O Cinqüentenário do Seminário de Quitandinha, a mais importante reunião promovida pelo IAB sobre temas urbanos, foi comemorado pelo IAB e CAU no Seminário de Política Urbana Q+50. No IAB/RJ, Haroldo Pinheiro e Sergio Magalhães evocaram Quitandinha como Seminário que tratou de tema prioritário e que consolidou o estado da arte e o saber urbano da época, ambos deixando entrever a importância de voltar a debater temas urbanos atuais e prioritários. Por esta razão lembrei, em mesa redonda no Q+50, as razões do sucesso do Seminário de Habitação e Reforma Urbana em Quitandinha e São Paulo, que foi promovido pelo IPASE e IAB em julho de 1963. Agora volto ao tema, lembrando os Anais do Seminário e olhando o futuro.
A maior razão do sucesso de Quitandinha foi a escolha de tema relevante – habitação – como foco central do Seminário. Outro fator fundamental foi o trabalho interdisciplinar dos 70 participantes da fase inicial, que reuniu arquitetos, sociólogos, advogados, engenheiros, assistentes sociais, lideres sindicais, estudantis e de representantes de entidades interessadas no problema, os quais representavam as mais diferentes correntes do pensamento técnico e político da época. A heterogeneidade profissional e também ideológica foi fundamental para a qualidade dos resultados.
No Seminário pesou o fato do tema habitação e reforma urbana corresponderem às prioridades políticas do Governo João Goulart e das Reformas de Base dos anos 60. Segundo os Anais, a Reforma Urbana deveria “englobar e significar um conjunto de medidas destinadas a resolver a crise de habitações e os problemas urbanos”, tendo como exigência “reformista” fundamental “a revisão dos conceitos de propriedade e de uso do solo urbano” na Constituição. Uma exigência das Reformas de Base Agrária e Urbana. Atento ao cenário político da época, o IAB / SP havia redigido o documento que definia os objetivos do Seminário: a) debater problemas relacionados com planejamento e habitação; b) definir “reforma urbana”; c) verificar nossas responsabilidades profissionais atuais e futuras no campo do planejamento das aglomerações urbanas; e finalmente, d) trazendo este debate, comprometendo-as para desenvolvimentos futuros, entidades governamentais e associações representativas ... (que culminem) em melhores cidades e melhores condições de habitação e de vida urbana para o nosso povo.” O IAB /SP concluía lembrando que os resultados do Seminário seriam “valioso subsidio para o VI Congresso da União Internacional de Arquitetos”, a ser realizado em Cuba em setembro de 1963.
Vale lembrar que a questão habitacional foi o tema urbano prioritário da Guerra Fria dos anos 50 / 60. Os Seminários da ONU e inúmeras reuniões técnicas, inclusive no Brasil, trataram da questão habitacional como tema intra-urbano e como componente de políticas nacionais de ordenamento territorial e de sistemas urbanos. Fato observado tanto em países socialistas - URSS e Polônia, como na França, Inglaterra e Chile.
Na America Latina, a questão habitacional foi promovida pela USAID e pela OEA a partir dos anos 50, segundo visão bastante multidisciplinar. As atividades eram conduzidas pelo Centro Interamericano de Vivienda y Planeamiento (CINVA), em Bogotá, Colômbia, que anualmente promovia Cursos Regulares de Vivienda y Planeamiento a partir de métodos setoriais e técnicos, mas sem menção à necessidade de uma reforma urbana.
Por outro lado, a Revolução Cubana implantara sua Reforma Urbana a partir do confisco da propriedade privada e da construção de modelares conjuntos habitacionais. Esta política foi contestada pelo deputado federal Arthur Lima Cavalcanti por entender que Cuba “partira para uma política de reforma urbana sem os pés no chão”, com casas demasiadamente caras. Razão pela qual “atenderam-se 4 a 5 por cento das necessidades e sentiram então o fracasso desta política.” [Anais do Seminário].
No meio ao beligerante cenário mundial da época, acirrava-se no Brasil o conflito entre grupos de esquerda e direita. O que poderia levar, como então observavam alguns, a conflito armado semelhante à Guerra no Vietnã. Os principais atores políticos repetiam o cenário da crise de Getulio Vargas em 1954, a qual havia amainado com a democracia e os “50 anos em 5” do desenvolvimentismo de JK, cujo legado fora a inflação galopante e industrialização geradora de empregos concentrados no sudeste. Com isso crescia a migração, o “inchamento” de cidades e metrópoles, e os desníveis regionais.
A partir da renúncia de Janio, as tensões políticas foram revigoradas com o sistema parlamentar imposto por políticos e militares conservadores e, em meio a radicalização política de 1963 e a forte inflação, Jango recuperou o poder presidencial com o apoio de grupos de esquerda e de direita. Neste cenário, as Reformas de Base constituíam a bandeira da esquerda radical, com propostas conduzidas por grupos liderados por Leonel Brizola, Comandante Aragão, Arraes, General Lott e Julião, cuja Reforma Agrária limitaria a propriedade rural a 500 ha. Os membros mais agressivos da direita radical eram lideres militares, como o Marechal Denys, e políticos como Carlos Lacerda, cujos violentos ataques recebiam o apoio da UDN, de parte do PSD e do PRP de Ademar de Barros. As tensões políticas do período das Reformas de Base culminaram no Golpe de Estado nasserista de 1964, liderado por políticos, tecnocratas e militares conservadores e modernizadores. O Regime Autoritário rompeu o ciclo democrático iniciado em 1945 e permaneceu no poder durante as duas décadas seguintes.
Em 1963, o Seminário de Quitandinha havia tratado de temas que o Presidente João Goulart incluíra na Mensagem enviada ao Congresso Nacional em 15 de marco de 1963. Dizia Jango: “os problemas relacionados com a moradia popular, em particular nos grandes centros urbanos, serão objeto de mensagem especial ao Congresso Nacional”, com o objetivo de formular “política habitacional capaz de disciplinar o vertiginoso e desordenado crescimento urbano nacional.” A Mensagem destaca que seu “Governo está procedendo ao estudo da legislação existente visando à propor normas básicas para elaboração de planos regionais e urbanos”, bem como de “plano nacional de habitação”. Estas normas iriam tratar, em todos os níveis de gestão e planejamento, dos aspectos relacionados com: “a) a coordenação de atividades das entidades governamentais” para assegurar a integração de programas; “b) a coordenação dos recursos destinados a habitação; c) coordenação, disciplinamento e incremento da iniciativa privada no campo habitacional; d) medidas e providências no setor industrial .... para racionalizar e baratear as construções; e) estudos e pesquisas sobre a questão habitacional.”
A Mensagem Presidencial consta no documento com define diretrizes sobre Habitação e Planejamento Urbano do Seminário, que o IAB de São Paulo elaborou em junho de 63. O documento definia os temas focais junto ao IPASE e ao Governo Federal e foi importante para dar objetividade e qualidade aos produtos levados ao Governo Federam a partir da heterogêneas linhas de pensamento dos profissionais liberais convidados - todos com alta qualificação profissional em questões urbanas. Estes fatores resultaram em textos e projetos de lei sobre tópicos relevantes, de qualidade e juridicamente bem sustentados.
Para melhor destacar a interdisciplinaridade e as heterogêneas formas de pensamento - que foram fundamentais para a qualidade alcançada em Quitandinha e São Paulo, vale lembrar que o Relatório Final do Seminário foi inicialmente escrito por equipe de Jurista [Clovis Garcia], Arquiteto [Jorge Wilheim] e Economista [Vinícius Fonseca], e depois modificado nas assembléias em São Paulo. O Relatório propôs alteração da Constituição para que as desapropriações não fossem mais previamente pagas em dinheiro, em exigência que atendia a reforma habitacional, a gestão de cidades, a reforma agrária e o planejamento do território nacional e regional, bem como outras proposições.
Vários projetos de lei trataram da questão habitacional, como aquele que indicou como princípios da Política Habitacional e Reforma Urbana a criação de “órgão central federal como autonomia financeira e competência para e jurisdição sobre todo o território nacional” e com atribuições para elaboração de “Plano Nacionais Territoriais e de Habitação”. Para Planos Nacionais o projeto de lei propunha que o:
1. Plano Nacional Territorial [PNT]: fixaria “diretrizes gerais de desenvolvimento territorial – demográfico; a interligação dos diversos planos regionais, sua vinculação aos planejamentos de caráter econômico e dos grandes empreen-dimentos de interesse nacional, de forma a se obter o desenvolvimento físico e integrado / orgânico das diversas regiões do pais.” O PNT daria “especial atenção à distribuição demográfica, aos aspectos sociais provenientes do desenvolvimento econômico, aos problemas de habitação, circulação local e intercomunal, trabalho, recreação, saúde, educação, abastecimento, reserva para expansão urbana e de áreas florestais, proteção de mananciais e regiões de valor turístico.”
2. Plano Nacional de Habitação: iria “corrigir o déficit de moradia, e suprir a crescente demanda de habitações, serviços e equipamentos urbanos.”
Outro detalhado projeto de lei propôs a criação da Superintendência da Política Urbana [SUPURB] subordinada a Presidência da Republica, com autonomia financeira e à qual caberia implantar a) Plano Habitacional de Emergência [PHE], b) Plano Nacional – Territorial e Demográfico - e dos Planejamentos Urbanos e Regional, c) Plano Nacional de Habitação e, d) das medidas tendentes ao saneamento do mercado imobiliário”. O PHE visaria, “prioritariamente, a adoção de medidas destinadas a melhorar o estado sanitário dos agrupamentos de habitações anti-higiênicas, tais como favelas, mocambos, malocas e outras denominações.”
O Grupo III do Seminário recomendou que “no âmbito federal, os órgãos de planejamento não se limitem ao campo da planificação sócio-econômica, mas incluam também em seus objetivos o planejamento físico” e apresentou orientação para o fortalecimento de planos diretores integrados ao planejamento regional e implantados segundo uma escala de prioridades. Sugeriu também que, para conduzir a política habitacional, caberia “estimular o estudo do Urbanismo e cooperar como Estados e Municípios e outras entidades, no planejamento de cidades e dos espaços a elas econômica e socialmente vinculados”. Outros projetos de lei propuseram a criação do Ministério da Habitação e do Urbanismo e de entidade vinculada à Presidência da República para conduzir a gestão de política territoriais, a partir do PNT.
O Fundo Nacional de Habitação [FNH], proposto no Seminário, seria administrado pelo órgão central, e concentraria os recursos financeiros da Política Habitacional obtidos a partir da: “a) arrecadação do imposto de habitação a ser criado e que incidirá sobre: i) o registro de loteamentos urbanos no Registro de Imóveis, ii) a transferência, por venda, cessão ou doação de lote de terreno compromissado; iii) transferência por venda, cessão ou doação de unidades residenciais com mais de 100 m2 de área total construída; iv) não utilização de imóvel urbano, compreendendo terreno inexplorado ou unidade residencial vaga por mais de 6 meses.” Com outras fontes complementares de recursos também sendo lembradas ao longo do Seminário.
Nos Anais há propostas sobre o conteúdo de Planos Diretores Urbanos e vários projetos de lei que ficaram obsoletos, embora fossem objetivos, equilibrados e de qualidade. Jorge Wilheim, Mauricio Roberto, Mauricio Nogueira Batista, Acácio Gil Borsoi, Sergio Bernardes, Juarez Brandão Lopes, Hely Lopes Meirelles, Eurico Andrade de Azevedo, Villanova Artigas, Luiz Paulo Conde, Luiz Carlos Costa, Paulo Mendes da Rocha, Franco Montoro, Adina Mera, Kneese de Mello e Roberto Cerqueira Cesar foram alguns nomes que, dentre outros tantos com saber e experiência em questões urbanas e regionais, contribuíram para qualidade dos resultados alcançados nas reuniões. O Seminário de Quitandinha foi encerrado por Almino Afonso, Ministro do Trabalho que representou o Presidente João Goulart e destacou a Reforma Urbana nas Reformas de Base.
As iniciativas do Regime Autoritário implantado a partir de 1964 não puderam ignorar o significado e a importância do Seminário de Quitandinha, mesmo porque os novos donos do poder tinham de enfrentar os mesmos problemas - inflação, desníveis regionais, questão habitacional e questão urbana, e precisavam do apoio de grande parte dos quadros técnicos que haviam participado do Seminário.
Em 1964, a gravidade da questão urbana levou Sandra Cavalcanti [Secretaria do Estado da Guanabara] a redigir Memorando ao Presidente Castelo Branco, com Projeto de Lei (18/IV/1964) (1) para criação do Banco Nacional de Habitação [BNH]. Em seu Memorando Sandra recomendou a criação de Banco como “órgão central” para que “houvesse uma moeda sadia circulando no Sistema de Habitação” que ficasse infensa a inflação que vigia. Apontou também para importância de revisão da lei do inquilinato, para futura participação do Banco “nas áreas de saneamento básico e transporte de massa”, para necessidade de dotar os conjuntos com “água, luz, esgoto, policia, e transporte” bem como sugeriu a criação de “Serviço para pesquisas e estudos de urbanismo e habitação, para ver se nossas cidades se organizam melhor e se a nossa industria de construção civil sai de sua fase artesanal e rudimentar” e disse que a população favelada exigia atenção especial – “gente que tem um poder aquisitivo mínimo, mas é gente”. O Memorando de Sandra Cavalcanti como que definiu a política urbana da década seguinte.
Os Anais de Quitandinha e o Memorando de Sandra foram produzidos por sistemas políticos antagônicos para solucionar problemas comuns e continham propostas mais ou menos semelhantes. Como se constata na propostas para entidade governamental que implantaria a política habitacional [SUPURB e BNH] com fundos financeiros exclusivos [FNH e FGTS/SBPE]; no fomento ao estudo e pesquisa sobre urbanismo e habitação; no financiamento por faixa de renda familiar e nas políticas de incentivo à pré-fabricação por empresas da construção civil. Por outro lado, as sugestões feitas em 1963 para transporte público e Plano Territorial Nacional (PTN) só seriam cumpridas dez anos depois, quando foi criada a Empresa Brasileira de Transporte Urbano [EBTU] e aprovada a lei do II Plano Nacional de Desenvolvimento [II PND–1975/1979] que estabelece a “interação do desenvolvimento urbano com a própria estratégia nacional de desenvolvimento” a partir de diretrizes e propostas do “Desenvolvimento Urbano. Controle da Poluição e Preservação do Meio Ambiente”.
O Seminário de Quitandinha foi o melhor momento do IAB na formulação de políticas urbanas para o país, com suas análises e proposições difundidas na revista Arquitetura em 1963. Mais tarde, em 1966, os participantes do VI Congresso do IAB, em Salvador, reenviaram as Resoluções do Seminário de Quitandinha ao Governo Federal. Já o termo “Reforma Urbana” ressurgiu na década dos 70 e foi repetidamente invocado como evolução do conceito original de 1963 (2), embora adotasse princípios e objetivos que não coincidiam com os da Reforma Urbana dos anos 60.
A Reforma Urbana dos anos 70 se organizou a partir do Fórum Nacional de Reforma Urbana e agregou “várias entidades representativas de segmentos em luta, organizações não governamentais e órgãos de pesquisa” - os segmentos em luta sendo entidades vinculadas as lutas urbanas: mutuários, inquilinos, posseiros, favelados, arquitetos, geógrafos, engenheiros, advogados e outros (3). A luta era “contra a permanente e exclusiva satisfação daqueles interesses que [...] foram responsáveis pelo nível atual da exclusão social nas cidades brasileiras.” (4). A partir da Reforma Urbana de 1970 os conceitos de ”desenvolvimento urbano ou uso do solo urbano” são desdenhados porque correspondem ao “discurso competente”, que Marilena Chauí definiu como o “que expropria as pessoas a falarem, pois faz parecer que somente aqueles que ocupam determinados lugares na sociedade, que manipulam certos termos são autorizados a falar sobre a cidade.” (5). Em lugar disso, o Fórum Nacional apontava para o termo Reforma Urbana porque ”teria a vantagem de abrir uma perspectiva mais política para a discussão e portanto mais favorável a inclusão dos movimentos (sociais).” (6)
A Reforma Urbana apontava os “Planos Diretores como oportunidade impar de ampliar debates sobre cada cidade formando novos sujeitos políticos e uma nova consciência sobre problemas urbanos” (7), mas, segundo Maricato, isso não ocorreu devido as características da sociedade brasileira, ao perfil técnico do Plano Diretor e a posição de “entusiasmo pouco crítico com o Plano Diretor especialmente vindo de lideranças sociais”. Os resultado refletiram a ”desigualdade (como) resultado de um forte preconceito social que impregna todas as instâncias da vida nacional, inclusive o mercado imobiliário que não atende nem mesmo à classe média e concentra na produção de artigos de luxo.” (8)
O grande paradoxo do legado da Reforma Urbana está em que técnicos e gestores urbanos dispõem de instrumentos urbanísticos bem melhores do que aqueles dos anos 60, mas a ciência urbanística praticamente desapareceu e os Planos Diretores perderam importância na administração pública bem como nas atividades universitárias.
Os instrumentos de hoje atendem aos sonhos de muitos que estiveram em Quitandinha. O Estatuto da Cidade consolida o papel do Plano Diretor na gestão municipal e na elaboração do orçamento anual, assim como oferece instrumentos jurídicos altamente inovadores de melhoria da condição urbana, a partir de conceitos criados no anos 70 (9). Em contrapartida, a Constituição ignora a metrópole como forma contemporânea de urbanização e concentra a gestão no poder municipal. O impacto mais importante é que as Prefeituras não tem condições para planejar o futuro e oferecer serviços por falta de condições e não exploram os potenciais do Estatuto da Cidade por que se seus Planos Diretores se limitam a função social da propriedade, como consta na Resolução no 34 do Conselho das Cidades. O balanço crítico e perspectivas dos Planos Diretores Municipais, após o Estatuto da Cidade, que o Ministério da Cidade financiou, parte da nova concepção do planejamento politizado da cidade, re-significando o sentido de Planos Diretores a partir de novas diretrizes, princípios e instrumentos voltados para o direito à cidade e para sua gestão democrática (10). O balanço constata que o Plano Diretor foi amplamente elaborado pelos municípios [não menciona que esta é uma exigência da União para repasse de recursos], e que muitos instrumentos do Estatuto da Cidade e o saber urbanístico são obstaculizados porque o “Plano Diretor feito é decidido unicamente por técnicos e determinados grupos da sociedade e não é eficaz para o enfrentamento dos problemas urbanos” porque constitui “plano de uma gestão e não um plano da cidade e da sociedade” (11). Dito em outras palavras, a Reforma Urbana não concede ao executivo e ao legislativo local competência para criar e administrar planos urbanos devido a sua baixa legitimidade e por que não expressam um pacto para o desenvolvimento urbano do município. O fundamental, segundo os autores, seria a dominância do controle social e de processos participativos que não incluam “o pragmatismo, o imediatismo e as práticas tecnocráticas na gestão urbana.” (12). Como resultado desta visão ideologizada do Plano Diretor há uma redução na qualidade das cidades e crescente presença de consultores estrangeiros com know how para atender os desafios de prefeituras e de empresas.
No âmbito das Universidades ocorre fenômeno semelhante e o currículo interdisciplinar da rede de pós-graduações dos anos 70 e 80 foi substituído pelo desenho urbano [urban design] produzido pelo arquiteto prima dona (13). O planejamento urbano passou a ser visto como ”ideologia das classes dominantes” (14), com previsão de que o “plano diretor do milênio que se inicia ... será uma conquista das massas populares ou não existirá.“ (15)
No âmbito da gestão pública o Ministério das Cidades e a CAIXA destinam generosos recursos do PAC sem exigir planos territoriais nem considerar as condições municipais de gestão multidisciplinar ou setorial. O fato se repete no repasse de fundos federais para eventos e projetos de turismo, ou quando destinados ao combate à Miséria e à Fome, ou para apoiar a Educação e a implantação de creches em comunidades.
Para que o planejamento urbano recupere os níveis de qualidade e a importância de Quitandinha será necessário promover o planejamento urbano como ciência urbanística que serve às exigências da cidadania, aos modelos de gestão pública e privada e às novas tecnologias da práxis urbana democrática. Com metodologias que integrem os fatores sociais, econômicos, urbanos e ambientais do desenvolvimento sustentável e da autonomia municipal. Como ocorre na Serra Gaúcha, Caruaru, Búzios ou Parintins.
Este é o desafio maior. Ao CAU e IAB caberia organizar o desdobramento de Q+50, em Seminário padrão Quitandinha que, reunindo expoentes da teoria e da prática de cada área do saber urbanístico, adote objetivos claros e enfoque interdisciplinar para avaliar, debater e propor soluções e tecnologias para modernizar as políticas urbanas nacionais.
notas
NA
Agradeço à leitura crítica e sugestões de Ricardo Farret, Sonia Helena Cordeiro e Vicente del Rio.
1
VASCONCELOS DE SOUZA, Berenice Guimarães, O BNH e a Política de Governo, dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Departamento de Ciência Política, UFMG, Belo Horizonte, 1974. O Memorando de Sandra Cavalcanti ao Presidente Castelo Branco, sem Projeto de Lei, está apensado à dissertação.
2
BONDUKI, Nabil e KOURY, Ana Paula, em Vitruvius , Das reformas de base ao BNH: as propostas do Seminário de Habitação e Reforma Urbana, arquitextos, 10, maio 2010 oferece excelente transcrição dos resultados de Seminário de Quitandinha e compara as duas Reformas de Urbana de forma equivocada.
3
IPPUR / UFRJ, Questão Urbana, Desigualdades Sociais e Políticas Publicas: Avaliação do Programa Nacional da Reforma Urbana, Rio de Janeiro - Fundação Ford, 1994.
4
RIBEIRO, Luiz Cesar Queiroz, A Questão Urbana e Regional na Constituição , I Encontro Nacional da ANPUR, Nova Friburgo, 1986, pg.15. Sobre exclusão social e burocracia ver NUNES, Edson, A Gramática Política do Brasil – Clientelismo e Insulamento Burocrático, Brasília – ENAP/ Jorge Zahar Editor, 1997
5
RIBEIRO, Luiz Cesar Queiroz, opus citado.
6
RIBEIRO, Luiz Cesar Queiroz, opus citado.
7
MARICATO, Ermínia, O que esperar dos Planos Diretores?, redeplanodiretor@cidades.gov.br, 27.out.2005
8
idem
9
Projeto de Lei 775/83. Ver MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Urbanístico – Plano Diretor e Direito de Propriedade, São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2002, pg.191
10
SANTOS JR, Orlando A. e MONTANDON, Daniel T. (org) Os Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto da Cidade: balanço critico e perspectivas, Rio de Janeiro - Letra Capital: Observatório das Cidades: IPPUR/UFRJ, 2011.
11
ibid, pg. 28
12
ibid., pgs. 48 e 49
13
GRAEFF, Edgar, Arquitetura e Dependência, Revista da FAU-UnB, No.1, GRAEFF, Edgar A., jan. 1998, p. 22
14
VILLAÇA, Flavio, Perspectivas do Planejamento Urbano no Brasil de Hoje, www.flaviovillaca.arq.br/pdf/campogde.pdf, 2000, p.7
15
VILLAÇA, ibid, pg. 15
sobre o autor
Jorge Guilherme Francisconi é Arquiteto [FAU/UFRGS-1966], Mestre em Planejamento Regional [MRP-1969] e PhD em Ciências Sociais [Maxwell School of Public Administration and Citizenship, Syracuse University-1972]. Professor de Pós Graduação, criou e coordenou o PROPUR/FAU/UFRGS; coordenou o PG/FAU/UnB e lecionou na EBAPE/FGV/RJ, na Universidade de Paris XII e no CNAM, em Paris e Montpellier. Elaborou, com Maria Adélia de Souza, capítulo “Política Urbana” do II PND, cuja implantação coordenou como Secretário Executivo da Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana [CNPU/SEPLAN/PR–1974/1978]. Presidiu a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos [EBTU-1978/1982] e a Fundação Leão XIII, no RJ. Chefiou Equipe de Apoio Técnico Internacional (ATI) de Programa BIRD e BID com FONTUR/MINFRA, Venezuela [1998-2000]. Coordenou Programa BIRD: Privatização e Modernização dos Trens de Subúrbio do Rio de Janeiro (PET/BIRD/RJ-2000/2001). Diretor Geral do DENATRAN [2001/2002]. Autor de dezenas de artigos e textos sobre problemas urbanos, com recente proposta de Novo Ordenamento Urbano para o Brasil [CBIC, 2012].