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architexts ISSN 1809-6298

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ANDRADE, Francisco. As ruínas do Sítio do Morro. Um importante moinho de trigo da era das bandeiras. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 167.02, Vitruvius, abr. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.167/5182>.

Carlos Lemos junto às ruínas do moinho d’água do Sítio do Morro
Foto Victor Hugo Mori

Uma tapera singular

Em abril de 2013, o arquiteto Victor Hugo Mori e o restaurador Toninho Sarasá, foram convidados pelo vice-prefeito da cidade para conhecer uma antiga ruína de origem desconhecida na cidade. Seguiram até o Sítio do Morro, um bairro de chácaras localizado a menos de 10 quilômetros do centro histórico e desceram algumas dezenas de metros por uma inclinada vertente em meio à mata secundária. Ao fim do percurso, encontraram restos de uma robusta construção feita em alvenaria de pedra e barro, quase inteiramente tomada pela vegetação. Intrigados, com papel, caneta e câmera na mão, fizeram um levantamento rápido e fotografaram o que foi possível em meio ao mato. Na vistoria seguinte, capinado o local, fez-se visível as marcas dos barrotes do assoalho, bem como uma grande abertura ao rés do chão de uma parede. O professor Carlos Lemos, que fora convidado a acompanhar a visita ao sítio, observou que havia grandes chances de se tratar de um antigo moinho hidráulico.

Se fosse um moinho seria, sem dúvida, um exemplar muito peculiar; sem muita filiação com os antigos moinhos de fubá caipiras outrora tão comuns nas zonas rurais de todo o Centro-sul brasileiro. Foram esses sempre estruturas simples. Mesmo seus exemplares mais sofisticados – como os bons moinhos das grandes fazendas de café do sudeste – nunca alcançavam dimensões análogas àquelas. Além disso, os moinhos caipiras são, quase invariavelmente, construídos em taipa de mão – são, essencialmente, uma obra de carpintaria (1). Nunca se soube de um pequeno moinho de fubá que precisasse recorrer, em sua construção, à alvenaria de pedras ciclópicas.

Panorama geral do local em que estão as ruínas do Sítio do Morro
Foto Fernando Siviero

A técnica construtiva adotada, de fato, atiça a curiosidade. Primeiramente, uma grande construção em pedra e barro, por si só, se destaca em grande parte do território paulista, onde a taipa de pilão sempre foi a solução preferida para paredes estruturais, mesmo em terrenos em aclive natural. O sistema construtivo presente nas ruínas destoa até dos outros exemplos de alvenarias de pedras do interior paulista – cujas tipologias se devem mais à chegada, no século XIX, de povoadores mineiros do que às tradições técnicas locais. Além do recurso a enormes blocos de granito nos pontos-chave da estrutura – como as peças dos cunhais e das vergas de envasaduras – as paredes têm os planos levemente inclinados, um elemento raro na arquitetura civil, mesmo em construções de maior porte.

Esquema de um moinho de fubá caipira em casinha de taipa de mão e a nomenclatura mais usada no Vale do Paraíba, em São Paulo
Desenho Francisco Andrade

As ruínas do Sítio do Morro são, realmente, restos de uma antiga casa de moinho hidráulico. Contudo, ao contrário do que se poderia supor, não se trata, nem de longe, de um simples moinho de fubá. Estamos diante de uma máquina bem mais sofisticada, com capacidade operacional muitas vezes maior e cuja destinação era bem diferente: produzir farinha de trigo.

Uma incomum casa de moinho de fubá feita em alvenaria de pedra, em Ouro Branco MG. Notar o uso de pedras pouco aparelhadas e menores
Foto Francisco Andrade

Um moinho nos primórdios de Santana do Parnaíba

Uma das mais antigas referências a um moinho operando no termo da vila de Santana do Parnaíba está no inventário do português Antonio Furtado de Vasconcellos, aberto dias após a sua morte, em 1628. Não se conhece a data de sua chegada ao Brasil, mas sabemos que ele faleceu em Parnaíba, sem deixar filhos do seu casamento com Benta Dias. Sem herdeiros, todos os bens acumulados pelo casal passaram a pertencer à sua mulher; inclusive o “moinho de agua” avaliado em 30 mil réis “por estar damnificado” (2) – um valor altíssimo para um equipamento de trabalho. O fato de o moinho estar danificado pode indicar que não seria tão recente. Poderíamos, desse modo, presumir a data de sua construção em torno de 1620 e 1625.

Após a morte do Vasconcellos, Benta Dias contraiu segunda núpcias com Paulo Proença de Abreu. Foi um casamento sem filhos; portanto, Proença de Abreu deve ter ficado de fora das partilhas dos bens de Benta Dias, que, em seu testamento, declarou como seu “erdrº huniverçal Balthazar Frz pª ajuda de casar as filhas”. Se considerarmos o valor total somado pelos bens da viúva de Antonio Furtado de Vasconcellos, (2.300$000 – dois contos e trezentos mil réis), conseguimos imaginar que suas filhas com certeza conseguiram angariar bons pretendentes (3). E que o viúvo Paulo de Proença Abreu teve bons motivos para se remoer por ter ficado de fora da partilha dos bens de sua falecida mulher. Explica porque, semanas após a morte de Benta Dias, Proença de Abreu procurou seu cunhado Balthazar Fernandes e acertou a compra do moinho que pertencera ao casal, junto com o sítio em que a máquina se encontrava, por trezentos e cinquenta mil réis (4).

Desenho feito a partir do levantamento de Victor Hugo Mori e Toninho Sarasá
Desenho Francisco Andrade

A compra do moinho que fora de Antonio Furtado de Vasconcellos por Paulo Proença de Abreu nos garante que se trata das mesmas ruínas que hoje existem no Sítio do Morro. A confirmação definitiva está no auto de demarcação das do rocio da vila, efetuado em 1681. Na ocasião, um dos pontos tomados como referência para se “botar o rumo da agulha” – isto é, orientar o trajeto por bússola – foi a “barra do moinho que foi do Capitão Paulo Proença de Abreu” (5). A descrição do trajeto seguido pelo prático responsável pela demarcação é quase toda referenciada por marcos hoje inexistentes (roças, árvores destacadas, matacões). Contudo, a sequência de aclives e declives descrita torna possível que, com um bom mapa topográfico à mão, se identifique os esporões e talvegues atravessados. Assim, fica claro que a “barra do moinho” é a foz de um dos formadores do Itaim-mirim com o leito principal do afluente esquerdo do rio Tietê. E é justamente o braço do Itaim-mirim cujas nascentes, no Sítio do Morro, foram desviadas (em um ponto hoje um pouco acima de onde passa a estrada de rodagem) e suas águas conduzidas para o moinho de Antonio de Vasconcellos há quase 400 anos.

Corte da ruína com marcas do barrote do assoalho. Abaixo da linha do piso, ficava o chamado “cabouco” ou “inferno” do moinho, onde se localizava o rodízio. À direita, vê se o indicio de uma provável caixa (“cubo” ou “presa”) para aumentar a vazão do esgui
Desenho Francisco Andrade

Uma referência bem mais tardia, mas de grande interesse, sobre o local onde estão as ruínas, aparece no Livro de Notas da vila, em 1795. Nessa escritura, os proprietários do “citio denominado de Morro” descrevem as terras compradas do sargento-mor Antonio Francisco de Andrade, que fora casado com uma bisneta de Paulo Proença de Abreu. Na descrição, faz-se menção a “hua caza que serve de paiol de parede pedra tudo coberto de telha” (6) – o que chama a atenção de imediato, pois os paióis sempre estiveram entre as construções rurais de técnicas mais simples, construídos com pau a pique, ou mesmo, com simples taquaras. Provavelmente, ao longo do século XVIII, com a decadência do cultivo do trigo, os morros tenham sido recoberto por milharais, e o antigo moinho, já abandonado, passado a servir de paiol para as espigas de milho.

Elevação da fachada norte do moinho, onde se vê o vão por onde se fazia o escape da água
Desenho Francisco Andrade

A moagem na economia do planalto paulista no século XVII

O moinho hidráulico foi um dos maquinismos menos difundidos nos primeiros tempos da colonização brasileira. E considerando que o velho moinho d’água era conhecido desde os tempos de Vitrúvio e que teve papel fundamental na história europeia, seu aparecimento mais tardio, na colônia, desperta a atenção. Apesar de o gravurista alemão Stradanus representar o moinho sendo utilizado para a moagem da cana-de-açúcar na Itália, não se tem registros de tal uso nos engenhos brasileiros, onde grandes mós de pedra, quando utilizadas, eram assentadas sempre na vertical – solução que entre nós sempre foi designada como “trapiche”. Além disso, a melhor adaptação de outros equipamentos europeus ao beneficiamento dos alimentos-base da dieta americana reduziu ainda mais o potencial de utilização do moinho d’água no Brasil colonial.

Somente no início do século XVII, na vila de São Paulo, foram instalados os primeiros moinhos d’água que se tem notícia na América Portuguesa. São conhecidas as licenças de datas emitidas pela Câmara de São Paulo concedendo autorização para a instalação de moinhos (7). Dois desses moinhos, pertencentes a Manuel João Branco e instalados no Anhangabaú, chegam mesmo a figurar no Mappa de S. Vicente, do engenheiro militar italiano Alessandro Massaii, publicado recentemente por Nestor Goulart Reis (8). E, como apontou Sérgio Buarque de Holanda, tratavam-se de moinhos urbanos, desde o início vinculados ao surgimento do cultivo do trigo nos arredores da vila paulistana (9).

A presença da triticultura na região de serra-acima já era conhecida pela historiografia colonial paulista desde os tempos de Afonso de Taunay. Contudo, a cultura do trigo sempre foi encarada como um sinal distintivo do povoamento paulista, cuja base econômica teria sido o minifúndio policultor voltado para a subsistência de colonos isolados pela Serra do Mar (10). Foi somente após o inovador trabalho do antropólogo e historiador John Monteiro que o papel de relevo do cultivo de trigo em São Paulo pode ser mais bem compreendido. Em seu livro Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo, Monteiro demonstrou que o interesse principal das grandes bandeiras paulistas – mais do que a busca de riquezas minerais ou a comercialização de escravos para os engenhos de açúcar do litoral – era a criação de uma força de trabalho agrícola escravizada. Descortinava-se, desse modo, a origem de um considerável sistema de produção e comercialização de gêneros alimentícios baseado, enormemente, na escravização e exploração da mão de obra indígena. Toda essa produção de gêneros produzidos nas fazendas ao redor da vila de São Paulo – e que incluía também a criação de bois, porcos, a produção de marmeladas, aguardentes e cultivo do algodão – era capitaneada pela produção de trigo, que podia alcançar entre 120 e 170 mil alqueires. Eram cifras vastas o suficiente, no contexto colonial, para ter rendido a São Paulo, no século XVII, a fama de ser o “celeiro do Brasil” (11). Portanto, é um mérito do estudo de Monteiro mostrar que o trigo, mais do que um cultivo de consumo interno, foi o mais importante gênero da economia do Planalto no âmbito do mercado intracolonial do século XVII (12).

Foi nesse contexto de viabilizar uma comercialização mais rendosa das searas que começaram a surgir no planalto, moinhos destinados a farinação do trigo em grão. Assim, era já reduzido à farinha que o trigo era transportado até Santos, de onde partia para ser vendido nas cidades com maiores concentrações de europeus residentes, como Rio de Janeiro e Salvador. Vale lembrar que o Caminho do Mar, nessa época, não era ainda transitável nem mesmo por tropas de mulas, tornando o recurso a carregadores indígenas o único meio de transpor aquele que já fora chamado de “o pior caminho do mundo”. Dentro de um contexto econômico tão restritivo, enviar ao porto de Cubatão o trigo já moído garantia uma folga indispensável na margem de lucro para os colonos de serra-acima.

O caráter essencialmente comercial que pautou o início da moagem hidráulica em terras brasileiras ajuda a esclarecer vários aspectos que particularizam os moinhos paulistas do século XVII, tanto em relação a seus congêneres europeus como aos posteriores moinho de fubá. E ao fim, torna-se clara a distinção entre as diferentes funções e diferentes regimes de propriedade envolvidos nesses casos.

Primeiramente, nunca houve uma moagem doméstica do trigo em São Paulo. Embora o cereal europeu, obviamente, se fizesse presente na culinária do período, em especial nas mesas mais ricas, ele nunca foi um alimento do dia a dia. Só mesmo poucas famílias de hábitos mais europeizados, se dariam ao luxo de consumir os alimentos do trigo cotidianamente. A excepcionalidade do consumo da farinha do trigo explicaria a ausência de moendas domésticas nos inventários post mortem antes do século XVIII, quando passam a ser usadas para moer milho.

Os moinhos seiscentistas de serra-acima também nunca foram moinhos comunais. Mesmo os pioneiros moinhos urbanos da vila de São Paulo já eram explorados comercialmente por seus donos, que foram mais de uma vez advertidos pela Câmara para não exorbitarem o valor da maquia – a taxa cobrada em espécie do produtor pelo uso do moinho. Sua localização dentro do rocio da vila se deve, nesse caso, muito mais ao pouco volume da produção de trigo naquele momento inicial de seu cultivo na região. Como os trigais ainda eram restritos às imediações da colina de Piratininga, ainda não era proibitivo transportar os grãos já malhados até os moinhos da vila. Mas à medida que os bairros rurais que concentravam os maiores produtores de trigo foram se afastando das sedes municipais, os moinhos rurais iriam preponderar.

O caráter de empresa comercial que a moagem assumiu em São Paulo no século XVII ajuda a explicar os motivos pelos quais, mesmo sendo um dos elementos-chave da produção de trigo na região, os moinhos hidráulicos nunca se fizeram muito presentes nas propriedades triticultoras (13). Mesmo os maiores produtores de trigo não costumavam contar com um moinho em sua propriedade. O aspecto comercial da posse de um moinho, nessa época, pode ser comprovado também pelo fato de que não raro os senhores de moinhos compravam toda a produção do trigo em grão dos fazendeiros e assumiam eles mesmos os custos com o transporte e a colocação das farinhas nas praças de Santos e do Rio de Janeiro (14).

Há, contudo, outro fator que ajudaria a explicar a pequena difusão de moinhos hidráulicos durante o século XVII. A capitania de São Paulo se manteve até o início do século XVIII como uma capitania donatarial, o que implicava em alguns privilégios exclusivos do capitão donatário – entre esses, o monopólio da moagem. Como pode ser visto na carta de foral de Martim Afonso de Souza, nenhum morador da capitania poderia possuir um moinho sem a autorização do donatário ou da câmara, a quem era delegada a função de distribuir a licença para a posse do equipamento:

“Outrossim me praz, por fazer mercê ao dito Martim Afonso e a todos os seus successores a que esta capitania vier de juro herdade para sempre, que elles tenham e hajam todas as moendas de água, marinhas de sal, e quaesquer outros engenhos de qualquer qualidade que sejam, que em a dita capitania e governança se poderiam fazeer: hei por bem que pessoa alguma não possa fazer as ditas moendas, marinhas, nem engenhos senão o dito capitão governador ou aquelles a que elle para isso der licença, de que lhe pagaraõ aquelle fôro ou tributo que se com elles concertar” (15).

Assim, as petições dos moradores de São Paulo à câmara acima citadas nada mais são do que testemunhos desse privilégio do donatário sobre a moagem (16). Conhece-se ao menos um caso de um proprietário de terras em São Paulo que foi processado por manter um moinho sem autorização donatarial. Trata-se de uma sentença emitida em Santos, no ano de 1628, referente à ação judicial promovida pelo Conde de Monsanto contra o colono Pedro Gonçalves Varejão e sua mulher, moradores em São Paulo. A ação movida pelo então proprietário da capitania de São Vicente contra Varejão se justificava por “haver quatro annos que os ditos reos fizerão no termo da Villa de Saõ Paulo hum moinho, em que todo o anno moem muita quantidade de farinha” (17), sem a devida licença.

Todos os caminhos levam a Santana do Parnaíba

No âmbito da agricultura comercial seiscentista em São Paulo, foram os bairros rurais de Santana do Parnaíba que sempre concentraram as maiores searas de trigo. Embora nos bairros mais ocidentais da vila de São Paulo, como o bairro de Cotia e Quitaúna (hoje Itapevi) houvesse grandes fazendas de trigo, foi mesmo em Parnaíba que os campos de trigo foram um elemento destacado na paisagem rural. No extenso termo da vila – que então compreendia as terras hoje pertencentes a vários municípios vizinhos – os grandes trigais concentravam-se nos bairros a oeste (atuais Araçariguama e São Roque) e ao norte da vila, no bairro do Juqueri, atual Cajamar (18). Assim, torna-se compreensível a localização, desde os primórdios da cultura do trigo no município, de um moinho de grande porte na boca dos antigos caminhos que, da sede da vila, rumavam para os bairros que concentravam a grande produção do cereal europeu. Ainda que talvez por demais precoce, tal relação não seria de todo insensata. Além de a documentação sugerir que o moinho teve mesmo destaque na economia moageira de seu tempo, um olhar atento para a técnica construtiva das ruínas parece confirmar o papel estratégico do antigo moinho do Sítio do Morro.

Região de Santana do Parnaíba. Destacado em verde está a linha de demarcação do rocio da vila em 1681. A seta azul indica a localização das ruínas do Sítio do Morro [Mapa do IBGE]

Em primeiro lugar, trata-se de um sítio favorável à implantação de um grande moinho no aspecto-chave que presidia a escolha: dispor de um curso d’água de fácil aproveitamento. Isso implicava, às vezes, menos na presença de um grande volume de água nas proximidades e mais em uma situação topográfica que permitisse uma transposição pouco onerosa e mais eficiente da água para as rodas que impulsionavam o maquinismo. E pode ter sido mesmo o contexto geográfico mais favorável o fator mais influente na diferenciação entre os moinhos brasileiros e seus congêneres europeus.

Na Península Ibérica, o verão extremamente seco criava um gargalo produtivo considerável na oferta de farinha, já que os cursos d’água perdiam boa parte de seu fluxo (19). Já nas regiões brasileiras em que os moinhos mais se fizeram presentes, as condições eram completamente diferentes. Os altos índices pluviométricos e uma rede de drenagem muito mais ramificada e com volumes de água muito maiores do que na Europa invertiam os padrões sazonais da moagem mediterrânica. Seria aqui a temporada das chuvas fortes que mais riscos trariam aos moinhos.

No Brasil também não há registros de barragens construídas em leitos de cursos d’água mais avolumados para servir como assento e fornecer boa propulsão às rodas d’águas – uma solução comum em toda Península Ibérica. Nesse ponto, o contexto é totalmente oposto. Como já apontou Gilberto Freyre, foram sempre os pequenos ribeiros os cursos d’água que mais contribuíram com a formação rural brasileira (20). Não seria diferente em São Paulo, onde, nas licenças emitidas pela câmara, os cursos d’água mencionados são sempre pequenos riachos ou córregos. E à medida que as máquinas se aprofundavam em direção ao interior da capitania, encontravam sítios ainda mais generosos nos rios encachoeirados dos contrafortes das serras da Cantareira, ao norte; das serras de Voturuna e do Japi, seguindo o curso do rio Tietê; e da serra do Itapeti, já em direção à bacia do Paraíba do Sul.

Cunhal de pedra nor-nordeste do moinho de Parnaíba, onde fica nítido o uso da alvenaria ciclópica
Foto Victor Hugo Mori

Nesse sentido, o território do Planalto Paulista povoado até o fim do século XVII, teria sempre oferecido condições quase ótimas para a instalação de moinhos hidráulicos. Pois somente no final da centúria é que os colonos adentraram de forma marcante o facies geológico lindeiro da Depressão Periférica, deixando para trás os terrenos tão propícios às lides hidráulicas como são os das “serrinhas sincopadas” (como costumava chama-las o professor Aziz Ab’Saber) dos arredores da capital. Na verdade, a grande declividade das encostas acima dos leitos chegaria mesmo a oferecer sítios de difíceis assentos para a construção de moinhos mais robustos, além do risco constante de cheias destrutivas em anos de chuvas mais fortes.

Corte mostrando a posição da grande pedra no interior de uma das paredes, usada possivelmente para apoiar as mós. A seta vermelha indica a cota do antigo assoalho de madeira
Desenho Francisco Andrade

As considerações acima sobre a topografia da região e a técnica dos moinhos permitem esclarecer a implantação do moinho do Sítio do Morro. Construído no meio da vertente do vale, a algumas dezenas de metros do talvegue, o moinho vai buscar as águas do seu ribeiro a mais de cem metros acima da cota onde se localiza – restos de uma canaleta de pedras são visíveis por quem desce da estrada de rodagem até as ruínas. A declividade do relevo, por si só, já garantia grande parte da força necessária para mover o moinho. Ainda assim, porém, não se deve excluir que atrás da bica (ou “setia”) pudesse haver um “cubo”, ou seja, um recipiente construído de pedras onde o peso da água acumulada aumentaria ainda mais a propulsão da roda.

Reconstituição hipotética do moinho parnaibano, com jirau de armazenamento e um telhado simples com beiral despejando as águas pluviais em direção ao riacho
Desenho Francisco Andrade

No mais, fica o palpite – a ser confirmado ou não pelas futuras escavações arqueológicas – de que o moinho do Sítio do Morro seria provido com um pequeno “jirau” a pouco menos de dois metros de altura acima do seu assoalho. Tal hipótese se justifica pelo pé direito de cerca de 4,50 medindo-se desde o lado externo da saída do “inferno” ou “cabouco”, onde a cota do terreno é mais baixa. A presença de um espaço de armazenamento é imprescindível para um moinho de grande porte, não só para alojar as tralhas de uso corriqueiro (balanças, medidas de maquias, as picadeiras das mós, etc.), mas também para guardar o trigo já moído ou aguardando beneficiamento. Um telhado que tivesse apenas uma água, com seu pano inclinado em direção ao talvegue daria conta de vencer o vão de menos de quatro metros e aumentaria o espaço de armazenamento do “jirau”. É possível que contasse também com um beiral cuja função seria menos proteger as alvenarias do que afastar as águas pluviais do solo próximo à parede, evitando a erosão. Igualmente, poderia haver mais uma janela na parede norte, além da seteira existente na parede nordeste, aumentando a insolação no interior do moinho ao menos durante parte do ano. Não seria uma vantagem desprezível, já que nos períodos de maior atividade, os moinhos trabalhavam por “dia natural”, ou seja, durante as 24 horas do dia, sem parar nem mesmo durante a madrugada.

Ilustração reconstituindo hipoteticamente o espaço interno e o maquinismo existente
Desenho Francisco Andrade

Sobre o maquinismo pouco ainda pode ser dito. Sabemos, pelo porte das ruínas, que seria bem mais sofisticado do que os moinhos caboclos, embora a lógica operativa seja a mesma. Sua disposição também permite que saber que era um moinho de rodízio, ou seja, com a roda d’água disposta na horizontal, sendo o seu movimento transmitido diretamente às mós por um eixo vertical Tais moinhos parecem terem sido os únicos moinhos hidráulicos de cereais conhecidos no Brasil colonial. Ainda que tenham existido raros moinhos de vento produzindo farinhas no Rio de Janeiro, moinhos de roda vertical, de transmissão indireta, foram (salvo exceção) desconhecidos na moagem de cereais durante todo o período colonial (21).

Já a grande pedra inserida por dentro da parede sudoeste parece ter feito parte de um sistema de apoio para as mós, aliviando a carga que o pesado par exercia sobre os barrotes e sobre a rotação do mastro ou eixo do rodízio.

Moinho de rodízio conforme tratado do espanhol Pedro Juan de Lastanosa (c.1576). O mecanismo do moinho do Sítio do Morro seria bem parecido com o que aparece descrito pelo mecânico do Rei Filipe

O moinho d’água: equipamento da casa bandeirista

Aos leitores mais familiarizados com a arquitetura colonial de São Paulo já se vislumbra, à esta altura, a relação potencialmente existente entre as ruínas do Sítio do Morro e a tipologia de casa rural mais comum em São Paulo colonial: a “casa bandeirista”. De fato, os laços entre a ascensão e queda da agricultura comercial seiscentista e a emergência do “partido bandeirista” nos arredores da vila de São Paulo já eram postulados por todos os historiadores da arquitetura que já conheciam a obra de John Monteiro (22). A identificação de um moinho de grande porte em Santana do Parnaíba agora só torna ainda mais explícita a necessidade de revisão da historiografia da arquitetura colonial em São Paulo – tarefa que tornará indispensável a leitura mais atenta não só da obra seminal de John Monteiro, mas de inúmeras outras pesquisas recentes dos historiadores e arquitetos que vêm se dedicando ao tema (23).

A verdade é que, enquanto imperou entre nós uma visão propositadamente idealizada acerca das origens de São Paulo, simbolizadas pela glorificação do bandeirante, vários aspectos das antigas casas rurais do estado permaneceram vedados ao presente. Basta lembrar que mesmo Luiz Saia, homem averso a chauvinismos quatrocentões, chegou a considerar a “produção de mamelucos” para as demandas militares dos bandeirantes como a função mais importante das casas rurais seiscentistas (24). Mesmo os autores que procuravam alternativas às teses de Saia, ainda tendiam a enxergar a economia rural da época das bandeiras através do viés edificante próprio dos seus primeiros historiadores – interessados em conferir uma origem mais “moderna” a São Paulo e legitimar a hegemonia do estado na Federação. Assim construiu-se uma narrativa em que os paulistas, isolados pela Serra do Mar, teriam constituído uma sociedade mais democrática, baseada no minifúndio e na agricultura de subsistência – mais próxima, portanto, da economia camponesa europeia do que ao latifúndio escravista colonial. E mesmo interpretações posteriores da casa bandeirista, como as de Carlos Lemos e de Ernani da Silva Bruno, ainda prendiam-se a uma visão das lides produtivas da casa bandeirista mais concordante com a economia dos pequenos sitiantes caipiras do que ao contexto colonial (25).

Nesse contexto, é no âmbito dos debates sobre o equipamento da casa bandeirista que as ruínas do Sítio do Morro podem dar sua maior contribuição. E um último elemento da história da propriedade onde está o moinho torna ainda mais instigantes as futuras pesquisas a serem feitas nesse sentido: o inventário de Benta Dias, aberto em 1658, no qual seu sítio é descrito como possuindo uma casa de dois lanços de taipa de pilão (26). Já no inventário de Paulo Proença de Abreu (aberto em 1676), aparece descrito uma casa de três lanços, que poderá ser a mesma constante na escritura de 1795, onde se cita as “cazas de vivenda com sua baranda na frente” (27). Ou seja, entre as décadas de 1650 e 1680, uma casa, cuja descrição se filia às de casas bandeiristas conhecidas, foi construída no Sítio do Morro. Sem dúvida, a construção dessa casa teria sido incentivada pelo extenso patrimônio acumulado com a ajuda das rendas do moinho. E, talvez, longe de ser um caso isolado, a correlação entre a economia agrária capitaneada pelo trigo e a transição para o “partido bandeirista” pode ter tido ares de regra.

Em um breve e sumário cotejamento das cronologias conhecidas do desenvolvimento da economia do trigo e a emergência da casa bandeirista como o padrão arquitetônico das residências rurais do planalto, vislumbra-se um instigante guia para novas investigações. A casa bandeirista surgiria, assim, como um tipo de estabelecimento rural cujas origens fundiárias teria sido uma grande leva de sesmarias cedidas nas primeiras décadas do século XVII, vinculadas ao surgimento da agricultura orientada comercialmente (28) – embora a volatilidade do capital disponível pareça ter sido o fator determinante para o tipo de produção adotado . Assim, no início do século XVII, quando era ainda proibida a utilização do trabalho indígena, a criação de gado predominaria, já que demandava menos mão de obra que qualquer cultivo agrícola. À medida que os plantéis de escravos passassem a aumentar, mais facilmente se faria a transição para produções agrárias mais rentáveis, e a paisagem rural do planalto teria começado a perder os ares de sertão e a adquirido uma organização mais consolidada. Não seria coincidência que, justamente em meados do século XVII, após as grandes bandeiras garantirem o estoque de mão de obra que permitiu o apogeu da produção tritícola, tenham se construído as maiores casas bandeiristas que temos conhecimento – os sítios Santo Antônio e Querubim – por famílias que constavam, então, entre as maiores produtoras de trigo da região (29).

É preciso, no entanto, certa cautela antes que afirmações mais assertivas possam começar a tomar forma. Pois ainda que o trigo ocupasse um real papel de destaque dentro da economia rural paulista, ele ainda seria apenas um entre os diversos gêneros agrícolas aqui praticados. Embora dificilmente tenham originado patrimônios tão ricos quanto os das grandes famílias triticultoras, fortunas consideráveis (assim como casas de feições bandeiristas) foram construídas por meio da comercialização de tecidos grosseiros, de aguardentes de cana e caixas de marmelada. Assim o algodão e seus teares, a cana-de-açúcar e suas moendas e alambiques, os marmeleiros e seus tachos de cobre também precisariam ter seu papel esclarecido no desenvolvimento da antiga arquitetura rural da região.

Além disso, mesmo que se venha reconhecer no moinho hidráulico o mais destacado equipamento da casa bandeirista, não devemos considerá-lo tal e qual os equipamentos usados para produção nos engenhos de açúcar ou fazendas de café dos séculos XVIII e XIX. Até que ponto essa diferenciação se deve a ausência de uma organização manufatureira da triticultura seiscentista somente futuras pesquisas poderão responder. Cabe notar, entretanto, que a ausência de uma feição distintamente manufatureira em uma economia periférica como a do planalto paulista pode ajudar a explicar algumas especificidades da organização dos espaços agrários da região (30).

Sabemos que em alguns ramos de trabalho, mesmo aos paulistas foi dado se organizar de modo mais próximo à manufatura, como no caso das forjas do capitão Guilherme Pompeu de Almeida, em Voturuna (31). O mesmo aparenta ter se dado no ramo do algodão e da tecelagem, onde são conhecidas nos inventários algumas referências a “casa de teares” e índios tecelões. O monopólio da moagem e o caráter mercantil da posse de um moinho, entretanto, podem ter tido um peso decisivo na falta de um padrão manufatureiro para a triticultura do planalto – com enormes consequências na organização do ambiente construtivo rural.

Ainda assim, existem indícios de que o trigo chegou ter alguma força organizadora, pois não raro há menções a “casa de trigo” ou “trigo em tulha”. Além disso, testemunho do jesuíta Manuel da Fonseca sobre um dos milagres do P. Belchior de Pontes realizado em uma fazenda de trigo, onde se subentende uma organização espacial própria para o beneficiamento do cereal europeu:

“Illustrou Deus tanto zelo com huma grande maravilha, permitindo que em hum dia, em que o sol se mostrava com o calor mais activo, botasse no terreiro quantidade de trigo de que abundava São Paulo (...) para que em hora competente se malhasse” (32).

De qualquer forma, comprovando-se ou não as hipóteses acima, a identificação de um antigo moinho no Sítio do Morro serve como um lembrete de que não existem temas antiquados ou objetos superados pelo desenvolvimento das diferentes disciplinas. O ranço que acaba revestindo certos temas costuma ser antes um sinal de uma desmedida especialização nas investigações do que um sinal de pobreza ou esterilidade do objeto em si. Faz décadas desde que os caminhos estiveram tão em aberto como estão hoje para que inovadoras interpretações possam ser construídas. Mais do que nunca, se faz necessário não apenas o reconhecimento devido aos estudos precedentes, mas principalmente a superação dos velhos paroquialismos. Pois somente pelo constante diálogo entre as disciplinas acadêmicas – e entre a universidade e os órgãos de preservação – encontraremos as melhores chances de fazer dessas esfinges algo menos indecifráveis.

Mó de moinho de trigo existente na casa do Padre Inácio: um testemunho das relações entre arquitetura bandeirista e a economia do trigo no Planalto Paulista
Foto Francisco Andrade

notas

1
O melhor estudo sobre os pequenos moinhos d’água caboclos ainda é o pequeno artigo de Júlio Katinsky, onde o autor tece interessantes considerações sobre a técnica presente nesses equipamentos. Cf. KATINSKY, Júlio. Glossário dos moinhos hidráulicos. In GAMA, Ruy. História da técnica e tecnologia – textos básicos. São Paulo, Edusp, 1985, p. 216-242.

2
Inventário de Antonio Furtado de Vasconcellos – 1628, Inventários e testamentos, vol. VII, p. 18.

3
Inventário de Benta Dias – 1658. AESP, Juízo Ordinário e dos Órfãos (Santana do Parnaíba) C00478A.

4
AESP. Livro de notas de Santana do Parnaíba – 1658, AESP, cx. 6076-28.

5
Auto de medição do rocio da vila, 1681. In CAMARGO, Paulo Florêncio da Silveira. História de Santana de Parnaíba. São Paulo, Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo/ Comissão Estadual de Literatura, 2014, p. 319.

6
A cópia desta escritura nos foi gentilmente cedida pela historiadora Agacir Eleutério, responsável pelo Centro de Memória da Prefeitura Municipal de Santana do Parnaíba.

7
Em 1614, João Fernandes Saavedra obtém sua licença para construir seu moinho no ribeiro de Mubuquisaba, na direção do caminho para Santos. Dois anos depois, Amador Bueno, Cornélio de Arzão e Manoel João Branco também obtêm suas licenças, tendo os dois últimos instalado seus moinhos no córrego do Anhangabaú .Cf. Actas da câmara da vila de São Paulo, vol. II, p. 393, 369, 376.

8
Cf. REIS FILHO, Nestor Goulart. São Paulo, vila, cidade, metrópole. São Paulo, Bank of Boston. 2004.

9
HOLANDA, Sergio Buarque de. Caminhos e fronteiras. São Paulo, José Olympio Editora, 1957, p. 209-212.

10
Tratava-se, como hoje sabemos, de uma idealização enviesada pelos interesses políticos paulistas. A historiadora Ilana Blaj apresentou uma notável síntese sobre a persistência dessas interpretações da história paulista por tantas décadas, com seus matizes se fazendo sentir mesmo em narrativas pouco afeitas aos chauvinismos políticos da República Velha e da Revolução de 32. Cf. BLAJ, Ilana. A trama das tensões: o processo de mercantilização de São Paulo colonial (1681-1721). São Paulo, Humanitas/Fapesp, 2002 (capitulo 1).

11
MONTEIRO, John. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo, Companhia das Letras, 1994. Cf. capítulo 3.

12
Essa “fase” triticultora (que compreende, grosso modo, o período entre as décadas de 1620 e 1680) assentava-se predominantemente na grande oferta de terras livres para o cultivo e nas poucas restrições encontradas no apresamento de índios pelas expedições armadas ao sertão. Como demonstra o autor, quando ambos os fatores começam a escassear, rapidamente o trigo deixa de ser vantajoso como produção destinada ao comércio. Como a expansão da produção assentava-se na ocupação de terras ainda recobertas de floresta, o contínuo desmatamento cada vez mais distanciava as searas das praças de comercialização, aumentando o ônus do transporte a preços proibitivos. Paralelamente, os paulistas não conseguiam mais repor a mão de obra por meio da captura de índios no sertão, tanto pela extinção de grande parte das comunidades indígenas, como pela resistência das restantes. Cf. MONTEIRO, John. Op. cit., p. 76-85.

13
O estudo de John Monteiro já apontava a pequena difusão do moinho mesmo onde o trigo era o cultivo dominante. Em uma pesquisa realizada nos inventários seiscentistas publicados, foram encontradas menções a apenas 13 moinhos entre as décadas de 1620 a 1690, e algumas menções podem se referir à mesma máquina inventariada em dois momentos diferentes. ANDRADE, Francisco de Carvalho Dias de. A memória das máquinas: um estudo de história da técnica em São Paulo. Campinas: dissertação de mestrado. Unicamp, 2011, p. 92.

14
MONTEIRO, John. Op. cit., p. 121-22.

15
Doação e foral das cem léguas de terra concedidas a Martim Afonso de Sousa (1535). In LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. História da Capitania de S. Vicente. São Paulo, Melhoramentos, s/d., p. 159.

16
Esse regime de aforamento para a posse e operação de um moinho remontava à Idade Média portuguesa. Em consonância com outras partes da Europa feudal, havia, em Portugal, diversas modalidades de monopólios senhoriais sobre a moagem que, por vezes, eram contrabalanceadas pelas “servidões urbanas”. Diferindo de lugar para lugar, encontram-se referências a legislações sobre moagem similares ao aforamento praticado em terras paulistas já no século XIV. A modalidade em questão, na qual o aforamento era perpétuo, chamava-se fatiota perpétuo e abrangia a água propulsora,bem como o assento no qual se erigia o moinho ou, como aparece nas cartas da Câmara paulistana, a “posse das agoas e terras”.

17
Sentença sobre um moinho instalado no termo da vila de São Paulo por Pedro Gonçalves Varejão sem licença do Conde de Monsanto. In CORTESÃO, Jaime. Pauliceae lusitana monumenta historica. Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura, 1958, p. 25.

18
MONTEIRO, John. Op. cit., p. 114.

19
OLIVEIRA, Ernesto Veiga de. Op. cit., p. 93.

20
Freyre chega mesmo a lançar mão de uma metáfora literária, mas de total acuidade, para descrever a importância dos ribeiros e córregos na ocupação do território. Sem oferecer o perigo de grandes e destrutivas cheias a que os maiores rios americanos estão sujeitos, os menores seriam verdadeiros “rios sanchos-panças, sem os arrojos quixotescos dos grandes; prestando-se, portanto, às tarefas de sedentariedade e da fixação; aos deveres pachorrentos, mas de modo nenhum vis, da antiga rotina agrícola”. FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do nordeste do Brasil. São Paulo, Global, 2004, p. 59-61.

21
Os moinhos e vento cariocas são referidos por Debret como outrora existentes no morro. Além desses, sabe-se que houve também um moinho de vento na ilha das Cobras, dentro da antiga fortaleza. As ruínas ainda hoje existentes no Morro da Queimada, em Ouro Preto parecem ter pertencido mesmo a um moinho de vento, mas destinado a trituração de ferro, não a moagem de cereais. Para os moinhos cariocas cf. DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica através do Brasil. São Paulo, Edusp/Martins Fontes, 1972, tomo I, vol. II, p. 260.

22
Cf. TRINDADE, Jaelson Bitran. Patrimônio e história: a abordagem territorial. In Revista do Patrimônio, n. 34, 2012, p. 303-335.

23
Desde a publicação do livro de John Monteiro, inúmeros outros estudos foram feitos que ajudaram a construir uma outra visão sobre o passado colonial de São Paulo. Dentre vários, cabe destacar os trabalhos de Ilana Blaj e Milena Maranho. Especificamente as relações entre cultura e espacialidade vêm sendo objeto de um estudo detalhado de Jaelson Bitran Trindade. A melhor contribuição surgida nos últimos anos, contudo, veio da pesquisa coordenada por Jorge Caldeira e que resultou no seu livro sobre a vida do Padre Guilherme Pompeu de Almeida. Cf. MARANHO, Milena Fernandes. A opulência relativizada: níveis de vida dos habitantes de São Paulo no século XVII. Florianópolis, EDUSC, 2010; ANDRADE, Carlos Monteiro de; TRAJANO FILHO, Francisco Sales;TRINDADE, Jaelson Bitran; MASSERAN, Paulo. Luís Saia: memória e política. Brasília: Iphan, 2014; CALDEIRA, Jorge. O banqueiro do sertão. São Paulo, Mameluco, 2006 (2 volumes).

24
SAIA, Luiz. Morada paulista. São Paulo, Perspectiva, 1972, p. 142.

25
Cf. BRUNO, Ernani Silva. O equipamento da casa bandeirista segundo os antigos inventários e testamentos. São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura, 1977; LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa paulista: história das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo, Edusp, 1999. Um trabalho que merece ser reavaliado pelo importante papel que teve na revisão das interpretações sobre a casa bandeirista é o livro de AMARAL, Aracy. A hispanidade em São Paulo: da casa rural a capela de Santo Antonio. São Paulo, Nobel, 1981. Para estudos mais recentes sobre o imaginário social presente nas interpretações pioneiras sobre a arquitetura colonial em São Paulo cf. MAYUMI, Lia. Taipa, canela-preta e concreto: estudo sobre o restauro de casa bandeiristas. São Paulo, Romano Guerra, 2008 (capítulo 1), SODRÉ, João Clark. A casa bandeirista de Luiz Saia no IV Centenário de São Paulo: restauração e preservação da identidade paulista. In Anais do V Seminário Nacional do Docomomo, São Carlos, 2003; LOWANDE, Walter. Os sentidos da preservação: história da arquitetura e práticas preservacionistas em São Paulo (1937-1986). Dissertação de mestrado. Mariana, UFOP, 2010 (capítulo 3).

26
Inventário de Benta Dias – 1658. AESP, C00478A

27
Inventário de Paulo Proença de Abreu – 1676. AESP, Juízo dos Órfãos (Santana do Parnaíba) C00609.

28
O território constituído pelas doações de sesmarias até a década de 1630 era relativamente extenso, dada à precariedade dos caminhos. Sua área, grosso modo, compreendia, no eixo norte-sul, desde o alto curso do rio Juqueri-mirim até as terras ao longo do caminho para Santos, nas bordas do planalto. No sentido leste-oeste, abarcava desde as terras imediatamente além da serra do Itapeti, porta de entrada para o vale do rio Paraíba, até Santana do Parnaíba, tendo como eixo, desde Mogi das Cruzes, o rio Tietê.

29
Tal relação fica ainda mais explícita quando se considera que tais propriedades foram formadas pela expansão do termo de Santana de Parnaíba, vila que apresentava as maiores searas do planalto. Sem falar que a família Barros, desde os tempos de seu patriarca com sítio em São Paulo, Pedro Vaz, já figurava como grande produtora de trigo – como se faz ver no inventário de sua mulher Isabel Leme. Um dos filhos do casal, Valentim de Barros (irmão de Fernão e Pedro Vaz de Barros, proprietários do sítio Santo Antonio e Querubim, respectivamente) foi um dos maiores produtores de trigo da capitania. Sua fazenda abrigava em 1651, mais de 120 escravos indígenas e uma tulha com mais de quatrocentos alqueires. Cf. Inventários e testamentos, vol. 15, p. 193-232.

30
A influência da organização manufatureira na arquitetura rural colonial foi pela primeira vez adequadamente dimensionada no belo estudo de Ruy Gama sobre a técnica nos engenhos de açúcar brasileiros. O arquiteto foi o primeiro a demonstrar o quanto as novas formas de se organizar o trabalho moldaram os partidos rurais do Novo Mundo. GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia. São Paulo, Duas Cidades, 1978, p. 55-61.

31
CALDEIRA, Jorge. O banqueiro do sertão. 2° volume. São Paulo, Mameluco, 2006, p. 387-390.

32
FONSECA, Manoel da, Vida do venerável padre Belchior de Pontes, da Companhia de Jesus da província do Brasil (1752), São Paulo, Melhoramentos, s. d., p. 125, grifo meu. Mais adiante, o autor se refere também a “eyras” onde trigo era malhado.

sobre o autor

Francisco de Carvalho Dias de Andrade é historiador, mestre e doutorando pela Unicamp. Tem trabalhos realizados na área da preservação do patrimônio cultural e pesquisas sobre a história da técnica e da arquitetura no Brasil.

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