Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Aproveitando a comemoração do Dia Mundial do Urbanismo em 8 de novembro, João Soares Pena faz um balanço da atuação urbanística no Brasil e destaca diversas ações e participação da sociedade civil que são cruciais para o destino de nossas cidades.


how to quote

PENA, João Soares. Dia Mundial do Urbanismo. O que temos a comemorar afinal? Arquitextos, São Paulo, ano 16, n. 186.08, Vitruvius, nov. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.186/5860>.

Introdução

Anualmente no dia 08 de novembro é comemorado o Dia Mundial do Urbanismo, data que além de celebração e difusão da importância desse campo do conhecimento, pode também provocar uma reflexão acerca do contexto urbano atual. Uma das principais motivações deste texto foi a recente instituição do dia 8 de novembro como Dia Municipal do Urbanismo em Salvador num momento em que não apenas esta cidade, mas tantas outras têm trazido à luz importantes e inquietantes problemas.

Este ano além da celebração habitual, comemoramos os 20 anos de existência do Curso de Bacharelado em Urbanismo da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, primeiro curso do Brasil a formar urbanistas em nível de graduação (1). O curso tem se consolidado na formação profissional e na contribuição para o pensamento urbanístico no país, especialmente na Bahia. Mais recentemente foi criado o Curso de Bacharelado em Planejamento Territorial na Universidade Federal do ABC – UFABC (2), ratificando a necessidade de uma formação mais específica e aprofundada voltada aos estudos urbanos. Além disso, é preciso assinalar os diversos cursos de pós-graduação vinculados à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional – ANPUR, os quais têm contribuído fundamentalmente para a construção do pensamento urbanístico crítico (3).

Contudo, apesar da importância da data, será que as cidades têm o que festejar? Nesse sentido, este texto aponta algumas questões urbanas atuais e críticas a partir de uma prática urbanística hegemônica e tenta assinalar algumas iniciativas que fazem oposição a projetos urbanos e ao modelo de cidade vigente. Porém, antes contextualizamos e historicizamos a instituição da data comemorativa do dia 8 de novembro num período de intensos debates e críticas acerca de modo de produzir cidade em voga na época.

A data comemorativa

Desde 1949 comemora-se em 08 de novembro o Dia Mundial do Urbanismo. A iniciativa do Instituto Superior de Urbanismo da Cidade de Buenos Aires contou com apoio da Organização das Nações Unidas – ONU que instituiu a data comemorativa (4). Além disso, o professor Carlos Maria della Paolera, da Universidade de Buenos Aires, fundou a Organización Internacional del dia Mundial del Urbanismo (5).

O símbolo do urbanismo, também criado por Carlos Maria della Paolera, já havia sido adotado no Congresso de Urbanismo de Besançon, França, em 1935, no 1º Congresso Argentino de Urbanismo, em Buenos Aires em 1935, e no 1º Congresso de Urbanismo do Chile, em 1938. O símbolo representa três elementos considerados essenciais à vida humana: o sol (em amarelo), a vegetação (em verde) e o ar (em azul).

Símbolo do urbanismo
Imagem divulgação [Blog Construnea]

A combinação desses fatores pode denotar uma preocupação em relação ao meio ambiente natural e ao urbanizado, este caracterizado pelas grandes cidades, como evidencia Carlos Maria della Paolera:

“La ciencia urbanística moderna ha puesto plenamente en evidencia que la utilización en la ciudad de los más maravillosos e inesperados recursos de la técnica no debe ni puede excluir el aprovechamiento intensivo de los elementos naturales. La ciudad como el árbol no puede desligarse de la tierra que la sustenta” (6).

A iniciativa buscava promover maior discussão sobre o urbanismo e os problemas urbanos que se apresentavam na época e aconteceu em um período de muito debate sobre os preceitos do urbanismo moderno funcionalista difundido em vários países por figuras como Le Corbusier. No Brasil, nomes importantes ligados a essa corrente são os arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, responsáveis pelo projeto urbanístico e arquitetônico de Brasília, a então nova capital do Brasil, inaugurada em 1960 sob os preceitos do urbanismo moderno (7).

O dia do Urbanismo é celebrado em mais de 30 países e no Brasil a data consta no calendário oficial do país desde 1985 quando foi instituído pelo Decreto nº 91.900 o dia 8 de novembro como o Dia Nacional do Urbanismo (8).  Nessa época a população urbana já constituía 67,59% da população brasileira, taxa que continuou em ritmo crescente atingindo 84,36% no Censo de 2010 (9). Esse crescimento provocou a complexificação da problemática urbana e trouxe novos desafios às cidades, sobretudo às de grande porte com imensa concentração populacional.

Recentemente o município de Salvador através da Lei nº 8.924, de 15 de outubro de 2015, instituiu o Dia do Urbanismo (10) a nível municipal, evidenciando e reconhecendo a importância dessa área e seus profissionais para o desenvolvimento da nossa sociedade, sobretudo ajudando a dar visibilidade aos inúmeros problemas urbanos atuais. A instituição de uma data comemorativa não pode ser vista de modo acrítico, é preciso inseri-la em seu  contexto, de modo que consideramos importante comentar algumas questões recentes em algumas cidades, sobretudo em Salvador.

Algumas questões atuais

Uma série de fatos recentes demonstram importantes avanços em relação a algumas questões jurídico-institucionais que se referem às cidades e ao urbano. Podemos rapidamente mencionar a luta pela Reforma Urbana protagonizada pela sociedade civil organizada que culminou no Capítulo da Política Urbana (Arts. 182 e 183) na Constituição de 1988, a aprovação em 2001 da Lei nº 10.257 que instituiu o Estatuto da Cidade, criação do Ministério das Cidades e do Conselho Nacional das Cidades em 2003, leis específicas que disciplinam sobre questões setoriais, tais como habitação social, saneamento, resíduos sólidos, mobilidade, participação social etc.

Entretanto, apesar desses e outros tantos avanços no campo institucional, nossas cidades continuam apresentando uma série de problemas, muitos dos quais são agravados pelas ações públicas e privadas na (re)produção da cidade de maneira segregada, desigual e fragmentada. O direito à cidade, embora seja uma das bases do Estatuto da Cidade, ainda não é uma realidade quando se observam as intervenções que são realizadas pretensamente para melhorar a condição urbana.

Desde 2009, o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) – criado pela Lei nº 11.977, de julho de 2009 (11) – tem contribuído significativamente para a expansão urbana em municípios de características variadas.  Se por um lado o PMCMV cria mecanismos de incentivo à produção e aquisição de habitação para parcelas da população, o programa também é um grande estimulador da indústria da construção civil (o que sugerimos que tenha sido seu principal objetivo, tendo em vista o contexto de crise internacional da época de sua criação). Contudo, a localização dos conjuntos habitacionais em áreas urbanas periféricas (de modo geral) têm acentuado problemas como a distância entre residência e centro da cidade e postos de trabalho, oferta de equipamentos urbanos e infraestrutura etc., além da continuação de uma realidade urbana já bastante excludente.

Na mesma época o país começou a se preparar para a realização de dois importantes megaeventos: Copa do Mundo (de Futebol) e Olimpíadas, os quais têm lugar em algumas capitais, as “cidades-sede” (12). As intervenções realizadas no intuito de preparar as cidades para os jogos provocaram um sem-número de remoções daqueles que estavam “atrapalhando” ou “impedindo” as mudanças ditas necessárias. Segundo informações da Secretaria Geral da Presidência da República divulgadas em 2014, o número de remoções forçadas decorrentes das intervenções foi de 13.558 famílias (13), porém estes dados não parecem reais, de acordo com a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik:

“Se por um lado é positivo que, finalmente, tenhamos números oficiais sobre o que aconteceu nos últimos anos, por outro, é preciso dizer que se o próprio governo teve enorme dificuldade de “descobrir” quantos foram os removidos por obras relacionadas à Copa, isso demonstra a forma como são tratadas as remoções relacionadas a obras públicas no Brasil: um assunto irrelevante, não “contabilizado”, atravessado por obscuridades e violência. [...]

Além disso, não é difícil constatar que os dados não estão nada completos: em Belo Horizonte e Cuiabá, por exemplo, o quadro apresentado não fornece nenhuma informação sobre se as pessoas foram indenizadas ou reassentadas e onde isso aconteceu; no caso do Rio de Janeiro, apenas as famílias afetadas pelas obras da Transcarioca estão listadas, quando várias outras obras removeram centenas de pessoas – como na favela do metrô mangueira, no entorno do Maracanã” (14).

Obras do Porto Maravilha, zona portuária do Rio de Janeiro
Foto Abilio Guerra

Além do desrespeito à população, situações como essa deixam bem claro o que realmente interessa e, infelizmente, não é a vida dessas pessoas.  Segue nesse sentido o projeto Porto Maravilha (15), na zona portuária do Rio de Janeiro, com o objetivo de reestruturar a área na modalidade de Operação Urbana Consorciada (16), instrumento muito estimado pelo setor imobiliário pela valorização urbana provocada pelos investimentos numa dada área. De acordo com o Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro não houve participação e transparência nas decisões relacionadas ao projeto, além de não haver medidas efetivas para construção de habitação social e regularização fundiária na área do projeto (17). A gentrificação, ou seja, a expulsão dos residentes de baixa renda com sua substituição por uma população de rendas altas, é uma das consequências desse projeto, como afirma Christopher Gaffney:

“A área portuária está vivendo uma gentrificação promovida pelo Estado. A privatização da paisagem portuária financiada com recursos públicos resultará em novas formas de governança urbana que irão, se o projeto for executado, gerir uma população diferente, mais ampla e de maior poder aquisitivo” (18).

Projetos como esse deixam evidente a oferta da cidade aos interesses do capital privado em detrimento dos interesses e necessidades da população (19). Exemplo semelhante desse processo pode ser encontrado em Salvador, no bairro 2 de julho, no Centro da cidade, que foi alvo do Projeto de Renovação do Bairro Santa Tereza, lançado pela Prefeitura de Salvador em 2012. Na verdade, esse novo bairro proposto compreende parte significativa do bairro 2 de julho e curiosamente a poligonal desse projeto  coincide com a área do Cluster Santa Tereza, que é um projeto da iniciativa privada que compreende empreendimentos residenciais de alto padrão e um resort, além de fazerem uso dos aspecto patrimonial e cultural da área (como o Museu de Arte Sacra e a vista para a Baía de Todos os Santos) de grande valor simbólico para a população. Segundo Mourad, Figueiredo e Baltrusis, “esses elementos, diferenciados do conjunto da cidade, oferecem condições para que se desenvolva um projeto de renovação voltado para a lógica da gentrificação” (20).

Como afirmam os autores, esse fato deixa claro que o poder público estaria propondo uma intervenção urbana claramente vinculada a interesses privados com alarmantes consequências sociais para o bairro 2 de Julho. Contudo, moradores, coletivos, movimentos sociais, etc. assumiram a linha de frente contra a investida do capital imobiliário com a constituição do “Movimento Nosso Bairro é 2 de julho!” (21). Esse movimento tem sido bastante combativo e tem resistido ao processo de especulação imobiliária nesse bairro, bem como contribuído no debate e enfrentamento de questões importantes da cidade.  As atividades do movimento incluem debates, reuniões, exibição de filmes, atividades artísticas, manifestações políticas de rua, criação de um fórum virtual de debate no site do Movimento, entre outros.

Ocupe Estelita, movimento de resistência popular contra o projeto Novo Recife
Foto Keila Vieira [portal Vitruvius]

Outros movimentos da sociedade em diferentes cidades civil têm se levantado contra investidas do capital imobiliário em áreas importantes da cidade ou reivindicado o uso público e coletivo de áreas públicas. Nesse sentido, podemos citar o Movimento Ocupe Estelita, em Recife, organizado em oposição ao Projeto Novo Recife que se trata da destinação de uma área de 10 ha no centro da cidade para um empreendimento imobiliário de R$ 800 milhões com torres que chegam a 40 andares na área que engloba o Cais José Estelita, O movimento é composto por pessoas de distintas formações e lutam para que a cidadania ocupe o cais, que a legislação seja respeitada, do respeito ao meio ambiente e da participação popular na definição do futuro da área do centro-sul. Como defende um dos integrantes do movimento:

“Nosso discurso do direito à cidade é do direito de fruir, de aproveitar tudo o que ela tem para oferecer, de ser feliz nela. A cidade é para isso: para ocuparmos seus espaços públicos dando-lhes uma destinação social, cultural e popular” (22).

Em Salvador podemos citar o Movimento Desocupa que surgiu em 2012 a partir da ocupação da Praça de Ondina pelo Camarote Salvador para o carnaval daquele ano. Apesar do lucro de cerca de R$ 66 milhões, a empresa só pagaria à prefeitura anualmente a quantia de R$ 250 mil e uma reforma no local. A articulação do movimento ocorreu nas redes sociais decorrendo em manifestações em espaços públicos no sentido de reivindicar o uso público da praça e repudiar as ações de privatização da cidade de Salvador. Além dessa questão, a pauta do movimento inclui discussões sobre temas de interesse da cidade, o combate à segregação social tão marcante em Salvador, entre outros (23). O movimento continua atuante na luta pela conquista de uma Salvador mais justa e eqüitativa, já que muitos problemas ainda perduram.

No final dos anos 2000 o governo Federal passou a usar mais um artifício para alavancar a economia, mas neste caso foi a partir da indústria automobilística com a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), possibilitando facilidades na venda de carros no mercado brasileiro (24). Entretanto, esta medida vai de encontro com as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012) que visa a priorização do transporte público e de meios não motorizados em detrimento do automóvel individual (25). A facilitação da aquisição do automóvel fez o número de carros crescer significativamente nas ruas das cidades, e, por outro lado,  os investimentos no transporte público não acompanharam a mesma dinâmica. Isto levou a problemas de congestionamentos, deseconomias, além de investimentos equivocados na ampliação da malha viária.

Em Salvador, a Prefeitura anunciou em 2012 a construção da Linha Viva: polêmico projeto que propõe a construção de uma via expressa pedagiada conectando o Acesso Norte (Rótula do Abacaxi) ao Aeroporto com extensão de 17,70 km exclusiva para carros (26). Além de ser questionável por sua ultrapassada concepção, ao favorecimento do mercado imobiliário com a abertura de um corredor “exclusivo” às classes altas, sua implantação provocaria a remoção de uma população significativa em áreas como Saramandaia e Pernambués, além de atravessar um resquício de Mata Atlântica na área do 19º Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro. O projeto tem sido questionado pelo Ministério Público e fortemente combatido por acadêmicos e movimentos sociais (27).

Além disso, a Prefeitura de Salvador tem tomado outras atitudes também questionáveis que não se justificam como reais necessidades da cidade e sua população. É o caso da lei nº 8.655/2014 (28), que autorizou a desafetação de 59 terrenos públicos do município sem nenhum estudo técnico que respaldasse tal ação, ou seja, essas áreas públicas poderão ser alienadas (vendidas), quando poderiam servir para a construção de equipamentos urbanos públicos, construção de praças ou mesmo compor um estoque de terrenos públicos para posterior utilização em prol da coletividade.

Da mesma maneira o Projeto de Lei nº 201/14 enviado pela Prefeitura de Salvador à Câmara Municipal propõe a modificação do cálculo da outorga onerosa do direito de construir (29), instrumento estabelecido pelo Estatuto da Cidade através do qual o município pode arrecadar recursos que podem ser investidos para atender às demandas da cidade. Esta lei modifica o Plano Diretor vigente, de modo que deveria acontecer com a devida participação popular, conforme determina a lei do Estatuto da cidade. Além disso, a Prefeitura já anunciava a elaboração do Plano Salvador 500, o qual inclui a revisão do Plano Diretor. Nesse sentido, tanto a desafetação das áreas públicas quanto a mudança no cálculo da outorga são ações arbitrárias que contrariam os dispositivos legais vigentes no país (como o Estatuto da Cidade e resoluções do Conselho Nacional das Cidades), além de se adiantarem (por quê?) à discussão da política urbana municipal que se anunciava.

Uma iniciativa bastante recente merece atenção, pois decorre da inquietação de jovens estudantes universitários de Salvador a cerca do processo de revisão do Plano Diretor. Insatisfeitos com o pouco debate promovido pela Prefeitura com a juventude sobre o plano, os estudantes iniciaram em julho de 2015 o “Ciclo de Oficinas PDDU e eu com isso?” como um espaço de discussão sobre a cidade com a realização de oficinas com estudantes do ensino médio do Instituto Federal da Bahia (IFBA) e minicursos sobre participação social e educação.

O projeto buscou promover a discussão com os estudantes, os quais coletivamente elaboraram propostas para a cidade a partir da realidade de distintas áreas da cidade. Essas proposições foram sistematizadas e entregues à coordenação do Plano Salvador 500 como contribuições à revisão do plano diretor. Além disso, foi realizado em outubro um seminário público a fim de publicizar o material produzido e discutir juntamente com a Prefeitura a revisão do plano diretor e as contribuições do projeto.

Mobilização e resistência – caminho possível

Apontamos acima algumas questões importantes, embora haja tantas outras a serem discutidas, que indicam caminhos que as cidades têm trilhado. Quando falamos cidade, é preciso pontuar que estamos falando de um conjunto de fatores, atores sociais e processos urbanos e não de um elemento uniforme e homogêneo. Por trás das ações e medidas levadas a cabo há intencionalidades, podendo elas estarem mais vinculadas aos interesses da coletividade ou mais direcionadas a interesses de setores específicos.

De modo geral as cidades têm sido geridas e pensadas à luz do entendimento que elas seriam mercadoria num voraz mercado global de cidades. O planejamento da cidade segundo essa lógica leva a fatos como os que discorremos anteriormente, quando os interesses privados e de poucos se sobressaem aos da sociedade como um todo.   Contudo, essa lógica tem sido combatida pela ação de movimentos sociais, coletivos, artistas, ativistas e militantes do direito à cidade etc. que se articulam e promovem atividades, manifestações, ocupações, protestos diversos na rua ou especificamente em áreas que são foco dessas investidas.

Manifestação popular em São Paulo, junho 2013
Foto Tiago Macambira [portal Vitruvius]

Em 2013 eclodiram manifestações em diversas cidades do país, desencadeadas pelo aumento da tarifa de transporte público de São Paulo. Logo as Jornadas de junho 2013 tomaram as ruas em cidades em diferentes partes do país, agregando em suas pautas muitas outras questões para além do preço da tarifa do transporte coletivo. Esses protestos aconteceram na mesma época em que ocorria a Copa das Confederações da Fifa no Brasil, competição que antecede a Copa do Mundo. Muitas críticas foram feitas à realização das intervenções que preparariam as cidades-sede para os eventos e suas consequências sociais e urbanas numa sociedade já bastante desigual. Portanto, não se tratava apenas dos R$ 0,20 centavos acrescidos à tarifa do transporte público de São Paulo, o que estava em jogo, na verdade, era a questão urbana e o direito à cidade (30).

Esses movimentos foram articulados pelas redes sociais, assim como outros como o Movimento Ocupe Estelita, em Recife. Em Salvador tem havido movimentos de resistência a ações e projetos que claramente não se coadunam com os interesses da população nem se justificam em argumentos plausíveis, além do visível interesse do capital imobiliário nessas intervenções. É o caso da demolição de 31 casarões no Centro de Salvador após deslizamentos de terra provocados pelas chuvas em maio de 2015 (31). Sabemos, contudo, que essa situação se dá menos pelas chuvas e mais pela falta de investimentos em medidas não-estruturais e também pela falta das intervenções estruturais necessárias à proteção do ambiente edificado.

Além disso, houve uma tentativa de remoção dos artífices da Ladeira da Conceição, também no Centro Antigo de Salvador, cujo trabalho perdura gerações. Mais uma vez, movimentos que constituem a Articulação do Centro Antigo de Salvador se mobilizaram no sentido de frear a tomada de uma área importante para a cidade por e para um projeto de gentrificação, qual seja a “revitalização” dos arcos da Ladeira da Conceição pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Prefeitura de Salvador. Atos organizados nas redes sociais foram realizados no local no sentido de defender a população do Centro Histórico, neste caso mais especificamente os artífices da ladeira (32).

Casario antigo na cidade baixa, área central de Salvador
Foto Helena Guerra

Com as novas mídias e as redes sociais, a população têm tido mais condições de expor questões e contar com o apoio de outras pessoas interessadas e sensibilizadas por determinadas questões. As possibilidades de organização pela internet de movimentos políticos, porém apartidários, tem sido muito importante na luta pelo direito à cidade e a gestão democrática. É possível, nesse sentido, produzir organizar protestos, realizar fóruns de discussão, etc., além da produção de vídeos que denunciam ações arbitrárias e truculentas contra a população. Uma vez publicado na internet nas redes sociais a notícia pode ser compartilhada e muitas pessoas tomam conhecimento da situação, já que geralmente esses movimentos de resistência não tem espaço na mídia tradicional e hegemônica.

As plataformas online tem sido, portanto, uma ferramenta importante para mobilizações sociais de resistência contra projetos urbanos segregacionistas, gentrificadores e voltados ao mercado. A disseminação dos problemas na rede contribui para democratizar o acesso aos fatos que acontecem e não são noticiados pelas grandes mídias e para a mobilização da população e tem sido importante no contexto em que vivemos.

Os fatos mencionados ao longo do texto mostram, por um lado, uma prática urbanística hegemônica liderada pelo poder público e iniciativa privada que não se baseia no interesse social, na gestão democrática e no direito à cidade, muito pelo contrário, são claros os benefícios à especulação imobiliária e ao capital imobiliário privado. Por outro lado, os movimentos de resistência têm sido bastante combativos e criativos na luta contra esses projetos de cidade para poucos. Portanto, muito mais que uma data comemorativa, o Dia do Urbanismo deve ser lembrando pelo constante campo de disputa por cidades mais socialmente justas e equitativas, pela gestão democrática de fato e pelo direito à terra urbanizada com todos os benefícios que ela pode oferecer.

notas

1
Cf.: Site do curso de Urbanismo da UNEB. Disponível em: <www.uneb.br/salvador/dcet/urbanismo>.

2
Site do Bacharelado em Planejamento Territorial da UFABC. Disponível em <http://cecs.ufabc.edu.br/index.php/cursos-de-graduacao/42-bacharelado-em-planejamento-territorial.html>.

3
Cf. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional. Disponível em <www.anpur.org.br>.

4
Cf.: Portal Peruano del Día del Urbanismo. Disponível em: <www.urbanistasperu.org/diadelurbanismo/diamundial.htm>.

5
Cf.: Sociedade Brasileira de Urbanismo. Disponível em <https://sburbanismo.wordpress.com/dia-mundial-do-urbanismo/>.

6
Cf . Manifesto do Símbolo do Urbanismo, 1934. Disponível em <http://surp-aqp.blogspot.com.br/2013/11/el-simbolo-del-urbanismo.html>.

7
Cf.: Inauguração de Brasília. Disponível em: <www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1257>.

8
Cf. Decreto nº 91.900, de 8 de novembro de 1985. Disponível em: <www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-91900-8-novembro-1985-442112-publicacaooriginal-1-pe.html>.

9
Cf. STAMM, Cristiano; et al. A população urbana e a difusão das cidades de porte médio no Brasil. Interações, Campo Grande, v. 14, n. 2, p. 251-265, jul./dez. 2013. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/inter/v14n2/a11v14n2.pdf>.

10
Cf. Diário Oficial Do Município. Salvador-Bahia, sexta-feira, 16 de outubro de 2015, ano XXIX | N º 6.443. Disponível em: <www.dom.salvador.ba.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=694>.

11
Cf. Lei nº 11.977, de julho de 2009. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/L11977compilado.htm>.

12
Apesar de o Rio de Janeiro ser a cidade-sede das Olimpíadas, jogos de futebol acontecerão também em outras capitais: São Paulo, Belo horizonte, Salvador, Brasília e Manaus. No caso da Copa do Mundo, não apenas as cidades-sedes foram impactadas, já que municípios no entorno também receberam o evento, como no caso de são Lourenço da Mata, na Região Metropolitana de Recife, onde está a Arena Pernambuco. Cf. <www.copa2014.gov.br/pt-br/sedes/recife/arena>; <www.rio2016.com/os-jogos/locais-de-competicao/mapa-cidades-do-futebol>.

13
Cf. Quadro síntese das desapropriações na Copa FIFA 2014. Disponível em <www.secretariageral.gov.br/noticias/2014/julho/gilberto-carvalho-faz-coletiva-sobre-democracia-e-grandes-eventos/copa_2014_desapropriacoes-final-1.pdf>.

14
Cf. Os legados da Copa. Disponível em <https://raquelrolnik.wordpress.com/2014/07/17/os-legados-da-copa/>.

15
Cf. Site do Porto Maravilha. Disponível em <www.portomaravilha.com.br>.

16
A Operação Urbana Consorciada é um dos instrumentos de política urbana previstos pelo Estatuto da Cidade.

17
Cf. Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro. Dossiê do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro. Junho de 2014. Disponível em: <https://comitepopulario.files.wordpress.com/2014/06/dossiecomiterio2014_web.pdf>.

18
Cf.: Gaffney, Christopher. Forjando os anéis a paisagem imobiliária pré-Olímpica no Rio de Janeiro. In: e-metropolis, nº 15, ano 4, dezembro de 2013. Disponível em: <www.emetropolis.net/download/edicoes/emetropolis_n15.pdf>.

19
Cf. CARLOS, Claudio Antonio S. Lima. Una mirada crítica a la zona portuaria de Río de Janeiro. In: Bitácora Urbano Territorial, vol. 2, nº17, 2010, p. 23-54. Disponível em: <www.revistas.unal.edu.co/index.php/bitacora/article/view/18892/19783>.

20
Cf. MOURAD, Laila. N.; FIGUEIREDO, Glória Cecília dos S; BALTRUSIS, Nelson. Gentrificação no Bairro 2 de Julho, em Salvador: modos, formas e conteúdos. Cadernos Metrópole (PUCSP), v. 16, 2014, p. 442. Disponível em: <www.cadernosmetropole.net/download/cm_artigos/cm32_300.pdf>.

21
Cf. Site do Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho. Disponível em <https://nossobairro2dejulho.wordpress.com/>.

22
Cf. Ocupe Estelita: movimento social e cultural defende marco histórico de Recife. Disponível em <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252014000400003&script=sci_arttext>.

23
Para saber mais sobre o Movimento Desocupa ver <https://movimentodesocupa.wordpress.com>.

24
Cf Governo mantém IPI reduzido para carros, após pressão de montadoras. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/06/30/governo-mantem-ipi-reduzido-para-carros-sob-pressao-de-montadoras.htm>.

25
Cf. Política Nacional de Mobilidade Urbana. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>.

26
Cf. Linha Viva. Disponível em <www.linhaviva.salvador.ba.gov.br/index.php/evento>.

27
Cf. Via Expressa Linha Viva: ausência de deliberação democrática em Salvador/Bahia  disponível em: <https://sites.google.com/site/plbsaramandaia/linha-viva>.

28
Cf. Terrenos desafetados começam a ser leiloados; recursos deveriam ir para o FUNDURBS. Disponível em: <http://participasalvador.com.br/2014/12/12/terrenos-desafetados-comecam-a-ser-leiloados-recursos-deveriam-ir-para-o-fundurbs>.

29
Novo projeto de lei do prefeito quer mudança do cálculo da outorga onerosa e extinção do FUNDURBS. Disponível em: <http://participasalvador.com.br/2014/10/14/novo-projeto-de-lei-do-prefeito-quer-mudanca-do-calculo-da-outorga-onerosa-e-extincao-do-fundurbs/>.

30
Cf. MARICATO, Erminia; et al. Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo, Boitempo/Carta Maior, 2013.

31
Cf. Arquitetos recorrem à Unesco para evitar novas demolições em Salvador. Disponível em: <http://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/07/1653564-braco-da-onu-e-acionado-por-demolicoes-no-centro-de-salvador.shtml>.

32
Cf. “Várias queixas” no Centro Antigo de Salvador. Disponível <www.passapalavra.info/2015/06/104621>.

sobre o autor

João Soares Pena é urbanista graduado pela UNEB, doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA, professor na Faculdade de Arquitetura da UFBA e diretor da Sociedade Brasileira de Urbanismo.

comments

186.08 urbanismo
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

186

186.00 política pública

Megaeventos e informalidade urbana

Discutindo o direito à cidade em Fortaleza

Clarissa Sampaio Freitas

186.01 paisagem urbana

Comunicação do espaço urbano

Signos da paisagem

Lucia Teresinha Peixe Maziero and João Henrique Bonametti

186.02 fotografia

Benício Whatley Dias

Um fotógrafo no Recife moderno

Cêça Guimaraens

186.03 teoria

José Calazans: arquitetura, dialética e projeto

Parte 1 – turbulência

Claudio Manetti and Jonathas Magalhães Pereira da Silva

186.04 tecnologia

Performative architecture

Uma arqueologia tecnológica

Daniel Lenz and Gabriela Celani

186.05 urbanism

The contemporary city and the urban unreal

São Paulo in the 21st century

Leandro Medrano

186.06 política pública

Arquitetura e ciência

Cidadania e discricionariedade da administração pública do municipal na operação urbana Água Espraiada São Paulo

Eunice Abascal and Carlos Abascal Bilbao

186.07 sociedade

O luxo como necessidade

Projetos de apartamentos típicos da elite recifense

Cristiana Griz and Luiz Amorim

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided