John Ruskin utilizou uma concepção de lógica e de razão para estruturar assuntos como, a arquitetura, a pintura, a política econômica, a natureza, a religião e vários outros. O objetivo não seria constituir uma teoria da natureza, da pintura, da política econômica, ou mesmo da arquitetura, mas utilizar a mesma lógica de composição em todos estes assuntos.
Pode-se localizar aspectos relevantes da obra ruskiniana no Brasil do século XIX, especificamente no Primeiro Projeto de Industrialização do país ocorrido na cidade do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX. O projeto em questão foi a Política do Ensino do Desenho propagada pelo Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro e pela Reforma do Ensino Primário de Rui Barbosa. Uma política que pretendia transformar o país de agrário em industrial. O seu centro foi a Educação Estética para a construção de um mercado de trabalho popular. Acreditavam que a educação seria o veiculo ideal para alterar os valores de uma sociedade que desprezava o trabalho manual para uma que a valorizasse.
O Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro (LAO) defendeu a união entre as artes liberais com as mecânicas, o que certamente o aproximou da concepção de estética ruskiniana. Esta afirmação não é apenas uma dedução, mas uma constatação, pois, embora Béthencourt da Silva (fundador do LAO), raramente citasse as suas fontes intelectuais, Rui Barbosa o fez constantemente, e o fez citando nominalmente John Ruskin nas obras Lições de Coisas, a Reforma do Ensino Primário e no discurso proferido no L.A.O. em 1882 intitulado O Desenho e a Arte Industrial. Rui Barbosa não apenas conhecia as ideias de Ruskin, como o qualificou de o maior entendido em arte do século XIX,
“A grande lição da história, diz o maior mestre em assuntos de arte que este século já produziu, é que (...)” (1).
Ainda neste discurso, Barbosa traduziu uma passagem de The Two Paths, no qual Ruskin defende uma arte popular em oposição à arte para as elites, ou seja, quando Ruskin negou a separação entre as artes liberais das mecânicas.
“A grande lição da história, diz o maior mestre em assuntos de arte que este século já produziu, é que tendo sido sustentadas até aqui pelo poder egoístico da nobreza, sem que nunca se estendessem a confortar, ou auxiliar, a massa do povo, as artes do gosto, praticadas e amadurecidas assim, concorreram unicamente para acelerar a ruína dos Estados que exortavam; de modo que, em qualquer reino, o momento em que apontardes os triunfos dos seus máximos artistas indicará precisamente a hora do desabamento do Estado. Há nomes de grandes pintores, que são como dobres funerários: o nome de Velásquez anuncia o traspasso da Espanha; o de Ticiano, a morte de Veneza; o de Leonardo, a ruína de Milão; o de Rafael, a queda de Roma. Coincidência profundamente justa; porquanto está na razão direta da nobreza desses talentos o crime do seu emprego em propósitos vãos ou vis; e, antes dos nossos dias, quanto mais elevada à arte, tanto mais certo o seu uso exclusivo na decoração do orgulho, ou na provocação da sensualidade. Outra é a verdade que se nos franquia. Demos de mão à esperança, ou, se preferis, renunciemos à tentação das pompas e louçanias da Itália na sua juventude. Não é mais para nós o trono de mármore, nem a abóbada de oiro; o que nos toca, é o privilégio, mais eminente e mais amável, de trazer os talentos e os atrativos da arte ao alcance dos humildes e dos pobres; e, pois que a magnificência das passadas eras caiu pelo exclusivismo e pela sua universalidade e pela sua humildade se perpetuará. Os quadros de Rafael e Buonarotti deram apoio às falsidades da superstição e majestade às fantasias do mal; a missão, porém, das nossas artes é instruírem da verdade a alma, e moverem à benignidade o coração. O aço de Toledo e as sedas de Gênova só à opressão e à vaidade aproveitaram, imprimindo-lhes força e lustre; às nossas fornalhas e aos nossos teares o destino de reanimar os necessitados, civilizar os agrestes, e dispensar pelos lares cheios de paz a benção e a riqueza do gozo útil e da ornamentação simples” (2).
Em outro momento, do mesmo discurso, Barbosa citou um trecho de outra obra de Ruskin, Modern Painters:
“Quando já de árvores e plantas não há mais préstimo que nos valha, o musgo carinhoso e o líquen alvadio velam junto da pedra tumular. As selvas, as flores, as ervas dadivosas por algum tempo nos auxiliaram; mas estes servem-nos para sempre. Arvoredo para o vergel; as flores para a alcova nupcial; messes para o celeiro; para o sepulcro, o musgo” (3).
A aproximação de Rui Barbosa a John Ruskin ganhou maior dimensão quando novamente Ruskin foi citado em a Reforma do Ensino Primário, publicada em 1883, obra esta considerada o projeto de Rui Barbosa para industrializar o país (4). Ruskin foi citado nominalmente na defesa de uma educação natural:
“Mr. Ruskin, o eloquente artista, a cuja influência se deve, em nossos dias, o despertar da vida artística no seio da Inglaterra, e cuja benéfica propaganda substituiu, no sentimento público, o culto das antigas convenções pelo estudo reverente e afetuoso da natureza, atuando profundamente na moderna cultura popular do seu país, Mr. Ruskin lamentava um dia o esquecimento da natureza na educação, em palavras que parecem tecidas de propósito para o estado geral do ensino entre nós” (5).
Barbosa irá, assim como Ruskin e Béthencourt, anunciar a política do ensino do desenho como uma atribuição moral:
“Vai-se começando a encarar o desenho como ramo essencial da educação geral em todos os graus, e, ainda, como a base de toda a educação técnica e industrial. Vai-se percebendo que ele constitui uma coisa útil em todas as partes do trabalho e em todas as condições da vida; que é o melhor meio de desenvolver a faculdade de observação, e produzir o gosto do belo nos objetos da natureza e de arte, que é indispensável ao arquiteto, ao gravador, ao desenhador, ao escultor, ao mecânico; que, em suma, dá à mão e ao olho uma educação, de que todos têm necessidade” (6).
Rui Barbosa não chegou a aprofundar teoricamente as suas ideias, assim como fez Ruskin, mas deixou claro que conhecia as ideias ruskinianas e que concordava com elas, assim, ao tratar do assunto pedagogia em Lições de Coisas, referiu-se à conciliação da educação com a natureza, anunciando uma educação natural.
“Mas esta reforma encarna em si precisamente a reação mais completa contra esse sistema. Ela parte do desejo de unificar a educação com a natureza; inspira-se na justa indignação contra a pedagogia retórica, a que, já no tempo de Montaigne, lhe ditava estas palavras, onde parece transluzir o pressentimento da revolução educativa, que os nossos tempos estão presenciando” (7).
E como se essas citações não bastassem para demonstrar a afinidade intelectual de Barbosa com Ruskin, foram encontradas em sua biblioteca particular – hoje Fundação Casa de Rui Barbosa – várias obras de autoria de John Ruskin (8).
As ideias de Ruskin trazidas para o país coincidiram com as ideias contidas no projeto de Lebreton (Líder da Missão Artística Francesa trazida por D. João ao Rio de Janeiro), ou seja, a formação, através do ensino do desenho, de mão de obra qualificada.
Os conceitos que fundamentaram o Liceu de Artes e Ofícios de Paris, assim como as propostas do ensino surgidas na Inglaterra sob a influência de Locke se confundem, se complementam e se compatibilizam no esforço de juntar a teoria com a prática. Foi a partir deste cenário europeu de revolução industrial que Lebreton chegou no Brasil, e foi por esta porta que as ideias de John Ruskin foram úteis a Rui Barbosa e ao LAO do Rio de Janeiro.
Rui Barbosa foi sócio honorário do LAO do Rio de Janeiro (9) e concordava com os princípios contidos nos discursos de Béthencourt da Silva cuja ênfase era a união entre as artes liberais com as artes mecânicas através do ensino do desenho, que, na opinião de Barbosa, haveria de ser diferente do método utilizado na Academia de Belas Artes, o neoclassicismo.
“Não se imagine o desenho no currículo escolar sob o funesto espírito pedagógico de que é presa a instrução nacional entre nós. Somos um povo de sofistas e retóricos, nutridos de palavras, vítima do seu mentido prestígio, e não reparamos em que essa perversão, origem de todos as calamidades, é obra de nossa educação na escola, na família, no colégio, nas faculdades. O nosso ensino reduz-se ao culto mecânico da frase: por ela nos advêm feitos, e recebemos inverificadas, as opiniões que adotamos, por ela desacostumamos a mente de toda ação própria; por ela estranhamos a realidade, ou de não discerni-la senão através de Nuvens. (...) O desenho não é o produto da fantasia ociosa, mas o estudado fruto da observação acumulada. Sem observação, sem experiência, não há desenho” (10).
Rui Barbosa propôs um ensino com base na observação da natureza, negando assim, a pedagogia da repetição. A educação idealizada por Barbosa tinha por objetivo alterar os costumes e valores da sociedade brasileira. Queria erradicar o preconceito em relação ao trabalho manual.
“(...) estamos inabalavelmente convencidos de que o ponto de partida para promover a expansão da indústria nacional, ainda até hoje entre nós embrionário, é introduzir o ensino do desenho em todas as camadas da educação popular, desde a escola até os liceus, e dar aos liceus nova capacidade, adaptando-os à formação de profissionais nas artes de aplicação comum. (...) Temos todo um futuro a criar; e esse futuro é o do país” (11).
Para Barbosa, a reforma do ensino teria que começar desde os primeiros passos da criança, pois só assim poderia neutralizar o preconceito em relação ao trabalho manual. Pretendia com isso alterar a cultura e a mentalidade da população, entendendo ser esta uma estratégia para industrializar o país (12). Na época, acreditavam que o ensino poderia mudar os costumes sociais.
“Parodiando o dito de um antigo general, que, a respeito da guerra, afirmava – Para vencerdes, três cousas haveis mister: primeira, dinheiro; segunda, mais dinheiro; terceira, ainda mais dinheiro – esse estadista exprimia-se assim: Ao meu ver, cada mestre é um general, um combatente contra a ignorância e a superficialidade. Ora, para mim tenho a falta de instrução como a raiz de todos os males que há na terra; não vejo outro meio de anulá-la senão três cousas: primeiro, instrução; segundo, mais instrução; terceiro, muito mais instrução” (13).
Para Barbosa a educação estética da população resolveria não apenas o problema do preconceito social em relação às artes mecânicas, mas também questões econômicas, de luta de classes, de moralização da política e até de democratização do país.
“(...) A educação industrial representa um dos auxiliares mais eficazes no nivelamento crescente das distinções de classes entre os homens, não deprimindo as superioridades reais, mas destruindo as inferioridades artificiais, que alongam dessa eminência as camadas laboriosas do povo, isto é, elevando a um plano cada vez mais alto a ação e o pensamento operário. A miopia intelectual é a mais constante geradora de egoísmo. Incuti ao indivíduo hábitos sérios de observação, de disciplina mental, de aplicação racional das nossas faculdades práticas, e o belo, nota universal na harmonia do universo, assumirá o seu domínio sobre as almas, propagando a fraternidade entre todas as classes, aniquilando todas as concepções de casta, e estabelecendo realmente entre todos os homens a igualdade moral, impossível sem o desenvolvimento simétrico de todas as aptidões humanas no indivíduo e na comunidade. A democracia quase não existe entre nós, senão nominalmente; porque as forças populares, pela incapacidade de um sistema de educação nacional, estão de fato mais ou menos excluídas do governo. O ensino industrial, porém, infalivelmente inaugurará a iniciação delas na obra política do Estado. Certamente, a arte é a mais poderosa propagadora de paz” (14).
Além disso, assim como no Arts and Crafts inglês e nas ideias de Ruskin, essa reforma poderia evitar um levante socialista, assunto preocupante na época...
“Se quereis, pois cimentar a ordem necessária das sociedades em bases estáveis é na escola que as deveis lançar. É antes de experimentar as primeiras agruras, as primeiras feridas do combate pela existência, que o futuro trabalhador há de sentir, pela direção da cultura que receberam as suas faculdades nascentes, o valor supremo, a inviolabilidade absoluta dos interesses que presidem à distribuição das categorias sociais pela herança, pelo merecimento e pelo trabalho. Só então o seu espírito disporá da lucidez precisa, para se revestir em tempo do tríplice bronze do bom-senso as loucuras socialistas, contra os ódios inspiradores da subversão revolucionária, e compreender que o nível da demolição, preconizado pelos inventores de organizações sociais em nome da igualdade universal, representa em si, pelo contrário, a mais tenebrosa de todas as opressões, a mais bárbara de todas as desigualdades, a mais delirante de todas as utopias” (15).
O cerne da pedagogia proposta por Barbosa foi o desenho. Em Lições de Coisas, tradução de Barbosa do método do norte americano Calkins, o ensino deve partir das coisas concretas para depois chegar nas abstratas. Assim, Barbosa criticou o método da pedagogia jesuítica que, com a catequese, decorava conceitos, frases, e assumia ideias pré-concebidas.
Lições de Coisas é voltada aos sentidos da visão e da audição, e disto viria o desenho e a escrita.
“Também chamado de Lancaster e Bell, Joseph Lancaster (1775 – 1838), quaker inglês, criador do sistema, que, pessoalmente, introduziu nos Estados Unidos; Andrew Bells (1735 – 1832), médico militar inglês, diretor por algum tempo de um orfanato na Índia, grande propugnador das ideias de Lancaster. A ideia geral do sistema era, aliás, desde muito praticado pelos indus; também adotado na pedagogia dos jesuítas. Comenius (1582 – 1670) o recomendava como recurso de economia da organização escolar, como se vê da didactica magna, cap. XIX. Na propagação que dele fizeram Lancaster e Bell influíam de muito as tendências do filantropismo pedagógico da época. O sistema de ensino mútuo foi consagrado em nosso país de 15 de outubro de 1827. Aos resultados colhidos, fazem referência os relatórios do Ministro do Império em 1838, Bernardo de Vasconcelos e em 1848, Visconde de Macaé” (16).
A proposta do ensino do desenho como política industrial atingiu o seu clímax depois da Exposição Universal de Londres de 1851. Um dos seus críticos mais ferozes foi John Ruskin. Dizia que faltava arte aos produtos industriais. Arte para ele não se restringiu ao desenho do produto, mas a relação deste com a organização do trabalho no processo de produção. A proposta ruskiniana de fabrica teve a sua expressão mais acabada na experiência de industria de Charles Ashbee inspirada no movimento Arts and Crafts de William Morris e dos escritos de Ruskin. Foi uma experiência de propriedade coletiva em forma de cooperativa no qual a administração, produção e comércio eram realizados pelos próprios operários. A proposta administrativa teve por base a filosofia da ajuda mútua e o ensino do desenho ocorria durante o processo produtivo vinculado a pesquisas de materiais. Nesse sentido, o desenho do produto deveria ser alterado dentro da relação pesquisa-ensino-produção ou produção-pesquisa-ensino ou ainda, ensino-produção-pesquisa..
Ruskin queria ensinar a ver. Ver para ele é fazer associações entre assuntos diferentes misturados aleatoriamente acrescidos de memórias de outros tempos e lugares. Para tal utilizou o recurso do desenho e da literatura. O desenho ruskiniano deriva de uma composição entre assuntos, memórias, lugares, estilos em busca de uma unidade, uma razão, um equilíbrio. Ruskin era contrario as regras da composição clássica, na verdade ele foi contra qualquer tipo de lógica dedutiva. Nesse aspecto, pode-se dizer que foi contrário a geometria euclidiana e também contrário as lógicas de proporção ou das perspectivas.
O ecletismo de sua concepção de estética deriva de sua concepção de ética extraída do trabalho com base na opinião e no gosto dos trabalhadores, num fazer empírico e espontâneo onde o desenho é o resultado de observações de detalhes estruturais da arquitetura da natureza como atestam os seus desenhos. Ele costumava deixar o desenho inacabado expondo apenas aquilo que pretendia valorizar. O desenho assim pensado seria composto por linhas curvas não fechadas traçadas conforme a lógica da natureza da qual Ruskin extraiu a sua concepção de composição natural. O resultado é um desenho de traços leves como se fosse um croqui.
Arte e industria em Ruskin é uma concepção de estética aplicada ao processo da produção fabril o que certamente se distanciou da opinião corriqueira dos críticos da arquitetura moderna que dizem ser ele contrário a industria e a favor do modo de produção feudal. Ashbee, inspirado em Ruskin, confirma: nós não somos contra o uso da máquina, somos contra a transformação do homem em máquina. A máquina deve ser usada para realizar trabalhos brutos e repetitivos. William Morris, assim como Ashbee, imaginou uma sociedade industrial onde o trabalho fosse o resultado do entendimento entre os operários na decisão do que e como produzir. Morris não foi contra o uso da máquina, achava que esta poderia, ao invés de acirrar a divisão do trabalho desqualificado e alienado, auxiliar a emancipação dos trabalhadores. Criticou o tipo de máquina que explora o trabalho humano, dizendo que o homem deve dominá-la ao invés de ser dominado por ela. Morris, diferente de Ruskin, queria uma sociedade sem classes sociais através de uma organização socialista. No entanto, a estética industrial de Morris era a ética do trabalho ruskiniano. A arte na indústria para Morris e Ruskin expressava o fim da fábrica voltada aos interesses do mercado e para uma voltada aos interesses do bem estar da sociedade antecipando assim, uma concepção de Estado do Bem Estar Social para administrar o que se deveria ou não produzir. Ruskin afirmou que a vida sem a indústria é um atraso, mas a indústria sem a arte é uma brutalidade. Ruskin, Morris e os demais membros do Arts and Crafts queriam formar uma sociedade industrial através da educação estética.
No entanto, arte na indústria não foi uma invenção do século XIX e muito menos de Ruskin. Ainda no século XVIII Bachelier fundou em Paris uma escola para formar operários com base no ensino do desenho. O Liceu francês associou a teoria à prática através de aulas expositivas em oficinas de trabalho. Bachelier dizia que um bom operário precisa antes de tudo saber desenhar.
A supremacia das artes mecânicas em relação as liberais resultou em uma dinâmica chamada por Rui Gama de a passagem da noção de técnica para a tecnologia burguesa. Ruskin viu essa passagem na Idade Média, porém ela ocorreu de fato durante o capitalismo quando o conhecimento teórico se direcionou a produção das atividades da vida material da sociedade. No entanto, para que isto ocorresse foi preciso que atividades antes feitas concomitantemente se separassem, como ocorreu no século XV com a arquitetura. A passagem da noção de técnica para tecnologia burguesa ocorreu quando estas atividades voltaram a se relacionar, porém, agora, sob uma outra ótica, a teoria, antes uma atividade distante da prática, se tornou exclusividade desta.
A escola de Bachelier fez uso desta noção de tecnologia burguesa ao propagar o ensino das artes mecânicas. O desenho das artes mecânicas se tornou na Europa, e também no Brasil do século XIX, uma política industrial e a sociedade voltada ao trabalho foi o seu objetivo.
A influência das ideias de John Ruskin no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro (ícone desta política no Brasil), se deu por aproximações, como por exemplo, no método do ensino do desenho eclético sem regras de proporção ou técnicas de perspectivas ou qualquer tipo de lógica dedudita como, por exemplo, a geometria euclidiana.
Essa política pretendeu divulgar uma estética eclética com base na ética do trabalho. O seu abandono se deu pela adoção de uma outra política industrial que, de acordo com o sociólogo F. de Oliveira, se implanta nos anos de 1930. Política esta que se pautou pela lógica do desenvolvimento desigual e combinado (um conceito trotskista). F. de Oliveira afirmou que, os setores terciário e primário foram mantidos em condições de atraso tecnológico para favorecer o setor secundário. As relações no trabalho se pautaram pela exploração e selvageria de sua mão de obra. Esta prática difere radicalmente da política proposta pelo LAO como também por Rui Barbosa, pois o ensino do desenho desta pressupunha uma ética de valorização do trabalho.
O aborto desta política industrial cujo eixo repousa na educação dos trabalhadores com base no desenho não significou o fim da relação arte e indústria no Brasil, mas o fim desta concepção de desenho que foi substituído por um tipo de desenho técnico de concepção importada de outros paises, portanto distante do fazer operário da proposta do LAO. Rui Barbosa e John Ruskin.
notas
1
BARBOSA, Rui. O Desenho e a Arte Industrial. Rio de Janeiro, Rodrigues & Cia, 1949, p. 38.
2
Idem, ibidem, p. 38, 39, 40.
3
Idem, ibidem, p. 37.
4
“Afirma que a solução para o problema do desenvolvimento do país, uma nação agrícola, seria tornar-se uma nação industrial. E sugere a criação da indústria, organizando a sua educação. (...) Se o Brasil é um país especialmente agrícola, por isso mesmo cumpre que seja um país ativamente industrial – esta é a ideia fundamental de Rui que vão figurar nos seus trabalhos sobre a educação: a emancipação econômica do Brasil por meio da mudança da orientação da política de ênfase na agricultura, para colocá-la na indústria” (MAGALHÃES, Rejane. “Os Discursos de Rui Barbosa” (prefácio) In: BARBOSA, Rui. Desenho: um revolucionador de idéias.(120 anos de discurso brasileiro). Rio de Janeiro, CHD editora, 2003, p.xxxii .
5
BARBOSA, Rui. “Reforma do Ensino Primário”. In: Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. 10, t. II. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde. 1946, p. 253.
6
Idem, ibidem, p. 110.
7
Idem, ibidem, p. 274.
8
Foram encontrados textos de uma editora norte americana de Nova Iorque (Ruskin´s Work), United States Book Company, de John Ruskin: The Crown of Wild Olive; Munera Pulveris; Pré-Raphaelitism; The Ethics of the Dust; The Elements of Drawing; Deucalion; The King of the Golden River; The Eagle´s Nest; Arrow of the Chace; For Clavigera; Letters to the Workmen and Labourers; Hortus Incluses; Lectures on Art; Proserdina; Ariadne Florentina; The Opening of the Crystal Palace; St. Marks Rest; The Elements of Perspective; The Stones of Venice Vol. 1, 2, 3; The Two Paths; Loue´s Meine; The Pleasures of England; Mornings in Florence; Notes on the Construction of Sheepfolds; além de algumas traduções em edição francesa, Paris: Libraire Rendaurd, H. Laurens éditeur, 1908. Les Reps de Sant Mark; Les Pierre de Venise; Les Matins a Florence; Pages Choisies. (Biblioteca Particular de Rui Barbosa. Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, Rua São Clemente, n° 134).
9
“Ofício datado de 10/10/1878 quando se denominava Imperial Liceu de Artes e Ofícios o telegrama, datados de 21 e 26/11/1901 e 18/9/1921 comunicando que lhe foi conferido o título de sócio-honorário, solicitando sua proteção para obter determinada subvenção de governo federal, felicitando pela eleição para a corte permanente de justiça internacional. Anexo diploma de título acima mencionado datado de 6/9/1878. Arquivo de Rui Barbosa inventário analítico da série Correspondência geral, vol. V Fundação Casa de Rui Barbosa, p.958.
10
BARBOSA, Rui. O Desenho e a Arte industrial. Op. cit., p. 52.
11
BARBOSA, Rui. “A Reforma do Ensino Primário”. Op. cit., Vol. 9 (1882), t. 1, 1942, p.172.
12
“(...) Por essa forma, Rui revivia João Barbosa. Com ele se identificava, e melhor o compreendia. Porque a reforma do método, não deveria ser, para ambos, simples alteração da mecânica escolar. Deveria ser a reforma dos costumes e da mentalidade de nossa gente – a outra face das lutas do pai e do filho... E, então escrevia: Quem conhecer o estado mental de nossa pátria, não terá dúvida em confessar que este é, igualmente, o achaque geral de nossa época e de nossa terra. A escola é o primeiro e mais decisivo fator nessa deturpação da humanidade.” (BARBOSA, Rui. “Lições de Coisas”. In: Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. XIII, tomo 1. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1950).
13
BARBOSA, Rui. O Desenho e a Arte Industrial. Op. cit., p. 45.
14
Idem, ibidem, p. 55, 56.
15
BARBOSA, Rui. “Reforma do Ensino Primário”. Op. cit., Vol. X, t.II, 1946, p. 361, 362.
16
BARBOSA, Rui. “Lições de Coisas”. Op. cit., p.XV.
sobre o autor
Claudio Silveira Amaral é Prof. Dr. do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP. Pesquisa: Pedagogia da Arquitetura, História e Teoria da Arquitetura