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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Este artigo apresenta critérios de análise de Habitações de Interesse Social, na cidade de São Paulo. O objetivo é colaborar para a investigação e proposição desses empreendimentos, sob o ponto de vista da construção da cidade e integração social urbana.

english
This paper presents analysis criteria for Social Housing in the city of São Paulo. The purpose is to collaborate on researches and projects, concerned to city construction and urban social integration.

español
Este documento presenta criterios de análisis para la Vivienda Social, en la ciudad de São Paulo. El objetivo es colaborar con investigaciones y proyectos desde el punto de vista de la construcción de la ciudad y la integración social urbana.


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PEDRASSA NETO, Victoriano; VILLAC, Maria Isabel. Habitação de Interesse Social (HIS) como instrumento de construção da cidade e inclusão social. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 162.03, Vitruvius, nov. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.162/4964>.

Atualmente poucas pessoas rejeitariam a ideia de que o capital e o capitalismo influenciam as questões práticas relativas ao espaço, da construção de edifícios à distribuição de investimentos e divisão mundial do trabalho. Todavia, o capitalismo tem também outro aspecto atrelado ao funcionamento do dinheiro, aos vários mercados e às relações sociais de produção: a hegemonia de classe. A hegemonia implica mais do que influência e é exercida sobre a sociedade como um todo e na produção do espaço. O espaço, portanto, não é um lócus passivo onde as relações sociais acontecem. O espaço serve à classe dominante e a hegemonia faz uso do mesmo para estabelecer um "sistema" baseado em uma lógica, com a ajuda do conhecimento e da competência técnica, para se reafirmar (1).

A produção de espaço se dá através do processo no qual o homem produz e reproduz sua própria vida, história e consciência. O advento do capitalismo e, mais particularmente, o neocapitalismo moderno transformou o espaço social em algo consideravelmente mais complexo e baseado em uma relação tripla: reprodução biológica; reprodução da força de trabalho e das relações sociais de produção, conectados e inter-relacionados (2).

O capitalismo moderno gera um espaço homogêneo e fragmentado. Homogêneo, pois produz espaços repetitivos, resultado de gestos repetitivos associados com instrumentos que são duplicáveis e projetados para duplicar. Este espaço é produzido sob o predomínio da visualização que também serve para esconder a repetição de seus elementos. Fragmentado, pois está dividido em partes, em parcelas, que podem ser vendidas de acordo com critérios estipulados pela renda do solo. O espaço se hierarquiza, distribui valores e se classifica em espaços nobres ou vulgares, condomínios de luxo, espaços das classes médias, áreas para migrantes e imigrantes, etc., ou seja, no espaço ocorre a segregação (3).

Portanto, o espaço urbano é entendido como o lugar das relações capitalistas de produção. É no espaço homogêneo, fragmentado, dividido e transformado em mercadoria que, paradoxalmente, se contradiz o direito à cidade, compreendido pelo direito à vida urbana, à cidade como ponto de encontro de pessoas e de troca generalizada de ideias, informações e mercadorias (4).

O espaço urbano é acessível (na forma de produto) apenas àqueles que podem pagar por ele e, consequentemente, encontra-se nas mãos de poucos. O monopólio de uma classe, detentora da maior parte dos recursos, permite perpetra o modelar, ocupar e fragmentar o espaço urbano através do dinheiro (5).

A sociedade e a cidade contemporânea

O que constitui a realidade do território atualmente é “a interdependência universal dos lugares” e a globalização é o apogeu do processo de internacionalização do mundo capitalista (6).

Presentes na forma da cidade, as novas redes, advindas do sistema de técnicas controlado pelas técnicas de informação, configuram a segmentação atual do espaço. À forma horizontal, dos espaços justapostos formados por pontos que se agregam sem descontinuidade, se adicionam às verticalidades dos pontos distantes, separados uns dos outros, que asseguram o funcionamento global da sociedade e da economia (7).

Quanto maior a necessidade de cooperação entre lugares, mais numerosas e atuantes serão as interdependências impostas pelas verticalidades. Essas interdependências se dão de forma hierárquica (através de ordens técnicas, financeiras e políticas) e a informação age a serviço de suas forças hegemônicas (8). Nessa união vertical, os vetores de modernização trazem desordem aos subespaços em que se instalam e a única ordem que criam é em seu próprio benefício (9).

Cidades e critérios urbanos para projeto

As cidades são o ponto de intersecção entre as horizontalidades e as verticalidades. Essas lógicas cruzam a cidade e formam um arranjo territorial. Há um conflito latente entre o espaço local e o espaço global regido por um processo racionalizador e de conteúdo ideológico distante, que não considera as especificidades regionais e locais, pois se instala e se organiza mediante objetos e normas estabelecidas para servir a si mesmo (10). Contudo, os lugares podem se fortalecer horizontalmente, na escala regional e local, reconstruindo, a partir das ações localmente constituídas, uma base de vida que amplie a coesão da sociedade civil, a serviço do interesse coletivo e da vida citadina.

A partir, portanto, de um desejo de cidade democrática, que possa fazer frente às especificidades do mundo contemporâneo e suas lógicas, se propõe pensar algumas recomendações para projetos de Habitação de Interesse Social (HIS), na cidade de São Paulo. O principal argumento é a dinâmica citadina. Seja na possibilidade de participação no sistema capitalista pela inserção da população menos privilegiada no mercado de trabalho formal, seja na relevância da aplicação do direito à cidade e à moradia adequada, mas também no que significa a possibilidade de manutenção da diversidade do território urbano e a vida da cidade.

1. Inserção urbana

A primeira questão que se propõe como critério de projeto diz respeito à emergência de conjuntos de HIS inseridos na dinâmica da vida urbana. Ao se propor a inserção de HIS em áreas melhor localizadas com relação às áreas centrais, concentradoras da maior parte dos empregos formais da cidade, discute-se, consequentemente, a inserção da população de baixa-renda em áreas providas de equipamentos urbanos de saúde, educação, lazer e cultura. O que garante o acesso democrático ao espaço da cidade, a partir de uma ação do Estado, promove a mudança da mentalidade colonial e altera a prática de outros segmentos da sociedade. No entendimento de que a produção da habitação, em seus mais diversos estratos sociais, pode ser construtora de um território de cidadania, fundamental para a vida urbana e a continuidade do conceito de cidade em sua prática, entende-se, igualmente, que a construção da cidade por meio desses empreendimentos inclui as horizontalidades como protagonistas do processo de inserção de HIS em áreas consolidadas.

1.1. Inserção de HIS em áreas de ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social).

O espaço urbano determina valores a serem considerados. Um é o dos produtos em si (edifícios, ruas, infraestrutura, etc,) o outro é a localização. Do ponto de vista urbano, a localização do lote e seu tempo de deslocamento com relação aos serviços da cidade, dos empregos e da infraestrutura urbana são traduzidos em preço da terra (11).

Diferentemente de outras mercadorias, a produção da habitação está intrinsecamente ligada ao solo e ao espaço urbano. Por estar ligada a terra, a produção de habitação esbarra na questão da propriedade privada. Sendo a terra parcelada e de propriedade, no sistema capitalista, seu preço final dificulta a aquisição de moradias pela população de baixa-renda que se vê obrigada a habitar áreas mal localizadas, periféricas e desprovidas de infraestrutura urbana. Essa configuração pode ser identificada ao se analisar a distribuição da população com relação à sua renda (fig.01) na metrópole de São Paulo (12).

A reversão desta situação exige a ação do Estado. Em retrospectiva, a Constituição Federal de 1988, pela primeira vez, tratou do desenvolvimento urbano, introduzindo os princípios da função social da propriedade e do direito à habitação. Porém, somente em Julho de 2001 é aprovada em âmbito nacional a Lei nº 10.257, denominada "Estatuto da Cidade", que visa estabelecer diretrizes gerais da política urbana no Brasil e regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, que tratam da política urbana e condicionam a garantia dos direitos de propriedade ao cumprimento de sua função social.

Nesse contexto se insere o instrumento de zoneamento denominado Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), previsto no ART. 4º da Lei 10.257/01, que destina parcelas do solo para habitação de interesse social - HIS. As ZEIS se apresentam como porções de terra da malha urbana, onde se deve acomodar a população de baixa-renda, que asseguram a manutenção da diversidade e convívio de classes sociais, além do uso democrático do espaço urbano, mais heterogêneo e menos segregado social e espacialmente.

Se no zoneamento se faz a divisão do território em várias zonas para serem definidas as formas de uso e de ocupação de cada um desses espaços, a Zona Especial de Interesse Social será aquela mais comprometida com a viabilização dos interesses das camadas populares. Ou seja, as ZEIS poderão estar localizadas em áreas onde a infraestrutura urbana é privilegiada, ou seja, entre outras qualidades, provida de diversidade de uso (13).

Certas premissas de inserção social, portanto, como as ZEIS, passam a fazer parte das decisões urbanísticas e de cunho projetual em conjuntos de HIS produzidos no município de São Paulo a partir de 2002. Com o objetivo de assistir à população de baixa renda, garantir seu acesso à moradia e territórios consolidados equipados urbanisticamente na cidade de São Paulo, as ZEIS foram regulamentadas, através do Plano Diretor Estratégico (PDE), aprovado pela Lei Municipal nº 13.430, de 2002, as ZEIS 1, 2, 3 e 4 (fig. 02).

Definidas pelo PDE, se configuram como porções do território destinadas, prioritariamente, à recuperação urbanística, à regularização fundiária e produção de Habitações de Interesse Social – HIS (até 6 salários mínimos e máximo de 50 m²) e do Habitações do Mercado Popular – HMP (até 16 salários mínimos e máximo de 70 m²).

Entre as áreas de ZEIS, a escolha recai sobre a ZEIS-3, que assegura a inserção da habitação de interesse social em áreas consolidadas, ocupando, portanto, uma área privilegiada, do ponto de vista de infraestrutura e equipamentos urbanos e realizando a cidade adensada que otimiza investimentos já realizados. Caracterizadas no PDE, art. 146, como “terrenos ou imóveis subutilizados em áreas com infraestrutura urbana, serviços e oferta de emprego, nos quais se propõe a produção e reforma de moradias para a HIS, assim como de mecanismos de alavancagem de atividades de geração de emprego e renda” (fig. 03), as ZEIS-3 em São Paulo, segundo o Plano Municipal de Habitação (PMH), de 2011, localizam 145 áreas vazias ou subutilizadas, totalizando 5.915.788,67 m².

Os critérios de projeto para Empreendimentos de HIS se propõem, portanto, prioritariamente nas áreas de ZEIS-3, pois, além de se apresentarem como instrumentos facilitadores da diversidade de tipos de habitações, estão inseridas em áreas urbanizadas e consolidadas e podem atuar na construção de uma cidade mais democrática bem como na inclusão social necessária à sua efetivação.

1. 2. Acessos ao empreendimento de HIS

No caso das ZEIS-1, ZEIS-2 e ZEIS-4, que incluem favelas, loteamentos irregulares, terrenos baldios, glebas ou terrenos em áreas de proteção a mananciais, ou seja, localizadas em áreas não necessariamente incluídas na cidade urbanizada, para a garantia de sua inserção urbana, um critério importante são os acessos ao empreendimento de HIS e suas conexões com os equipamentos do entorno. Por um lado, considera-se que as distâncias entre os empreendimentos e os núcleos de transporte públicos disponíveis devem ser vencidas a pé ou de um modo em que se equacione o acesso por intermédio do transporte público. Por outro lado, é necessário ponderar se há ou não a necessidade da proposta de novas vias que articulem o empreendimento à cidade e que possam servir como ponto de interação social entre moradores do conjunto e do bairro (14).

1.3. O espaço social na HIS e sua relação com o bairro

A insistência no princípio da construção da cidade através da inclusão social aponta, ainda, como critério, a relevância da presença de atividades sociais entre os edifícios que compõem o empreendimento de HIS e a cidade. No que respeita às ZEIS-1, ZEIS-2 e ZEIS-4, é necessário investir nestas atividades. Em áreas de ZEIS-3 basta preservar a diversidade de funções e garantir a segurança para que haja vida social entre os edifícios com a presença de pessoas, pedestres, transeuntes (15). Ou seja, é preciso promover a possibilidade de vida urbana (16).

Quando os ambientes externos possuem pouca qualidade, somente as atividades estritamente necessárias se realizam. O bom entorno abre a possibilidade para a multiplicidade de atividades humanas. Nesse sentido, a estrutura social desejada para a área de moradia, tanto visual como funcionalmente, é proporcionada pelo projeto urbano (17), que deve garantir um bom desenho urbano, a presença de equipamentos de uso público e a diversidade de usos.

2. Promoção da vida urbana na proposta urbana

O desenho urbano deve se afastar do modelo dos enclaves fortificados que negam a rua e rompem com o território da cidade. Os “enclaves fortificados” negam a cidade, suas horizontalidades, e acentuam o problema do abandono do espaço público em suas várias modalidades, desde os condomínios residenciais fechados, mas também os conjuntos de escritórios, shopping centers e outros espaços adaptados param se adequarem a esse modelo comoescolas, centros de lazer, etc. (18).

Os espaços autossuficientes de seu entorno, murados e segregados, não proporcionam condições para que haja a integração social entre as diversas classes que compõem uma cidade. Pelo contrário, esses espaços, autossuficientes e desconectados da dinâmica urbana, ao se voltarem para dentro de si, aumentam a sensação de insegurança e afirmam as distâncias e desigualdades sociais transformando o isolamento, a restrição e a vigilância em símbolos de status (19).

No espaço disperso e fragmentado contemporâneo a tendência é a privatização do espaço público nas grandes metrópoles (20), que dão lugar a ambientes de uso “coletivo”, embora, todavia privatizados. No que diz respeito à vida social urbana, que interessa ao argumento deste texto, nos espaços coletivos, não controlados, murados ou separados, é importante manter uma continuidade entre espaço público e espaço privado. A importância do espaço público não necessariamente será medida por sua extensão ou quantidade, mas por sua capacidade em articular os espaços privados, fazendo deles patrimônio coletivo. Ou seja, a cidade passa a incorporar, naqueles espaços públicos absorvidos por usos particulares ou espaços privados absorvidos usos coletivos (21), parte das atividades de encontro enquanto valores da vida pública.

2. 1. O térreo dos edifícios

Entende-se que os espaços de uso compartilhado no térreo dos conjuntos de HIS são os recintos que podem adquirir a qualidade de público ou coletivo; são aqueles que podem ser definidos como “espaços abertos coletivos”, ou seja, são espaços onde os moradores e a população residente do entorno podem realizar atividades recreativas, sociais, funcionais e que permitem o vínculo com a comunidade à qual o conjunto está inserido (22).

Quando se promove o acesso ao pavimento térreo esses espaços ganham um caráter coletivo, pois passam a articular o espaço privado (das moradias) e o espaço público (a cidade). Ou seja, fazem surgir ambientes em que os moradores podem apropriar-se, possibilitam a convivência entre as diversas classes sociais e o encontro entre moradores do Empreendimento de HIS e o bairro.

Um exemplo deste tipo de opção de implantação bem sucedida é o Conjunto Residencial Alexandre Mackenzie. O projeto foi concebido pelo escritório Boldarini Arquitetura, de autoria de Marcos Boldarini e Sérgio Faraulo. Finalizado em 2009, na Favela Nova Jaguaré, o conjunto conta com uma área cercada por grades e outra onde estão implantados blocos habitacionais, sem a presença de muros separando o espaço coletivo e público, e servem como pontos de encontro e circulação (fig.04 e 05).

2. 2. Conexões urbanas: coletivas/internas

As ruas são os espaços públicos acessíveis a todos e podem ser lugares onde vizinhos possam se socializar e construir uma comunidade (23). Assim, o princípio de projeto para as ruas residenciais deve ser “habitabilidade”, o que implica primeiramente em reduzir a velocidade e o número de automóveis. A redução do tráfego aumenta as interações sociais e as sensações de pertencimento ao local; reduz acidentes, estresse, poluição sonora e do ar (24).

Por outro lado, outras ações de projeto podem ser incorporadas, como a criação de pórticos de entrada claros e distintos anunciando aos motoristas que eles são convidados em um espaço do bairro; a adição de ruas sinuosas, bancos, equipamentos para jogos, mobiliário urbano, vegetação e tratamento variado da pavimentação; a eliminação de restrições contínuas (motoristas e pedestres são colocados no mesmo nível); a previsão de área de estacionamento. Estas são opções desenvolvidas pelas “woonerf” na Holanda, denominadas, no Brasil, de “quintal comunitário” (25).

A lição das “woonerf” é que, ao se reduzir o tráfego de veículos, se favorece as relações sociais que possam vir a acontecer na rua e nos espaços públicos (26). Além disso, também se propõe expor os playgrounds, áreas de lazer. As crianças tendem a brincar no entorno dos blocos de edifícios habitacionais e estacionamentos mais que em playgrounds isolados em pátios traseiros, onde ninguém circula ou repousa o olhar (27).

No Conjunto Residencial Alexandre Mackenzie os arquitetos optaram por voltar alguns playgrounds e espaços de convívio para as fachadas principais de determinados edifícios, o que possibilita que os moradores do conjunto possam vigiar esses espaços de suas unidades habitacionais. (fig. 06 e 07)

2. 3. Opção pelo uso misto e multifuncionalidade dos edifícios

Todas as faixas de habitação, comércios e serviços devem a relacionarem-se entre si e estarem bem conectadas à cidade. A diversidade de usos é algo intrínseco à cidade e, para que se possa alcança-la, é preciso admitir fundamentalmente as combinações e contaminações de usos. (28)

A diversidade de usos é necessária para que haja diversidade e exuberância de vida na rua. Na categoria dos usos principais concentram-se aqueles que atraem pessoas a um lugar específico, pois funcionam como âncoras, assim como moradias, escritórios, etc. A combinação destes usos principais gera um ambiente fértil para a diversidade derivada (29), além de promover a segurança e abrir a possibilidade de relações de vizinhança e de confiança (30).

Atualmente em construção, o projeto do conjunto Residencial Diogo Pires, concebido pelo escritório Boldarini Arquitetura, de autoria de Marcos Boldarini e Lucas Nobre, também traz inovações projetuais com relação à combinação de diversos usos. O conjunto prevê um edifício multifuncional que comporta unidades habitacionais e, em seu térreo, áreas comerciais articuladas por uma praça pública, aberta e voltada para o bairro (fig.08).

2. 4. Disposição das fachadas

Interessa conhecer a disposição dos edifícios e equipamentos com relação aos espaços públicos. O objetivo é a integração entre os moradores dos edifícios com a rua e o espaço público, de forma que edifícios possuam fachadas voltadas para os espaços onde ocorrerá o convívio social (31).

Edifícios de gabarito mais baixo, quando voltados para os espaços coletivos e ruas, permitem que estes sejam controlados e fiscalizados pelos próprios moradores. Esta possibilidade de conexão entre a habitação e a rua, através da permeabilidade visual, promove relações de apropriação dos espaços do entorno, garante maior apropriação do espaço coletivo, proporciona segurança ao empreendimento, ao edifico habitacional e áreas ao seu redor (32).

Ainda com relação ao Conjunto Residencial Alexandre Mackenzie, os edifícios de gabarito mais baixo resultaram em uma maior identificação por parte dos usuários com os espaços públicos no térreo ao redor dos edifícios habitacionais, estes abertos e sem muros. Um exemplo deste tipo de identificação é a manutenção e conservação dos jardins públicos que compõem o projeto paisagístico do Empreendimento, pelos próprios moradores do conjunto (fig.09 e 10).

3. Uso do solo

O terceiro critério de projeto diz respeito ao uso do solo. O objetivo é averiguar se terrenos bem localizados foram realmente aproveitados segundo a legislação vigente. Em um primeiro momento , cabe verificar o coeficiente de aproveitamento em relação a seu potencial construtivo, pela fórmula: Ac / At = C.a., onde, Ac é a área construída total, At é a área do terreno e C.a. é o Coeficiente de aproveitamento. Esta verificação aponta para as vantagens de dispensa de pagamento de outorga onerosa em áreas de ZEIS, conforme Art.2 da lei nº 13.885, de 2004.

A relação entre área construída e área permeável fornece indícios de possibilidade de áreas verdes e de lazer incorporadas ao empreendimento. Além disso, o adensamento no Empreendimento de HIS, através da relação entre a área do terreno (At) em hectares e o número de unidades habitacionais (uh), é de grande importância, uma vez que as cidades densas, distribuídas em núcleos compactos, reduzem a necessidade de grandes deslocamentos e criam diversidade social e econômica (33).

Contudo, para o âmbito da HIS em áreas de ZEIS, no Brasil, é aconselhável que não se verticalize demais um conjunto habitacional. A razão é que ao se adensar demasiadamente um edifício de HIS, onde não há porteiros, funcionários ou gestores do condomínio, o usuário perde sua identificação com os outros moradores e com o espaço coletivo, já não se distinguem moradores de visitantes e, consequentemente, se exclui a responsabilidade em relação ao espaço público (34).

A opção por uma verticalização mais modesta dispensa o uso de elevadores e representa economia nos custos de construção e manutenção do Empreendimento. O exemplo bem sucedido desta iniciativa é, novamente, o Conjunto Residencial Alexandre Mackenzie. Os arquitetos optaram por um gabarito mais baixo o que, consequentemente, dispensou o uso de elevadores (fig.11e 12).

4. Gestão participativa e perfil da população atendida

O quarto critério tem como objetivo averiguar a questão da gestão participativa, ou seja, o envolvimento dos moradores na concepção do projeto e/ou execução da obra e se as unidades habitacionais executadas realmente atendem a faixa de renda estabelecida por lei.

A opção pela gestão participativa colabora com uma cidade mais democrática e faz, dos moradores, protagonistas do processo de inserção de HIS e não apenas beneficiários ou “clientes”, o que, consequentemente, aumenta sua identificação com o espaço construído.

Tão importante quanto a gestão participativa, é a averiguação dos recursos investidos para suprir a demanda da população de baixa-renda verificando se, de acordo com o Art.140 da lei nº 13.885, de 2004, em terreno de mais de 500 m², houve a destinação de, no mínimo, 80% (oitenta por cento) do total de área construída computável para HIS e HMP, sendo 40% para HIS e 40% para HMP.

5. Considerações finais

Esse artigo propõe critérios para a análise de inserção de Habitações de Interesse Social (HIS) na cidade de São Paulo - de forma a discutir o direito à cidade. Procurou discutir uma preocupação recente em integrar os conjuntos habitacionais ao entorno existente, bem como a possibilidade de criação de espaços mais humanizados que valorizem a convivência social entre as diversas classes sociais.

Os critérios propostos pretendem reunir informações sobre uma possível inflexão na criação de programas para conjuntos de HIS e sistematizá-los. Contudo são necessários outros estudos para que se possa fomentar e aprofundar a discussão sobre o tema, no que tange à arquitetura, por exemplo.

Não aborda, o presente artigo, as considerações sobre o projeto arquitetônico, no que tange ao uso de tecnologias adequadas e sua relação com a exploração de técnicas construtivas coerentes e resultantes da reflexão sobre o lugar e período histórico do tempo que foram produzidas. Não discute, ainda, as relações com o lugar de modo a favorecer a identificação dos usuários com suas unidades habitacionais; sua relação com formas populares e autoconstruídas aderentes ao modo de vida dos futuros moradores; as reflexões sobre o sistema construtivo e sua relação custo-benefício com as habitações de interesse social acessíveis à população de baixa-renda (até 6 salários mínimos). Também deixa em aberto a análise sobre a opção por sistemas construtivos tradicionais ou modulares e independentes, bem como a incorporação de dispositivos de aproveitamento passivo energético e sistemas de controles climáticos, que atentem para as tradições construtivas do lugar, o clima e a aplicação de tecnologias de excelência e economicamente viáveis para HIS.

notas

NA
O presente artigo é resultante de parte de dissertação desenvolvida para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

1
LEFEBVRE, Henry. The Production of Space. Oxford, Blackwell. 2009.

2
Idem.

3
Ibidem.

4
LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. São Paulo, Editora Documentos Ltda, 1969.

5
HARVEY, David. A justiça social e a cidade. São Paulo, Hucitec, 1980.

6
SANTOS, Milton. O retorno do território. In: SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia de Souza; SILVEIRA, Maria Laura Silveira (Org.). Território, globalização e fragmentação. 4. ed. São Paulo, Hucitec, 1998.

7
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4. ed. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

8
Idem.

9
SANTOS, 1998, Op. cit.

10
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 9. ed. Rio de Janeiro, Record, 2002.

11
VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel, 1998.

12
VILLAÇA, Flávio. O que todo cidadão precisa saber sobre habitação. São Paulo, Global Editora, 1986. Disponível em: <http://www.flaviovillaca.arq.br/livros01.html> Acesso em: 10 Out. 2012.

13
CALDAS, Nizimar Martinez Peréz. Os novos instrumentos da política urbana: alcance e limitações das ZEIS. Dissertação de Doutorado. Faculdade Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-05032010-110732/publico/TESE_ZEIS_pdf.pdf>.

14
GEHL, Jan. La Humanización del Espacio Urbano: la vida social entre los edifícios. Barcelona, Reverté, 2009.

15
Idem.

16
JACOBS, Jane. Morte e vida das grandes cidades. 3. ed. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2011.

17
Idem.

18
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Edusp/Editora 34, 2000.

19
Idem.

20
LEFEBVRE, Henry. A revolução urbana. Belo Horizonte, Editora UFMG, 1999.

21
SOLÀ-MORALES, Manuel. Espaços públicos espaços coletivos. In: Os centros das metrópoles: reflexões e propostas para uma cidade democrática no século XXI. São Paulo, Associação Viva o Centro, 2001.

22
LAY, Maria Cristina Dias; REIS, Antônio Tarcísio da Luz. O papel de espaços abertos comunais na avaliação de desempenho de conjuntos habitacionais. In: Ambiente Construído, V2 N3, p. 25-39. Porto Alegre, 2002. Disponível em:<http://seer.ufrgs.br/ambienteconstruido/article/view/3423> Acesso em: 20 ago. 2013.

23
GEHL, 2009, Op. cit.

24
APPLEYARD, Donald. Livable Streets. University of California, Berkley, 1981.

25
APPLEYARD, D.; LINTELL, M. The Environmental Quality of City Streets: the residents’ view point. In: Journal of the American Institute of Planners, v. 38. Stanford, 1972. Disponível em: <http://www.edra.org/sites/default/files/publications/EDRA03-Appleyard-11-2_0.pdf> Acesso em: 15 mai. 2013.

26
APPLEYARD, 1981, Op. cit.

27
GEHL, 2009, Op. cit.

28
ROJAS, Eduardo. Construir ciudades: mejoramiento de barrios y calidad de vida urbana. Banco Interamericano de Desarrollo, BID, 2009.

29

JACOBS, 2011, Op. cit.36
30

idem.

31
ibidem.

32

NEWMAN, Oscar. Creating defensible spaces. dl: U.S. Department of Housing and Urban Development, 1996. Disponível em: <http://www.huduser.org/publications/pdf/def.pdf> Acesso em: 15 Abr. 2013.

33
ROGERS, Richard; GUMUCHDJIAN, Philip. Cidades para um pequeno planeta. Barcelona, Gustavo Gili, 2001.

34
NEWMAN, 1996, Op. cit.

sobre o autor

Victoriano Pedrassa Neto é graduado em arquitetura e urbanismo (FAU Mackenzie, 2004) e mestrando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Maria Isabel Villac é Arquiteta e Urbanista pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutora pela Universitat Politècnica de Catalunya. Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Como pesquisadora atua principalmente nos seguintes temas: arquitetura e cidade, arquitetura, arte e cultura, arquitetura e cidadania, ensino de arquitetura.

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