Tel Aviv acaba de ser reconhecida pela UNESCO como “patrimônio da humanidade”. Precedida por Brasília, é agora a segunda cidade moderna a ser contemplada com tal qualificação.
Para muitos de seus cidadãos, este fato veio como uma inesperada surpresa: não só porquê o público israelense não deposita grande confiança em tudo o que provêm da ONU, onde uma automática maioria se mostra em geral hostil a tudo o que se relaciona com este país. Mas também porquê esta dinâmica cidade nunca se deu ao trabalho de uma auto-avaliação.
E então para muitos, a declaração da UNESCO foi o ponto de partida para uma observação mais ponderada de um patrimônio que não sabiam estivesse em seu poder.
Trata-se do excepcional acervo da arquiteturas dos anos 30 que aqui surgiu naquele período, e que resulta ser quantitativa e qualitativamente um dos mais significativos existentes: praticamente toda a cidade daqueles anos, que continua razoavelmente preservada, resistindo ao desgaste do tempo e aos assédios da especulação – se coloca hoje como um documento vivo do Movimento Moderno ou “Estilo Internacional”.
Aqui, este aspecto da história da arquitetura costuma ser designado como “Arquitetura Bauhaus”. Isto porquê muitos dos arquitetos que o viveram eram formados naquela escola ou provinham de ambientes europeus que propugnavam a renovação ética e estética contida na mensagem do Movimento Moderno.
E chegando aqui em refúgio das incipientes discriminações e perseguições do Nazismo, defrontaram-se com uma realidade que permitiu facilmente assimilar e aplicar aqueles postulados: uma necessidade de soluções rápidas e econômicas para a habitação das ondas de imigrantes; uma economia em formação, na qual faltavam os recursos e a mão-de-obra para arquiteturas mais “sofisticadas”; uma sociedade igualitária, aberta e solidária, que buscava uma expressão simples e direta para seus anseios de normalização; e uma atmosfera luminosa de clima ameno, que incentivava o emprego de geometrias limpas e elementares, que o jogo de luz e sombra enriquecia e fazia vibrar.
Coloca-se então hoje em foco uma geração de talentosos arquitetos que finalmente saem de um anonimato imposto pelas dificuldades dos primeiros anos do nascente Estado. E dirige-se uma renovada atenção ao tecido urbano peculiar em que suas arquiteturas se desenvolveram: uma silhueta bastante uniforme de edifícios de 3-4 andares, agrupados em núcleos de escala amistosa, ao redor de pequenas praças ajardinadas; uma justa hierarquia de ruas que – nas condições da época – assegurava uma boa qualidade de vida, selecionando os vários tipos de trânsito com evidente preocupação ambiental pelo morador; um dosado equilíbrio entre áreas livres e áreas construídas, garantindo índices de ventilação e salubridade próprios de um ambiente moderno.
Estas qualidades foram codificadas em alguns planos urbanísticos que a municipalidade fez elaborar em etapas várias do crescimento da cidade. Um deles é o do urbanista escocês Sir Patrick Geddes, que ainda nos anos 20 foi encarregado de regularizar o crescimento do nascente subúrbio de Jaffa para uma população de 100.000 habitantes. Esta meta, hoje muito superada, demonstrou-se real para toda a fase em que o perímetro assinalado pela declaração da UNESCO se desenvolveu: e assim, se as autoridades municipais souberem manter o compromisso de preservação implícito no reconhecimento, estaremos diante de um fenômeno bastante raro de orgânica simbiose entre tecido urbano e arquitetura.
Naturalmente este fenômeno terá que ser , agora mais do que antes da láurea internacional , revitalizado e revalorizado em âmbito maior do que o exercido até hoje. E são sobejamente conhecidas as dificuldades orçamentárias, os conflitos de interesses, as políticas de pressão aplicadas por grupos de influência, as contradições provenientes de legítimas necessidades da expansão urbana, etc. – todas manifestações características da problemática de defesa de patrimônio.
A “Tel Aviv patrimônio” declarada pela UNESCO era uma branca cidade pioneira, equilibrada e amistosa. Hoje, a Leste, Norte e Sul ela cresceu e vem se transformando numa frenética metrópole. A antiga Jaffa já de há muito foi incorporada a seu perímetro; a “cidade Bauhaus” permanece no seu centro, rodeada de bairros novos, sujeita a pressões que ameaçam seu caráter; diversos municípios autônomos vizinhos (Ramat Gan, Petach Tikva, Holon, Bat Yam, Rishon le Zion, Ramle, Lod, Ramat Hasharon, Raanana, Herzlia) são na verdade parte inseparável de sua conurbação. Os problemas decorrentes de tal concentração são típicos das metrópoles em desenvolvimento, e podem facilmente ser imaginados pelo leitor. Muitos deles estão agora na agenda da prefeitura, que se beneficiaria de um estudo da experiência de Curitiba para uma atitude anti-megalomânica no enfrentá-los. Outros, pelo seu caráter mais amplo e pela posição de pólo de atração a nível nacional que a cidade exerce, passam à responsabilidade do governo. As soluções variam pela maior ou menor qualidade de projeto; pela diferente medida em que recursos limitados são empregados com honestidade e inteligência; pela visão de futuro que se faz necessária na complexa realidae israelense de hoje.
Mas o núcleo dos anos 30, com sua escala humana e suas arquiteturas claras, despretensiosas e únicas, agora protegido por um pacto de preservação que terá que ser constantemente lembrado e re-visto, permanece como um marco orientador para políticos, arquitetos e urbanistas.
E o Movimento Moderno, manifestação autêntica e insubstituível da cultura contemporênea, terá daqui para diante em Tel Aviv um dos documentos mais relevantes: ao lado dos conhecidos nomes de artistas que o divulgaram internacionalmente com obras e com vigor polêmico, contar-se-ão tantos outros, que deixaram com modéstia e fé sua lembrança , num trabalho profissional de qualidade, sem as intenções exibicionísticas que hoje explodem em gestos dramáticos de falso brilho.
Que a lição da “Cidade Branca” seja assimilada como atitude civil digna de continuação.
sobre o autor
Vittorio Corinaldi é arquiteto formado na FAU USP e correspondente Vitruvius em Israel