Caixa de luz
O que se observa muitas vezes, é que é precisamente nos contextos adversos que os arquitetos se superam. É o que acontece nesta casa em Kyoto, Japão.
Desenhar uma casa obriga, por vezes, a ter de lidar com fortes constrangimentos. Há casos onde é quase impossível imaginar como contornar as limitações impostas por um contexto adverso, seja por razões de ordem topográfica ou morfológica do lote, falta de espaço, tráfego ruidoso nas proximidades, devassamento por parte dos vizinhos ou simplesmente uma envolvente desordenada e feia. Não são lugares para as soluções correntes e por isso, o que se observa muitas vezes, é que é precisamente nestes contextos difíceis que os arquitetos se superam e surgem casas de qualidade invulgar.
Cada contexto cultural e cada país oferecem problemas particulares. É o caso do projeto que aqui apresentamos, da autoria do arquiteto Hiroyuki Sugiura, que teve de desenhar uma casa para Kyoto, no Japão. Trata-se de um terreno urbano muito estreito, que só permite abrir janelas para uma rua repleta de carros ou para a traseira do lote. O cenário envolvente não é nada animador: uma mole de edifícios feios que pouco têm em comum e emaranhados de cabos elétricos agarrados a postes e às casas que encontram pelo caminho.
[José Mateus]
Memorial descritivo
A casa está implantada num lote estreito e fortemente condicionado por vizinhos, naquilo que nós chamamos um “Unagi no Nedoko*“. Este estranho lote é aberto para norte, que é uma movimentada estrada de 7 metros de largura. Os clientes queriam evitar janelas para a estrada, mas ainda assim ansiavam por uma casa aberta e luminosa.
Dentro deste “Unagi no Nedoko“ (2), nós implantamos o volume de forma que deixasse livres uma faixa de 2,5 metros do lado sul (fundo do lote) e 1m a nascente. Este espaço é usado para conduzir a luz e o ar para o interior de modo a criar uma sensação de espaço aberto e desafogado.
Localizamos as janelas maiores no lado sul de maneira a permitirem a passagem da maior quantidade possível de sol direto. No lado nascente do 1º andar desenhamos janelas de vidro fosco que captam uma luz difusa. Como a casa encosta ao lote vizinho a poente, decidimos desenhar clarabóias na cobertura desse lado, de modo a captar luz direta para o 2º andar, que, através de uma abertura alongada no pavimento, chega ainda ao 1º andar. Localizamos ainda um vazio no topo norte do 2º andar, como uma espécie de chaminé, para permitir a circulação de ar de sul para norte. Desta maneira, desenhamos um espaço com livre circulação de ar e 3 tipos diferentes de luz – direta; difusa e oscilante – para criar a sensação de uma casa ampla e aberta.
Calculada para ter as dimensões mínimas, a estrutura é na realidade um híbrido de elementos metálicos com a aparência final de uma simples caixa.
[Hiroyuki Sugiura]
notas
1
Publicação original: MATEUS, José; SUGIURA, Hiroyuki. "Caixa de Luz". Lisboa, Linha, encarte do Jornal Expresso, 06 nov. 2004, p. 46-52.
2
“Unagi no Nedoko“, que significa literalmente “o ninho de uma enguia“, é uma frase idiomática japonesa comum para descrever um espaço encerrado longo e estreito. Este tipo de lotes encontra-se particularmente nos tradicionais bairros de moradias de Kyoto.
sobre o autor
José Paulo Mateus, arquiteto, é sócio, com seu irmão Nuno Mateus, do escritório ARX Portugal
Hiroyuki Sugiura nasceu no Japão, em Shizuoka, em 1962. Licenciou-se em arquitetura na Universidade Nacional de Yokohama em 1985 e completou o mestrado Instituto de Tecnologia de Tóquio. Trabalhou na Takenaka Corporation, UPM e na Power Unit Studio. Em 1998 iniciou o escritório Sugiura e Associados