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Ao contrário dos portugueses, que se deparam a princípio com inóspitos territórios, os espanhóis encontram territórios mais propícios à colonização: os planaltos da América Central e Meridional


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DANTAS, Ana Claudia de Miranda. Cidades coloniais americanas. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 050.05, Vitruvius, jul. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.050/566>.

O Renascimento correspondeu ao período de expansão européia. Nos séculos XV e XVI, a expansão marítima e comercial coube às duas nações ibéricas: Espanha e Portugal; a partir do século XVII é que outras nações, banhadas pelo Oceano Atlântico, iniciam este processo exploratório. São elas: França, Inglaterra e Holanda.

No ano de 1494, o Papa Alexandre VI, estabeleceu a linha demarcatória entre as regiões de colonização espanhola e portuguesa. Linha esta que corresponde ao meridiano, situado a 270 léguas para além das Ilhas dos Açores.

Cronologicamente, a Espanha foi o segundo país a se lançar em sua expansão além-mar, já que Portugal havia sido o primeiro país europeu a reunir condições sócio-econômicas e políticas favoráveis.

Os espanhóis financiam a viagem de Colombo, que chega ao continente americano em 1492. Na América, eles vislumbram vastas terras virgens, palco propício para as realizações urbanísticas utópicas do Renascimento europeu – possibilidade real de concretização de modelos e planos de cidades ideais quinhentistas. Pode-se dizer que o conjunto das realizações urbanísticas nos territórios conquistados eram superiores em qualidade, do que as existentes no continente europeu.

Ao contrário dos portugueses, que se deparam a princípio com inóspitos territórios – como a África Meridional –, os espanhóis encontram territórios mais propícios à colonização: os planaltos da América Central e Meridional. Territórios que abrigavam os povos indígenas mais ricos e desenvolvidos.

Precedendo a chegada dos espanhóis e demais povos europeus, o continente americano era habitado por numerosos povos, desigualmente distribuídos e diferenciados entre si por diferentes estágios culturais. Havia desde as sociedades de baixa cultura, como os tapuias, no Brasil, até as de alta cultura, como os astecas, maias e incas.

Considerados como portadores de alta cultura, estavam os incas, localizados na região andina; os astecas, estabelecidos no planalto mexicano; e os maias, instalados na Guatemala e na península mexicana de Iucatã.

Politicamente, os maias organizaram-se em cidades-estados independentes, enquanto os astecas e os incas estruturaram-se em impérios centralizados, sendo a centralização mais rígida entre os incas: o Inca ou Imperador, considerado como encarnação viva do Sol, era o chefe militar, religioso e civil do Estado. A centralização do Império Inca era assegurada por meio de aperfeiçoada rede de estradas, emprego de numeroso exército, existência de hierarquizado sistema administrativo e evoluídas técnicas de produção. O Império Asteca não chegou a completar a sua evolução porque foi conquistado pelos espanhóis.

Estas sociedades eram quantitativamente numerosas e rigidamente hierarquizadas. Os incas, por exemplo, constituíam a aristocracia dirigente, cabendo-lhe organizar a produção que era realizada por populações vencidas e distribuídas em ayllus (comunidades aldeãs) aos quais se atribuía o cultivo da terra, a criação de animais, a mineração e obras diversas: terraceamento e canais de irrigação. As aldeias pagavam tributos e a aristocracia planejava e dirigia a produção.

A colonização da América pelos espanhóis teve como ponto de apoio às minas de ouro e principalmente de prata, no México e no Peru, onde se encontravam as riquíssimas minas de prata de Potosí (atual Bolívia).

A primeira cidade americana traçada com rigor e concepção geométrica é São Domingos, fundada em 1496, segundo uma planta que lembra as vilas construídas na península, durante o reinado dos reis católicos.

Na segunda década do século XVI, os espanhóis implantaram as cidades de La Habana, Guatemala, Campeche e Panamá. Estes povoados seguem as mesmas regras: planos simples e práticos, que se adaptavam à topografia local.

Ao conquistar a grande cidade indígena Tenochtitlán (transformada na cidade do México), Cortéz impõe um modelo de cidade com planta em forma de tabuleiro de xadrez. O mesmo procedimento é adotado por Pizarro em Cuzco, no Peru. No resto do continente, os espanhóis destroem as aldeias indígenas e suas pirâmides e obrigam seus moradores a ocuparem as novas cidades.

O conceito urbano imposto às novas cidades americanas segue um padrão uniforme: quarteirões idênticos, geralmente, com forma quadrada, definidos por ruas ortogonais e retilíneas. O centro da cidade é ocupado por grandes edifícios públicos, tais como: a catedral, o tribunal, o paço municipal e as residências dos espanhóis mais ricos. Estas edificações repousam sobre uma grande praça regular, obtida com a supressão de alguns quarteirões.

Depois de alguns anos de realizações do modelo espanhol, Filipe II, no ano de 1573, institui a primeira legislação urbanística da idade moderna, a chamada Lei das Índias. Com esta lei, torna-se possível uma associação entre os princípios idéias renascentistas, as influências do Tratado de Vitrúvio e as realizações concretizadas na América. Na verdade, a Lei de Filipe II, não fez mais do que consagrar a planta ortogonal, que na prática já estava sendo realizada.

Algumas regras constantes na lei devem ser mencionadas:

  • A planta do estabelecimento a ser fundado deveria sempre ser levada pronta de Portugal;
  • O plano composto por ruas, praças e lotes deveria ser implantado a partir da praça principal, de onde sairiam às ruas, que se prolongavam até as portas e ruas exteriores;
  • A implantação deveria ser feita, deixando espaço vazio aberto suficiente para que o crescimento da população não fosse estancado e permitindo que o mesmo modelo fosse seguido;
  • A praça principal, denominada de praça maior deveria estar sempre localizada no centro da cidade;
  • O comprimento da praça deveria ser maior do que a sua largura, no mínimo uma vez e meia – os colonos consideravam esta forma, a mais adequada aos festejos com cavalos e outros;
  • A área da praça deveria ser proporcional e adequada ao número de habitantes, pensando-se sempre no futuro crescimento da cidade;
  • A largura da praça não deveria ser inferior a duzentos pés e o comprimento não poderia ser menor do que trezentos pés. Em contraponto, o tamanho máximo não deveria ultrapassar a medida de quinhentos pés de largura e oitocentos pés de comprimento; sendo que o tamanho ideal considerado, seria de quatrocentos por seiscentos pés;
  • A partir dos quatro pontos médios dos lados, que compõe o perímetro da praça, deveriam sair quatro ruas principais. E os quatro ângulos da figura geométrica deveriam originar duas ruas cada;
  • Os quatro ângulos deveriam estar direcionados para os pontos cardeais, pois desta forma, as ruas que se iniciam na praça não ficariam expostas aos quatro ventos principais (regra oriunda do Tratado de Vitrúvio);
  • A praça e as ruas principais que se originam nela deveriam ser ladeadas com pórticos, porque estes são convenientes às pessoas que querem passear, dialogar ou realizar comércio (regra advinda do plano romano de implantação de cidades);
  • As oito ruas que desembocam nos quatro ângulos da praça não poderiam, de forma alguma, ser obstruídas pelos mencionados pórticos;
  • Os pórticos deveriam terminar nos ângulos, possibilitando que as calçadas das ruas estejam alinhadas com as da praça;
  • As ruas deveriam ser largas nas zonas frias e estritas nas regiões quentes. Nas áreas que necessitam de defesa, as ruas deveriam ser largas para permitir o acesso aos cavalos;
  • Nas pequenas cidades do interior, a igreja não deveria localizar-se no perímetro da praça, mas deveria estar situada livremente e de forma independente das outras edificações, para que pudesse ser vista de todas as partes, realçando sua beleza e importância;
  • A igreja deveria estar situada numa área com topografia elevada, para que os fiéis tenham que subir bastante para alcançá-la;
  • O hospital freqüentado pelos pobres deveria estar localizado ao norte, de modo a estar em exposição ao sul;
  • Os terrenos para construção, situados em volta da praça principal, não deveriam ser cedidos à particulares, e sim à igreja, aos edifícios reais e municipais, às lojas e às habitações de mercadores e, por último, aos colonos mais ricos.

Os traçados das cidades hispano-americanas não expressam uma grande variedade, seus objetivos são eminentemente práticos, pois visam a facilidade de reimplantação e a defesa. Fernando Chueca Goitia assinala que a variedade dos esquemas especulativos dos tratadistas do Renascimento, nem o seu desejo de beleza arquetípica, não são encontrados nas cidades americanas (1). Na realidade a cidade que é produzida na América possui características próprias originais, que Leonardo Benevolo traduz da seguinte forma:

1. O que se estabelece no momento de fundação de uma cidade não é “um organismo em três dimensões, mas uma traza (um plano regulador de duas dimensões, como em Ferrara). De fato não se prevê a construção de edifícios a curto prazo, e mais ou menos contemporaneamente, como na Idade Média; atribuem-se os lotes construíveis, sobre os quais os proprietários irão construir como e quando o desejarem. Nas cidades americanas, o desenho das ruas e das praças é, por vezes, inutilmente grandioso, ao passo que os edifícios são baixos e modestos (as casas são quase sempre de um andar)” (2).

2. A cidade poderá e deverá crescer, porém não se sabe o quanto crescerá; sendo assim o plano em tabuleiro xadrez poderá ser estendido em todo e qualquer sentido. O limite externo é provisório, já que não existe a necessidade de muros e fossos, pelo menos até o século XVII – quando as cidades próximas à costa serão fortificadas para defendê-la contra a atividade de pirataria. O acentuado contraste entre campo e cidade encontrado na Europa, não é o mesmo na América, em função da incerteza das fronteiras e também por causa dos enormes espaços abertos existentes entre as habitações. A centro da cidade existe o grande vazio constituído pela praça central.

3. O traçado é uniforme não se importando com as especificidades de cada local. Além disso, o desenvolvimento futuro é duvidoso, o que torna a paisagem urbana um ambiente genérico.

Os traçados americanos não acompanharam a evolução da Europa, no século XVIII, para seguir a novidade barroca. A quadrícula alastrou-se unanimemente, sem nenhum tipo de questionamento à ordem uniforme.

Segundo Benevolo, as cidades coloniais americanas “são as realizações mais importantes do século XVI. Sua pobreza comparada com os requintes e as ambições da cultura artística européia, mostra que as energias não mais são distribuídas de acordo com as tarefas: na Europa os grandes mestres não conseguem realizar seus projetos, ao passo que os técnicos de terceira ordem emigrados para a América desenham e constroem cidades inteiras. Todavia o objetivo é o mesmo: reorganizar o ambiente construído com os novos princípios da simetria e da regularidade geométrica. Impondo estes princípios, os europeus afirmam seu domínio em todas as partes do mundo” (3).

Observamos que apesar de não ter havido grandes exigências estéticas nas novas cidades da América Central e Meridional, houve, no entanto, uma clara definição quanto ao que deveria ser o coração vital da cidade, em torno da Praça Maior. Esta praça central regular era o interesse principal dos traçados urbanísticos. Este centro cívico e os edifícios monumentais que o rodeiam conferiam identidade a estas cidades e também causavam – e causam ainda hoje – forte impacto.

As cidades hispano-americanas devido ao forte caráter da sua praça central superam, sob este aspecto, as da Espanha, que não chegavam perto da predominância e dominação das praças americanas. E nesse sentido, assemelham-se às cidades italianas.

Apesar da monotonia do urbanismo americano, podemos, no entanto, estabelecer uma tipologia e classificar as suas cidades em cinco grupos:

1º – Cidades irregulares: algumas das primeiras cidades, que foram fundadas sem plano preestabelecido. Cidades em regiões de topografia acidentada: Ixmiquilpán (México), Loja (Equador); cidades mineiras, como Potosí (Bolívia), Guanajuato (México).

2º – Cidades semi-regulares: existentes em grande número. Surgiram como conseqüência da adaptação da rígida quadrícula às condições topográficas locais.

3º – Cidades regulares: constituem a grande maioria. São as que identificam o urbanismo hispano-americano.

4º – Cidades fortificadas de traçado regular: apesar da ausência na América dos traçados estrelares ou poligonais renascentistas, algumas vezes as razões militares e a maior cultura técnica dos peritos em fortificações, fizeram surgir algumas cidades que lembram os modelos italianos. Um dos melhores exemplos deste tipo foi Trujillo, no Peru, aonde foi erguida uma fortificação poligonal de quinze lados, inscrita numa elipse. O traçado de suas ruas não é radiocêntrico, mas quadricular. Outro exemplo que merece ser mencionado é a cidade de Portobelo (Panamá), cuja planta regular e fortificada, com traçado retangular, com um ângulo chanfrado.

5º – Casos especiais: algumas raríssimas cidades que não tem a característica praça central. São estas: La Concepción de Tucumán e Nossa Senhora de Luján (Argentina). Em cidades como: São João Batista da Ribeira (Argentina), Panamá, Santa Clara (Cuba), Portobelo (Panamá), as ruas principais desembocam na praça, ao meio dos lados. Solução muito rara porque a praça deriva sempre da eliminação de uma das casas do tabuleiro de xadrez.

Para finalizar, Goitia assinala que “a planta das cidades hispano-americanas tem sido muito alteradas com alargamentos, ampliações e remodelações interiores, mas muito mais grave tem sido a renovação de seu antigo casario, proporcionado, harmonioso, muito característico e do mais original estilo, substituindo-o por outro desproporcionado, com falta de encanto, sem unidade nem sentido. As Leis das Índias, de acordo com a estética do Renascimento, aconselham que todas as casas da cidade sejam da mesma forma, isto é conservem uma grande unidade. Até há pouco eram assim as cidades hispano-americanas grandes e pequenas, um legado de unidade, harmonia e graça que, hoje, só podemos imaginar revendo as velhas litografias e um ou outro daguerreótipo amarelecido” (4).

notas

1
GOITIA, Fernando Chueca. Breve história do urbanismo. Lisboa. Editoral Presença. 4ª ed., 1982.

2
BENEVOLO, Leonardo. História da cidade. São Paulo. Editora Perspectiva. 3ª edição, 1997.

3
Idem, ibidem.

4
GOITIA, Fernando Chueca. Op. cit.

bibliografia complementar

AQUINO, Rubim Santos Leão; ALVARENGA, Francisco Jacques Moreira; FRANCO, Denize de Azevedo; LOPES, Oscar G. Pahl Campos. História das sociedades. Rio de Janeiro. Editora Ao Livro Técnico S/A, 1978.

LAMAS, José Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho da cidade. Fundação Calouste Gulbekian Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2000.

MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. Editora Martins Fontes. 3ª ed., 1991.

sobre o autor

Ana Claudia de Miranda Dantas é arquiteta e mestre em Planejamento Urbano e Regional pela IPPUR UFRJ, professora do Departamento de Arquitetura do Centro Universitário Plínio Leite e da Universidade Santa Úrsula, ex-professora substituta da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e ex-assessora de Planejamento da Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Angra dos Reis

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