Este artigo tem como objetivo principal esclarecer o que é representação social e o que é participação social. E, como objetivo secundário, defender a inserção das representações sociais no processo metodológico de projetos ligados a intervenções do Desenho Urbano (1).
Na verdade, a dúvida sobre esses dois conceitos e sua possível sinonímia surgiu como ponto para discussão na apresentação de um projeto que pretendia versar sobre a inserção das representações sociais no processo metodológico para intervenções ligadas ao desenho urbano. Ou seja, a intenção era que o conjunto informacional, apreendido através das representações sociais, sobre determinado problema de desenho urbano – uma intervenção urbana, por exemplo – fizesse parte do conjunto de conhecimentos sobre a localidade e seus usuários. Na figura 01 aparece um exemplo de intervenção urbana ligada ao desenho urbano no centro da cidade do Recife. Já na figura 02 é apresentado um esquema básico, proposto pelos projetistas, com a distribuição dos pontos de vendas. Mais à frente, neste texto, será possível comparar com as idéias a partir das falas dos usuários.
A associação entre os conhecimentos adquiridos, a partir da captura das representações sociais, ou seja, o senso-comum e dos conhecimentos técnico-científicos, seria capaz de orientar sinalizando caminhos a serem perseguidos na intenção de uma proposta mais próxima da expectativa dos usuários e de seus projetistas. Desse modo, garantindo uma melhor apropriação (2) do espaço urbano projetado. Abre-se, assim, um canal de diálogo entre algumas das ciências sociais, com destaque para a Arquitetura, a Antropologia, a Geografia e a Psicologia Social, assinalando um aprendizado entre cientistas sociais e arquitetos. Como bem coloca Marcelo Souza:
A diferença não significa, necessariamente, rivalidade, e muito menos antagonismo, o aprendizado mútuo entre cientistas sociais e arquitetos precisa ser aprofundado. Arquitetos preocupados com o planejamento urbano devem beber nas fontes das ciências sociais (3).
Os insumos conquistados a partir desses outros olhares devem ser considerados como aportes importantes para o sucesso das intervenções urbanas. Vejam-se exemplos de capturas de idéias a partir das falas de usuários de um equipamento urbano:
Isso posto, foi analisado o conceito de representações sociais, sob impulso do pressuposto de que a apreensão dessas representações constitui importantes insumos para o conhecimento de uma determinada realidade social na qual se pretende intervir mediante o desenho urbano.
Dessa forma, é compreendendo os sujeitos nas suas diversidades de representações sociais do espaço que se consegue projetar ambientes de modo a se aproximar de suas aspirações (4). Essas representações designam uma forma de pensamento social que se constitui pelo conhecimento mobilizado pelas pessoas comuns, na comunicação informal da vida cotidiana (5).
Mas, apesar de bastante clara a intenção da proposta do projeto, houve a necessidade de conceituar, de melhor maneira, o que vem a ser representação social e participação social. Pois, as semelhanças dos termos geraram uma confusão na hora de se entender o que é uma representação social. Percebe-se, no caso da defesa do projeto mencionado, que o termo representação tomou a conotação de participação, uma vez que, se pode ter a participação de um grupo através de um representante. Porém, a representação que se fala quando são expressos os termos representação social, não deve tomar este sentido. Então, para melhor iluminar os conceitos, vejamos:
Representação Social
Trata-se de categoria de pensamento que expressa a realidade, explica-a, justificando-a ou questionando-a (6). Para trabalhar essa categoria de análise, foi desenvolvida por Serge Moscovici (7), na França, uma teoria chamada Teoria das Representações Sociais. Para Moscovici, o pai dessa teoria, representar significa:
A uma vez e ao mesmo tempo, trazer presentes as coisas ausentes e apresentar coisa de tal modo que satisfaçam as condições de uma coerência argumentativa, de uma racionalidade e da integridade do grupo [...] que isso se dê de forma comunicativa e difusiva, pois não há outros meios, com exceção do discurso e dos sentidos que ele contém, pelos quais as pessoas e os grupos sejam capazes de se orientar e se adaptar a tais coisas (8).
Então, a representação social nada mais é que o senso-comum. E, sua captura pode ser feita através de vários métodos; entre eles, entrevistas, levantamento fotográfico e principalmente na observação do contexto onde se desenvolvem as práticas sociais. O somatório das informações junto a uma análise do que é comum gera o corpo informacional da representação social. Esse corpo informacional é que deve ser considerado como coadjuvante na elaboração de propostas de intervenções urbanas. Ou seja, os projetistas devem incorporar esses conhecimentos, oriundos das representações sociais, como sinalizadores para suas propostas.
Não sem razão, Moscovici considera que as Representações Sociais são:
(...) entidades quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano. A maioria das relações sociais estabelecidas, os objetos produzidos ou consumidos, as comunicações trocadas, delas estão impregnadas.[...] Para o chamado homem moderno, a representação social constitui uma das vias de apreensão do mundo concreto, circunscrito em seus alicerces e em suas conseqüências (9).
É exatamente esse ‘quase’ o responsável por tantas querelas. Na verdade, tratar-se-á sempre de uma aproximação e, jamais, de uma verdade absoluta. Constitui, como afirmou o autor, uma das vias, dentre outras, de apreensão do mundo pelo homem moderno.
E, comungando com esse pensamento, Guattari (10) afirma que os espaços urbanos são máquinas enunciadoras, ou seja, seu alcance vai além de suas estruturas visíveis e funcionais, pois interpelam os sujeitos das mais variadas maneiras: histórica, funcional, afetiva, simbólica, estilística. Cada conjunto material (rua, prédio, cidade) é um foco de subjetivação:
Não seria demais enfatizar que a consistência de um edifício não é unicamente de ordem material, ela envolve dimensões mecânicas e universos incorporais que lhe conferem sua autoconsistência subjetiva (11).
Essa teoria tem sido amplamente aplicada graças à sua maleabilidade. Alguns autores, como Jodelet, Palmonari, Abric, Farr, dentre outros da esfera internacional, e alguns da esfera nacional, como Pereira de Sá, Guareschi, Jovchelcovitch, Santos, Lacerda, Monteiro, têm apresentado aplicações em campos empíricos bastante diversos (os dois últimos nomes têm desenvolvido pesquisas no campo do Planejamento Urbano).
No entanto, o mais importante a considerar, para os fins deste artigo, é que os grupos sociais se anunciam e se projetam na vida cotidiana dando sentido e identidade ao espaço. Desse modo, as relações sociais realizam-se e produzem-se nas práticas sociais (12), no uso dos espaços, nas vivências do cotidiano, nos saberes e desejos. Isso significa que o uso do espaço envolve o indivíduo e seus sentidos, permitindo possibilidades e limitações nas formas de apropriação desse espaço. Sendo assim, um espaço idealizado por projetistas que não se utilizam dos insumos apreendidos a partir das representações sociais, pode encontrar resistências por parte dos grupos sociais envolvidos (usuários diretos ou indiretos).
Já participação social, apesar da aparente semelhança vem a ser:
Participação social
Primeiramente é importante entender a expressão participação e posteriormente associá-la à expressão social. Logo, segundo Safira Ammann a participação é propiciada pela:
Incorporação dos indivíduos a grupos e programas que mediatizam o usufruto de benefícios sócio-econômicos, a reivindicação e a contribuição da população no levantamento de problemas e de soluções alternativas, a nível local, regional e nacional. Ocorre, porém, freqüentemente que nem toda a população é sabedora da existência desses grupos e programas (13).
E, além do quase não conhecimento pela população da existência dos grupos e programas, a forma participativa de gerenciar situações foi tomada como mecanismo de formação de elite, como bem esclarece, ainda, Safira Ammann:
A “XVIII Internacional Conference on Social Welfare” realizada em Nairobe, 1974, tendo como tema central a participação, representou um marco no posicionamento que vinha sendo tomado pela corrente vinculada a ONU. Naquela ocasião alguns conferencistas ousaram denunciar que, em muitos países, a participação foi postulada, visando, em última instância “legitimar o processo de formação da elite” e utilizar as pessoas na qualidade de “ferramentas” para o desenvolvimento ao invés de considerá-los possíveis elaboradores de decisões (14).
A partir da denuncia ousada feita por alguns conferencistas do XVIII Internacional Conference on Social Welfar, novos caminhos foram traçados para o correto emprego da participação, é o que nos aponta Bordenave:
No novo contexto a participação já não tem o caráter “consumista” atribuído pela teoria da marginalidade, mas o de processo coletivo transformador, às vezes contestatório, no qual os setores marginalizados se incorporam à vida social por direito próprio e não como convidados de pedra, conquistando uma presença ativa e decisória nos processos de produção, distribuição, consumo, vida política e criação cultural (15).
Porém, Demo adverte:
Participação será interessante enquanto legitimar a ordem vigente. Do ponto de vista dos donos do poder, interessa a participação consentida e tutelada (16).
Nesse contexto a expressão participação social já pode ser considerada como o processo mediante o qual as diversas camadas sociais tomam parte na produção, na gestão e no usufruto dos bens de uma sociedade historicamente determinada (17). O interessante é que para haver uma participação social capaz de promover transformação, ela mesma deve ser envolvida por vários processos participatórios, ou seja, atividades organizadas dos grupos com o objetivo de expressar necessidades ou demandas, defender interesses comuns, alcançar determinados objetivos econômicos, sociais ou políticos, ou influir de maneira direta nos poderes públicos (18).
Conclusão
Após a apresentação das definições sobre as expressões aparentemente sinônimas, fica bastante claro que representação social vem a ser uma categoria de pensamento que expressa a realidade, explica-a, justificando-a ou questionando-a como bem definiu Minayo. E que para trabalhar essa categoria de análise foi desenvolvida, em 1961, na França, uma teoria chamada Teoria das Representações Sociais, que tem como pai o francês Serge Moscovici.
Já participação social vem a ser o processo mediante o qual as diversas camadas sociais tomam parte na produção, na gestão e no usufruto dos bens de uma sociedade historicamente determinada, como bem defendeu Ammann. E que, no argumento de Bordenave, para haver uma participação social capaz de promover transformação, ela mesma deve ser envolvida por vários processos participatórios, ou seja, atividades organizadas dos grupos com o objetivo de expressar necessidades ou demandas, defender interesses comuns, alcançar determinados objetivos econômicos, sociais ou políticos, ou influir de maneira direta nos poderes públicos.
Logo, mesmo que em determinado momento os termos se confundam, não tem como misturar os conceitos. A representação social é embasada por uma teoria que promove uma leitura a partir de dados do cotidiano e das práticas sociais, necessitando de cientistas especializados para as análises e a formação do conjunto de conhecimentos oriundo desses dados. Enquanto a participação social simplesmente é um processo pelo qual os grupos sociais tomam parte na produção, gestão e usufruto dos bens da sociedade.
E, no caso do processo metodológico de intervenções ligadas ao desenho urbano, a participação social já é integrante, mesmo que discreta, em alguns casos, já faz parte do processo. Mas, as representações sociais, que se tenha conhecimento, ainda não. O esforço que se faz é no sentido de que as representações sociais sejam consideradas como fonte de dados capazes de contribuir para o bom desempenho do empreendimento, ou seja, da intervenção urbana. Bastando, para que isso aconteça, uma boa análise e interpretação dos insumos.
notas
1
O Desenho Urbano não surgiu com a intenção de substituir a expressão Planejamento Urbano, mas sim, para denominar mais um campo disciplinar que tem como objetivo tratar a dimensão físico-ambiental da cidade, enquanto conjunto de sistemas físico-espaciais e sistemas de atividades que interagem com a população mediante suas vivências, percepções e ações cotidianas (DEL RIO, Vicente. Introdução ao Desenho Urbano no processo de planejamento. 5ª ed. São Paulo, Editora Pini, 1990, p. 54).
2
No caso do espaço urbano, segundo Rooseman Silva (in COSTA, Ana Maria. Calçadão dos Mascates - promessas e desilusões de uma intervenção urbana: o olhar dos comerciantes informais. Recife, Universidade Federal de Pernambuco / UFPE, Mestrado em Desenvolvimento Urbano, 2004, p. 23), a apropriação realiza-se em dois momentos: no primeiro, o espaço é adequado a uma determinada atividade introduzida pelo sujeito. No segundo, acontece uma identificação desse sujeito com o espaço gerado tanto pelo bom desempenho da atividade como pela relação de objetos, signos e códigos presentes no espaço.
3
SOUZA, Marcelo. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbana. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2002, p. 59.
4
COSTA, op. cit.
5
SPINK, Mary Jane (org). Práticas discursivas e produção de sentido no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo, Cortez, 1999.
6
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O Desafio do conhecimento. 2ª ed. São Paulo, Hucitec, 1995.
7
MOSCOVICI, Serge. A Representação social da Psicanálise. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978.
8
MOSCOVICI, Serge. Representação sócias: investigações em psicologia social. Tradução Pedrinho A. Guareschi, Petrópolis, Editora Vozes, 2003, p. 216.
9
MOSCOVICI, op. cit., 1978, p. 41-42. Grifo nosso.
10
GUATTARI, F. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1992.
11
Idem, ibidem, p. 161-162.
12
Almeida, Santos e Trindade, no texto “Representações e práticas sociais: contribuições teóricas e dificuldades metodológicas” trazem uma grande contribuição para o entendimento do conceito sobre práticas sociais: “As práticas sociais se referem a um processo interativo em que sujeito, objeto e grupo social não podem ser considerados isoladamente” (ALMEIDA, Angela Maria de Oliveira; SANTOS, Maria de Fátima Souza; TRINDADE, Zeidi Araújo. “Representações e práticas sociais: contribuições teóricas e dificuldades metodológicas”, in: Temas de Psicologia, Ribeirão Preto, v. 8, n. 3, 2000, p. 265).
13
AMMANN, Safira B. Participação social. 2ªed. São Paulo, Cortez e Moraes, 1978, p. 35. Grifo nosso.
14
Idem, ibidem, p. 44.
15
BORDENAVE, Juan Diaz. O que é Participação. 7ªed. Coleção primeiros passos, São Paulo, Brasiliense, 1983, p. 20.
16
DEMO, Pedro. Participação e conquista, noções de política social participativa. 4ªed. São Paulo, Cortez, 1999, p. 84.
17
AMMANN, op. cit., p. 61.
18
BORDENAVE, op. cit., p. 26.
Todas as fotografias são de Ana Maria da Costa (2003), in: COSTA, Ana Maria. Calçadão dos Mascates - promessas e desilusões de uma intervenção urbana: o olhar dos comerciantes informais. Recife, Universidade Federal de Pernambuco / UFPE, Mestrado em Desenvolvimento Urbano, 2004.
sobre o autor
Graduada em Desenho Industrial (UFPE), Especialista em Tecnologia da Informação (UFPE) e Mestre em Desenvolvimento Urbano (UFPE). Instituições que leciona: Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) e Centro Federal Tecnológico de Pernambuco (CEFET-PE).