Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Neste artigo Marcelo Ferraz apresenta o projeto do Novo Teatro e Centro Comercial do Bixiga, do Brasil Arquitetura, para o terreno do Grupo Silvio Santos vizinho do Teatro Oficina


how to quote

FERRAZ, Marcelo Carvalho. Olho sobre o Bexiga. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 087.00, Vitruvius, ago. 2007 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.087/215>.

Em junho de 2004 fui apresentado por um amigo ao presidente do Grupo Silvio Santos que me perguntou, já em tom de convite: “Você toparia fazer um estudo arquitetônico para o centro comercial que queremos construir no Bexiga, um projeto que possa botar um fim a essa celeuma com o nosso vizinho Teatro Oficina?”. Eu, que conhecia bem o assunto desde os tempos do projeto de Lina Bo Bardi para o teatro, tomei a questão como um desafio, como uma grande oportunidade de sair da mesmice dos projetos de shopping centers que se alastram por nossas cidades. Mais ainda, vi ali uma oportunidade de propor algo que pudesse reabilitar e re-qualificar todo o espaço público de uma região tão sofrida e mal tratada, como o bairro do Bexiga.

Juntamente com meu sócio Francisco Fanucci, convidei o arquiteto Marcelo Suzuki para participar do trabalho, uma vez que ele já havia desenvolvido nos anos 1980 um projeto para o Teatro Oficina. Fomos então, Suzuki e eu, contar ao Zé Celso, diretor do Teatro Oficina, a boa nova do convite que acabávamos de receber. Nesse encontro, com a presença do ator Marcelo Drummond, Zé Celso, entre surpreso e satisfeito, concluiu com a seguinte frase seu apoio à nossa empreitada que se iniciava: “o Silvio Santos foi mais rápido que nós, contratou nossos arquitetos para seu novo projeto. Vamos em frente, claro!”

Em uma semana apresentamos aos técnicos do Grupo Silvio Santos o primeiro estudo de ocupação do terreno, propondo a liberação de uma grande área contígua ao Teatro Oficina, o verdadeiro “filé mignon” do terreno, para a construção de um teatro com quase mil lugares. Este novo teatro, integrado ao Shopping Center, poderia também se conectar ao Oficina em alguns momentos ou determinados espetáculos, através de grandes aberturas laterais.

De início, o plano não empolgou o Grupo Silvio Santos por dedicar uma área menor que a esperada para o centro comercial.

Uma semana depois, apresentamos aos clientes a mesma proposta já um pouco mais elaborada e com os números de metros quadrados, funções e usos mais aprimorados. Argumentamos exaustivamente em sua defesa, tentando mostrar a importância do novo teatro para a cidade, daquela forma e naquele exato lugar. Afinal, dizíamos, fomos chamados justamente para propor algo diferente do projeto que o Grupo possuía e que já havia sido aprovado em todos os órgãos públicos e estava pronto para ser construído. Para nossa satisfação, a proposta foi aceita e partimos imediatamente para seu desenvolvimento dentro de um programa que também foi criado e formatado com a nossa participação, pari-passo com o projeto arquitetônico.

Dois pontos fundamentais guiavam nossas ações:

  • queríamos em centro comercial que se afastasse de todos os exemplos de shoppings espalhados por nossas cidades; queríamos um espaço comercial que trouxesse as ruas, as calçadas e a vida urbana para seu interior, algo como o Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, ou a Galeria do Rock, na avenida São João, e tantas outras galerias do centro da cidade, construídas nos anos 1950 e 1960. Espaços que mantêm uma relação viva e saudável com seu entorno. Nada de muros e labirintos de luz artificial, sufocantes espaços de negação da cidade;
  • queríamos um grande teatro (“estádio” ou “cyber”, bastante discutido com Zé Celso) que fosse o coração do projeto, a alma do conjunto. Um teatro autônomo, com personalidade arquitetônica própria e não um anexo ou um teatro a mais encalacrado dentro de um shopping center, em área sem interesse comercial. Pretendíamos que essa nova edificação guardasse em relação ao Teatro Oficina um recuo de sete metros para entrada de luz natural (como determina a legislação de proteção estabelecida pelo Condephaat), preservando a árvore ali existente – um Pau Brasil – e abrindo espaço para o plantio de mais espécies. Por esse jardim, os dois teatros, equipados com grandes portas de comunicação simbiôntica, poderiam se interligar quando fosse do interesse mútuo dos proprietários/ocupantes.

Com estes dois princípios norteadores, trabalhamos por alguns meses e, em dezembro de 2004, apresentamos o projeto ao Grupo e ao próprio Silvio Santos, que o aprovou e deu sinal verde para continuar seu desenvolvimento e detalhamento.

Em janeiro de 2005, fomos então ao Teatro Oficina fazer uma apresentação pública do projeto, que contou com a presença de algumas personalidades da área cultural interessadas na questão, como Modesto Carvalhosa, Contardo Calligaris, Beth Milan, Ana Lana, Edson Elito, Juliana Prata, Raul Pereira, Luiz Fernando Ramos, além do próprio Zé Celso e parte do Grupo Oficina. A reunião, com calorosas discussões, foi toda documentada em VT e, ao final, tivemos o projeto aclamado por unanimidade. Além dos muitos elogios, levamos conosco algumas críticas e sugestões bastante razoáveis de Zé Celso, que foram incorporadas e vieram a enriquecer o projeto. Apenas como exemplos, posso citar a mudança no tamanho do teatro, que passou de 800/1000 lugares para 2000 lugares e a manutenção do jardim “oficina de florestas” entre os dois teatros, com a já histórica árvore Pau-Brasil.

Contamos com o apoio e a aprovação do Grupo Silvio Santos que, àquela altura já se entusiasmava com a proposta de um teatro importante e diferenciado, um teatro com mais espaço e mais recursos técnicos e cênicos, um teatro pluriusi.

Desenvolvemos então o projeto arquitetônico com nossa equipe de colaboradores e com um grande número de profissionais de primeira linha nas diversas áreas técnicas complementares. Obtivemos as aprovações legais ao projeto dos órgãos competentes de proteção ao patrimônio histórico. No Estado, o Condephaat, que tombou em 1983 o vizinho Teatro Oficina; no município, o Conpresp, que tombou todo o bairro do Bexiga nos anos 1970. Não foi fácil e, após mais de um ano de idas e vindas, tivemos a aprovação com grandes ganhos para a cidade de São Paulo e, mais especificamente, para a comunidade do Bexiga.

Incorporamos em nossos estudos um outro projeto, o de recuperação e reforma total dos baixos do Viaduto Julio de Mesquita Neto. Este outro projeto prevendo novas e modernas instalações para o Sacolão ali existente, uma biblioteca pública, espaços e equipamentos esportivos de lazer e convivência – crianças, jovens e idosos –, espaços para a instalação de bares, cafés, restaurante e serviços e, para satisfação de todo paulistano, o Espaço Adoniran Barbosa, destinado a guardar a memória e o acervo do “sambista da garoa”.

Toda a infra-estrutura elétrica e hidráulica, calçadas, pavimentos, pintura, mudança no traçado das ruas para ampliação de calçadas, é parte integrante da aprovação do projeto. É contrapartida a ser bancada pelo Grupo Silvio Santos como investimento social na área.

Um projeto em três tempos. Adentrando entranhas

Nosso projeto se faz a partir do lugar: de dentro para fora, das entranhas, feridas abertas e das cicatrizes urbanas de um bairro marcado no tempo pela história do trabalho dos homens, com vistas a uma nova vida.

Assim, ao projetar, devemos captar e inventar o lugar a um só tempo. Devemos também ir ao sentido de repor na cidade fraturada, a contribuição histórica do Bexiga, seu know how de convivência entre brancos, negros e imigrantes vários, classes sociais e “tribos modernas”. A aproximação, a leitura da geografia física e humana do bairro, foi nosso ‘alimento’ de projeto. Repor aquilo que foi subtraído ao Bexiga com a violenta segmentação causada pela passagem do Minhocão, foi e continua sendo uma busca.

A falta de trato urbano, ou os desacertos das intervenções urbanísticas das últimas décadas deixaram seqüelas que procuramos reparar com a oferta de mais espaço e conforto para aqueles que andam a pé. Mais acessibilidade latu-sensu, porosidade e abertura de novas comunicações no espaço público. Desse modo, o projeto se realiza ao descobrir o lugar, suas limitações, suas particularidades, seu potencial de uso e de transformação urbana em benefício do cidadão.

Um meteorito no sertão de São Paulo

Uma pedra tosca, cor de terra, rugosa, construída com concreto e terra, povoada de vegetação parasita (bromélias, avencas, polígonos, musgos, erva de passarinho etc.), como um cubo de 40 x 40 metros por 20 metros de altura, coroado por uma “flor de aço” de 20 metros de diâmetro em sua cobertura, que abre e fecha como uma rosa: esse é o exterior do teatro de estádio do Bexiga. Independente do shopping center fisicamente e administrativamente, o novo teatro terá capacidade de acolher até duas mil pessoas.

Buscamos em nosso teatro a acentuada relação de contraste entre interior e exterior. Por fora, uma pedra tosca, um meteorito ou um torrão de solo do sertão, uma pedra bruta de cristal, brutalmente cúbica, a contracenar com a metrópole feérica dos automóveis, viadutos, arranha-céus e luzes; por dentro, a expressividade do espaço trabalhado em curvas sensuais, sofisticada geometria do espaço cênico multiuso – ou politeâmico –, cores, luzes, som, imagens e gente. Em uma comparação metafórica: é o bloco tosco e rústico de pedra que, quando aberto revela o cristal precioso em seu interior, multifacetado e multicolorido em brilhos e reflexos que, no nosso caso, serão enriquecidos com as tapeçarias acústicas do artista plástico Edmar de Almeida.

O seu espaço interno se aproxima do sonhado e nunca realizado teatro total – Totaltheater (1927) de Walter Gropius e Erwin Piscator, em que a distância entre palco e platéia, pela forma circular de ambos, variam e chegam mesmo a se anular (palco/platéia/palco). Numa das composições possíveis de montagem, o palco pode ser ampliado, pode virar uma arena ou uma pista, por contar com assentos retráteis telescópicos, no primeiro lance da platéia. São recursos cênicos variados e deslocáveis em função de um espaço não convencional dedicado a espetáculos teatrais e musicais. Ainda, como no teatro total, as galerias periféricas saem do público em três níveis e mergulham na área cênica, numa nova fusão. São galerias palco/platéia novamente. Lembrando ainda um outro sonho do “teatro total”, introduziremos novas mídias e tecnologias de som e projeções em múltiplas direções, culminando com a abóbada/tela de cinema da cobertura: cybertotaltheater. Para arrematar, essa abóbada “flor de aço” quando aberta, será uma janela zenital de 20 metros de diâmetro, e deixará o sol e a lua invadirem o interior do teatro, brindando a cidade com cor e luz.

Gentileza do espaço público

O shopping center abraça o novo teatro o as construções remanescentes da quadra sem tocá-las. A partir de sensuais e sinuosas curvas que se sobrepõem desencontradas a cada andar, contrasta, por sua delicadeza ao “rude teatro meteorito” ou “pedra bruta do sertão”. Será construído em concreto branco autolimpante e vidro. Será um shopping linear com quatro entradas de acesso (duas pela Jaceguai, uma pela Santo Amaro e outra pela Abolição) e estará preparado para uma quinta entrada pela Rua Japurá. São aberturas convidativas que darão continuidade às calçadas públicas. Será uma nova possibilidade de travessia rua-a-rua, com circulações em todos os andares em forma de grandes varandas curvas abertas a um vazio e um grande jardim vertical. Terá luz do dia e ventilação natural em toda a área pública de circulação e convivência. Não será um shopping para se perder em seus labirintos e nem para se esquecer da cidade que o envolve.

Concluindo, com a implementação de nosso projeto como um todo, quem sai ganhando é a cidade de São Paulo. Não é A ou B, são todos. E esse aspecto foi compreendido pelos órgãos de preservação que o aprovaram. Num projeto dessa envergadura, com suas peculiaridades e complexidade de interface sócio-espacial, não podemos titubear: a cidade para todos em primeiro lugar.

nota

NE - Artigo originalmente publicado no caderno Cultura do jornal O Estado de São Paulo, em 08 jul. 2007.

sobre o autor

Marcelo Ferraz é arquiteto formado pela FAU-USP em 1978, é sócio do escritório Brasil Arquitetura, onde tem realizado vários projetos com premiações no Brasil e exterior. É também sócio fundador da Marcenaria Baraúna, onde desenvolve projetos de mobiliário, desde 1986.

comments

087.00
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

087

087.01

O princípio do urbanismo na Argentina

Parte 1 – O aporte francês

Ramón Gutiérrez

087.02

A Caraíba de Joaquim Guedes

A trajetória de uma cidade no sertão

Ana Carolina Bierrenbach

087.03

Inflação patrimonial: o complexo de Noé da contemporaneidade e as ilusões de eternidade

Andrea Zerbetto

087.04

Antonio Bonet e a arquitetura do cone sul: o exemplo de Punta Ballena

Luís Henrique Haas Luccas

087.05

O estudo da forma urbana no Brasil

Stael de Alvarenga Pereira Costa

087.06

A ampliação da Biblioteca de Estocolmo

Discussões sobre dois arquivos

Igor Guatelli

087.07

Influência francesa no patrimônio cultural e construção da identidade brasileira: o caso de Pelotas

Glenda Dimuro Peter

087.08

O projeto para o Plano-piloto e o pensamento de Lúcio Costa

Francisco Lauande

087.09

Capacidade de reciclagem

Fredy Massad and Alicia Guerrero Yeste

087.10

O conceito de lugar

Luiz Augusto dos Reis-Alves

087.11

Os azulejos de Portinari como elementos visuais da arquitetura modernista no Brasil

Rafael Alves Pinto Junior

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided