Na várzea do rio Paraíba ergue-se, à beira de um vasto canavial e a uns 20km da capital paraibana, a capela de N. S. do Patrocínio (Figura 1), construção que integrava o antigo Engenho Una.
Uma inscrição nela existente informa que ela foi edificada em 1700, por Mathias Soares Taveira, que foi senhor de engenho e detentor da patente de mestre-de-campo (equivalente hoje à de coronel). Porém, como tal inscrição foi aposta somente em 1913, é possível que ela situe apenas aproximadamente a data de construção da capela, que pode ter sido um pouco posterior ao início do Setecentos, pelo que sugerem certas evidências, como se verá adiante.
Bem pequena e modificada pela substituição de sua cobertura primitiva, ela constitui, a despeito disso, um importante exemplar da arquitetura religiosa do Brasil colonial, que destaca-se dentro desta por sua concepção incomum e pela importância de sua excelente portada – tendo sido justamente para evidenciar isso que este trabalho foi elaborado.
A capela é uma das duas únicas igrejas coloniais brasileiras com o corpo principal (aquele contendo a nave) no formato de um prisma hexagonal, e a única com tal traço que exibe um exterior de linhas classicistas – proporcionadas principalmente pelo uso de pilastras de pedra calcária nos seis cantos do prisma e de um entablamento contínuo nelas assente.
A outra, a capela da Torre de Garcia d’Ávila (Figura 2), fora levantada muito antes, nos anos 1550, a uns 80 km ao norte de Salvador, numa propriedade rural, e em 1584 foi considerada, por Fernão Cardim, “a mais formosa que há no Brasil” (1). Ela apresenta, em comparação com sua irmã paraibana, os méritos de ser mais antiga e de ter guardado o formato primitivo de sua coberta – um telhado de seis águas. Contudo, em contrapartida, mostra-se em nítida desvantagem estética, por estar acoplada a um prédio muito maior (enquanto aquela é uma edificação isolada) e por ter um exterior de aparência meramente utilitária, com paredes lisas e uma portada muito simples.
Mas o que dá singularidade à concepção da capela de N. S. do Patrocínio não é só a forma hexagonal de sua nave: é também o fato de a planta desta ter um formato ligeiramente oblongo (Figura 3), o que a torna tanto centrada quanto longitudinal, dependendo da posição do observador (parecendo ser do último tipo para quem olha o altar-mor). Dotada de um eixo de simetria principal – indo da porta frontal ao meio do lado oposto – maior do que o outro, a ele perpendicular, esta planta ambígua teve o mérito de antecipar, em espírito, a engenhosa fórmula da planta ao mesmo tempo poligonal e longitudinal que tornaria notáveis igrejas barrocas como a de N. S. da Glória do Outeiro, no Rio de Janeiro, e a de São Pedro dos Clérigos, no Recife, ambas com nave octogonal alongada.
Quanto à portada da capela, ela destaca-se pela sua beleza, por ter inovado a abordagem já inovadora que adotou e por ter inspirado a criação de uma das melhores portadas de nossa arquitetura religiosa colonial: a que guarnece a porta principal da nave da igreja franciscana da capital paraibana.
Os pontos acima expostos serão aprofundados neste texto, que discutirá igualmente aspectos relevantes a eles relacionados. Antes disso, porém, convém especular um pouco sobre a questão da autoria do edifício aqui analisado, envolta em incertezas.
O criador da capela
Segundo Antônio da Silva Melo, que reformou a capela em 1913 e foi proprietário do engenho a que ela pertencia, o construtor desta foi Mathias Soares Taveira, dono do mesmo engenho. Evidência desta última informação é o fato de Taveira ter sido enterrado na capela, como está registrado numa pedra tumular bastante antiga – na certa da época do seu enterro – existente no piso dela.
Entretanto, tal lápide diz que Mathias Soares Taveira faleceu em 1776, o que levanta dúvidas sobre a data de construção da capela informada por Antônio Melo na inscrição que nos deixou. Se, como é afirmado nesta, a referida data tiver sido o ano de 1700, mesmo que Taveira tivesse apenas 20 anos ao erguer a capela, conclui-se que ele teria morrido com 96 anos, o que não é impossível mas é bastante improvável. Diante disso, parece mais realista situar a data em questão por volta de 1710, pelo menos.
Está evidente que Taveira era bastante jovem ao dirigir a construção da capela. Nessa condição, teria tido ele capacidade de traçar o projeto dela?
Esta pergunta pode ser respondida afirmativamente caso determinadas circunstâncias tenham ocorrido.
Se ele tiver recebido treinamento formal em engenharia, a resposta é afirmativa. Tal treinamento já era oferecido na época no nordeste brasileiro, nas aulas de fortificação de Salvador e Pernambuco – cursos de formação de engenheiros militares mantidos pela Coroa portuguesa. Ele era oferecido também, com melhor qualidade, na Aula de Fortificação e Arquitetura Militar, de Lisboa. A possibilidade de Taveira ter freqüentado um desses cursos não pode ser excluída e coaduna-se com ela o fato de ele ter ocupado um posto elevado da hierarquia militar luso-brasileira.
Ele também poderia ter projetado a edificação caso tivesse adquirido conhecimentos arquitetônicos pela via do autodidatismo e tivesse conhecido alguma capela hexagonal. Bastaria ter visitado a da Torre de Garcia d’Ávila para que ele pudesse conceber a volumetria, a coberta e a planta da igreja que construiu. E conhecendo a capela de N. S. da Encarnação (Figura 4), em Santa Maria da Feira, Portugal (2), ele poderia ter tomado emprestado dela a solução de embelezar o exterior do prisma sextavado com pilastras de canto e um entablamento classicistas.
Se nenhuma dessas hipóteses ocorreu, é altamente improvável que Mathias Taveira tenha sido o tracista da edificação em foco. Neste caso, ele teria executado as obras seguindo um projeto contratado com algum projetista profissional experiente – como o engenheiro militar da Coroa sediado no Recife.
Feitas essas conjecturas, passemos à discussão da arquitetura da capela.
Os elementos arquitetônicos básicos
Foi na certa Taveira que decidiu que a capela a ser erguida no seu engenho deveria ter uma planta hexagonal, então raríssima em nossa arquitetura religiosa, e não uma convencional, de forma retangular – mesmo que ele não tenha sido o projetista da edificação. Para poder tomar essa decisão, própria de uma pessoa ousada e exigente, ele deve ter conhecido alguma capela de planta poligonal e percebido que ela era bem mais bonita e marcante que as de volumetria tradicional – com planta retangular e telhado de duas águas.
Que capela teria ele conhecido? A da Torre de Garcia d’Ávila, a única hexagonal então existente no Brasil? Ou alguma do acervo português, mais amplo? A primeira parece uma opção bem provável, por suas semelhanças com a capela que ele construiria.
Do ponto de vista estético, a preferência por uma planta poligonal era acertada no caso em questão. Em razão do seu diminuto porte, uma pequena capela de volumetria tradicional dificilmente poderia ficar com uma bela aparência exterior. Ela tenderia a parecer uma miniatura incompleta e deformada de uma igreja de igual configuração. Sua volumetria, banal, não era uma fonte de interesse estético, e seu frontispício era pequeno demais para comportar os vários elementos compositivos que, bem articulados, davam beleza a frontispícios amplos – nele cabendo, em geral, apenas um portal e um óculo, além dos cunhais e do frontão, elementos insuficientes para gerar uma bonita composição no estilo severo então dominante.
Já uma capela de planta hexagonal tendia naturalmente a ter uma volumetria agradável (dominada por um prisma centrado num eixo vertical, que era enfatizado pela cúpula ou telhado piramidal que o cobria), e esta era suficiente para dar-lhe beleza exterior, tornando desnecessária a existência de um frontispício – elemento fadado no caso, por sua reduzida dimensão, a gerar escasso interesse estético.
Foi certamente por isso que Taveira optou por uma planta hexagonal. E na certa ele (ou o tracista que tenha contratado) alongou-a para que ela ficasse mais próxima da planta retangular, então a regra nas igrejas brasileiras, e porque um precedente da incomum forma oblonga adotada já existia (o que reduzia os riscos de sua decisão ousada): a planta um pouco menos oblonga da capela da Torre de Garcia d’Ávila.
Note-se que na época da construção desta a norma era que uma planta hexagonal fosse regular. Serlio recomendou esse tipo de planta no seu influente 5º livro, publicado em 1547, justamente por considerar o hexágono regular uma forma quase perfeita, já que seus lados e raios têm a mesma extensão (3).
Em Portugal, a capela de N. S. da Encarnação, atrás citada (4), foi erguida sobre uma planta hexagonal regular muito parecida com a proposta por Serlio no seu livro acima (Figura 5) e que claramente teve esta por modelo. Aliás, a edificação segue Serlio também no desenho das elevações, pois tem nos cantos pilastras que apóiam um entablamento contínuo, o mesmo tipo de tratamento externo preconizado pelo tratadista (Figura 6).
Ao contrário, não se percebem influências serlianas na planta da capela da Torre de Garcia d’Ávila (5), que foi moldada a partir do secular tema da planta poligonal regular, mas de modo que fossem satisfeitos certos desejos do seu projetista (6).
Porém, uma influência serliana – direta ou indireta – se faz presente na capela de N. S. do Patrocínio: as pilastras de canto e o entablamento contínuo, traços marcantes que são responsáveis por boa parte da beleza exterior dela.
Esses elementos não foram usados na capela baiana, que, por isso, por sua planta e por sua coberta, constitui uma criação autônoma, distinta do modelo de Serlio para um templo hexagonal. Não os adotaram também algumas capelas portuguesas na mesma tipologia, como a de São Sebastião, na Ericeira, e a da Madre de Deus, em Aveiro.
O que terá levado o projetista da capela paraibana a incluir nela tais componentes?
As prescrições de Serlio são uma boa resposta para esta pergunta. Se foi isso o que aconteceu, então teria havido na concepção da capela uma influência direta daquele tratadista, o que agregaria a ela um interesse adicional.
Outra explicação possível seria Taveira (ou o projetista que ele porventura contratou) ter tomado conhecimento da fisionomia externa de alguma capela portuguesa em que aqueles elementos estivessem presentes, provavelmente por influência de Serlio, como a de N. S. da Encarnação, citada atrás, e a do Senhor dos Aflitos, em Lamarosa (da segunda metade do Seiscentos, esta deve ter tomado emprestado de Serlio também o partido de sua coberta, em cúpula sextavada). Neste caso, os elementos em pauta seriam uma influência serliana indireta, transmitida através de um intermediário.
Mas não se pode excluir a possibilidade de o projetista ter, ele próprio, imaginado o tratamento em questão, inspirado nos habituais cunhais de ângulo reto da arquitetura brasileira da época.
Um componente essencial da capela erguida por Taveira que seguramente não tinha relação com o modelo serliano era a coberta do prisma hexagonal – que era bem diferente daquela que hoje o coroa.
Que a cúpula atual não é obra setecentista um especialista consegue perceber ao examiná-la in loco. Já para datá-la e saber como era a coberta precedente foram necessários depoimentos e fotografias aos quais estudantes de arquitetura da Universidade Federal da Paraíba tiveram acesso em 1977 durante a preparação de um trabalho escolar (7). Elas chegaram a uma filha de Antônio Melo (o reformador da capela), Zaíra Melo, que lhes deu informações preciosas e mostrou-lhes fotos do prédio anteriores à reforma. Segundo ela, a coberta do prisma hexagonal era um telhado (o que as fotos confirmaram) apoiado num travejamento em madeira. Na certa ele repartia-se em seis águas, pelo que a lógica construtiva permite inferir, ainda que o mau estado das fotos não tenha dado às estudantes certeza disso. Ele foi substituído por estar bastante estragado e por ter-se tornado o refúgio de numerosos morcegos que causavam danos ao edifício. A cúpula atual, em cimento armado, foi projetada pelo próprio Antônio Melo, que, segundo sua filha, para tal inspirou-se na igreja de São Pedro, do Vaticano.
Tendo em vista que é um telhado de seis águas que cobre a capela da Torre de Garcia d’Ávila, deve ter sido esta o modelo para a coberta do templo erguido por Taveira. O mesmo deve ter acontecido em relação à planta e às proporções do prisma hexagonal – que se assemelham nas duas igrejas. Ressalte-se, porém, que esses possíveis vínculos de descendência não diminuem o valor da capela paraibana, que tem fisionomia e personalidade próprias e uma arquitetura exterior bem superior à do seu provável modelo inspirador baiano.
Inclui-se também entre os elementos arquitetônicos principais da obra em foco o volume da capela-mor (Figura 7). Colado à face do prisma hexagonal que fica oposta à porta frontal, ele tem planta retangular e está coberto por um telhado de duas águas. Por fora é uma construção banal, mais baixa do que o prisma e de feição utilitária. Seu interior se liga com o do prisma através de um arco-cruzeiro e tem pouco interesse arquitetônico; ele era fechado no alto por um forro abobadado em madeira, hoje inexistente, e tem por pano de fundo um altar-mor em pedra calcária. Contudo, tal corpo é importante, pelo papel que desempenha na volumetria da capela – que graças a ele ficou peculiar e movimentada – e por prolongar internamente o eixo maior da nave, reforçando aquela ambigüidade espacial referida no começo deste trabalho, que é um dos pontos fortes da obra.
Note-se que o partido volumétrico desta – um prisma poligonal vertical acoplado a um paralelepípedo mais baixo, coberto com um telhado de duas águas – foi repetido mais tarde em Portugal na magnífica capela de N. S. das Barrocas, em Aveiro, de planta octogonal.
A portada
Tudo leva a crer que o autor da portada da capela tenha sido não o projetista da edificação e sim um talentoso escultor da capital paraibana ou do Recife, o qual, aliás, pode ter sido o mesmo artista que criou a portada principal da igreja franciscana da Paraíba – apesar das duas décadas que separam as duas obras –, pelo que sugerem os muitos traços que elas têm em comum.
Muito provavelmente ele projetou a portada da capela (Figura 8), que seria talhada em pedra calcária, tomando por base o partido das três portadas da antiga igreja jesuíta do Recife, datadas de 1689 e ainda hoje existentes (Figura 9). Ele aproveitou delas as ombreiras em forma de pilastras sobrepostas, a verga em forma de entablamentos sobrepostos, o frontão formado por volutas afastadas e adornado nas extremidades por um par de pináculos, e a idéia de cobrir com relevos as ombreiras e a verga.
Mas ele agregou a esses empréstimos contribuições próprias que deram a sua obra uma feição inovadora e peculiar, resultante do casamento, inesperado e audacioso, dos traços barrocos por elas introduzidos com a rigidez da série de linhas retas advinda de tais empréstimos.
Ele deu grande força ao frontão (Figura 10) fazendo-o bem mais alto e volumoso que o do modelo inspirador recifense e tornando-o barroco através da acentuação das curvas das volutas, da introdução de cinco pináculos de desenho rebuscado, da criação de sombras e do preenchimento do tímpano com relevos graúdos no formato de frutos e folhagens – tipo de ornato tomado emprestado, na certa, da talha barroca que já se via no interior de nossas igrejas.
Ele reduziu o friso do entablamento a uma estreita e discreta faixa de transição a separar o pujante frontão e a arquitrave, outro elemento por ele enfatizado.
Ele aumentou para três o número dos entablamentos e pilastras sobrepostos, a fim de acrescentar retas, sombras, relevo e movimento à composição. E deixou lisas as pilastras e arquitraves recuadas, de modo a realçar a decoração encrespada com a qual recobriu as pilastras e a arquitrave mais salientes (Figura 11). Composta com relevos graúdos e altos de dois tipos – folhagens e almofadas em forma de losango, estas um ornato arquitetônico da época e aquelas um empréstimo oriundo de nossa talha barroca – tal decoração é volumosa, heterogênea e geradora de sombras, contrastando, portanto, com aquela das aludidas portadas recifenses, que é homogênea e pouquíssimo saliente (nas pilastras internas e na arquitrave ela é formada por pequenas flores-de-lis idênticas, e nas pilastras externas, por um discreto guilochê (8) de módulos diminutos).
Note-se que tais portadas eram, em 1689, uma criação inovadora, que amalgamava influências oriundas de duas fontes distintas. Uma era o desenho classicista de certas portadas portuguesas da segunda metade do Seiscentos (como a principal da igreja de N. S. da Piedade, em Santarém, mostrada na Figura 12), que tinha por coroamento um frontão formado por volutas afastadas, que ladeava a cercadura da porta com pilastras sobrepostas e que comumente exibia alguns pináculos. A outra era a prática baiana de cobrir portadas com relevos geométricos em forma de guilochê, em uso pelo menos desde 1674, quando foi utilizada na obra datada que se vê na Figura 13. Às referidas influências o criador das portadas recifenses acrescentou duas importantes contribuições próprias: usou dois entablamentos sobrepostos e cobriu as pilastras internas e a arquitrave com flores-de-lis enfileiradas.
Graças ao seu frontão exuberante e à robusta decoração, tendente ao barroco, das pilastras e da arquitrave, a portada da capela de N. S. do Patrocínio era, ao ser produzida, ímpar no contexto brasileiro e incluía-se entre as melhores neste desenvolvidas até aquele momento.
Um mérito adicional que ela pode ter tido é o de ter sido o modelo inspirador da magnífica portada principal da igreja franciscana da capital paraibana, executada em pedra calcária por volta de 1730, uma das mais notáveis que o Brasil colonial gerou (Figura 14). Para se convencer da solidez dessa hipótese basta comparar as fisionomias das duas obras.
Considerações adicionais
Um ponto que não pode ser aqui omitido é o fato de que um dos três corpos da volumetria da capela – o que contém a sacristia – foi introduzido apenas em 1906, pelo mesmo Antônio Melo da reforma de 1913. De péssima concepção e construção, ele tem uma aparência horrenda e deforma duas elevações da obra de Taveira, a lateral direita e a posterior – o que torna sua remoção altamente desejável.
Dois outros componentes que merecem um comentário são as escadarias externas que estão adossadas à fachada lateral esquerda (Figura 7). Ambas parecem ter sido obra de Antônio Melo, pelo que sugerem o arco ogival de uma delas e o aspecto das duas.
Porém, é quase certo que a maior delas, que leva ao coro alto, foi feita para substituir uma outra, existente na capela original e de feição ignorada. Fortes indícios disso são a base de pilastra que está nela embebida – semelhante à da pilastra vizinha, elemento da construção de Taveira – e a moldura, de aparência setecentista, da porta elevada que vaza a fachada, uma evidência de que tal vão era parte da obra primitiva (e ele o sendo, haveria uma escada dando-lhe acesso); ademais, essa porta ocupa uma posição idêntica à de uma janela, de moldura semelhante à sua, existente na fachada lateral direita (Figura 15), que parece ser um componente da edificação original.
Essa quase certeza inexiste em relação à outra escadaria, que conduz a um púlpito, pois o vão que leva a este é desprovido de cercadura, o que dificulta sua datação e contraria a tradição setecentista.
A existência de uma ou duas escadarias externas na capela de Taveira seria um traço singular que reforçaria a distinção entre ela e a igreja baiana que deve ter-lhe servido de modelo, porquanto nesta tal tipo de elemento não está presente – o mesmo ocorrendo nas capelas hexagonais portuguesas mais conhecidas. Aliás, é bom ressaltar que a obra de Taveira distinguia-se nitidamente destas no que se refere ao aspecto exterior, o que é louvável para uma edificação brasileira do início do Setecentos.
Um último comentário: o arco de verga semicircular existente na elevação frontal não deve ser original, em razão de suas linhas e por ter sido feito em reboco (e não em pedra, como as pilastras e a cimalha que o envolvem). Ele deve ter sido mais uma das criações de Antônio Melo, uma vez que seu fecho foi dimensionado de forma a comportar a data da reforma por este empreendida.
notas
1
Ver seu livro Tratados da terra e gente do Brasil, Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Editora da Universidade de São Paulo, 1980, p. 154.
2
Sobre essa e as outras capelas portuguesas citadas neste trabalho ver: PEREIRA, José F. “Resistências e aceitação do espaço barroco: a arquitectura religiosa e civil”, in: MOURA, Carlos (org.), História da Arte em Portugal. O limiar do barroco. Lisboa, Publicações Alfa, 1986, p. 13; 22-28.
3
Sebastiano Serlio On Architecture, New Haven/Londres, Yale University Press, 1996, p. 406. Trata-se de uma tradução inglesa dos cinco primeiros livros de Serlio.
4
Segundo Paulo Varela Gomes (via e-mail) e algumas páginas da Internet, esta obra data de meados do Seiscentos. Aliás, agradeço a ele pelas úteis informações que me cedeu, referentes a capelas portuguesas de planta poligonal.
5
Note-se que esta obra é anterior às capelas hexagonais portuguesas mais destacadas ainda existentes, o que lhe assegura uma posição de relevo no acervo das igrejas nesse modelo localizadas nos territórios brasileiro e português.
6
Talvez ele tenha optado por uma planta hexagonal (e não pela octogonal, então mais usual) porque queria que ela fosse oblonga, para que se aproximasse da retangular – que se firmara ao longo dos séculos como a mais adequada à celebração de missas. É que a planta hexagonal regular presta-se a ser alongada um pouco, na direção perpendicular a dois lados opostos dela, sem que o prisma levantado sobre ela pareça irregular ao observador externo – o mesmo não acontecendo com a planta octogonal regular. Assim, pode ter sido por querer uma planta poligonal que fosse oblonga, mas gerasse um prisma que não parecesse irregular, que o projetista da capela se decidiu pela forma sextavada.
7
Eram elas: Ana Vinagre, Ana Torres, Eliane Coitinho e Marilza Onofre. No trabalho escolar em questão, “O Barroco – Capela de Nossa Senhora do Patrocínio”, estão as informações que elas tiraram dos depoimentos e fotografias mencionados. Uma cópia dele está arquivada no IPHAEP, em João Pessoa. Agradeço aos arquitetos Carla Martins e Juliano Carvalho por terem me informado da existência deste trabalho.
8
O guilochê é uma representação geométrica de um trançado formado por tiras onduladas que ao se entrelaçarem geram entre elas círculos iguais. Ele é um elemento decorativo proveniente da antiguidade clássica (foi usado em pisos romanos em mosaico, por exemplo) e seu emprego foi freqüente na arquitetura românica.
sobre o autor
Alberto Sousa é professor adjunto da UFPB. Doutor pela Universidade de Paris I, escreveu A invenção do barroco brasileiro: a igreja franciscana de Cairu e outros cinco livros.