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Este texto apresenta o projeto de restauro da velha Alfândega da cidade do Porto, de 1325, onde nasceu D. Henrique, visando melhor adaptar suas instalações para sediar o Arquivo Municipal do Porto, além de valorizar este importante monumento


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REAL, Manuel Luís Campos; JENNINGS TASSO DE SOUSA, Nuno . Casa do Infante. Remodelação do arquivo histórico municipal do Porto. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 071.02, Vitruvius, abr. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.071/360>.

Nos aposentos do almoxarife da velha Alfândega do Porto (1325), hoje Monumento Nacional, terá nascido D. Henrique (1394), o fundador da epopéia marítima dos descobrimentos. Após ter passado para a mão de privados, degradou-se bastante e esteve condenada a desaparecer. O Governo e a Autarquia readquiram o patrimônio vendido antes em hasta pública, promovendo a sua recuperação em duas fases.

Uma grande operação de restauro iniciou-se em 1958, por ocasião das celebrações do 5º centenário da morte do Infante D. Henrique (1960). Os trabalhos avançaram sem um programa específico, pelo que apenas no decurso dos quais foi decidido aí instalar o Gabinete da História da Cidade, um serviço cultural do município que funcionava junto à Sé.

Naquela época era usual a ausência de um programa – ainda em nossos dias, inexplicavelmente, nos deparamos com situações semelhantes – e os critérios de intervenção eram menos exigentes no respeito pela memória arquitetônica. Apenas quatro anos depois surgiria a Carta de Veneza, de 1964 (2), sobre a conservação e restauro de monumentos ou sítios.

A doutrina então vigente prosseguia as conclusões da Conferência Internacional de Atenas, de 1931 (3), onde o uso intensivo de concreto armado e a dissimulação arquitetônica faziam escola. É evidente a preocupação do responsável pela intervenção, Arquiteto Rogério de Azevedo, em seguir aqueles postulados, se bem que o seu voluntarismo e algum alheamento das recomendações sobre o uso de novas técnicas de conservação provocaram danos diversos. Terá prevalecido na mente do autor a idéia de aproveitar o restauro como justificação do seu projeto, para nele criar uma nova modelação, recorrendo a padrões de desenho desconhecidos no edifício, embora valorizando algumas pré-existências que nele se identificaram.

Razões para nova intervenção

Na seqüência do compromisso de respeitar a memória do Infante e promover estudos sobre o passado citadino, o Gabinete de História instalou-se no edifício logo em 1960. Aí se guardava a parte mais antiga da documentação municipal, desenvolvendo-se em simultâneo diversas atividades culturais. No entanto, os documentos aí conservados representavam uma parte ínfima do Arquivo camarário.

A falta de um programa específico originou a manutenção de grandes espaços quase sem uso, ficando os serviços também privados das adequadas condições de conservação, segurança e conforto. Em 1970, a Câmara adquiriu um armazém contíguo, a sul, destinado a ampliar o depósito do Arquivo, e promoveu de imediato a execução do seu projeto.

Pensava-se que, para dotá-lo de segurança contra incêndio e de climatização, era necessário demolir a primitiva estrutura em madeira. Seria substituída por outra em concreto armado, prosseguindo o mesmo conceito da intervenção da fase anterior. A redução do pé direito, conforme as normas vigentes, daria lugar a mais pisos e uma superior capacidade. Concluído o projeto, foi aberto o concurso, em 1972. A obra chegou a ser adjudicada, mas as perturbações causadas pelo 25 de abril de 1975 levaram a suspender aquela opção, desajustada às características do edifício. Também para evitar que o imóvel fosse convertido em habitação social em 1975, a Câmara afetou-o aos serviços de reabilitação da Zona Histórica – CRUARB.

Face à aposentadoria do então diretor Gabinete, a Direção dos Serviços Centrais e Culturais decidiu refletir sobre o futuro do Arquivo Municipal e nomear um grupo de trabalho, em 1979, com o objetivo de propor uma reestruturação daquela área. Em conseqüência disso, procedeu-se à quantificação geral do acervo camarário. O estudo revelou 7.725m de documentação, da qual apenas uma pequena parte se encontrava ativa, uma realidade que incluía muita documentação antiga, sobretudo dos séculos XVIII e XIX e, até, um processo com pergaminhos do século XVI! Foram ainda recolhidos outros dados, como a volumetria dos arquivadores de desenhos, os propósitos de transferência de documentos em curto prazo, a média de crescimento anual do arquivo, o estoque de publicações, etc.

Era evidente a ausência, até então, de uma política arquivística por parte da administração Municipal, o que conduziu à desarticulação do seu sistema informativo. A primeira conseqüência deste diagnóstico foi a criação de um serviço profissional de gestão arquivística, o Arquivo Histórico, em 1980.

Perante o reconhecimento do serviço, das instalações e das circunstâncias em que se encontravam os documentos prefigurava-se uma decisão de fundo sobre o futuro da Casa do Infante.

Teoria e prática da reabilitação arquitetônica

Aos arquitetos e outros intervenientes em processos de reabilitação coloca-se, hoje, o problema de deixarem de ser exclusivamente técnicos da “mudança” ou da “mutação”, para passarem a ser também garantes da “permanência”.

Isto pressupõe uma nova atitude, sendo o objetivo “acrescer e não de subtrair matéria e recursos ao contexto”, o que, por sua vez, implica uma alteração do protagonismo dos vários participantes no processo.

À partida, a intervenção requer uma recolha de dados abrangente, envolvendo a pesquisa arquitetônica da superestrutura, a investigação histórica e arqueológica, o levantamento, a análise patológica, a caracterização do processo construtivo, etc. Estas informações permitem desenvolver um processo onde se harmonizam os atributos e potencialidades da preexistência com futuro uso e o espírito do projeto, no qual continua a ter lugar a poética da criação.

Atente-se, portanto, que será perfeitamente desadequado impor a um monumento ou conjunto urbano exigências e expectativas iguais àquelas que se colheriam de edifícios novos. Impor aos primeiros as especificidades dos segundos resulta freqüentemente em danos irreversíveis, o que, à luz dos conhecimentos e das idéias atuais, não é aceitável. Foi o momento do fachadismo, que se tem prolongado inexplicavelmente até aos dias de hoje.

Perante tão vasto enredo de reflexões e de saber, consagrados já há algumas décadas, o problema que se coloca é o de eleger os meios mais apropriados para que a reabilitação ocorra, sem apagar as marcas e singularidades culturais de uma sociedade e de um tempo.

Geralmente os programas e os usos têm um período limitado de aplicabilidade. No entanto, constata-se que os velhos edifícios se têm adaptado bem às sucessivas mudanças. Não sendo esta, portanto, a causa intrínseca da sua degradação, existirão outros motivos para uma destruição que urge identificar e combater.

Na Carta de Restauro de 1972 (4), promulgada pelo governo de Itália, surge o conceito de “reversibilidade”, o qual pressupõe o emprego de materiais facilmente amovíveis e, até, recuperáveis, que não comprometem definitivamente o futuro e evitam estragos irreversíveis nas construções.

Nessa medida, o concreto armado – material outrora associado à inovação da arquitetura e da engenharia – revela-se desajustado. Introduz sobrecargas desajustadas às velhas paredes portantes, de alvenaria ou de taipa, produzindo danos equivalentes aos de uma catástrofe. Por outro lado, os vastos recursos que ele mobiliza e o tempo consumido na sua aplicação reduzem a rentabilidade pretendida.

O processo construtivo recomendável na reabilitação será o que se pode designar por “construção seca”, utilizando materiais leves de rápida aplicação, dispensando maquinaria de elevação sofisticada. Isto permite a intervenção simultânea de várias artes, ao contrário da taylorização da mão-de-obra quando ocorre o emprego do concreto, implicando a divisão do trabalho – por etapas e em tarefas várias. Nestas circunstâncias o emprego do aço, da madeira, do gesso cartonado, para além de uma vasta gama de produtos ligeiros e de fácil aplicação será o mais apropriado.

Não farão sentido os vastos estaleiros e os transportes pesados, incompatíveis com acessos estreitos, ladeados por construções demasiado frágeis para sofrer solicitações dinâmicas. São muitos os casos em que bastará adicionar elementos de conforto, salubridade e segurança, conjugados com algumas operações de conservação e restauro, para se poder concluir uma intervenção sem o recurso a despropositadas demolições, as quais freqüentemente precedem a obra de “recuperação”.

É freqüente o prazo de execução das obras reduzir, quando ocorre uma compatibilidade entre os materiais e acabamentos a “acrescer” aos existentes.

Com exceção de restauros e aplicações peculiares, a mão-de-obra poderá ser menos especializada, conquanto tenha níveis de qualificação superior aos habituais – designadamente de literacia – pois os mesmos elementos podem dominar várias “artes”, e acrescer a produtividade.

Embora se trate de uma abordagem diferente, segundo este conceito geram-se lucros equivalentes aos da construção de raiz, onde o faturamento em metros cúbicos de concreto representa um aspecto essencial.

Urge uma nova mentalidade na concepção, preparação e acompanhamento dos trabalhos, a serem coordenados por arquitetos com profundo conhecimento da história da arquitetura.

Caber-lhes-á assegurar as “permanências”, enquadrados por historiadores e arqueólogos, especialmente aptos a pesquisar e a interpretar documentos e estruturas que caracterizam o objeto da intervenção.

O processo de remodelação

A intervenção foi longa e complexa, mas acabou até por “beneficiar” de alguns dos atrasos imprevisíveis. Acresce que não se confinava a um único objetivo – o da modernização e desenvolvimento do Arquivo – pois o nível de exigência situou-se também nos planos científico e patrimonial.

Tudo decorreu segundo uma linha estratégica: resolver os problemas estruturais do Arquivo e valorizar o Monumento, como complexo edificado de enorme carga simbólica para a história da Cidade e dos Descobrimentos.

Houve diversos fatores que contribuíram para o desenvolvimento do processo:

  • Elaboração de um diagnóstico. Aceitação da reforma de um edifício já restaurado em 1960.
  • Cooperação eficaz entre o Projetista e o Diretor do Arquivo.
  • Realização conjunta do Programa Base / Estudo Prévio, como forma avançada sobre os desígnios do projeto.
  • Retoma do armazém adquirido em 1970 e aquisição de mais dois prédios, um que incluía o limite leste da Casa da Moeda medieval e outro onde funcionou a antiga Contadoria da Fazenda.
  • Estudo histórico dos edifícios e da envolvente, que permitiu recolher acima de cem dados de cronologia absoluta sobre obras de construção ou beneficiação, o passado institucional do lugar e a sua evolução arquitetônica.
  • Desenvolvimento de Projeto Integrado, desdobrando-se em sete subprojetos: o arquivístico; o de arquitetura; os da pesquisa documental, arquitetônica e arqueológica; o projeto museológico e o de turismo cultural.Os dois primeiros formam a matriz do processo; os três seguintes são um corolário das preocupações de interpretar o Monumento e de conhecer a sua evolução; o subseqüente, surgiu da decisão de incluir um Museu de sítio, já no decurso do processo, em resultado dos dados recolhidos; finalmente o projeto Euromint, em coordenação com parceiros internacionais, para criar um itinerário europeu de antigas Casas da Moeda e envolver a Casa do Infante no turismo especializado.
  • Intervenção multifacetada, por etapas, acompanhada por arqueólogos; resultou num rápido avanço das pesquisas e no fornecimento de dados para concluir o projeto; houve uma fase preliminar de obra, com pesquisas dos paramentos emergentes e no subsolo, acompanhadas da consolidação de estruturas, num processo inovador sugerido pelo projetista, que explica a grande parte do êxito obtido; o enriquecimento do Projeto e o rigor da intervenção devem-se ao critério seguido nesta primeira campanha.
  • A natureza interdisciplinar do processo e o uso diversificado do edifício viabilizou a candidatura a vários programas para financiamento e a dotação orçamental progressiva, permitindo desenvolver uma engenharia financeira para rentabilizar a disponibilidade dos meios ao alcance da administração; os apoios chegaram a atingir os 80% do valor total do empreendimento.

 

O programa e estudo prévio

Dispensado o Programa Preliminar, já que as suas linhas gerais tinham sido previamente discutidas e aprovadas, apresentou-se um único documento, com o Programa Base e o Estudo Prévio. O estudo entregue em 24.07.84, evoluiu na seqüência da reflexão sobre os pareceres recolhidos e do acréscimo de conhecimento sobre o Monumento, originado pelas novas aquisições de prédios e pelas pesquisas sobre todo o conjunto edificado.

O Programa Base (1983-84) apresentava a seguinte estrutura:

1. Introdução

1.1 Caracterização dos serviços

1.2 Análise conjuntural

– As atuais instalações
– O edifício destinado à ampliação
– Dados estatísticos sobre o acervo documental

2. Opções de base

3. Organização dos espaços (Áreas, circuitos e relações de proximidade).

4. Elementos de dimensionamento

5. Características físicas

Este documento foi a pedra basilar do desenvolvimento do projeto, apesar da gestão arquivística e os recursos tecnológicos terem evoluído muito nas décadas seguintes.

O documento incluía mais quatro capítulos relativos ao Estudo Prévio. No primeiro referiam-se as linhas de orientação, baseadas nos seguintes pressupostos: análise histórica, análise dos espaços existentes, programa, proposta, alternativas, fases de implementação e condicionalismos da construção. Os restantes eram dedicados às especialidades e à estimativa de custo.

Do estudo prévio ao projeto de execução

Chamadas as entidades responsáveis a pronunciar-se sobre o projeto, gerou-se, a partir de uma delas, alguma controvérsia. Confrontavam-se duas metodologias diferentes na abordagem à reabilitação urbana. Uma fundamentada em pesquisas sobre as construções, a interpretação do cadastro e os traçados, enquanto a outra privilegiava critérios monumentalistas, formais e higienistas.

Entendíamos que as estruturas do interior do quarteirão eram memórias significantes do ordenamento primitivo que as investigações efetuadas confirmaram. Caso o outro critério prevalecesse, dando origem a uma praça no centro do quarteirão, teria desaparecido uma das delimitações da zona de serviços do Rei, dos séculos XIV e XV.

Entretanto o Programa Base e Estudo Prévio já haviam sido avaliados pelo então IPPC e homologados em 17 de outubro de 1984. No parecer afirmava-se que “o programa se encontra bastante desenvolvido e corretamente integrado na proposta”. Além de algumas sugestões recomendava-se a apreciação do Ministério nas futuras fases de projeto. Mesmo assim, não surgia qualquer decisão por parte da Câmara Municipal.

O impasse veio finalmente a ser ultrapassado graças a dois relatórios apresentados pelo Arquivo em 1990. Um designado por: Caracterização dos serviços, análise conjuntural e sugestões programáticas, de 29 de janeiro de 1990, e outro respeitante à remodelação em curso: Ampliação e adaptação das instalações da Casa do Infante ou construção de um edifício de raiz, de 6 de fevereiro de 1990. Neste último, apresentavam-se duas alternativas para ultrapassar as dificuldades surgidas. As opções em confronto foram comparadas, segundo os parâmetros seguintes: localização, inserção urbana, monumento, função, área disponível, segurança, prazos, custos e financiamento. A Câmara decidiu pela manutenção do Arquivo na Casa do Infante – sendo rejeitada a hipótese da construção de um novo edifício. Com esta deliberação, dava-se seguimento às teses defendidas pela direção do Arquivo e pelo projetista.

Sublinhe-se a importância que teve, posteriormente, a Informação do IPPC no desenvolvimento do processo, a propósito do destino a dar ao grande armazém da Alfândega Velha. A preocupação resolveu-se, considerando-se aí uma área de exposição permanente, como memória sobre a primitiva função, para se evocar a história institucional do monumento e da sua inserção urbana. Foi a origem do Projeto de Museificação (1994).

A revisão do Projeto de Arquitetura (1995-96), teve em conta a nova realidade espacial, devida à aglutinação dos três prédios vizinhos que outrora pertenceram ao mesmo conjunto edificado. Mantiveram-se os princípios que sempre garantiram os critérios base:

  • respeito pelas características históricas do complexo edificado e aproveitamento dos dados resultantes da pesquisa arqueológica;
  • recuperação de memórias, reabrindo antigas passagens, proporcionando leituras diacrônicas, procedendo ao restauro de estruturas e clarificando as ligações entre o velho e novo;
  • necessidade de compatibilização entre o programa e o monumento, e de melhoria das condições técnicas de gestão;
  • distribuição lógica de circuitos e serviços, disciplinando a funcionalidade dos espaços e a relação entre diversos corpos arquitetônicos.

 

Como resultado dos quatro princípios reguladores, merecem ser referidas algumas soluções:

1 – Relação com a envolvente. Reforço do protagonismo da fachada sobre a rua da Alfândega, como remate ocidental do quarteirão. Como seria desejável, o Posto de Turismo abrindo para a Praça do Infante, localiza-se num gaveto de grande evidência. Foram asseguradas ligações secundárias do Arquivo e do Museu para a rua Infante D. Henrique e a possibilidade de ligação ao interior do quarteirão, através do pórtico oriental da Casa da Moeda, revelado nas sondagens.

2 – Racionalização dos espaços. O complexo dos edifícios organizou-se em Blocos, de acordo com os tipos de ocupação, as potencialidades funcionais e as relações dinâmicas entre os diversos serviços. O destino destas unidades passou a ser o seguinte:

Bloco A – Acesso principal e Loja de Vendas; Chefia de Divisão, Serviços Técnicos, Serviço Educativo.

Bloco C – Pátio original, como núcleo de distribuição para os principais serviços.

Blocos B/E – Zona pública do Arquivo. Recepção, circuito de leitores, área de descanso e sanitários, no E. Auditório, salas de leitura e de exposições no B.

Bloco G – Tratamento e depósito de documentos especiais (cartografia, desenho, fotografia, postal ilustrado, gravura, etc.).

Bloco H – Depósitos e armazém geral.

Bloco I – Serviços técnicos de apoio: desinfestação e limpeza de documentos, laboratórios de fotografia, microfilmagem e restauro.

Bloco K – Serviços administrativos do Departamento de Arquivos e Posto de Turismo.

Blocos C, F, J, H e G – Reservados para Museu (pisos 2/1/ 0/-1/-2).

3 – Sistematização dos circuitos. Estabeleceram-se acessos independentes para o Arquivo, para Museu e Loja de Vendas a partir do pátio interior e ao Posto de Turismo a partir da rua. A articulação dinâmica entre blocos faz-se através de percursos estratégicos, com especial destaque do corredor em L situado no piso 2, que sistematiza as relações internas do Arquivo, desde o Bloco B ao I, interligando a sala de leitura ao sector de tratamento de documentos especiais, depósitos e serviços técnicos de apoio.

No Museu previram-se circuitos distintos conforme os 4 temas escolhidos.

4 – Valorização das memórias. É de salientar o reforço do papel do pátio na dinâmica do uso dos edifícios. A ligação interior entre os diversos blocos foi feita, aproveitando antigas passagens que se encontravam entaipadas ou estavam parcialmente destruídas. A reabilitação de algumas portas medievais ou de épocas mais recentes, assim como a adaptação de grandes vãos – parte dos quais até haviam substituído anteriores passagens e outros feitos ex-novo para o cumprimento de certas simetrias (1958) – permitiram recriar circuitos com o mínimo de impacto. Realçaram-se inúmeros detalhes arquitetônicos que ajudam a interpretar as diacronias ou testemunham estruturas que desapareceram. São exemplos os alicerces de muros e mosaicos romanos, as portas e fragmentos do lajeado da Alfândega, o cunhal da torre da Contadoria da Fazenda, ou a marca do encontro do telhado da habitação medieval adossada à torre sul da Alfândega. Foram desentaipadas frestas, janelas, fornalhas da Moeda, armários de parede, etc.

5 – Resposta às exigências técnicas do Arquivo e Museu. Houve que prever dispositivos de segurança e controlo ambiental, incluindo maquinaria e equipamento. Entre os primeiros estudos e a obra mediaram bastantes anos, tendo ocorrido uma profunda evolução tecnológica e até de conceitos sobre a metodologia de trabalho arquivístico, decorrendo daí certos ajustes. De qualquer modo, enumeramos algumas das soluções preconizadas:

  • utilização de vidros isolantes de radiações de infravermelhos, nos vãos das salas de leitura;
  • controlo térmico e higrométrico nos depósitos e nas áreas mais sensíveis;
  • integração dos sistemas de vídeo vigilância, contra intrusão, roubo, detecção de incêndios, extinção automática (gás neutro);
  • chaveiro amestrado, hierarquizando os níveis de acesso;
  • gestão energética centralizada;
  • rede informática estruturada;
  • desinfestação de documentos por anoxia, em autoclave.

 

Os dados que caracterizam as novas instalações, são:

  • Área de terreno: 5000 m2;
  • Área construída: Arquivo, Museu e Posto de Turismo: 7869 m2;
  • Capacidade dos depósitos: Estantes / 5500 m; Arquivadores horizontais / 265 gavetas; Arquivadores verticais / 14;
  • Capacidade das salas de leitura: Lugares simples / 56 + 19 com computador; Lugares com leitor de microfone e audiovisual / 4;
  • Capacidade do auditório: 76 + 35 supletivos.

 

Concluído o projeto, seguiu-se o concurso para a adjudicação da empreitada cujo início foi diferido para 1999, tendo-se aproveitado para ampliar as pesquisas. Estas iriam continuar durante a obra, acompanhadas por arqueólogos. A metodologia seguida serviu para introduzir pequenas beneficiações, já muito localizadas e em diálogo permanente com os testemunhos, até aí ocultos.

O projeto e a obra de remodelação

O Projeto de Execução, num caso como este, deve ser um instrumento de trabalho aberto e flexível. Não raras vezes, houve a necessidade de se proceder a adaptações devidas à ampliação da área de intervenção, a novos achados arqueológicos, aparecimento de soluções técnicas mais avançadas no plano de gestão de arquivos e no domínio construtivo.

Uma iniciativa desta natureza – pela sua dimensão e pela reduzida experiência das empresas de construção, em intervenções com o apoio da arqueologia e das artes de restauro no patrimônio classificado – revelou-se um empreendimento muito complexo e exigente para as partes envolvidas.

Apesar de existirem alguns casos pontuais que ficaram para completar após a conclusão da empreitada, o Arquivo encontrou-se desde cedo em plena laboração. Deve salientar-se uma outra opção do Projeto – que neste tipo de situações nos parece eficaz – de incluir, no mesmo concurso, a obra de construção civil, o fornecimento do mobiliário e algum equipamento básico. A estratégia seguida permitiu que a usabilidade do edifício deixasse de estar dependente de novos concursos, afastando o cenário de cerceamento orçamental e atrasos processuais.

Em verdade, os serviços nunca pararam de funcionar graças a um programa de mudanças e de instalação provisória do atendimento. A obra foi-se concluindo por fases e o edifício começou a ser reocupado, por blocos ou áreas de serviço. Embora com algumas limitações e medidas transitórias, a revitalização foi efetuada com apreciável rapidez.

A finalizar, com a experiência realizada e a análise feita destes primeiros tempos de funcionamento das novas instalações, achamos útil sublinhar ainda três aspectos mais:

  • o apreciável aumento dos apoios de financiamento externo só foi possível garantir devido às múltiplas facetas que o projeto integrado considerou: destaca-se o fato de constar da beneficiação de um imóvel classificado, seguindo uma metodologia de grande rigor e potenciadora de novas sinergias;
  • o destino dado à Casa do Infante provou que a instalação do Arquivo Municipal foi a melhor opção, ela própria geradora de outras benfeitorias, sem nunca prejudicar o programa inicial, o Monumento saiu beneficiado pela qualificação e diversificação do seu uso, e a Cidade ganhou um espaço de referência entre o seu patrimônio arquitetônico e cultural;
  • o bom desempenho e o sucesso futuro deste empreendimento muito ficará a depender de um serviço de manutenção rigoroso e do modo como se conseguir manter a qualidade técnica e um sempre melhor relacionamento com o público.

 

notas

1
Comunicação apresentada nas Jornadas do Arquivo de Penafiel, posteriormente publicada nas respectivas atas.

2
Carta de Veneza. II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos, Veneza, maio de 1964. Disponível na seção Documento <http://www.vitruvius.com.br/documento/patrimonio/patrimonio05.asp>.

3
Carta de Atenas. Escritório Internacional dos Museus / Sociedade das Nações, outubro de 1931. Disponível na seção Documento <http://www.vitruvius.com.br/documento/patrimonio/patrimonio01.asp>.

4
Carta do Restauro. Ministério da Instrução Pública da Itália, abril de 1972. Disponível na seção Documento <http://www.vitruvius.com.br/documento/patrimonio/patrimonio11.asp>.

referências bibliografia

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TASSO DE SOUSA, N. J.; Real, M. L. C. Programa Base do AHMP. Porto, 1984.

TASSO DE SOUSA, N. J. Programa Base da FLUP. Porto, 1986.

MARCONI, Paolo. Il restauro e l’architteto. Venezia, Marsilio Editori, 1933.

DUCHEIN, Michel. Les batiments et equipements d’archives. Paris, Conseil International des Archives, 1966, 312 p.

LING, Ted. Solid, safe, secure: building archives repositories in Australia. Austrália, National Archives, 1998, 144 p.

sobre os autores

Manuel Luís Campos Real, licenciado em História pela Universidade do Porto. Pós-graduado com o Curso de Bibliotecário-Arquivista, pela Universidade de Coimbra. Co-autor do livro Arquivística: teoria e prática de uma ciência da informação. Coordena, atualmente, o desenvolvimento de uma aplicação informática para Gestão Integrada de Sistemas de Arquivo (GISA), num projeto de cooperação entre municípios da área Metropolitana do Porto e a Universidade. É o Diretor do Departamento de Arquivos da Câmara Municipal do Porto.

Nuno Jennings Tasso de Sousa, arquiteto, projetista, natural do Porto, Portugal, diplomado pela Escola Superior de Belas Artes do Porto, fez parte do Corpo Docente da F.A.U.P. Membro do Conselho Consultivo do Instituto J. Marques da Silva da U. P. (2000-2003). Autor dos projetos de Reabilitação do A.H.M.P. e do Cais de Gaia (Prêmio Nacional do melhor Espaço Público 2001 a 2006).

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