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architexts ISSN 1809-6298


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português
Neste artigo, o autor nos oferece um estudo dos croquis inéditos de Lina Bo Bardi, que são considerados os primeiros desenhos para o Museu de Arte de São Paulo


how to quote

MIYOSHI, Alex. A pirâmide de Lina Bo Bardi. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 092.01, Vitruvius, jan. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.092/172>.

A obra de Lina Bo Bardi é um manancial inesgotável a profissionais e pesquisadores não só de arquitetura como também de diversas áreas. Nos últimos anos, já não nos surpreendemos em vê-la citada em livros, sites da internet e revistas ou evocada em soluções para outros projetos de arquitetura, seja apenas como lembrança ou analisada com profundidade. Suas particularidades ganham cada vez mais relevo e divulgação, esclarecendo aspectos antes obscuros. Algumas de suas propostas podem ser compreendidas (se não totalmente, pelo menos em parte) graças a pessoas e instituições que há anos a ela se dedicam; graças sobretudo ao interesse despertado pelas particularidades da obra em si, felizmente maiores do que qualquer interpretação.

Nós, pesquisadores, extraímos de nossas pesquisas a matéria dura do nosso trabalho. Por mínima que seja, buscamos nela o máximo, mesmo tratando-se, por exemplo, de uma pequeníssima nota, sem qualquer relação aparente com o objeto de estudo. É um achado que devemos considerar de algum modo, até para descartá-lo. O que não dizer, então, quando encontramos croquis inéditos, sem dúvida relacionados ao autor (no nosso caso a arquiteta Lina Bo Bardi), quase escondidos em seus arquivos? Não fomos nós que os encontramos, mas outros pesquisadores, em seu trabalho dedicado e exemplar, ao que parece em meados da década de 1990. Tais croquis estão no Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi e são considerados os primeiros desenhos para o Museu de Arte de São Paulo (2).

Convém, no entanto, observarmos atentamente.

Dez folhas de papel com as mesmas dimensões parecem evidenciar uma série de esboços para um mesmo projeto. Para a arquiteta, foram um instrumento de definição. Para nós, são ultra-sonografias, que captam a gestação de um edifício.

Por meio dessa série, compreendemos que Lina imaginou um edifício não fragmentado, volume único, prismático e regular. Uma pirâmide, construída em painéis de vidro apoiados nas arestas, estrutura clara e robusta. Dentro da pirâmide, uma rampa em espiral dirige-se ao vértice, onde se assinala um ristorante. Há frases como: graticciate per eccesso di illuminazione (quebra-sóis para o excesso de iluminação), que sinaliza uma preocupação ambiental e evidentemente formal. Ou ainda: Non deve dare l’idea di una chiesa ma di una serra (não deve dar a idéia de uma igreja mas de uma estufa), que demonstra a atenção da arquiteta com o significado dessa arquitetura, talvez um caráter “atipológico” desejável ao edifício.

Chegamos a um ponto-chave dos esboços, que se refere aos usos. Desenhos e textos indicam a colocação de flores e plantas na rampa, com frases às vezes misturando português e italiano: podia ser una zigurat con giardini pensili o una serra (podia ser um zigurate com jardins suspensos ou uma estufa), interno piramide di fiori (dentro pirâmide de flores), entre outras (3). Uma dessas frases é bastante curiosa: Avrà caldo p/ derreter o gelo e a neve (haverá calor para derreter o gelo e a neve). Seria uma metáfora? Olivia de Oliveira interpretou que sim. Para ela, a “imagem da montanha é evidente, uma montanha ártica colocada sob o sol dos trópicos; “serra fissa tropicale” (estufa fixa tropical), aparecerá anotado em um terceiro croqui” (4).

Não há nesses desenhos quaisquer indicações para a colocação de obras de arte, como tampouco anotações indicando a destinação do prédio a um museu. Do mesmo modo, não há qualquer elemento de entorno ou indícios de consideração à topografia do terreno do MASP, como não há datas. Parecem desenhos da época de adaptação de Lina à língua portuguesa, portanto provavelmente do período em que o MASP funcionava na rua 7 de abril. Essas considerações nos levam a algumas perguntas: seriam os desenhos feitos para um museu de arte? Seriam para um edifício em São Paulo? Ou se destinariam a outro uso (uma estufa)? Quem sabe para uma região onde de fato há neve?

No livro Lina Bo Bardi: sutis substâncias da arquitetura, Olivia de Oliveira apresenta desenhos de um outro projeto, pouco conhecido:

o do “Museu da Encosta” ou “Museu Circular”. Nele, dois conjuntos de croquis mostram o estudo de uma planta em forma espiralada, às vezes circular, às vezes quadrada, também recordando o Guggenheim de Wright e o Mundaneum de Le Corbusier. Nos diversos croquis produzidos, não há qualquer indicação do nome do projeto, levando-os a serem apresentados [no livro Lina Bo Bardi, publicado em 1993, p. 171] como desenhos de uma capela. A confusão é sintomática, pois se, de fato, o conjunto traz poucas informações quanto à função do edifício, sabemos que essa não seria a primeira vez que a noção de museu e de igreja se aproximariam no imaginário de Lina. Pequenas notas e detalhes, entretanto, referem-se a um espaço de exposições e leitura, indicando que se tratava bem mais do projeto para um museu ou biblioteca do que para o de uma capela (5)

Observações pertinentes, aplicáveis, de igual modo, aos esboços “do MASP”.

Voltando a eles, podemos elaborar outras perguntas. Caso os desenhos não sejam para o MASP, como eles foram incorporados ao seu projeto? Talvez não estivessem arquivados como desenhos do MASP. Nesse caso, em meio a alguma pesquisa, alguém pode ter percebido os croquis que evocam as grandes vigas protendidas – não paralelas, como na solução final, mas cruzadas – além de perspectivas mostrando essa mesma solução. Assim, os desenhos passaram a ser considerados como esboços preliminares do edifício do MASP.

Não há, porém, nenhum outro indício de que sejam para o MASP; exceto a monumentalidade da pirâmide (6), o uso dos painéis de vidro e o princípio estrutural. Mas o terreno do Trianon não comportaria as dimensões de tal pirâmide (embora a cota de 100 m, no desenho, possa ser apenas alusiva à escala), há painéis de vidro também em outros projetos (a residência da arquiteta e o Museu à Beira do Oceano, por exemplo) e o princípio estrutural já estava presente no Museu à Beira do Oceano. Assim, esses esboços poderiam referir-se a projetos distintos: talvez o MASP e outro qualquer. Pode-se afirmar com segurança que esses desenhos compartilham aspectos de vários projetos de Lina; entre eles, a idealização de um local eminentemente público (como sugerem as indicações de uma piazzale) e o desenho do edifício em todas as suas escalas, desde a volumetria externa até os pormenores (no detalhe de sobreposição dos vidros). O MASP, como sabemos, foi desenhado em todas as escalas; da implantação urbana às cadeiras do auditório.

Pode-se argumentar que esses desenhos remetem ao Museu Guggenheim de Frank Lloyd Wright e a uma série de museus de Le Corbusier derivados de sua idéia para o Museu Mundial. Todos desenvolvem formas espirais ou assemelham-se a zigurates. Mas se os esboços foram feitos quando Lina trabalhava no MASP da 7 de abril (onde ela desenvolveu diferentes suportes para as obras de arte), por que não há neles qualquer indicação museográfica? Podemos imaginar que ela estava ansiosa para desenhar de fato um edifício (e não apenas o interior de um museu, adaptado a um prédio pré-existente, como fizera na 7 de abril), deixando totalmente de lado a preocupação com as obras de arte. Nesse caso, não podemos descartar a hipótese de serem desenhos para o MASP, contudo despreocupados com as obras de arte, e que a concepção do edifício possa ter surgido antes da escolha do local de implantação, ou para um outro local que não fosse o Trianon.

Se são esboços para o MASP fazemos uma última (mas segura) observação: além de Lina não ter em mente um museu de arte na acepção tradicional do termo, pelo menos por um momento ela não considerou a pirâmide como abrigo a pinturas. Pois não há qualquer indicação a cuidados específicos de conservação, como a proteção contra os raios solares e a constância termo-higrométrica que evidentemente uma “estufa” jamais proporcionaria. Por outro lado, a arquiteta preocupou-se com o caráter público e representativo da obra – seus croquis e textos não deixam dúvidas quanto a isso. Nesse sentido, esses desenhos aparentam-se a projetos do final do século XVIII, como os de Boullé e Ledoux, “na medida em que concebem a arquitetura como definição de objetos de edificação” (7), confiantes na razão, na ciência e no caráter público posto acima do privado. Mas se esses arquitetos seguiram uma “ciência dos tipos”, a tipologia, Lina não partirá desse princípio: para ela, a forma não interessa como símbolo específico de uso. Como ela mesma afirmou, o prédio do MASP expressa-se na “monumentalidade cívica” como um bem coletivo de uso “livre” (8).

notas

1
Este texto é um trecho do primeiro capítulo de Arquitetura em suspensão. O edifício do Museu de Arte de São Paulo. Museologias e museografias, dissertação defendida em fevereiro de 2007 no IFCH-Unicamp, sob a orientação do prof. Jorge Coli, auxiliada com bolsa do CNPq. Ver também em Vitruvius, do mesmo autor, o artigo O edifício do MASP como sujeito de estudo, www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq084/arq084_02.asp.

2
Entre os autores e estudos que consideram esses croquis como esboços ao MASP estão: OLIVEIRA, Olivia de. Lina Bo Bardi: sutis substâncias da arquitetura. São Paulo, Romano Guerra / Gustavo Gili, 2006. CARRILHO, Marcos. “O Museu de Arte de São Paulo”. Revista Arquitetura & Urbanismo. São Paulo, Ed. Pini, dez. 2004, pp. 58-63.

3
Ainda: gradinate con rampe central, per dare l’idea d’una piramide di fiori (escada/arquibancada com rampa central, para dar a idéia de uma pirâmide de flores) e, no centro da pirâmide, um ascensor (elevador).

4
OLIVEIRA, Olivia de. Op. cit. p. 266.

5
Idem, Ibidem, p. 304.

6
A monumentalidade é constatada por uma cota de 100 metros em um dos desenhos, dimensionando o vão entre os apoios da pirâmide. Se considerarmos que esta é formada por triângulos isósceles (conforme indica outro desenho), temos uma pirâmide com mais de 70 m de altura: mais alta que um prédio de 20 andares.

7
ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. São Paulo, Companhia das Letras, 1992, p. 37.

8
BARDI, Lina Bo. “O nôvo Trianon 1957-67”. Revista Mirante das Artes, nº 5, São Paulo, setembro/outubro de 1967, p. 20.

sobre o autor

Alex Miyoshi, arquiteto (FAU-USP, 2000), mestre em história da arte (IFCH-UNICAMP, 2007) e doutorando em história da arte (IFCH-UNICAMP).

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