Orientação para o pragmatismo, para a formulação pessoal de estratégias e a desaparição de ditados teóricos e ideológicos eram os traços que definiam a atitude da geração menor de arquitetos em atividade na Alemanha durante a década passada, direcionada à reconversão cultural do país depois da queda do Muro de Berlim e a posterior reunificação. Durante esse período, em 1996, Jürgen Mayer, um arquiteto de pouco mais de trinta anos, estabelecia em Berlim seu próprio estúdio, centrando sua prática na criação de projetos que atuassem propondo a intersecção entre arquitetura, comunicação e novas tecnologias.
No contexto arquitetônico alemão, que se manteve em um segundo plano do cenário da arquitetura européia nas décadas recentes, a pesquisa nestes âmbitos definidores da época da Revolução da Tecnologia da Informação está protagonizada em um nível consistente por profissionais como André Poitiers, Bernhard Franken, Christoph Ingenhoven ou Dagmar Richters, junto com o próprio Mayer, cujas propostas se fundamentam na pesquisa experimental do potencial das ferramentas digitais para a formulação de novas morfologias e espaços que identifiquem a arquitetura com seus correspondentes efeitos culturais e sociais, conseqüência da gradual renovação tecnológica deste tempo. Em 2004, este arquiteto ganhou o concurso de idéias para a reabilitação da Praça da Encarnação, em Sevilha, com Metropol Parasol, um projeto que propunha a conformação de uma superfície pública dinamizadora de um enclave do centro urbano antigo da cidade, gerando uma estratégia urbana que conseguia a plena articulação dos estratos arquitetônicos contidos nesse espaço.
Ponto nevrálgico
Seu projeto transformava um tecido urbano desestruturado e disfuncional em ponto nevrálgico para a atividade e identidade da cidade mediante um exercício que integrou a construção de fluxos que unificassem esse tecido, o estabelecimento de um programa e o desenho de uma estrutura de grande potência icônica, mediante as quais a praça da Encarnação adquiria um caráter plenamente contemporâneo, não somente no nível estético, mas por sua proposta conceitual.
Esta capacidade de conceitualização para a integração fluida de diferentes programas em uma mesma estrutura havia ficado já patente em seu projeto para a sede da prefeitura de Ostfildern (Alemanha), que Mayer concebeu outorgando preeminência à transparência espacial interior, e onde a incorporação de luzes e chuva artificiais geradas mediante animações digitais propõem a criação de um diálogo entre arquitetura e natureza. A reinterpretação dos efeitos da natureza ou a criação de uma “natureza tecnológica” é um traço essencial, ainda que usualmente de presença muito sutil, na arquitetura de Mayer. Na aproximação intelectual e prática deste arquiteto se equilibra uma perseguição da eficiência técnica do construído, uma inclinação para uma especulação reflexiva efetuada a partir de um certo matiz poético que se sustenta bem arraigado nas demandas objetivas da realidade, na que se iludem a literalidade e os convencionalismos metodológicos.
Desde outros campos
Suas obras mais recentes consolidam conceitos desenvolvidos em seus produtos de desenho industrial, desenho interior, instalações e trabalhos no campo da visualização eletrônica. Destaca em grande parte deles interesse por experimentar com a reação de objetos e superfícies ao contato, revisando as convenções inerentes ao tratamento de materiais e a exploração da sensibilidade sensual-sensorial frente a estas reproposições. A forma e temperatura do corpo ou o pigmento da pele devêm elementos que incorporam uma dimensão que modifica a essência do objeto ao dotá-lo da capacidade de construir uma nova forma de reflexo do indivíduo. Diferentes padrões cujo estilo se podem reconhecer como traços distintivos de Mayer, e que este aplicou sobre tecidos ou papel de parede, emergem em seus últimos projetos, pondo em manifesto como experimentar com as possibilidades dos materiais de nosso tempo e pela tecnologia ao serviço do desenho. Tudo isso ajuda a Mayer a apropriar-se e resumir experiências inconclusas dos anos sessenta, dotando-as de plena significação e vigência para a cultura e o debate arquitetônico contemporâneo ao abordá-los desde conclusões resultantes de sua prática interdisciplinar em âmbitos criativos tangenciais à arquitetura, o que lhes oferecem a possibilidade de re-analisar a geração de formas e afirmar a possibilidade de superar certos aspectos tectônicos e traços constitutivos da arquitetura clássica, como fica patente no Centro de Estudantes e Cantina da Universidade de Karlsruhe, um bloco cuja estrutura está conformada por pilares de madeira comprimida forrada em poliuretano e amplas superfícies de vidro, com o que Mayer demonstra como o trabalho e o controle dos materiais disponíveis no presente permite uma cortante quebra com os modelos clássicos, mantendo intacta a essência da arquitetura.
Na estrutura desenhada para a casa de bonecas BDB 3, protótipo do edifício de oficinas ADA 1 que se começará a levantar durante 2006 no centro de Hamburgo, assim como na maquete para a Vila Max Meier, continua experimentando com a idéia morfológica de uma estrutura envolvente gerada por uma matriz que sugere a estética pop de algumas das propostas da arquitetura britânica dos anos cinqüenta e sessenta, especialmente as de Alison e Peter Smithson. Mediante este tipo de estruturas, Mayer gera edifícios através dos quais se cria uma comunicação intensa entre interior e exterior, que, ante tudo, busca incidir no bem-estar de seus ocupantes, ao mesmo tempo em que atua como elemento de re-vinculação entre o território urbano e os âmbitos naturais presentes nele.
Nada é impossível
A conjunção intensa com o aprendido dos processos e efeitos do desenho industrial neste arquiteto exemplifica como a capacidade de reação do arquiteto ao potencial que materiais e tecnologia contemporâneos lhe brindam, propõem o fato que modelos arquitetônicos tradicionalmente estabelecidos, mas ancilosados na cultura e no pensamento, perderam hoje sua indispensabilidade na hora de conceber o edifício. Carente de qualquer intenção de exibir alardes ideológicos ou tecnológicos, avançando em suas próprias definições, Jürgen Mayer materializa a factibilidade de formulações e experimentações que sintetizam a emergência de outra sensibilidade na concepção e na vivência da arquitetura.
sobre os autores
Fredy Massad e Alicia Guerrero Yeste, titulares do escritório ¿btbW, são autores do livro "Enric Miralles: Metamorfosi do paesaggio", editora Testo & Immagine, 2004
Tradução Ivana Barossi Garcia.