Intodução
Hoje, constitui um desafio identificar novos meios no modo de pensar as cidades, buscando formas de potencializar a inserção de tecnologias para a valorização individual e coletiva; como também, na questão sociológica, pela construção de significados oriundos do comportamento humano no meio habitado. O espaço urbano é um grande e variado ambiente onde o homem produz relações de vivência social, gerando um complexo sistema de comunicação no seu cotidiano. Contudo, para os significados gerados nesse diálogo, não há imagem representativa da diversidade de informações envolvidas.
Entender o conhecimento produzido no meio implica em representá-lo, relatá-lo ou traduzi-lo. Na teoria da arquitetura, há diversas metodologias para leitura e avaliação do ambiente urbano, descritas e aplicadas por autores como Del Rio (1), Ferrara, (2), Lamas (3), Lynch (4), Macedo (5), Panerai, Depaule e Demorgon (6), entre outros. Nessas teorias, o espaço urbano é lido e representado, produzindo, em geral, um desenho urbano eficaz no processo de planejamento das cidades. Entretanto, toda leitura das linguagens pertinentes aos elementos humanos admite subjetividade, tanto na construção de imagens individualizadas quanto das coletivas (7). Pessoas percebem e pensam diferentemente uma das outras, gerando entendimentos que, quanto à abordagem admitida, podem se distanciar entre si e proporcionar resultados não significativos.
Observadas essas teorias de análise do espaço urbano, percebeu-se que elas possuem convergência em níveis de organização de pensamento, levando à interpretação dos significados segundo uma ordem, caracterizada em aspectos de qualidade, de relação e de significação. Essa ordem representa manifestações de linguagens tal como aquelas propostas por Peirce (8) na semiótica. Ou seja, conjuga a qualidade daquilo representado, sua relação de referência a um conceito ou objeto e, à imagem mental ou significado formado para o indivíduo. Seu entendimento possibilita analisar a ação dos signos projetados e os formados com os significados resultantes da experiência humana.
Quando Ferrara (9) descreve conceitualmente a possibilidade de leitura sem palavras do espaço urbano, refere-se à análise configurada a partir da percepção da composição do espaço e a sua representação caracterizada na experiência do homem com signos; quando analisados na paisagem, compreendem as composições espaciais, temporais, históricas ou culturais que influenciam a ação humana. Entretanto, não é evidente a relação entre o objeto designado e o conhecimento colateral em tal interpretação, havendo margem da subjetividade.
Contudo, são poucas as discussões na literatura tratando em conjunto semiótica e arquitetura. O livro “Uma nova agenda para a arquitetura Antologia teórica (1965-1995)”, organizado por Nesbitt (10), traz um capítulo sobre semiótica e estruturalismo: o problema da significação. Entretanto, publicado em 2006, traz dois textos considerando a semiótica como analogia verbal, ou seja, na ideia da fonte primária do desenvolvimento da linguística dos anos 70, diretamente ligada à teoria de Ferdinand de Saussure.
A semiótica em seu significado atual tem suas origens encontradas no pragmatismo americano e na arquitetura, por meio do trabalho de Charles Jenks em 1978, estabelecendo-se sua analogia à linguagem (11). Sob essa lente, na leitura do mundo como linguagens, se estabelece a presente discussão. Isso não significa condicionar as linguagens ao domínio diádico, criando um obstáculo à produção de conhecimento, como descrevem os textos citados. Também, não é objetivo discutir o significado do objeto arquitetônico, nem a teoria semiótica como ideologia ou processo projetual, mas sim, discutir o modo pelo qual o ambiente urbano opera seu significado, ou seja, o processo que envolve a arquitetura e a experiência humana na construção de conhecimento. Na condição comunicativa própria da forma urbana, pretende-se discutir as ações dos signos da paisagem que geram o seu entendimento como lugar, espaço e território; bem como, suas inter-relações, que provocam o desdobramento contínuo de interpretação e de significação.
A hipótese que orienta a presente discussão se baseia nos significados formados no processo de pensamento, que se iniciam na percepção da paisagem, provocam a memória, geram emoções e promovem ações, imprevisíveis no entendimento de cada indivíduo. Consequentemente, com a face observável dos fenômenos e de fatos concretos, significados da paisagem podem ser definidos em uma análise semiótica-cognitiva. Destarte, procura-se trazer a teoria semiótica para a realidade concreta. Tal ato abre espaço à discussão da comunicação no espaço urbano.
Espaço urbano como comunicação de lugar, espaço e território
Em um processo de comunicação, o espaço urbano caracteriza interlocutores: de um lado, a cena do ambiente natural e construído, seus componentes históricos, artísticos e culturais, como uma realidade externa e fonte de informações – o próprio espaço; de outro lado, estão os indivíduos, interceptores e interpretadores das informações, construindo suas representações internas e formando o seu modelo mental – de lugar; pressupõe, ainda, a troca de mensagens, que mediadas ou não por algum artifício estão na configuração perceptível e em componentes não físicos, como na institucionalização projetada do território, constituída de regras e organização do lugar.
A paisagem é comunicada também por meio de suas imagens invisíveis e contextualizadas nas impressões dos indivíduos ocupantes do lugar. Estes interpretam significados constituindo o seu entendimento individualizado, diferenciado do coletivo e, até mesmo, das intenções daquilo que fora projetado (12), sem que isso traga consequências negativas, pois usos imprevistos e inesperados podem, algumas vezes, serem até mais interessantes do que uma proposta original de projeto.
“O significado de um signo é um outro signo. Podemos acrescentar: dentro do mesmo código e/ou extra código, num processo necessário de intersemiotização. O significado de uma arquitetura é outra arquitetura, o significado de uma igreja é outra igreja – até a primeira, quando, conforme Hegel, um deus a habitou” (13).
Percepção da paisagem
Macedo (14) discute a paisagem como um sistema, que apresenta reações às ações impressas, as quais ocorrem nas alterações morfológicas resultantes dos diferentes modos de ocupação; também, como um produto, definido no resultado dos processos de ocupação e gestão sobre a mesma. Magalhães (15) acrescenta que a paisagem urbana é formada pela sobreposição de informações, onde o ambiente construído é dotado de significações e impregnado de emoções oriundas da história e vivência das pessoas.
Todavia, a paisagem denota como a relação do homem determina marcas, resultantes dos registros de intervenção em tempos diferentes. A apreensão desses significados ultrapassa o nível dos sentidos na percepção, e passam a depender do processo cognitivo de seus usuários, em suas experiências, interações, memórias e vivência temporal.
Ferrara (16) defende que o fator tempo amplia e dimensiona a paisagem, gerando um macroespaço de percepção, o qual contém marcas de natureza física e social, expondo os significados emocionais e culturais resultantes da percepção e, consequentemente, do modo de pensar e agir das pessoas.
A psicologia cognitiva discute a percepção como uma ocorrência que inicia nos sentidos, passa a ser construída por processos internos da consciência, guiada por filtros, tais como omissão, generalização, distorção. Ela depende de memórias e do modo de pensar de cada indivíduo, influenciada por suas crenças e valores. Por fim, somada ao conhecimento adquirido, define as ações do indivíduo (17). Logo, na cognição, a percepção não está no objeto, mas no modo de pensar (18), fazendo com que sejam diferentes as maneiras como pessoas percebem e avaliam um lugar. Dependendo do modo como os espaços são usados, apropriados, eles geram o entendimento de lugar. Para Tuan (19), exemplos como sentimentos de segurança, intimidade e conforto fazem com que os indivíduos construam sentimentos relacionados ao bem-estar, fazendo com que elas voltem ou não a interagir em algum lugar.
A percepção da imagem do ambiente urbano constitui uma realidade não direta, sendo o conhecimento sobre ela construído em uma série de representações cognitivas, geradas em um complexo processamento mental da informação percebida e da ação sobre a mesma (20). Há reconhecimento, organização e compreensão de estímulos presentes no meio, para então serem gerados comportamentos dos indivíduos.
Todavia, o modo como se percebe a informação no ambiente urbano é influenciado também pela indústria cultural, que tem base em processos de significação em massa (21). Contudo, a capacidade de se distinguir o verdadeiro sentido torna-se diminuída frente à alienação coletiva, impedindo foco no pensamento individual.
Linguagens da paisagem
A paisagem é uma composição de signos, não tendo, necessariamente, a natureza de linguagem estabelecida. As diferentes linguagens que a paisagem proporciona, relacionam-se as mais variadas condicionantes, como sensoriais, culturais e temporais, se interpondo na relação do observador e realidade observada, e assimilada nessas interações (22).
Logo, a configuração da paisagem em um sistema de comunicação leva a interseção das diversas tipologias componentes, como seus ocupantes, sua estrutura e os significados gerados. A percepção das linguagens do meio são definidas em diferentes escalas de visualização e em um espaço temporal, gerando para cada indivíduo seu modelo mental.
Semiótica e a paisagem
Na condição comunicativa da paisagem, como para qualquer outro signo, a semiótica de Peirce (23) propõe sua representação como ícone, índice e símbolo, fundamentados no entendimento de qualidade, relação e significação. Entretanto, segundo o autor, signos não ocorrem exclusivamente em uma dessas categorias. Pois, no pensamento, resultado das inter-relações entre indivíduo e o meio, signos se transformam em novos signos, gerando novos interpretantes em desdobramentos contínuos da atividade semiótica.
A mensagem arquitetônica descrita por Pignatari (24) em seu discurso sobre arte, arquitetura e semiótica, é desencadeada por meio de signo icônico, e com as inter-relações do pensamento pode ser transformada em índice e símbolo. Assim, significados atribuídos no projeto arquitetônico podem gerar significados totalmente novos e divergentes da interpretação almejada.
Diz-se ícone àquilo que é primeiro e original, com livre significação. Para Pignatari (25), as formas da sintaxe urbana constituem um mundo icônico, e, a partir delas, se efetuam sistematicamente novas interpretações. Essa seria a situação semiológica ideal, onde a relação entre a representação e interpretante repetiria a relação entre representação e objeto, em forma de um hábito. Contudo, a objetividade não é evidente, pois no processo cognitivo signos assumem interpretações imprevisíveis.
Com as inter-relações provocadas pelo pensamento, signos percebidos passam a manifestar sua funcionalidade e intenção, proporcionando uma relação físico-causal sob uma relação direta entre o signo e seu objeto (26). Nesse nível, signos são índices, demonstrando ação e reação dos fatos concretos existentes e reais. Eles podem ser vistos em exemplos como a dimensão estrutural das cidades, o sistema viário formado por eixos e malhas, ou em componentes do zoneamento urbano, os quais indicam sua função e intenção. Nesse nível se encontram os traços, rastros ou indícios, que denunciam a intenção do signo sob uma existência real. Assim, na função cognitiva, o índice implica na existência de seu objeto e a necessidade de um conhecimento prévio acerca dele. Esse é um nível semântico, onde coexistem as relações entre o significado dos signos com o contexto ao qual pertencem.
Enfim, a paisagem urbana como representação simbólica é uma interpretação arbitrada, ou seja, possui entendimento convencionado pela comunidade ocupante e forma sua imagem coletiva. O entendimento de símbolos, em geral, não é algo perceptível pelos sentidos humanos, pois são propostos para funcionarem como tal, e dependem da aprendizagem e aceitação dos indivíduos. Nesse nível está o poder representativo do signo, que ocorre por meio de definição da relação com o seu objeto, e não por entendimento arbitrário. Enquanto pragmática este é um nível de ponto de vista sociológico da paisagem, ou seja, a qualidade dos componentes do espaço é assimilada, apropriada e usufruída pelos indivíduos. Nesse nível a determinação causal, em geral, está suspensa.
Análise semiótica-cognitiva
A semiótica é conhecida desde a Grécia antiga. Os conceitos utilizados por Platão buscavam estabelecer as ligações entre o signo, seu significado e aquilo designado. Hoje, nos importa diferenciar signos para entender a sua ação na construção de significados, que geram o conhecimento. Nesse sentido, Turin (27) afirma o poder da análise semiótica capaz de revelar o potencial comunicativo resultante da percepção e significação, baseado na operação de signos, isto, revelar o verdadeiro significado daquilo que existe. Logo, determinar o modo pelo qual se dá a significação na configuração da paisagem, possibilita compreender como os significados são formados, como se configuram em linguagens e que tipos de efeitos podem gerar no seu intérprete.
Destarte, a análise pela abordagem semiótica constitui um referencial na significação da paisagem, possibilitando identificar como signos produzem significados representando seus objetos, sejam eles físicos ou mesmo imaginários, o que é chamado por Peirce de semiose (28). A semiose ocorre na mente pelo desencadeamento de um processo ilimitado de significação, onde, nas relações do signo, o interpretante passa a ser um novo signo.
Para exemplificar, uma análise semiótica-cognitiva é proposta para o parque High Line (29), projetado e construído na região conhecida como Lower West Side, de Manhattan, na cidade de Nova York. Esse recorte da paisagem urbana denota um parque contemporâneo de relevância internacional, o qual configurado em um exemplo genérico possibilita foco na ideia central do roteiro conceitual de análise semiótica da paisagem. Na abordagem distinguem-se na paisagem os três níveis de interpretação, sob a ótica da qualidade, relação e significação, os quais são indissociáveis entre si, mas considerados isoladamente para fins de estudo.
O parque High Line se constitui em uma estrutura linear, elevada, que atravessa Manhattan em aproximadamente dois quilômetros de extensão. Ele foi construído em uma área que abrigou anteriormente uma ferrovia, desativada e parcialmente demolida em 1960. O local deixou de ser usado totalmente em 1980 e permaneceu em degradação por mais de 20 anos, até a realização do parque, inaugurado em 2009.
A análise do parque faz referência às transformações representativas do processo de pensamento fenomenológico, gerado tanto no entendimento individual quanto coletivo, sobre uma mensagem subjetiva. Tem-se a intenção de mostrar a geração de significados por meio da operação dos signos, que ora são icônicos ora indiciais ou simbólicos. Esses signos proporcionam uma meta-significação na geração da identidade coletiva do lugar.
Análise no primeiro nível, qualitativo icônico
Os signos projetados para serem percebidos no espaço urbano são inicialmente apreensíveis a partir de suas manifestações externas, como nas composições plásticas da forma (30), gerando na contemplação, sentimentos de prazer, de bem estar, de efeito estético, ou mesmo de repúdio.
Na percepção inicial, imediata e sensível, são definidas as representações icônicas, sugeridas nas formas do espaço urbano, como do conjunto arquitetônico, formado por passeios, canteiros, áreas de repouso, mobiliário, instalações artísticas. A cognição visual, como principal sentido, acontece aos poucos, e estimula os demais, interagindo com fenômenos fisiológicos e psicológicos, enquanto sensações são produzidas e organizadas na mente.
As características icônicas são percebidas de modo individualizado, a partir das tipologias morfológicas refletidas no ambiente pelas suas qualidades sensitivas. No parque percebe-se o ritmo dos materiais, proporções, harmonias, fragilidades por meio da visão; os odores do lugar, das pessoas, da terra, das flores, pelo olfato; as texturas, diferentes materiais, vegetação, pela sinestesia; somada à audição, tem-se a percepção do vento, movimento das pessoas, veículos no entorno, ruídos da cidade; e porque não, por meio do paladar, o sabor da neblina ou da poluição.
Por semelhança, o parque remete à ideia de natureza, pelos efeitos visuais e odores da vegetação. Do mesmo modo, em alguns lugares, percebem–se fortemente marcas do tempo, remetendo à impressão de que o espaço não foi alterado, e que ainda permanece em degradação. Como na presença e a forma dos bancos, produz a sensação de que as pessoas aguardam a chegada do trem, que ainda passaria por ali, propiciando, além da qualidade visual, o sentido de que o parque projetado é o próprio lugar, original.
Nesse nível é moldada a identidade do lugar, oriunda de um conjunto de impressões provocadas pelas inúmeras variantes perceptíveis. A identidade se forma no intelecto, primeiramente, pelo sentimento imediato que o lugar e o espaço proporcionam ao indivíduo na sua interação; na sequência, dependem das crenças e valores que cada indivíduo possui em relação ao ambiente, gerando suas qualidades produzidas. Desse modo, a forte referência da identidade do parque está no lugar, onde sensações se traduzem na linguagem corporal das pessoas retratadas em posição relaxamento e tranquilidade.
Análise no segundo nível, singular indicativo
A leitura é efetuada na percepção de componentes que por meio de indícios proporcionam significados de função e uso. Este é o nível semântico, onde aspectos indiciais constituem a atribuição de valores que regem o modo de apreensão e relação dos significados, os quais, sem essa relação ou comparação, não poderiam existir. Ou seja, nesse nível o entendimento do espaço como lugar é obtido a partir das percepções do indivíduo com referência às experiências ou conhecimento de vivência já praticada com os elementos presentes.
Esse é o nível de uma existência concreta. Nele buscam-se referências às funções práticas do lugar, como de sua estrutura física e de informações. Esses aspectos são resultantes da relação direta do signo com seu objeto. Os traços da existência ou marcas na paisagem são oriundos da manipulação e do uso do lugar, que aparecem, por exemplo, na estrutura restante da ferrovia. Esses componentes criam uma aparente ligação com uma realidade, que já não existe, mas que é indicada pela sua função e existência de outrora.
O parque possui um espaço com revestimento em madeira e aberturas como se fossem janelas. Nesse local, as pessoas sentam e observam a paisagem, como se estivessem na janela de um trem. Contudo, não é mais vista a paisagem a partir do trem em movimento, em comparação de experiências já vividas, mas da rua que está em movimento. Esse entendimento dá passagem a um segundo nível da percepção: o da relação e existência.
Levando-se em conta o mesmo conjunto de elementos da percepção inicial, e estabelecendo-se relações com o contexto a que pertencem ou ao seu uso, referências indiciais são vistas nos rastros do trilho do trem, ou na característica da vegetação que nasce nas frestas do piso imitando a vegetação de um terreno natural.
O sentido indicial aparece também em linhas norteadoras, conferindo organização espacial e orientação como nas formas geométricas e retilíneas dos passeios seguindo o desenho dos trilhos do trem, do guarda-corpo que se confunde com o desenho da cidade. Com o intuito de integração, tanto a passarela que atravessa o parque quanto os volumes espaciais seguem a morfologia urbana, passando a fazer parte dela. Tem-se a imagem do parque que entra na cidade e a da cidade que entra no parque.
O espaço físico do parque está integrado ao espaço urbano. Sua principal função é a revitalização proporcionada em toda a região de entorno. Nessa relação, as origens e hábitos de uso passam a ser interpretadas – há um trilho de trem, ele não passa mais; ou a quem são destinados os espaços – não mais aos viajantes, mas aos transeuntes. A própria composição do espaço projeta sua nova função para desempenhar a finalidade a que se presta, ou seja, proporcionar entendimento da sua estrutura, utilidade e estética, como em um sistema de engrenagens, relacionando lugar de prazer, repouso, passagem, contemplação e lugar de trabalho.
Análise no terceiro nível, convencional simbólico
A importância da análise nesse nível se desloca para o entendimento coletivo. Da paisagem como um sistema, elementos individuais passam a compor um modo de pensar em grupo, contagiando a percepção dos demais indivíduos. Parte-se de um interpretante imediato, resultado de relações convencionadas que definem o espaço urbano como um produto em potencial. Nele criam-se desejos, padrões de design, padrões de gosto e expectativas culturais. Desse modo, surgem as qualidades produzidas, como o efeito perceptível de características conceituais projetadas. Essas determinam definições para os usuários, como o impacto ambiental, ou um novo contexto de uso: onde antes passava uma estrada de ferro, hoje passam pessoas. Na antiga área industrial da cidade, hoje se concentram imóveis, comércios e galerias de arte valorizados. O local foi transformado em um reconhecido setor histórico, residencial e comercial, criando uma estética idealizada.
A própria percepção de abandono retratada na imagem do lugar, permanece agora existente no imaginário das pessoas. Com um sentido simbólico, passa a existir na interpretação de significado histórico, referindo-se ao novo conceito do lugar. Surgem assim os efeitos das memórias acumuladas, por meio de um interpretante dinâmico, definido com regras e poder representativo a nova significação do lugar. Essas memórias agregam valores culturalmente e constroem status. Inicia-se um processo de consolidação do pensamento, promovendo convenções, gerando comportamentos, carregando novos valores como resultados dessa interpretação.
Nesse nível está o limite pensável, interpretante final – resultado da interpretação de algo que não é mais perceptível pelos sentidos, mas por sua função simbólica, produzida, experimentada e consagrada. No parque analisado, a integração do espaço à imagem da cidade, tanto nas características físicas do seu traçado quanto no sentido de apropriação do lugar, remete fortemente ao aspecto simbólico. Ou seja, o parque passou a ter um significado de pertencimento à cidade, fazendo parte da imagem e memória coletiva.
Considerações finais
Este ensaio projeta uma intersecção entre conceitos clássicos de semiótica e o espaço urbano, propondo reflexão no modo de pensar a cidade. A análise definida nos três níveis apresentados proporciona entendimento na definição de signos e seus desdobramentos em consonância com a cognição humana. Em cada nível são diferenciados os signos e, por meio deles, o conhecimento construído.
A análise assegura a apreensão dos significados tanto nos aspectos perceptíveis quanto nos emocionais, pois a comunicação do espaço transpassa sua representação imagética, contemplando também o modo de agir das pessoas. Nesse processo, conhecimentos e experiências geram novos entendimentos, vistos nos indícios e marcas existentes. O significado final, de pertencimento à cidade, ocorre somente quando a função simbólica é produzida, pela experimentação e consagração de uma memória coletiva.
A semiótica está no modo de pensar, e como tal possibilita compreender as linguagens do espaço urbano, sejam aquelas da intenção projetada, bem como na repercussão de fenômenos produzidos. Com a investigação de um fenômeno real e contemporâneo, a intenção de discutir a cidade sob o olhar da semiótica possibilitou, principalmente, a compreensão da comunicação dos espaços na produção de significados que transformam espaço em lugar. Nessa análise, as qualidades abstratas proporcionam diferenciação nas representações icônicas do signo icônico. Pois, nem todo signo icônico tem a propriedade de ser um ícone.
A abordagem de pensamento apresentada para a leitura das linguagens do espaço urbano expressa a subjetividade do efeito da imagem referenciada, assim como da imagem interpretada. Entretanto, cumpre seu objetivo de configurar níveis de discussão sobre a percepção de qualidade, relação e a significação gerada. A temática da comunicação do ambiente urbano sob o olhar da semiótica pode trazer avanços nas abordagens conceituais e metodológicas, ampliando o formato de produção de conteúdo sobre o modo de pensar as cidades.
notas
NA – Artigo originalmente publicado em MAZIERO, Lucia Teresinha Peixe; BONAMETTI, João Henrique. Espaço urbano como comunicação: Signos da paisagem. Revista de Estudos da Comunicação, v. 14, p. 463-478. 2013
1
DEL RIO, Vicente. Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. São Paulo: PINI, 1990.
2
FERRARA, Lucrécia D' Aléssio. Leitura sem palavras. São Paulo: Ática, 2007.
3
LAMAS, José M. Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho da cidade. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,2007.
4
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2010.
5
MACEDO, Silvio Soares. Quadro do paisagismo no Brasil. São Paulo: Quapá / FAUUSP, 1999.
6
PANERAI, Philippe; DEPAULE, Jean-Charles; DEMORGON, Marcelle. Analyse urbaine. Marseille: Éditions Parenthèses, 2005.
7
Idem, ibidem.
8
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1999.
9
FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Leitura sem palavras. São Paulo: Ática, 2007.
10
NESBITT, Kate (Org.). Uma nova agenda para a arquitetura Antologia teórica (1965-1995) Coleção Face Norte. São Paulo: Cosac Naify. 1ª edição, 2006.
11
BURDEK Bernhard E. Design: História, teoria e prática do design de produtos. São Paulo: Blucher, 2010.
12
PIGNATARI, Décio. Semiótica da arte e da arquitetura. Cotia: Ateliê, 2004.
13
Idem, ibidem. p. 119
14
MACEDO, Silvio Soares. Quadro do paisagismo no Brasil. São Paulo: Quapá / FAUUSP, 1999.
15
MAGALHÃES, Manuela Raposo. A arquitectura paisagista: morfologia e complexidade. Lisboa: Editorial Estampa, 2001.
16
FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Leitura sem palavras. São Paulo: Ática, 2007.
17
STERNBERG, Robert. Psicologia Cognitiva. Porto alegre: Artes Médicas Sul. 2000.
18
FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Leitura sem palavras. São Paulo: Ática, 2007.
19
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar. São Paulo: DIFEL, 1983.
20
MAZIERO, Lucia Teresinha Peixe. Paisagem comunicada: parque linear no espaço cicloviário de Curitiba, sob uma abordagem semiótica. 2011. Monografia Especialização em Paisagismo: Planejamento e Projeto. Curitiba: PUCPR. 2011.
21
COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 2006.
22
TURIN, Rotti. Nielba. Aulas: introdução ao estudo das linguagens. São Paulo: ANNABLUME, 2007.
23
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1999.
24
PIGNATARI, Décio. Semiótica da arte e da arquitetura. Cotia: Ateliê, 2004.
25
Idem, ibidem.
26
SANTAELLA, Lucia. Semiótica aplicada. São Paulo: Thomson Learning, 2005.
27
TURIN, Rotti Nielba. Aulas: introdução ao estudo das linguagens. São Paulo: ANNABLUME, 2007.
28
SANTAELLA, Lucia. Semiótica aplicada. São Paulo: Thomson Learning, 2005.
29
HIGH LINE. The official web site of the High Line and Friends of the High Line. Disponível em: <www.thehighline.org/>. Acesso em: 2 jul. 2013.
30
KOHLSDORF, Maria Elaine. A apreensão da forma da cidade. Brasília: 1996.
sobre os autores
Lucia Teresinha Peixe Maziero é doutora em cartografia. Professora de projeto de paisagismo e de semiótica da Escola de Arquitetura e Design da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR.
João Henrique Bonametti é arquiteto e urbanista, doutor em história social pela Universidade de São Paulo. Professor de projeto de paisagismo, história da arquitetura e coordenador do curso de especialização em arquitetura da paisagem da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR.