No atual contexto de expansão das estruturas universitárias nacionais, este artigo pretende contribuir para o debate sobre a atual estruturação / desestruturação física dos espaços universitários e de seus impactos na função final das mesmas. Mesmo reconhecendo a influência das novas tecnologias que cada vez mais relativizam a necessidade de proximidade física para uma integração acadêmica (1), compreendemos que uma reflexão sobre os espaços pensados com esse objetivo nos campi ainda se entrelaça com os ideais centrais da noção de universidade. Esse artigo analisa a questão da integração universitária considerando as relações entre as propostas pedagógicas e o planejamento físico das universidades de Brasília e de Campinas, ambas pioneiras nas revisão dos modelos universitários vigentes no país.
A ideia de integração universitária na década de 1960
O campo do ensino superior na década de 1960 foi demarcado por importantes revisões na estrutura pedagógica, administrativa e física das Universidades. Na base destas mudanças havia a noção de que a sociedade estava diante de novos modos de produção e, nesse momento, a universidade teria importância capital. A capa da revista L’Architecture d’Aujourd’Hui de abril-maio de 1968 estampa o texto “Nous nous dirigeons vers une société post-industrielle dont les institutions-clés seront les universités, organismes de recherche et non plus les enterprises industrielles et commerciales” (2) que pode ser considerado sintomático deste contexto na medida em que reconhece a pesquisa e, por consequência, as universidades como protagonistas desta nova sociedade pós-industrial.
Outra noção difundida nos debates especializados era a insuficiência, ou mesmo o anacronismo, das estruturas universitárias vigentes. No editorial do periódico americano Progressive Architecture, de agosto de 1962, Walter N. Netsch Jr. (3) fez um significativo questionário que apontou novos temas para as reflexões dos arquitetos envolvidos com a produção do espaço universitário. Destacavam-se questões como: O planejamento do campus está sendo utilizado para gerar um sentido de comunidade? Os problemas de flexibilidade, integração dos serviços técnicos e novas técnicas pedagógicas estão sendo reconsideradas em novas disposições geométricas, ou novos conceitos espaciais? O campus é considerado como uma comunidade para o pedestre, ou mesmo como uma comunidade em qualquer sentido social? É um objetivo da administração e do corpo técnico empreender a reintegração entre a estrutura pedagógica e o entorno físico? Nestas perguntas percebe-se que a noção de integração acadêmica foi um dos conceitos de fundo que permearam a formulação do questionário.
No Brasil, neste período, havia, entre um representativo grupo de educadores, um consenso a respeito da necessidade de uma reforma universitária. Ao lado do reconhecimento de uma sociedade já em um estágio pós-industrial e da inadequação da estrutura acadêmica, administrativa e espacial das universidades existentes havia também um significativo aumento da demanda pelo ensino superior que exigia uma revisão profunda no sistema universitário brasileiro (4). Neste contexto, foram feitas iniciativas “reformadoras” na estrutura organizacional do governo federal para o setor universitário, destacando-se a criação do Conselho de Reitores e a participação de consultores norte-americanos para a definição de linhas estratégicas do ensino superior brasileiro (5).
Mas talvez a mais importante alteração no campo federal tenha sido a publicação da lei n. 5.540 em 28 de novembro de 1968 que ficou conhecida como “Reforma Universitária de 1968” (6). Apesar da polêmica envolvida em sua implantação, que foi feita “verticalmente” pelo governo militar, foram implementadas diversas modernizações que perpassavam os debates educacionais da época. A pesquisadora Maria de Lourdes Fávero destaca que esta lei absorveu temas como a “defesa dos princípios de autonomia e autoridade; dimensão técnica e administrativa do processo de reestruturação do ensino superior; ênfase nos princípios de eficiência e produtividade; necessidade de reformulação do regime de trabalho docente; criação de centro de estudos básicos” (7). Helena Bomeny elenca como características principais desta lei o fim das cátedras “que foram substituídas pelos departamentos, que aglutinariam os docentes pertencentes às disciplinas afins”; a integração de áreas com ensino e pesquisa comuns; a criação dos “cursos básicos (primeiro ciclo) e profissionais (segundo ciclo)”; a criação de matrículas por disciplina, ao invés das tradicionais matrículas por série; e a extinção das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras (8).
Deve-se destacar que diversas destas diretrizes já foram resultado de reflexões anteriores e que algumas universidades, especialmente a Universidade de Brasília – UnB e a Universidade de Campinas – Unicamp, já haviam aplicado oficialmente estas diretrizes em suas estruturas administrativa, física e pedagógica. De certa maneira pode-se afirmar que estas universidades serviram como referência para as demais do Brasil.
A proposta espacial deste novo modelo de universidade pensado na Reforma Universitária baseava-se na ideia de campi universitários. Estas estruturas promoveriam a proximidade e a facilidade de circulação entre estudantes e professores incentivando um sólido intercâmbio científico e cultural. Em linhas gerais, a organização espacial dos campi universitários também deveria ser responsável pela tão propalada integração universitária. Ressalta-se que, desde o início dos debates de criação do sistema de ensino superior no Brasil, na década de 1930, foi adotado o modelo campus universitário como base para a estruturação espacial das universidades (9). No entanto, percebia-se que diversos campi de universidades brasileiras construídos até então ainda eram marcados espacialmente pela simples reunião de Escolas ou Faculdades isoladas entre si, embora estivessem dentro de um grande terreno em comum.
Neste sentido, para fortalecer este modelo espacial, antes mesmo da aprovação da reforma universitária, foram aprovadas leis como os decretos n. 62.758/68 e n. 63.341/68 que definiram o campus como patrimônio das Universidades assim como as diretrizes para sua construção (10).
Desta forma o campus deveria ser pensado sob novas bases para garantir o sucesso da integração universitária. Diversos atores da época destacavam esta importância. Para Fausto Castilho, um dos responsáveis pelo projeto da Unicamp o campus seria a “via institucional capaz de manter integrada a universidade” (11). O consultor americano Rudolph Atcon destacava que o campus era a possibilidade da total “interligação de seu ensino, pesquisa e extensão a serviço de todas as carreiras oferecidas, sob uma administração central que atende a atividades e não a meras unidades” (12).
Embora este tema tenha sido parte dos desafios dos arquitetos e urbanistas envolvidos com o projeto de campus universitário neste período, dois campi criados antes da Reforma Universitária instigaram os debates a respeito da materialização do conceito de integração universitária: o projeto para a Universidade de Brasília, que deveria ser uma universidade modelo para a América Latina instalada na nova capital federal, e o projeto para a Unicamp, criada para ser referência nacional no campo da pesquisa e tecnologia.
A UnB e a integração universitária
Com a criação de Brasília surge também o ideal de se construir uma nova universidade-modelo para o país (13). Darcy Ribeiro pode ser considerado um dos personagens centrais no processo de criação da Universidade de Brasília por ter sido o principal idealizador e defensor de sua fundação ao longo de toda a sua atuação no governo federal (14). No entanto, contou com a colaboração de diversos representantes do meio intelectual brasileiro destacando-se o já experiente Anísio Teixeira – que havia criado, em 1935, a Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro – e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC que, de certa maneira, reunia a comunidade científica do País.
O projeto da UnB teve, no campo da arquitetura e do urbanismo, atores importantes que contribuíram para a consolidação do pensamento moderno no Brasil: Lúcio Costa lançou o projeto de implantação do conjunto e, posteriormente, Oscar Niemeyer desenvolveu os projetos para diversos edifícios que iriam compor sua estrutura física, destacando-se o Instituto Central de Ciências (15).
A estruturação da UnB deixou marcas relevantes na questão educacional do país, dentre as quais merecem ênfase as várias linhas referenciais para a reforma universitária de 1968: a extinção das cátedras e a criação de departamentos, a criação de estudos em ciclos, a adoção do sistema de creditação, entre outros. Seu modelo pedagógico extrapolou os limites nacionais: Darcy Ribeiro disseminou esta proposta durante o exílio por meio de consultorias e visitas a diversas universidades da América Latina. Por outro lado, no campo da arquitetura, Oscar Niemeyer se notoriza pelos projetos para cidades universitárias em diversos países destacando-se os projetos para as Universidades na Argélia e em Israel.
No período de criação da UnB, Darcy Ribeiro avaliou os exemplos de instituições de ensino superior no Brasil e identificou um quadro bem pessimista. Segundo o autor:
“A UnB nasce sem molde anterior em que se inspirar, e até mesmo sem precedente vivo e bem-sucedido com que emparelhar, tão pobre fora a nossa experiência universitária anterior e tão infaustas as tentativas de revitalizá-la e dar-lhes autenticidade. Só nos consola dessa estreiteza pensar que a própria carência teria, talvez, dado à UnB uma liberdade de se inventar que, provavelmente, seria tolhida em um País melhor servido por universidades que realizassem satisfatoriamente suas próprias ambições” (16).
Neste contexto a UnB ganha relevância por ser a primeira Universidade a ser criada sem a presença de escolas profissionalizantes tradicionais (Medicina, Direito etc.) preexistentes, o que, frequentemente, era apontado como impeditivo para a formulação de uma estrutura universitária voltada para a pesquisa e para a tecnologia em moldes menos profissionalizantes. Desta forma, a possibilidade de criação de uma universidade sem estas “amarras profissionalizantes” permitiu a elaboração de uma proposta institucional inovadora, tendo como base a noção de integração universitária.
Sob o aspecto físico, no plano piloto da UnB, Lúcio Costa desenvolveu uma proposta que respondia às necessidades dos educadores, localizando os institutos (demarcados em círculos na planta) separados das faculdades (demarcados com quadrados), mas com uma estreita e complexa relação baseada na afinidade programática de cada um deles (17).
No entanto foi Oscar Niemeyer que desenvolveu uma leitura radical da integração universitária por meio da criação do edifício do Instituto Central de Ciências (conhecido popularmente como Minhocão) que somaria diversos setores universitários em apenas uma estrutura física. Darcy Ribeiro analisa, em tom jocoso, esta proposta:
“Gosto de dizer, para divertir os amigos, que foi por preguiça que Oscar projetou o Minhocão tal qual ele é: 780 metros de comprimento por 80 de largura, em três níveis. A verdade que há nisso é só que Lúcio Costa previa no plano urbanístico no campus da UnB oito áreas para os Institutos Centrais, cada uma delas contando com edifícios especializados para anfiteatros, salas de aula, laboratórios, departamentos, bibliotecas, etc. No total, somaria para mais de quarenta edificações que deveriam ser projetadas e construídas uma a uma. Oscar resumiu tudo isso num edifício só, composto por seis modalidades de construção, que permitiriam acomodar num conjunto qualquer programa de utilização. Ao fazê-lo porém, renovava a arquitetura das universidades, dando um passo decisivo, no sentido do que viriam a ser, depois, as universidades que ele desenhou pelo mundo” (18).
Segundo Alberto, esta proposta de Oscar Niemeyer pode ser vista dentro de um longo processo de integração universitária que se inicia no período de estruturação do sistema universitário nacional na década de 1930. Alberto destaca ainda que, no primeiro momento das instituições universitárias no Brasil, estas se caracterizaram como escolas implantadas de forma isolada na malha urbana das cidades. Posteriormente, quando se definiu a cidade universitária como modelo desejado para a formação dos espaços universitários, criou-se a ideia de concentração destas escolas em um único espaço. Porém, com o projeto de Niemeyer para a UnB, houve uma alteração nesta estrutura pois agora a concentração foi substituída pela “sobreposição de usos e funções” aproximando ainda mais os usuários em um edifício único para, virtualmente, “tudo” e “todos” (19).
Embora esta solução de agrupamento tenha se materializado apenas no edifício do Instituto Central de Ciências, pode-se observar que este ideal permeou diversos planos de ocupação desenvolvidos posteriormente (20).
A Unicamp e a integração universitária
Na Unicamp o projeto do campus universitário foi elaborado de maneira a torná-lo um dos elementos pedagógicos da Universidade. Um dos principais motivos da existência desta relação entre o projeto pedagógico e o urbanístico foi a atuação dos idealizadores desta Universidade, entre eles Zeferino Vaz, seu idealizador e Reitor nos anos fundamentais de sua implantação, e o professor Fausto de Castilho.
Os dois personagens conviveram diretamente com os problemas do campus da USP e participaram de forma ativa dos debates da criação da UnB, compreendendo claramente os efeitos da estrutura espacial na solidificação do conceito universitário (21).
Na visão de Fausto Castilho as universidades brasileiras foram demarcadas pela falta de conexão entre o espaço físico e a proposta pedagógica das mesmas. Como exemplo o autor destaca que o projeto da USP sofreria com a ausência de um centro; pela maneira tardia como foi concebido o campus em relação à universidade; pela supervalorização de uma solução automobilística; e pela resistência das escolas profissionais que se negaram a ir para o campus do Butantã (22). Para Castilho a estrutura da universidade e a da cidade universitária deveriam ser concebidas simultaneamente, só assim seria possível criar um clima realmente universitário, um clima de integração. No caso da Unicamp, de forma semelhante à UnB, houve a possibilidade de se fazer esta concepção integrada entre os planos pedagógico e físico pois praticamente toda a universidade foi criada sem preexistências. Isso permitiu igualmente que conceitos fundamentais da Reforma Universitária (como a eliminação das cátedras, a estrutura em departamentos de pesquisa, sistema de creditação por disciplina e o ciclo básico de ensino) fossem aplicados na Unicamp dois anos antes da publicação da lei (23).
A experiência da UnB foi, de alguma forma, um balão de ensaio para a formação da Unicamp. No entanto, para dar resposta à questão da integração universitária, foi proposta uma estrutura espacial diferente da UnB. Para os planejadores da Unicamp o campus de formato “radial” seria a materialização ideal deste tema. O arquiteto João Carlos Bross, autor do projeto, justifica esta estrutura formal da seguinte maneira:
“O Campus terá um ponto focal, estabelecido através de um cuore ou grande praça, locada como área externa de congraçamento e vivência, encarada como polo (...). Com isto, no primeiro contato com o “Campus” através desta praça, o visitante terá a imediata ideia e sentimento do destino e integração das áreas circundantes, o que evidencia o verdadeiro universo da Universidade” (24).
Percebe-se que a solução pensada por Oscar Niemeyer na UnB para promover a integração não foi bem vista pelos idealizadores da Unicamp. Na visão de Zeferino Vaz, expressa no Relatório da Comissão Organizadora da Universidade de Campinas, a integração por meio apenas da reunião de alguns institutos – Ciências Físicas, Químicas, Matemática, Biologia e Geociências – deixando outros como Artes, as Ciências Humanas, a Biblioteca Central e a Reitoria distantes entre si, promovia um rompimento físico do “conceito de Unidade na Universalidade dos conhecimentos” (25). Para Fausto Castilho, Niemeyer propôs uma “solução arquitetônica” para um problema “urbanístico”, desta forma contribuiu para a criação de novos problemas, principalmente relacionados à expansão. Segundo Castilho:
“No propósito de eliminar de vez as distâncias dispersivas entre seções e departamentos, o plano da UnB reduz a proximidade à contiguidade e localiza todos os institutos centrais dentro de um único prédio (...). Ora, por mais amplo que seja, um edifício jamais poderá prever e atender à demanda por espaço que o desenvolvimento dos institutos venha a reclamar” (26).
A criação de uma centralidade espacial na Unicamp foi fundamental para dar uma nova resposta à questão da integração. Sua materialização estaria expressa na grande praça Central ligada ao Centro de Vivência, “onde se abrigam, as atividades socioculturais (biblioteca, museu, pinacoteca, aula-magna, shoping-center etc.) ao lado do Centro de Informática e Reitoria” (27).
Para esclarecer a lógica espacial desta solução, Castilho cria uma diferenciação peculiar para a noção de campus e cidade universitária. Segundo o autor esta diferenciação baseia-se no nível de integração universitária: “o campus ocupa uma área circunscrita no interior da cidade universitária”– o cuore. Essa área do campus, denominada Estudo Geral, seria ocupada por edifícios dos Institutos Centrais (Matemática, Física, Química e Biologia, Filosofia, Ciências Humanas, Letras e Artes) nos quais os alunos passariam os dois anos iniciais de sua formação. A mobilidade do pedestre neste círculo seria fundamental pois neste campus deveria haver o máximo de integração. Após este núcleo central foi desenvolvida a chamada “cidade universitária” composta pela Área 01, ocupada pelas faculdades, e a Área 02, ocupada pelos órgãos complementares. Nestas, a integração seria reduzida de forma gradativa à medida em que se afastassem da área central (28).
Por meio desta estrutura o conceito de integração universitária manteria o foco na estreita relação física entre professores e alunos (no chamado campus), respeitando as diferenças e possibilidades de crescimento distintos dos diversos campos do saber.
Variações de um mesmo tema
A integração universitária, como visto, foi pauta dos debates tanto entre os intelectuais ligados à educação na década de 1960 quanto no âmbito governamental que, por meio da criação de decretos, definiu o campus universitário como a resposta física adequada para a constituição das universidades. Os dois exemplos de integração universitária apresentados nesse artigo destacam-se por terem sido pioneiros na proposição de uma significativa reestruturação universitária. No entanto, são as diferenças entre as respostas espaciais que demonstram a amplitude da noção de integração tanto no campo pedagógico quanto no campo da arquitetura e do urbanismo.
Na UnB, Darcy Ribeiro compreendia que a integração universitária só ocorreria se houvesse o máximo de interlocuções entre os diversos atores acadêmicos possibilitando, assim, a criação de novas perspectivas para o conhecimento científico. Havia no período uma notória preocupação com a diversificação das modalidades de formação científica e tecnológica que se apresentavam como o reflexo da preocupação da entrada do Brasil na era da inovação e dos riscos de sua dependência neste setor. Nesse contexto, as tradicionais faculdades brasileiras produziam apenas um número limitado de carreiras profissionais, que não estariam preparadas para responder à diversidade tecnológica e industrial em crescente demanda no mundo.
O projeto de Oscar Niemeyer para o Instituto Central de Ciências pode ser considerado como a interpretação arquitetônica fiel dessa abordagem pedagógica na medida em que, espacialmente, procurou desmaterializar as barreiras entre as diversas disciplinas por meio de uma estrutura espacial que incitasse o contato da comunidade acadêmica. Ao invés de edifícios separados para cada área do conhecimento – comuns em universidades que possuem as faculdades tradicionais, nessa proposta, os diversos campos do saber coexistiriam sob a mesma estrutura física.
Em Campinas, Zeferino Vaz destacava que o campus deveria ser “um organismo, e não uma colônia de organismos” (29). A estratégia adotada para alcançar esse objetivo foi a adoção de princípios administrativos e pedagógicos semelhantes aos da UnB – quebra das barreiras tradicionais entre os conhecimentos por meio da departamentalização, criação de ciclo básico e profissionalizante, estrutura tripartite: faculdades, institutos e órgãos complementares, entre outros. O sentido de integração universitária na Unicamp também contemplava a aproximação física da comunidade acadêmica mas essa integração não se expressou de forma tão radical como no projeto de Oscar Niemeyer para a UnB. Para os fundadores da Unicamp as relações pedagógicas ocorreriam de forma integrada considerando-se a trajetória dos estudantes na universidade: teria início no núcleo central do campus com uma “intensa vivência comum, por dois anos”, chamado ciclo básico; após esse período, o aluno prosseguiria sua formação no aprendizado profissionalizante em “faculdades localizadas, no campus ou fora dele, segundo o ditarem as circunstâncias ou conveniências” (30). Nesse sentido a integração universitária seria intensa no núcleo central e, a partir dele, reduzir-se-ia gradualmente na proporção do afastamento desse centro. Mesmo o sistema viário da Unicamp expressava essa intenção: o “campus” (aqui entendido como essa área central) foi projetado para o pedestre e seu desenvolvimento radial em direção aos limites do terreno já exigiria a utilização de outras modalidades de transporte coletivo (ônibus) e individuais (patins ou bicicletas) (31).
Essa diferença entre as respostas físicas das duas universidades também pode ser entendida a partir da centralidade dos debates arquitetônicos no contexto de criação dessas universidades. Na Unicamp havia a intenção da construção de edifícios “modernos e inovadores no campus” (32), no entanto, esse pensamento não priorizava o desenvolvimento do campo da arquitetura em si. É sintomática a lista dos cinco requisitos de Zeferino Vaz para a formação instituição científica de uma universidade: 1) cérebros; 2) cérebros; 3) cérebros; 4) bibliotecas; 5) equipamentos; 6) edifícios (33). De maneira oposta, na UnB o campus foi utilizado como canteiro para o desenvolvimento da pré-fabricação, o que representava um importante passo tecnológico para o aprimoramento da arquitetura e da indústria da construção civil no país (34). O desenvolvimento de uma complexa estrutura arquitetônica que conseguisse, por meio da técnica, responder à complexa demanda de uma universidade, criando um modelo distinto de campus (35), representava os ideais tanto dos educadores quanto dos arquitetos envolvidos no processo de constituição da UnB.
Percebe-se, portanto, que, embora partilhassem ideias semelhantes, as visões de mundo particulares dos diversos atores envolvidos na constituição desses espaços tornaram a sua formalização um campo de experimentações distintas, resultando em um patrimônio a ser compreendido para a formação e revisão dos espaços universitários contemporâneos.
notas
NA – Agradecimentos ao CNPq, FAPEMIG e à UFJF pelo apoio para a pesquisa. À equipe técnica do Serviço de Arquivo permanente do Arquivo Central/SIARQ da Unicamp e do arquivo da Universidade de Brasília.
1
CASPER, Gehard. Um mundo sem Universidades? In: KRETSCHMER, Johannes; ROCHA, João Cesar de Castro (orgs). Um mundo sem universidades? Rio de Janeiro, Eduerj, 1997.
2
L’ARCHITECTURE D’AUJOURD’HUI. Paris, s.e, n.137, abr./mai. 1968.
3
NETSCH JR., Walter N. Master Planning The College or University. Progressive Architecture, ago. 1962, p. 130.
4
TEIXEIRA, Anísio. A expansão do ensino superior no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v.36, n. 83, jul./set. 1961, p. 3-4.
5
CUNHA, Luiz Antônio. A universidade reformanda – o golpe de 1964 e a modernização do ensino superior. São Paulo, Editora Unesp, 2007.
6
Esta lei encampou os princípios dos decretos-lei no. 53 que tinha como meta fixar os “princípios e normas de organização para as universidades federais e dá outras providências” e o Decreto-lei n. 252 que “estabelece normas complementares ao Decreto-lei n. 53, de 18 de novembro de 1966, e dá outras providências”. Após a publicação desta lei em 1968 ainda foi assinado o decreto-lei em 11 de fevereiro de 1969, n. 464 que “Estabelece normas complementares à lei 5.540, de 28 de novembro de 1968, e dá outras providências”. Neste sentido pode-se afirmar que a Reforma iniciou-se em 1966 e se completou em 1969. COUTINHO, Gledson Luiz. Administração universitária: a reforma de 1968. Belo Horizonte, Edição do autor, 2009, p. 57-59.
7
FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. Universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de 1968. Educar, Curitiba, n. 28, 2006, p. 17-36.
8
BOMENY, Helena. A reforma universitária de 1968, 25 anos depois. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 26, 1994.
9
ALBERTO, Klaus Chaves. Três projetos para uma cidade universitária do Brasil. 2003. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, Prourb-UFRJ, 2003.
10
OLIVEIRA, Joaquim Aristides de. A universidade e seu território: um estudo sobre as concepções de campus e suas configurações no processo de formação do território da Universidade Federal do Ceará. Dissertação de Mestrado. São Paulo, FAU-USP, 2005.
11
CASTILHO, Fausto. O conceito de Universidade no projeto da Unicamp. Campinas, Editora da Unicamp, 2008.
12
ATCON, Rudolp P. Manual sobre o planejamento integral do campus universitário. [S.I.: s.n.], 1970. Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras Projeto CR-10-PE-5 / Código no III-4.
13
RIBEIRO, Darcy. UnB – Invenção e descaminho. Rio de Janeiro, Avenir, 1978.
14
CAMPOFIORITO, ÍTALO. A Universidade de Brasília antes de 1964. Rio de Janeiro, 2005. Entrevista concedida a Klaus Chaves Alberto em 03 dez. 2005.
15
ALBERTO, Klaus Chaves. Formalizando o ensino superior na década de 1960: a cidade universitária da UnB e seu projeto urbanístico. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, Prourb-UFRJ, 2008.
16
RIBEIRO, Darcy. Carta: falas, reflexões, memórias. Brasília, n. 1, 1991.
17
ALBERTO, Klaus Chaves. Formalizando o ensino superior na década de 1960 (op. cit.); UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Plano Orientador. Brasília, Editora da UnB,1962.
18
RIBEIRO, Darcy. Op. cit.
19
ALBERTO, Klaus Chaves. Formalizando o ensino superior na década de 1960 (op. cit.).
20
ALBERTO, Klaus Chaves. Inconstantes cidades universitárias: um estudo da Universidade de Brasília. In: 7º Docomomo Brasil, 2007, Porto Alegre. 7º Seminário Docomomo Brasil, 2007, p. 1-23.
21
Zeferino Vaz chegou a ser interventor/Reitor da UnB no período da ditadura. MOROSINI, Marilia Costa (org.). A Universidade no Brasil: concepções e modelos. Brasília, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006, p. 328.
22
CASTILHO, Fausto. Op. cit.
23
GOMES, Eustáquio. O Mandarim: história da infância da Unicamp. Campinas, Editora da Unicamp, 2007.
24
BROSS, João Carlos. Considerações sobre o Plano Diretor da Universidade de Campinas. Revista da Universidade Estadual de Campinas, n.0, nov. 1971, p. 85-89.
25
RELATÓRIO DA COMISSÃO ORGANIZADORA da Universidade Estadual de Campinas ao Egrégio Conselho Estadual de Educação. Campinas, Siarq-Unicamp, 19/12/1966.
26
CASTILHO, Fausto. Op. cit.
27
BROSS, João Carlos. Op. cit.
28
CASTILHO, Fausto. Op. cit.
29
GOMES, Eustáquio. Op. cit.
30
RELATÓRIO DA COMISSÃO ORGANIZADORA da Universidade Estadual de Campinas ao Egrégio Conselho Estadual de Educação. Op. cit.
31
CASTILHO, Fausto. Op. cit.
32
GARBOGGINI, Flávia Brito. O potencial dos espaços abertos na qualificação urbana: uma experiência piloto na Cidade Universitária Zeferino Vaz. Campinas, Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Universidade Estadual de Campinas, 2012.
33
GOMES, Eustáquio. Conversa com o velho Zefa. Jornal da Unicamp, 339. Disponível em: <www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/outubro2006/ju339pag24.html>.
34
ALBERTO, Klaus Chaves. A pré-fabricação e outros temas projetuais para campi universitários na década de 1960: o caso da UnB. Risco, São Carlos, v.10, 2010, p. 80-95.
35
MÓDULO. Rio de Janeiro, Editora Módulo Limitada, ano VIII, n. 32, mar. 1963.
sobre o autor
Klaus Chaves Alberto é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1998), mestre (2003) e doutor (2008) em Urbanismo pela Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (PROURB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é professor adjunto do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e do Programa de Pós Graduação em Ambiente Construído (PROAC-UFJF). É pós-doutorando na Graduate School of Architecture, Planning and Preservation (GSAPP) na Columbia University (New York) como bolsista da CAPES. É líder do Grupo de pesquisa ÁGORA (UFJF), membro do núcleo de pesquisas Laboratório de Estudos Urbanos (LeU-UFRJ) e do Núcleo de Pesquisa em Saúde e Espiritualidade (NUPES-UFJF).