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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
O artigo apresenta uma perspectiva científica, com base histórica e arqueológica, sobre a história das maquetes e sobre os recursos tridimensionais de representação arquitetônica em Creta e na Grécia Antiga.

english
This paper presents a scientific approach, with historical and archaeological bases, to the history of architectural models and three-dimensional resources for architectural representation in Ancient Crete and Greece

español
Este artículo presenta una perspectiva científica, con base histórica y arqueológica, acerca de la historia de las maquetas y de los recursos tridimensionales de representación arquitectónica en Creta y Grecia Antigua


how to quote

ROZESTRATEN, Artur Simões. Aspectos da história das maquetes e modelos tridimensionais de arquitetura em Creta e na Grécia Antiga. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 138.00, Vitruvius, nov. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.138/4125>.

Teriam os antigos arquitetos gregos feito maquetes para projetar seus templos e santuários, seus teatros, ágoras, stoas e arsenais, edifícios que constituem as raízes clássicas da cultura ocidental e encantam continuamente por sua elegância, sutileza, por sua técnica impecável e sua sensível inserção paisagística? Existem vestígios arqueológicos de maquetes gregas? O que sabemos sobre os procedimentos projetuais destes arquitetos? Como enfrentaram os problemas e desafios que tiveram à frente?

Ágora com o Templo de Hefesto, Hephaisteion, ao centro, vista da Acrópole, Atenas, Grécia
Foto Artur Rozestraten

São estas questões que incitam este estudo a investigar cientificamente, com base arqueológica e filológica, os vestígios de maquetes e práticas de modelagem tridimensional na arquitetura grega antiga. Para tanto, foi necessário definir e estudar um corpus de objetos, isto é, um conjunto de objetos recolhidos em escavações arqueológicas que possuem formas arquitetônicas em tamanho reduzido e que podem ter sido maquetes de arquitetura. Estes modelos arquitetônicos que serão apresentados aqui dividem-se em dois grupos: o primeiro é composto por um conjunto restrito de pouco mais de quarenta objetos, ditos egeanos, em sua grande maioria encontrados em Creta, produzidos a partir do Bronze Médio, entre 2.000 e 900 a.C.; o segundo grupo é constituído por um conjunto de cerca de 60 objetos caracterizados como modelos arquitetônicos gregos, datados entre 900 e 600 a.C.

Templo de Apolo em Delfos, Grécia, séc. VI a.C.
Foto Artur Rozestraten

Modelos Egeanos

Em termos cronológicos a produção deste conjunto de objetos teve início no período protopalaciano (1), desenvolveu-se no período de auge da civilização minóica (2), acompanhou o período de dominação micênica e encerrou-se no séc. IX a.C. Na primeira metade do Segundo Milênio, a ilha de Creta manteve um contato estreito com o Egito, com a Ásia Menor e o com o Oriente Próximo por meio de intensas navegações comerciais no Mediterrâneo. Tal contato com o Oriente influenciou profundamente a cultura minóica e deixou vestígios nos modelos arquitetônicos.

Quanto ao contexto arqueológico, em termos gerais, os objetos do Minóico Médio e Minóico Recente (anteriores a 1.400 a.C.) foram encontrados enterrados em terraplenos, aterros ou buracos junto a edificações palacianas, e há também exemplos de modelos do Minóico Médio encontrados junto a sepulturas. Já os modelos cilíndricos do Minóico Recente, Submicênico (1065-1015 a.C.), Período Protogeométrico (1050-900 a.C.) e Geométrico (900-750) foram encontrados em contexto doméstico e parecem estar associados a cultos religiosos (3). As principais referências para o estudo dos modelos cretenses são os trabalhos de Evans (4) e Mersereau (5). Outros autores como Hägg (6), Schoep (7), Lefèvre-Novaro (8), Pelon (9) e Poursat (10) também têm se dedicado ao estudo específico de determinados grupos de modelos arquitetônicos egeanos.

O Modelo de Arkhanes

Este modelo foi encontrado em uma residência nobre, na zona denominada Tourkogeitonia, a 180 metros da provável edificação palaciana de Arkhanes, Creta. Os vários elementos arquitetônicos presentes no modelo de Arkhanes assemelham-se aos elementos reais encontrados nas ruínas e restos da arquitetura minóica. Além disso, o modelo parece estar em escala com relação à arquitetura real da época (11).

Modelo de Arkhanes; vista lateral. Datação: Minoico Médio (1.700-1.630 a.C). Material: Terracota com restos de policromia. Dimensões: Altura de cada pavimento: 15 e 18 cm; Largura: 31 cm; Profundidade: 28 cm. A cobertura do modelo foi reconstituída. Museu
Foto Wolfgang Sauber [Creative Commons]

As semelhanças arquitetônicas entre Arkhanes e a arquitetura minóica protopalaciana podem ser interpretadas como expressões de um mesmo princípio formal de composição arquitetônica.

Mais do que uma semelhança específica entre Arkhanes e este ou aquele exemplo particular, o que pode ser percebido, tanto no modelo reduzido quanto em vários exemplos da arquitetura da época, são os mesmos princípios de composição e as mesmas soluções plásticas tradicionais da arquitetura protopalaciana minóica.

Os princípios de composição arquitetônica tradicionais na arquitetura protopalaciana minóica e presentes no modelo de Arkhanes são os seguintes:

  • Assimetria. Arranjos pouco rigorosos sem eixos de simetria rígidos;
  • Composição ortogonal com alternância entre formas quadradas e formas retangulares adjacentes;
  • Agregação do “Quadrado dentro do quadrado” (12), isto é, a subdivisão do espaço definida por um quadrado menor dentro de um maior;
  • Aglomeração centrífuga, agrupamento de novos aposentos em torno de um núcleo central.

A identificação no modelo de Arkhanes do conjunto de princípios de composição arquitetônica da época e de um conjunto de elementos arquitetônicos típicos seriam indícios de que trata de uma “maquete de arquiteto”?

Ilse Schoep interpreta o modelo de Arkhanes como um “modelo feito em escala para visualizar aspectos arquitetônicos concretos”. Essa interpretação da autora apoia-se em 3 aspectos principais:

  • A elaboração da maquete em escala;
  • As semelhanças com a arquitetura real (elementos arquitetônicos e  configuração espacial);
  • A existência de detalhes construtivos e ornamentais.

Esses aspectos, no entanto, não parecem suficientes para caracterizar Arkhanes como “maquete de arquiteto”.

Assim como no caso do modelo egípcio do Rei Sety I, a qualidade artística do modelo de Arkhanes, especialmente o detalhamento de elementos arquitetônicos e a pintura da peça parecem pouco condizentes com um suposto uso como “maquete de arquiteto”.

Atualmente não há informações suficientes a respeito da peça para descartar a hipótese de que Arkhanes tenha tido um outro uso social não associado ao trabalho de arquiteto como a quase totalidade dos modelos egeanos: ritualístico, decorativo, oferenda, etc.

Supondo que Arkhanes esteja relacionada diretamente ao trabalho de arquitetos, este modelo seria uma “maquete de apresentação” do projeto ao cliente, ou seria um modelo feito a posteriori para representar uma edificação existente?

Considerando que a arquitetura representada em escala reduzida em Arkhanes corresponde a configurações tradicionais, comuns na arquitetura protopalaciana, teria o arquiteto construído um modelo de apresentação tão minucioso e requintado como Arkhanes para mostrar uma edificação que não possui “nada de novo”, e aparentemente segue os padrões tradicionais da época?

A interpretação sobre o provável uso do modelo de Arkhanes na sociedade da época poderia ser auxiliada pelo conhecimento sobre o processo de projeto no período Protopalaciano em Creta, no entanto, esse tema é controverso. Sobre o papel do projeto na arquitetura minóica existem basicamente duas posições divergentes:

Donald Preziosi (13) defende a tese de que havia sim um planejamento integral na arquitetura minóica, tanto nas residências quanto nos palácios, desde o período protopalaciano, apoiando-se na ortogonalidade presente na maioria das edificações minóicas, e em unidades modulares que deveriam definir o dimensionamento dos ambientes nas plantas da época.

Maquete contemporânea de reconstituição do Palácio de Cnossos, feita em madeira, Museu Heraklion, Creta
Foto Templar1307 [Creative Commons]

Arnold Lawrence (14), por sua vez, defende uma tese de que o planejamento no período protopalaciano devia ser pouco rigoroso, flexível e sujeito a alterações. Para o autor, mesmo nas edificações palacianas do período neopalaciano a noção de um planejamento integral deve ser aplicada com restrições. Sem dúvida, quando se trata de uma edificação complexa e ampla como um palácio, a noção de projeto integral e o trabalho de arquitetos são mais facilmente aceitos. No entanto, quando se trata de pequenas edificações residenciais tradicionais – como é o caso de Arkhanes – dificilmente se pode aplicar a noção de um rigoroso projeto integral que envolva o trabalho de arquitetos.

Com base nas informações disponíveis atualmente não é possível afirmar plenamente que Arkhanes seja uma “maquete de arquiteto”. Mas Arkhanes poderia ser um modelo didático, isto é, um objeto utilizado para apresentar de forma sintética os princípios espaciais e elementos formais da arquitetura da época. Grosso modo, Arkhanes pode ser tomado como um modelo no sentido amplo do termo: exemplo, ideal, referência, padrão, que pode ter tido vários usos em sua época, desde uma oferenda até um objeto artístico de decoração.

Seguindo neste sentido, não é necessário resolver todas as questões em torno do provável uso social do modelo de Arkhanes para perceber nessa peça a originalidade de certas soluções de modelagem arquitetônicas como por exemplo: 

  • A articulação de suas partes que possibilita montá-lo e desmontá-lo, experimentando assim tanto a forma integral quanto a (des)construção da forma;
  • A riqueza espacial do modelo que permite ao observador “entrar” e “sair”, relacionando o “dentro” e o “fora” por meio da articulação da partes e também das aberturas, dos vãos, portas, janelas e elementos vazados;
  • As possibilidades dinâmicas de alternar apreensões gerais e específicas, indo do todo ao detalhe e vice-versa;
  • As características construtivas do modelo “desmontável” que estabelece analogias diretas com a ação formativa no canteiro, e abre-se ao exercício alternado de sínteses (processos de montagem, composição ou construção) e análises (processos de desmontagem ou desconstrução);
  • A representação em escala reduzida de elementos ornamentais (cornos consagrados), colunas e aberturas, assim como a representação artística de técnicas construtivas (alvenaria de amarração) da prática arquitetônica que lhe era contemporânea.

Apesar de todas estas qualidades singulares, o modelo de Arkhanes não pode ser definido como uma maquete de arquiteto. Não há indícios formais e nem arqueológicos suficientes para caracterizar esse objeto como modelo de projeto, ou mesmo como maquete de apresentação de uma edificação a ser construída. Justamente por não corresponder a uma arquitetura real específica, Arkhanes pode ser considerado um “tipo”, ou seja, um objeto que reúne em si características típicas e genéricas da arquitetura residencial minóica tradicional.

Modelos Gregos

Na história da Grécia, o período de 300 anos em que os modelos aqui em foco foram concebidos inicia-se no Período Protogeométrico (1.050-900 a.C) e termina no início da Época Arcaica (700-480 a.C.) – período em que começam a se formar as polis (cidades-estado), os governos aristocráticos, e que antecede a Época Clássica grega (séc. V e IV a.C.). Na história da arquitetura, esse período da primeira metade do Primeiro Milênio corresponde ao surgimento da arquitetura monumental grega, que tem como um dos primeiros exemplos o Heraion de Samos (c. 800 a.C.), considerado o mais antigo exemplo de templo peripteral atualmente conhecido (15).

Quase todos os modelos arquitetônicos gregos atualmente conhecidos foram encontrados em escavações arqueológicas em santuários. A associação entre modelos reduzidos e lugares consagrados sustenta a interpretação de que estes objetos foram utilizados como oferendas em ritos religiosos. Nos antigos ritos religiosos gregos, a prática da oferenda era bastante comum, tanto como uma espécie de retribuição ou agradecimento por favores divinos, quanto como um presente acompanhando um pedido de proteção ou favorecimento (16).

O espaço interno dos templos gregos não era o local onde preferencialmente depositavam-se oferendas. Estas eram geralmente deixadas ao redor do templo, do lado de fora, no espaço do santuário. Nos grandes templos, as oferendas podiam ser deixadas no opisthódomos, espaço localizado na parte posterior do templo, atrás da imagem da divindade cultuada. Oferendas especiais eram muito bem guardadas em Tesouros construídos próximos ao templo no espaço do santuário (17). Até o momento, os principais estudos sobre os modelos arquitetônicos gregos foram realizados por: Marinatos (18), Drerup (19), Trianti (20) e Schattner (21).

Tesouro de Atenas em Delfos, Grécia, c.500-485 a.C.
Foto Artur Rozestraten

Antes de adentrar o campo específico da modelagem tridimensional, cabe fazer algumas considerações a respeito do que se conhece atualmente sobre o processo de projeto e as representações utilizadas pelos arquitetos gregos.

Os desenhos em planta e elevação em escala reduzida, utilizados pelos arquitetos da Mesopotâmia e do Egito desde o terceiro milênio, não deixaram vestígios materiais no mundo grego. Também não foram encontrados vestígios de instrumentos de desenho gregos (22). Os desenhos de arquitetura gregos atualmente conhecidos são desenhos de detalhes gravados diretamente nas paredes em escala 1:1 registrados em Didyma e Priene, por exemplo (23). Além desses desenhos 1:1, em diversas inscrições existentes em edificações gregas antigas há referências a hypographé e anagraphé, termos interpretados respectivamente como croquis e desenho de contorno, perfil ou gabarito.

Anastilose no Parthenon, Acrópole, Atenas, Grécia, séc. V a.C.
Foto Artur Rozestraten

Para avançar no entendimento das representações arquitetônicas gregas, uma referência fundamental é o texto do arquiteto romano Vitrúvio, que constitui o único tratado de arquitetura remanescente da Antiguidade. No Capítulo II do Primeiro Livro, Vitrúvio se refere aos desenhos de arquitetura com o termo grego ideiai (imagens, formas exteriores, aparência), e os nomes que Vitrúvio utiliza para designar os desenhos também são de origem grega: Iconografia, Ortografia e Cenografia, a saber, Planta baixa, Elevação e Perspectiva (24).

O uso de termos gregos para designar esses desenhos seria uma simples convenção da época, sem necessariamente ter um vínculo com a história da representação gráfica, ou haveria aí um registro de uma tradição grega de desenhos de arquitetura que teve continuidade no mundo romano?

Nos estudos específicos persiste entre os autores uma polêmica quanto ao papel do desenho na atividade dos arquitetos gregos. Resumidamente, há três posições diferentes entre os autores:

De um lado, há autores que seguem a hipótese de Bundgaard (25) e defendem a ideia de que os arquitetos gregos não se valiam de desenhos e usam como argumento o fato de não haver nenhum remanescente dos supostos desenhos gregos;

Colunas e capitéis no Templo de Zeus Olímpico, Atenas, Grécia, iniciado no séc. VI a.C. e terminado c.170.
Foto Artur Rozestraten Foto Artur Rozestraten

Do outro lado, há autores como Dinsmoor (26) que defendem a ideia de que os arquitetos gregos compunham projetos completos com desenhos detalhados de suas obras, sem os quais a arquitetura que fizeram seria impossível. A inexistência de provas materiais, entretanto, inviabiliza essa hipótese;

Por fim, numa posição intermediária, há autores como Coulton (27) e Hellmann (28) que defendem a ideia de que os arquitetos provavelmente desenvolviam desenhos preliminares incompletos e, havendo necessidade, tais desenhos eram complementados na obra com outros grafismos e modelos em escala real. O cerne desta hipótese é a noção de que a arquitetura grega se compunha a partir de “regras de proporção” suficientemente conhecidas e assimiladas por arquitetos e construtores de maneira a garantir a forma geral da edificação. Convencionada a forma geral do edifício, os detalhes é que seriam objeto de maior atenção por parte do arquiteto e da equipe de profissionais de construção. Dentre todas, esta última hipótese é a que encontra maior respaldo científico, tanto sob o aspecto material quanto sob o aspecto filológico.

Colunas e capitéis no Templo de Zeus Olímpico, Atenas, Grécia, iniciado no séc. VI a.C. e terminado c.170
Foto Artur Rozestraten

Coulton (29) considera que o principal registro das definições preliminares de projeto dos arquitetos gregos era o syngraphé, uma espécie de memorial descritivo que continha as principais informações necessárias para a comunicação do conteúdo arquitetônico e construtivo para os clientes, financiadores e construtores.

Levando em consideração o contexto da arquitetura clássica grega onde em lugar de “invenção” cabia muito mais a adaptação criativa de modelos e modulações dominadas pelos arquitetos e construtores o syngraphé podia registrar as definições gerais da obra, no mais eram detalhes, expressos em hypographé, anagraphé, e modelos tridimensionais.

A única complementação ao syngraphai do Arsenal de Pireu refere-se a “parádeigmas que o arquiteto deveria fornecer” (30). Esses parádeigmata eram modelos tridimensionais em escala real ou 1:1 - feitos em gesso, madeira, cerâmica, e pedra - que o arquiteto deveria providenciar como referência de molde para certos detalhes ornamentais compostos por séries de peças padronizadas, por exemplo, tríglifos, cornijas e capitéis.

Haselberber (31) cita como exemplo de parádeigma o “capitel de sobra” coríntio do túmulo de Policleto o Jovem em Epidauro (séc. IV a.C.) que seria um protótipo – primeiro tipo – para a feitura do conjunto de capitéis do monumento e que geralmente eram usados na obra e não descartados. Estes “paradigmas” são os prováveis modelos tridimensionais dos arquitetos da Grécia Clássica (séc. V, 480-323 a.C.).

Capitel Coríntio do tholos de Policleto o Jovem em Epidauro, parádeigma, séc. IV a.C., Museu de Epidauro, Grécia
Foto Vicguinda [Creative Commons]

A noção imprecisa de que os arquitetos gregos se valiam de maquetes se deve em boa parte a uma tradução equivocada de um trecho de Aristóteles (384-322 a.C.) feita por Benndorf em 1902 (32), reproduzida por Premerstein em 1912 (33), e citada em um texto de grande valor difundido em todo o mundo, o “Manuel D’Architecture Grecque” de Roland Martin de 1965. O trecho em questão é uma passagem da “Constituição de Atenas” onde o filósofo descreve as funções do Conselho em Atenas:

Outrora o Conselho julgava os modelos (parádeigmata) de péplos, mas hoje isso é feito por um tribunal escolhido por sorteio...” (34) (tradução do autor).

O termo péplos quer dizer túnica (35), veste, vestido (36). E no trecho em foco, conforme nota do tradutor, Aristóteles faz menção aos modelos (parádeigmata) de túnica confeccionados para a deusa Atena e carregados em procissão nas Panateneias (37).

Cena do Péplos na parte da seção central do relevo do friso leste do Parthenon, British Museum, Londres, c.447-433 a.C.
Foto Twospoonfuls [Creative Commons]

Roland Martin (38) e outros autores que aparentemente nele se basearam, como Pierre Gros (39), Jean-Pierre Adam (40), Darío López Morales (41) e Jean-François Bommelaer (42), reproduziram a interpretação equivocada de Premerstein que supunha que o termo parádeigmata e o termo péplos utilizados por Aristóteles faziam uma referência direta ao uso de maquetes em Atenas para a aprovação de projetos para obras públicas.

Como visto, esta interpretação se construiu sobre um erro de tradução. A retomada do texto original em grego não deixa dúvida de que não há nenhuma relação do trecho em questão com supostas maquetes ou modelos de arquitetura.

Considerações finais

Embora os modelos votivos gregos possuam uma relação formal muito próxima com a arquitetura grega real, não há nenhuma evidência material da existência de modelos reduzidos com características de “maquete de arquiteto” na Grécia. O que há são evidências materiais e referências textuais a modelos de arquiteto conhecidos como parádeigmatas, que são protótipos, modelos em escala real 1: 1, muito provavelmente utilizados como referência para a fabricação de elementos seriados como capitéis e tríglifos. De modo geral, as considerações sobre as representações projetuais na arquitetura grega devem sempre considerar uma interação complementar entre texto – syngraphé – e desenhos parciais de detalhes: hypographé, anagraphé.

 A questão da representação arquitetônica na Grécia antiga, e mais precisamente a questão do desenho e da modelagem tridimensional na arquitetura grega, constitui hoje um dos principais campos de interesse e de pesquisa de arqueólogos, arquitetos e estudiosos da história da arquitetura antiga. Por se tratar de um campo de estudo aberto e em franco desenvolvimento, espera-se que nos próximos anos estudos que exploram as interações entre os vestígios arqueológicos, a história da técnica, a história da arquitetura e os registros textuais da época possam trazer novas referências que auxiliem a elucidar aspectos relativos ao papel das representações nos processos de trabalho dos arquitetos gregos na Antiguidade. A ampliação do conhecimento quanto ao mundo grego repercute no entendimento das práticas romanas, e pode permitir esclarecer aspectos fundamentais ligados à retomada moderna dos procedimentos de modelagem tridimensional na arquitetura da Renascença italiana.

notas

NE
Este artigo é parte da dissertação de mestrado do autor disponível na íntegra no Biblioteca Digital de Dissertações e Teses da USP no link: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16131/tde-09062009-145825/pt-br.php>. Aspectos da modelagem no mundo grego também foram publicados pelo autor no artigo: ROZESTRATEN, A. S. . Comentários sobre a modelagem tridimensional na arquitetura grega e romana antigas: Heródoto, Aristóteles e Vitrúvio. Pós. Revista do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU/USP, v. 22, p. 142-159, 2007. Aspectos relativos ao modelo de Arkhanes foram também publicados pelo autor em outro artigo disponível em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciEduc/article/viewArticle/9774>.

Este texto é o segundo de uma série de três sobre o tema da modelagem arquitetônica na Antiguidade, o texto anterior concentra-se no Egito, e o seguinte no Mundo romano.

1
O período Protopalaciano se deu na passagem do Bronze Antigo para o Bronze Médio (c. 2.000 a.C.) quando foram construídos em Creta os primeiros palácios em Cnossos, Festos, Mália e Zakro. Este período se encerrou com a destruição de grande parte dos palácios causada por um terremoto ocorrido por volta de 1.700 a.C. (Minóico Médio).

2
A reconstrução e ampliação dos palácios sob a liderança do mitológico rei Minos, entre 1700 e 1450 a.C., inaugurou o período Neopalaciano que correspondeu ao renascimento e apogeu da cultura minóica (Minóico Médio/Minóico Recente).

3
SCHOEP, Ilse. “Maquetas arquitectónicas prehelénicas en el egeo”. In: Las Casas del Alma. Catálogo da exposição “Las casas del alma (5.500 a.C. – 300 d.C.” do Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona. Barcelona: Fundación Caja de Arquitectos, 1997. p. 83-89.

4
EVANS, Arthur. The Palace of Knossos. Annual of the British School e, 1901-1902, Londres.

5
MERSEREAU, Rebecca. Prehistoric Architectural Models from the Aegean. Tese de doutorado, Phd, D. Bryn Mawr College, 1991.

6
HÄAG, Robin. The Cretan Hut-Models. Opuscula Atheniensia, Atenas 18, p.95-107, 6, 1990.

7
SCHOEP, Ilse. Home Sweet Home. Some comments on the so-called house models from the Prehellenic Aegean. Opuscula Atheniensia, Atenas, 20, 13, p.189-210, 1994.

8
LEFÈVRE-NOVARO, Daniela. Un Nouvel Examen des Modèles réduits trouvés dans la grande tombe de Kamilari. POTNIA – Deities and Religion inte Aegean Bronze Age. Proceedings of the 8th International Argean Conference – Göteborg, Göteborg University, 12-15 Abril 2000. AEGAEUM 22. Liège: Université de Liège, 2001. p. 89-98.

9
PELON, Olivier. “Maquette architecturale et architecture palatiale dans la Crète minoenne”. In: Maquettes Architecturales” de L’antiquité. Actes du Colloque de Strasbourg, 1998. Paris: De Boccard, 2001. p.303-319.

10
POURSAT, Jean-Claude. “Les maquettes architecturales en Egée”. In Dossiers d’Archéologie – Maquettes antiques: architecturales, réelles ou symboliques, Dijon, n.242, p.28-33, Abril, 1999.

11
Idem nota 1.

12
LAWRENCE, Arnold Walter. Arquitetura Grega. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1998.

13
PREZIOSI, Donald. “Minoan Architectural Design: formation and signification. Berlim: Mouton De Gruyter, 1983.

14
POURSAT, Jean-Claude. Op. Cit.

15
Idem. Ibidem.

16
BERVE, Helmut, GRUBEN, Gottfried. Greek Temples, Theatres, and Shrines. Londres: Thames and Hudson, 1963, p.11.

17
Idem nota 14.

18
MARINATOS, Spyridon. Grenier de L’Helladique ancien. Bulletin de Correspondance Hellénique, 70, 1946, p337-351.

19
DRERUP, Heinrich. Hausmodelle. Griechische Baukunst in geometrischer Zeit, Vanderhoeck e Ruprecht, Göttingn, 1969, Archaeologia Homerica, II, O, p.69-76.

20
TRIANTI, I. Hausmodelle aus Mazi. Mitteilungen des Deutschen Archäologischen Instituts. Athenische Abteilung, 99, 1984, p.113-119.

21
SCHATTNER, Thomas. “Las maquetas arquitectónicas de la Grecia antigua y su relación con la arquitectura de la época”. In: Las Casas del Alma. Catálogo da exposição “Las casas del alma (5.500 a.C. – 300 d.C.) do Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona. Barcelona: Fundación Caja de Arquitectos, 1997. p. 90-94.

22
Em 2006 Robert Stieglitz publicou a análise de dois instrumentos de madeira encontrados em 1985 junto a uma embarcação grega naufragada na costa de Israel, uma régua e um esquadro, que são considerados os mais antigos instrumentos de medida do mundo grego atualmente conhecido. Estes dois objetos, datados em c.400 a.C. são instrumentos de canteiro, para riscar sobre materiais, e possuem marcações referentes a diferentes padrões de medida. STIEGLITZ, Robert. Classical Greek measures and builder’s instruments from the Ma’agan Mikhael shipwreck, AJA, 110, p.195-203, 2006. Apud DUARTE, Cláudio W. Gomez. Geometria e Artimética na concepção dos Templos Dóricos Gregos. Dissertação de mestrado defendida no MAEUSP. São Paulo, 2010. Mais informações sobre o barco Ma’agan Mikhael podem ser obtidas no site do The Reuben and Edith Hecht Museum da Universidade de Haifa:  http://mushecht.haifa.ac.il/archeology/maagan_ship_eng.aspx

23
HELLMANN, Marie-Christine. “Les maquettes du monde classique – Grèce, Italie et Empire Roman”. In: Dossiers d’Archéologie – Maquettes antiques: architecturales, réelles ou symboliques, Dijon, n.242, p.42-47, Abril, 1999.

24
VITRUVIUS. Les dix livres d’architecture. Tradução de Claude Perrault, 1673. Paris: Edit. Errance, 1986.

25
BUNDGAARD, J.A. A Greek Architect at Work, 1957. Apud COULTON, 1985. “Incomplete preliminary planning in Greek architecture: some new evidence”. In: Le dessin d’architecture dans les sociétés antiques. Anais do colóquio de Strasbourg, 26-28 de Janeiro de 1984. Strasbourg: Université des Sciences Humaines de Strasbourg, Centre de Recherche sur le Proche-Orient et la Grèce antiques, 1985. p.103-121.

26
DINSMOOR, William Bell. “Preliminary planning of the Propylaia by Mnesicles”. In: Le dessin d’architecture dans les sociétés antiques. Anais do colóquio de Strasbourg, 26-28 de Janeiro de 1984. Strasbourg: Université des Sciences Humaines de Strasbourg, Centre de Recherche sur le Proche-Orient et la Grèce antiques, 1985. p.135-147.

27
COULTON, J.J. “Greek Architects and the transmission of design”. In : Architecture et Société: de l’archïsme grec à la fin de la république romaine. Anais do colóquio internacional organizado pelo Centre National de Recherche Scientifique e L’École de Rome, Roma, 2-4 de Dezembro de 1980. Roma: École Française de Rome, Palais Farnèse, 1983. p.452-470.

28
HELLMANN, Marie-Christine. Architecture Grecque. Paris: Livre de Poche, 1998.

29
COULTON, J.J. Greek architects at work – problems of structure and design. Londres: Paul Elek, 1977.

30
DINSMOOR, William Bell. Op. Cit.

31
HASELBERGER, Lothar. “Semejanzas Arquitectónicas, Maquetas y Planos en la Antigüedad Clásica”. In: Las Casas del Alma. Catálogo da exposição “Las casas del alma (5.500 a.C. – 300 d.C.) do Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona. Barcelona: Fundación Caja de Arquitectos, 1997. p. 95-104.

32
BENNDORF, Otto. “Antike Baumodelle”, Jahreshefte des österreichischen Archäologischen Instituts, n.5, p.175-195, 1902. Apud COULTON, J.J. Greek architects at work – problems of structure and design. Londres: Paul Elek, 1977.

33
PREMERSTEIN, Jahreshefte, 15, 1912, p.20. Apud MARTIN, Roland. Manuel d’Architecture Grecque. Paris; Ed. J. Picard et Cie., 1965.

34
ARISTOTLE. Athenian Constitution. London, William Heinemann Ltd, 1952.

35
BAILLY, A. Dictionnaire Grec-Français. Paris: Librairie Hachette, 1950.

36
Nota da edição de William Heinemann, 1952, p.136.

37
As Panateneias eram festivais que se repetiam a cada cinco anos e que reuniam toda a população de Atenas para um grande banquete, jogos e danças. No encerramento do havia o rito de entrega solene do péplos escolhido em sorteio por um tribunal, como registra Aristóteles, ao santuário da Deusa Atena.     

38
MARTIN, Roland. Manuel d’Architecture Grecque. Paris; Ed. J. Picard et Cie., 1965.

39
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sobre o autor

Artur Simões Rozestraten é Arquiteto e urbanista, professor doutor junto ao Departamento de Tecnologia da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

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