o tema e a real situação que encontramos nos dias atuais, fazendo uma análise do histórico da proteção, de conceitos relacionados à proteção e possíveis associações com as necessidades atuais do mercado formado em torno do patrimônio histórico, artístico e cultural.

Histórico da proteção

A proteção do patrimônio histórico e cultural data do século III, quando o imperador romano Alexandre, aplicava multas a quem comprasse uma casa com a intenção de demoli-la. No Império Romano havia um código de posturas que visava a conservação da imagem da cidade. No Império Bizantino, no final do século IV, leis proibiam a desfiguração de fachadas e seus ornamentos. Após esse período, temos novos registros de proteção no renascimento italiano, com ações da igreja, visando a conservação de documentos e dos seus prédios. Durante o período barroco, aconteceram obras de conservação e reconstrução de castelos e catedrais, na Alemanha e Itália. Na Revolução Francesa, houve um decreto que considerava propriedade pública todas as antiguidades nacionais. Na Alemanha, no início do século XIX foi feita uma resolução de proteção ao patrimônio e no início do século XX é promulgada uma lei mais abrangente.

Se observarmos essas iniciativas, percebemos que elas ainda se mantêm atuais. Muitas Cartas, Recomendações e Leis propõem os mesmos tipos de atitudes em relação ao patrimônio. Desde 1931, com a Carta de Atenas, têm sido redigidas, normas de conduta internacionais em relação ao patrimônio histórico e cultural. Aproximadamente 40 documentos que registram a evolução do pensamento preservacionista.

No Brasil, existem registros de preocupações com o patrimônio cultural, desde meados do século XVIII, quando, o então vice-rei do Brasil, D. André de Melo e Castro, enviou uma carta ao governador de Pernambuco, Luis Pereira Freire de Andrade, com a clara intenção de impedir uma transferência de um quartel para um edifício que havia sido construído pelos holandeses, como podemos observar no trecho da carta:

Pelo que respeita aos Quartéis que se pretendem mudar para o Palácio das duas Torres, obra do Conde Maurício de Nassau, em que os Governadores fazem a sua assistência, me lastimo muito que se haja de entregar ao uso violento e pouco cuidadoso dos soldados, quem em pouco tempo reduzirão aquela fábrica a uma total dissolução, mas ainda me lastima mais que, com ela, se arruinará também uma memória que mudamente estava recomendando à posteridade as ilustres e famosas ações que obraram os Portugueses na Restauração dessa Capitania [...] (1).

Após este fato, aconteceram vários episódios isolados onde se observam outras tentativas de proteção ao patrimônio, porém todas de iniciativa da esfera federal. Em 1924, passam a ter ações vindas dos governos estaduais, até que dos trabalhos feitos nessa área, resultou um esboço de anteprojeto de lei federal proposto pelo governo mineiro. No entanto as medidas propostas, não eram suficientes para a proteção efetiva dos monumentos e bens, até que em 1930, José Wanderley de Araújo Pinho faz um novo projeto de lei sobre proteção, uma das principais fontes da legislação atual. Finalmente, em 1937 é criado o Decreto-Lei nº 25 (2), iniciativa de Gustavo Capanema, Ministro da Educação na época e com texto de Mário de Andrade. E novamente o assunto volta a tona na Constituição de 1988 (3) e em várias Leis, Instruções Normativas e Decretos, estaduais e municipais.

Em uma análise mais profunda desses documentos, não há observância de tópicos que se relacionem especificamente com materiais de construção – leia-se portas, janelas, tijolos, azulejos, artefatos de madeira, gradis e etc. Sempre há a necessidade de inseri-los numa reinterpretação do conceito de bens culturais. Fica clara a importância da arquitetura como elemento de resgate de memória e cultura, porém é sempre vista no seu aspecto de monumento, sem a dissecação de seus vários elementos agregados e de tanto valor histórico e cultural. Para que o valor cultural de um bem seja reconhecido, é necessário que se enquadre no que está escrito no art. 1º do Decreto – Lei nº 25, que, em poucas palavras diz que o bem deve ser excepcional ou exemplar no contexto da cultura brasileira.

Neste momento, convém salientar uma palavra – tombamento (4) – que é o instrumento legal de proteção, nos níveis federal, estadual e municipal, sendo assim, um ato administrativo. Interessante salientar que nossas leis de proteção vêm desde 1937, sem praticamente sofrer nenhuma alteração, fato este que atesta a sua defasagem em certos aspectos. Com a evolução urbana, o modo de vida mudou e o plano de necessidades de um projeto arquitetônico, obviamente também. E este fato contribuiu para a descaracterização dos prédios de valor histórico. É preciso uma adequação para os novos usos à que eles se dispõem. Daí então, surgem as freqüentes restaurações, intervenções e reformas e este fato é o gerador das “sobras de obra”, onde, muitas vezes são substituídas esquadrias originais por outras mais modernas. É a maléfica modernização do patrimônio permitida pelos próprios instrumentos de proteção. O incentivo de novos usos desses prédios e de grande valor para a sua proteção e conservação, porém é necessário reparar as conseqüências geradas pelas suas “adaptações”.

Conceitos

Para situar o assunto abordado na pesquisa, é necessário analisar certos conceitos contidos em cartas e recomendações sobre patrimônio, bem como legislações incidentes sobre os mesmos. No caso específico de portas da virada do séc. XIX convém salientar que é necessária uma interpretação de conceitos para considerá-las como bens culturais, visto que não existe nenhum tipo de carta, recomendação ou leis que as incluam explicitamente em seus textos. Porém, podemos afirmar categoricamente que este objeto é parte incontestável de uma obra arquitetônica e que, portanto, deve receber o mesmo tipo de atenção que esta.

Bem

De acordo com a Recomendação sobre Propriedade Ilícita (5) é considerado bem cultural aquele bem móvel ou imóvel de importância cultural para cada país. Da mesma forma, fala a Recomendação sobre Obras Públicas (6). Em 1994 a Conferência de Nara, vêm reafirmar a atualidade do conceito, falando ainda sobre a diversidade cultural e de patrimônio, dizendo que cada sociedade tem sua cultura e seus significados e que é de grande importância respeitar essa diversidade de tradições. Ainda podemos observar o trecho que fala sobre o valor e a autenticidade do bem a ser classificado:

“Todos os julgamentos sobre atribuição de valores conferidos às características culturais de um bem, assim como a credibilidade das pesquisas realizada pode diferir de cultura para cultura, e mesmo dentro de uma mesma cultura, não sendo, portanto, possível basear os julgamentos de valor e autenticidade em critérios fixos. Ao contrário, o respeito devido a todas as culturas exige que as características de um determinado patrimônio sejam consideradas e julgadas nos contextos culturais aos quais pertençam” (7).

Conservação

Encontramos recomendações sobre conservação na Carta de Burra (8), Normas de Quito (9) e Carta de Atenas (10). Todas estas tratam a conservação como uma série de medidas tomadas para assegurar características de significado histórico e cultural, muitas vezes, considerando necessárias intervenções restaurativas e preservativas. Observamos na Carta de Burra uma especificidade maior no que se refere à interpretação aplicada aos materiais componentes do monumento arquitetônico.

Preservação

As questões relativas à preservação de bens começam a ser tratadas a partir de 1974, com a Resolução de São Domingos, onde é considerada fundamental a investigação histórica visando reunir o maior número de dados sobre o bem em foco. Em 1977, foi redigida a Carta de Machu Picchu, onde se observa um direcionamento para questões sociais que estão implícitas no bem, conferindo-lhe, além de seu caráter histórico, uma importância cultural e social. Também a Carta de Burra afirma a carga de significados culturais existentes em um bem, recomendando a aplicação de técnicas preservativas que mantenham as características que lhe conferem o significado cultural.

Restauração

O assunto restauração teve uma maior abordagem nas cartas. Em 1931 na Carta de Atenas, Carta de Veneza em 1964, Carta do Restauro em 1972, Declaração de Amsterdã em 1975 e na Carta de Burra em 1980. É importante salientar que a restauração é sempre vista de maneira muito criteriosa, pois se trata de uma intervenção direta no bem. Uma recomendação geral, observada em todos os documentos, é que sejam mantidas as características históricas e artísticas, portanto, onde há a necessidade de uma intervenção de acréscimo, esta deve ser realizada de forma que fique visualmente observável o novo material ou tecnologia aplicados, conforme analisamos no trecho a seguir:

“Os elementos destinados a substituir as partes faltantes devem integrar-se harmoniosamente ao conjunto, distinguindo-se, todavia, das partes originais a fim de que a restauração na falsifique o documento de arte e de história” (11).

Também recomendam um aprofundado estudo sobre o bem antes de efetuar a intervenção restaurativa e salientam a importância de, sempre que adequado, continuar o uso dos materiais de construção tradicionais.

Salvaguarda

O termo “salvaguarda” caracteriza ações de conservação que não impliquem em uma ação direta sobre o bem, conforme observamos na Carta do Restauro (12), porém em 1976, na Recomendação de Nairóbi, houve uma nova interpretação do que seria a salvaguarda, considerando esta, uma reunião de todas as medidas de intervenção para assegurar a conservação, restauração e proteção dos conjuntos históricos e seu entorno.

Comércio

Existem recomendações, no que se refere a comércio de antiguidades, como se observa na Recomendação de Nova Delhi de 1956, porém seria necessário interpretar o sentido de antiguidade, neste caso aplicado para o patrimônio arqueológico, tentando uma aplicação para os materiais de construção. No Compromisso de Brasília (13) e no Compromisso de Salvador (14), existem recomendações para a fiscalização do comércio de obras de arte e bens móveis de valor cultural.

De posse do conhecimento sobre os conceitos e leis que se aplicam para o objeto de pesquisa em questão, podemos analisar a evolução do pensamento preservacionista no decorrer dos tempos. O conceito de “bem” se tornou mais amplo, mas ainda sem fazer indicações claras a objetos e artefatos, que possam vir a ser integrantes deste conceito. Cabe a nós, promotores e conhecedores das questões culturais, a adaptação das recomendações para àqueles bens não contemplados nas Cartas e Legislações. Outra ferramenta ainda pouco utilizada, e talvez a de maior eficácia, seriam a criação de Legislações Municipais específicas sobre o assunto. Mas ainda estamos longe de um ideal, ficando, como o nosso exemplo, o Rio Grande do Sul, com seus quase 500 municípios, somente 20% possuem legislações de proteção ao patrimônio histórico e cultural. Urge uma discussão maior entorno desse assunto, para que sejam definidas normas, em consenso, de como e o que se pode fazer para garantir a “vida” desses bens, sejam eles inseridos em um contexto maior ou isolados. É isto que propõe esse trabalho, formar uma retaguarda teórica sobre o tema, permitindo o prévio conhecimento sobre o que já foi discutido e analisado anteriormente permitindo uma comparação com a realidade atual. E de posse desses dois dados, pode-se partir para um confrontamento, de onde poderão sair conclusões fundamentadas e até recomendações sobre essa problemática do comércio de materiais de demolição (15).

notas

1
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA. Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Fundação Nacional Pró-Memória. Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil: uma trajetória. Brasília: 1980, p. 61.

2
BRASIL. Decreto-lei nº 25 de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em <http://www.cultura.gov.br/legislacao/docs/DL-00025.htm> Acesso em: 4 de mai. 2004.

3
BRASIL. Constituição. Brasília: Senado Federal, 1988.

4
No português arcaico a palavra “tombo” significa o inventário de quaisquer documentos.

5
Recomendação sobre propriedade ilícita, 1964. Ver em http://www.iphan.gov.br.

6
Recomendação sobre Obras Públicas, 1968. Ver em http://www.iphan.gov.br.

7
CURY, Isabelle (org). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro, IPHAN, 2000, p. 321

8
Carta de Burra, 1980. Ver em http://www.iphan.gov.br.

9
Normas de Quito, 1967. Ver em http://www.iphan.gov.br.

10
Carta de Atenas, 1931. Ver em http://www.iphan.gov.br.

11
CURY, Isabelle (org). Op. cit., p. 94.

12
Carta do Restauro, 1972. Ver em http://www.iphan.gov.br.

13
Compromisso de Brasília, 1970. Ver em http://www.iphan.gov.br.

14
Compromisso de Salvador, 1971 Ver em http://www.iphan.gov.br.

15
Outra obra de interesse sobre as questões aqui apresentadas: TELLES, Leandro Silva. Manual do Patrimônio Histórico. Porto Alegre, UCS/EST, 1977.

sobre o autor

Arquiteto e Urbanista, graduado pela UFPel, pós-graduando em Patrimônio Cultural – Conservação de Artefatos pela UFPel.

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