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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Este artigo procura estabelecer um panorama sobre a crítica na arquitetura em geral, aproximando-o à realidade brasileira. Para tal, explora alguns dos elementos fundamentais da crítica como a dimensão temporal, o relativismo cultural, dentre outros.

english
This paper seeks to establish an overview of general architecture criticism, bringing it to Brazilian reality. In order to do so, it explores some of the criticism fundamentals elements such as the temporal dimension, cultural relativism, among others.

español
Este artículo busca establecer un panorama sobre la crítica en la arquitectura en general, llevándola a la realidad brasileña. Para hacer eso, explora algunos elementos clave de la crítica como la dimensión temporal, el relativismo cultural, entre otros.


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CORDEIRO DA COSTA, André. A crítica na arquitetura. Do panorama à realidade brasileira. Arquitextos, São Paulo, ano 16, n. 187.04, Vitruvius, dez. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.187/5887>.

O tempo como senhor da razão

A atividade do crítico consiste no comentário da arquitetura do presente, refere-se ao acontecer diário da arquitetura: à identificação de novas ideias, à avaliação e interpretação de novas obras ou propostas, ao descobrimento de novas tendências. Com sua reflexão, contribui para a tomada consciente de situações e, no caso do crítico latino-americano, cumpre um importante papel na tomada de consciência do significado que o tema examinado possa ter para nossa própria cultura ou nossa práxis profissional (1).

Absolutamente tudo, a todo instante, está a ser criticado. Num mundo globalizado, nada mais do que a realidade cotidiana. A instantaneidade, permitida pela evolução tecnológica que motiva a existência de smartphones, tablets e notebooks cada vez mais rápidos e sofisticados, pode fazer com que o distanciamento crítico necessário para a correta percepção e avaliação de algum fenômeno arquitetônico seja mais difícil de ser tomado.

Sua ausência, quando somada à incompetência de alguns críticos, transporta, muitas vezes, a crítica ao nível da mera opinião. “Nos nossos dias, a opinião é o substituto, o adoçante da crítica” (2). O problema é que acompanhar, através de um objeto de estudo, fenômenos ainda em fase de concretização não é tarefa fácil, pois exige experiência e competência para que não surjam opiniões precipitadas e equivocadas; uma ampla volatilidade opinativa que, por sua vez, pode gerar mais dúvidas do que certezas em relação ao porvir.

No entanto, isso também ocorre porque não se pode estabelecer uma padronização crítica/opinativa – pois para além de não haver consenso para tal, não seria desejável, uma vez que o seu estabelecimento empobreceria o debate arquitetônico, torná-lo-ia desinteressante. “A dualidade senso comum/erudição que sempre persegue a discussão à volta da arquitectura confere à crítica um estatuto difícil, insatisfatório” (3). Hoje, “ser crítico pode ser a procura de sentido no espaço intersticial entre a teoria e a promoção/reportagem, as duas principais formas de discurso à volta da arquitetura” (4).

Tão logo uma crítica é feita, torna-se muito difícil considera-la verdadeira ou simplesmente descarta-la, até porque não existe uma verdade universal, absoluta. Somente através de um distanciamento crítico adequado – que necessita tempo para ser estabelecido – é possível separar, mesmo correndo riscos, dentro do universo das opiniões, o joio do trigo. Portanto, no âmbito da crítica arquitetônica, o tempo é o senhor da razão, uma vez que somente através da dimensão temporal confirmar-se-á se diferentes suposições/opiniões sobre determinado assunto estão de fato corretas ou não – conforme os critérios de análises adoptados.

A própria dinâmica da sociedade contemporânea, complexa e contraditória, demanda respostas, análises e provas instantaneamente (5), fator que por si só repercute em um volume cada vez maior de críticas. Muitas das quais, feliz ou infelizmente, o passar do tempo acabará por derrubar.

Um caminho tortuoso

A atividade do crítico consiste em compreender a obra para que seu conteúdo possa ser explicado ao público. Isso não significa que o crítico possa interpretar integralmente tudo aquilo que compõe a complexidade da obra arquitetônica, nem que seja capaz de esgotar os fundamentos da capacidade criativa do arquiteto. [...] Aspectos do autor e da obra sempre permanecerão desconhecidos, velados e inexplicáveis, à espera de futuras interpretações (6).

Tanto a diversidade quanto a volatilidade das críticas/opiniões podem fazer com que a crítica arquitetônica perca efeito. Apesar do não raro caráter contraditório entre discursos da mesma natureza agregar solidez à crítica, quando aliado a um cenário de debates ideológicos superficiais, toma-lhe liquidez (7). Ou seja, a multiplicidade de bases, oriundas de diferentes vertentes teóricas, sobre as quais os discursos são construídos, sem sombra de dúvidas, contribui para o seu enriquecimento; no entanto, quando essa construção se dá de maneira superficial, tal multiplicidade acaba por ser utilizada para justificar os “deslizes” cometidos por alguns arquitetos.

Como uma alternativa para minimizar esses erros e outras falhas interpretativas, vem à tona o Regionalismo Crítico de Kenneth Frampton que, basicamente, procura contextualizar a crítica sob a óptica contextual do arquiteto. “Busca intencionalmente desconstruir o modernismo universal a partir de imagens e valores localmente cultivados e, ao mesmo tempo, deturpar esses elementos autóctones com o uso de paradigmas originários de fontes alienígenas” (8). Possui um compromisso muito mais forte com o lugar do que com o espaço (9) e, por isso, aparece como uma alternativa para a megalópole universal, “avessa a uma densa diferenciação cultural” (10). Por outras palavras, através da confecção de um artefacto (11), visa produzir um “fragmento arraigado contra o qual a incessante inundação de um consumismo alienante, sem lugar, poderá ser posto momentaneamente em xeque” (12).

No entanto, essa linha de pensamento acaba por não surtir efeito da maneira desejada, pelo que alguns a consideraram mais como “a perda da autenticidade do que seu resgate” (13). Ao que surge, então, uma nova espécie de regionalismo, mais distante das regiões culturais – diretamente relacionadas com etnia, clima, língua, etc. – e  mais próximo da fundamentação política (14). Para Alan Colquhoun, um dos exemplos mais eloquentes das diferenças regionais está nas distintas interpretações anglo-saxãs e norte-americanas sobre as interações entre a tecnologia e a arquitetura (15). Enquanto a primeira possui um caráter idealista, a segunda possui um pragmático; atitudes que, segundo ele, estão diretamente relacionadas a uma dimensão política – que interfere de maneira indireta sobre a práxis arquitetônica.

Para além das questões apresentadas, a crítica é considerada por muitos como a constatação do futuro realizada no presente, de maneira que assume a face de um dos “valores mais desejados pela sociedade: o novo” (16). Apesar de ser uma alternativa à tradição (17), o novo, obviamente com o passar do tempo, tornar-se-á habitual; eis aí um exemplo da “’destruição contínua’ que ‘contribui para o niilismo de nosso tempo’” (18). Portanto, a própria dinâmica social acaba colocando a crítica numa posição dialética, o que não é algo negativo, mas que lhe confere um estatuto muito mais complexo, difícil de ser compreendido.

Sendo assim, pode-se entender a crítica na arquitetura contemporânea como um caminho tortuoso. Não se sabe exatamente para onde se vai, porém se tenta, a todo o instante, identificar/adivinhar o destino final através das interpretações relativas ao trecho que se está a percorrer.

As duas faces de uma mesma moeda

A crítica, portanto, situa-se no amplo horizonte que se estende entre dois extremos ilusórios e falsos: de um lado, o excesso racionalista e metodológico, que crê que se possam estabelecer interpretações totalmente confiáveis e comprováveis, únicas e estáveis, sobre toda a obra de criação, e, de outro, o excesso irracionalista, arbitrário e bárbaro, que alega a inutilidade de toda a crítica e interpretação diante das grandes obras de arte, essas criações sempre misteriosas e individuais cuja essência é insondável. Diante desses limites igualmente absurdos situa-se o campo da interpretação (19).

Como exercício de analogia, pode-se dividir a crítica em duas amplas modalidades: a pragmática “essencialmente decorrente da cultura anglo-saxônica, onde é cultivada uma abordagem directa e incisiva, com o grande público em mente” (20) e a operativa “em que a análise é feita em nome da projecção de uma ideia, segundo um modelo de ‘acção’ transformadora” (21). De acordo com Jorge Figueira, a crítica pragmática é mais fácil de ser apercebida, de maneira que a sua argumentação é prática (22); simples, mas não necessariamente simplória; para atingir a massa, lança mão de argumentações espirituosas através da criação de polémicas. A operativa, por outro lado, está imersa em um universo muito mais complexo, em que os fatos históricos – selecionados pelo crítico de acordo com um critério por ele escolhido – são utilizados como referência para a compreensão de um fato presente ou para a previsão de um acontecimento futuro; “é um instrumento na construção de uma metanarrativa – no caso de Giedion, o racionalismo, no caso de Zevi, o organicismo, uma querela nos anos 1960” (23). Há, na crítica operativa um “horizonte a construir, à imagem dos Iluminismos francês e inglês” (24).

Metaforicamente, o que a crítica operativa faz é torturar a história até um ponto em que ela confesse um argumento favorável à opinião do crítico. Para tal, esconde os fracassos historicamente comprovados ao mesmo tempo em que projeta a sua superação em um contexto futuro (25). Logo, a análise fica reduzida à projeção de um ideário, que nada mais é senão um discurso propriamente dito (26), um artifício desenvolvido pelo crítico para construir uma narrativa lógica, contínua entre os diferentes pontos referenciais. É esse o contexto habitado pelo regionalismo crítico. Por outro lado, a crítica pragmática utiliza uma abordagem mais direta, com conceitos muitas vezes provenientes do senso comum; tal como os tabloides, seu alvo é o grande público e a criação de polémica (27).

A crítica operativa e a pragmática têm forte expressão entre os anos 1950 e 1980, um arco temporal que corresponde a um período de crise e mudança de paradigma, onde a crítica pode florescer, como irei sugerir. A discussão levantada por Jane Jacobs, Robert Venturi, Aldo Rossi, Colin Rowe, e nos anos 1980 fixada por Jencks, Paolo Portoghesi, e Heinrich Klotz como pós-modernismo, tem ainda uma dimensão crítica. A influência de Tafuri na América, e depois a adopção do desconstrutivismo por Peter Eisenman ou Mark Wigley revelam já um domínio da teoria sobre a crítica. A partir de então, a crítica operativa e a crítica pragmática tendem a esbater-se na teoria, ou no outro extremo, na promoção/reportagem/lifestyle (28).

Basicamente, as frequentes distorções históricas promovidas pela crítica operativa fazem com que ela se autodestrua. E, aproveitando-se da fragilidade da irmã, a crítica pragmática procura, de uma maneira ou de outra – entre um extremo ou outro – sistematicamente, assumir o seu papel (29). O principal argumento é que ao contrário da crítica operativa, a pragmática sintoniza-se com os fatos contemporâneos através de um processo praticamente instantâneo.

Tal e qual uma moeda, que possui duas faces, um determinado valor e a função de proporcionar a compra e venda de produtos, as críticas operativa e pragmática possuem diferentes faces e abordagens frente a uma mesma função: atribuir juízos de valor aos variados objetos de estudo. Esses juízos – entendam-se comentários sobre a arquitetura do presente – servirão como fios condutores à práxis e historiografia arquitetônicas, pois através deles, identificar-se-ão novas ideias, discursos, tendências, aproximações, enfim, pistas que serão de grande utilidade para as tomadas de decisões realizadas pelo profissional arquiteto.

Iluminado ao sol do novo mundo (30)

Há momentos históricos em que a função do crítico e a do historiador adquirem singular importância. Em anos recentes, a crise de modelos produzida pelo profundo trabalho de demolição da década de 1960 em relação aos ideais da arquitetura moderna, exigiu a atenção permanente para o desenvolvimento de ideias e o aparecimento de novas propostas que deviam ser lidas e interpretadas [...] para tornar o compreensível o confuso, e rapidamente modificável, panorama da produção arquitetônica (31).

“Já se devia ter percebido, depois de Tafuri, que [...] os arquitetos procuram um sistema de ideias que os permita ter trabalho, pensar, projectar e construir. E que registam, como um sismógrafo, o lado para o qual a sociedade se inclina.” (32) Afinal, a arquitetura é um elemento social; como fato cultural, está imersa na história da humanidade e por isso, pode ser considerada inexplicável fora dela (33).

Independentemente da crítica se dar sob uma óptica pragmática ou objetiva, seria interessante a consideração do objeto de estudo inserido no respectivo contexto histórico de maneira a se obter uma compreensão mais profunda e abrangente sobre as suas significações. O que pode desencadear – através da identificação das novas ideias, correntes, propostas e tendências – um ganho considerável para a tomada de consciência do significado que o tema examinado tem para a própria cultura (34). Pois que, ao mesmo tempo em que o crítico trabalha com o estabelecimento de critérios de valoração da obra arquitetônica, o historiador alimenta-se deles para construir o seu próprio objeto de estudo. Sem a crítica, portanto, torna-se praticamente impossível encontrar as pistas sobre determinado assunto (35).

Sendo assim, assumir uma postura crítica passiva seria uma boa solução para contornar as influências negativas que a instantaneidade midiática possui sobre a produção arquitetônica? Para Jorge Figueira, uma das poucas saídas para a sobrevivência da crítica na arquitetura contemporânea seria justamente ser menos crítico (36). Mas até que ponto essa atitude não acabaria por limitar, enfraquecer o debate ideológico? No entanto, no caso latino-americano e, de maneira mais específica, brasileiro, a suspensão da crítica (37) poderia ter um efeito bastante interessante, desejável (38); desde que realizada apenas por um período restrito de tempo, caso contrário, assumir-se-ia um risco, que é o de se aceitar indiscriminadamente tudo o que é examinado (39).

A partir da suspensão temporária da crítica (40), haveria a possibilidade de adopção de um sistema complexo que respeitasse as qualidades e características próprias dos objetos de estudo nacionais – e que considerasse o “espírito de brasilidade”, se é que ele existe, por exemplo. Sobretudo, o mais importante seria evitar a classificação da arquitetura nacional aos moldes da historiografia europeia ou norte-americana (41), uma vez que após o pós-moderno a atividade do historiador da arquitetura se confunde com a do crítico (42); Alguns livros de história, por exemplo, passaram a ser uma compilação de diversos artigos – publicados anteriormente como opiniões sobre os fatos cotidianos (43).

A propósito, as coincidências entre o historiador e o crítico, entre a história e a crítica, podem ir para além da metodologia; os objetivos semelhantes e o exercício profissional tornam a história e a crítica dependentes da teoria da arquitetura. A teoria pode ser entendida como um sistema de pensamento, que no âmbito arquitetônico, devido ao seu caráter prático, adquire uma espécie de status normativo – determinante do que e como a arquitetura deve ser. Não obstante, pode-se entender a história como uma descrição crítica dos fatos arquitetônicos – que por sua vez partiram de uma teoria – baseados, portanto, em algum tipo de fundamentação teórica, em elementos pertencentes a uma teoria (44). Já a crítica, reitera-se, consiste na leitura da realidade, “refere-se ao acontecer diário da arquitetura: à identificação de novas ideias, à avaliação e interpretação de novas obras e propostas, ao descobrimento de novas tendências” (45); determinantes na tomada de consciência sobre as significações contidas no objeto de estudo.

Ao longo do tempo, distintas pautas críticas foram introduzidas no trabalho histórico, para distanciá-lo do mito e aproximá-lo de uma tarefa científica: a crítica das fontes, os critérios de verossimilhança, a seleção por critérios de valor, conduzem todos a uma forma de aproximação à matéria histórica que é eminentemente crítica, que exige o exercício do juízo crítico em cada uma das etapas da elaboração do material. [...] Quanto à teoria, como se poderia realizar uma seleção e valoração do material histórico? Como poderiam ser estabelecidas pautas críticas sem o apoio de uma série de princípios, isto é, sem uma teoria? E, por sua vez, de onde uma teoria obtém seu sustento, sua fundamentação, senão da realidade, que é uma realidade histórica? (46)

Ainda que, em alguns momentos, a tríade história, teoria e crítica esteja desequilibrada, certamente continuará a servir como base para o correto entendimento dos fenômenos arquitetônicos. Sendo assim, a crítica migra sempre para onde tem serventia – onde é imprescindível – mas não deixa de existir. Talvez, ao invés de tentar se integrar à óptica contextual do arquiteto – como o regionalismo crítico sugere – possa adoptar novos conceitos instrumentais, metodologias e pautas de valoração (47). E quem sabe, isso não se dará num contexto iluminado ao sol do novo mundo? (48)

Uma realidade ainda nada animadora

No Brasil não há – como é muito comum em alguns países latino-americanos – um espaço fixo de crítica de arquitetura em grandes jornais. O tema da arquitetura é abordado dentro da rotina cotidiana, como ‘matéria quente’, onde o apelo está no comportamento do arquiteto, no arrojo formal da edificação, ou em algum elemento exótico associado. Quase sempre a arquitetura é abordada por jornalistas não especializados ou por arquitetos sem treinamento na área de crítica de arquitetura. Assim, na grande imprensa temos muitas opiniões e pouca crítica (49).

Em 1954, Ernesto Nathan Rogers já alerta sobre a vitimização da arquitetura brasileira por conta de críticas “arbitrárias, antagônicas e quase sempre descabidas” (50), motivadas pelas primeiras impressões; inspiradas, quase sempre, somente pela aparência dos objetos de estudo. Evidente contradição frente a uma das maiores conquistas do pensamento moderno: “o fato de ter compreendido que o julgamento de um fenômeno é condicionado não só pela definição de cada uma das partes que o determina, mas também e sobretudo pela variável posição de cada parte no conjunto” (51).

Essas impressões de Rogers, realizadas há aproximadamente sessenta anos, sobre o cenário da crítica arquitetônica no Brasil parecem se enquadrar perfeitamente à realidade atual. A falta de conhecimento arquitetônico por parte da mídia – e seus canais de comunicação – continua, sistematicamente, a nivelar a crítica à escala da mera opinião; enquanto isso, a maioria dos críticos especializados – vinculados às grandes escolas de arquitetura brasileiras – encontra-se abarrotada de atividades como orientações, pesquisas, comprovação da produção, entre outras, que lhes toma demasiado tempo, diminuindo assim, a produção crítica de qualidade (52).

Para Hugo Segawa, uma maneira de minimizar esse problema poderia ser a separação entre a crítica para arquitetos da para não arquitetos, uma vez que a sua maneira de elaboração e seu papel são distintos entre o texto de um jornal e uma tese acadêmica (53). “Os leitores de um diário de grande circulação devem ler críticas escritas de outra maneira que as críticas produzidas para revistas de arquitetura, cujos leitores estão aparelhados para uma compreensão mais específica” (54). A grande questão é até que ponto não está a ocorrer a prática inversa; isto é, as críticas das revistas de arquitetura não estão a se tornar raras e superficiais, equiparáveis aos textos opinativos de um jornal?

Da mesma maneira em que as obras cuja aparência não seja motivada por razões internas e circunstanciais são denominadas formalistas, assim também deveriam ser as críticas que são incapazes de “penetrar no significado das obras rompendo a crosta do gosto subjetivo” (55). O que significa, por outras palavras, aderir “à realidade em toda a sua complexidade, de modo que o recorte que, forçosamente, deverá fazer, não distorça os traços fundamentais do território onde atua” (56).

Infelizmente, ao invés da crítica nacional aderir a uma prática análoga a essa, o que se está a verificar é a existência de trabalhos cada vez menos críticos, cuja produção circula quase que exclusivamente dentro dos muros universitários através de seminários, congressos, conferências e revistas acadêmicas (57); uma produção endógena (58), que caracteriza para a crítica arquitetônica nacional, objetivamente, uma realidade ainda nada animadora.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra

A cautela recomenda que o conhecimento sobre uma obra deve ser o mais completo possível. Mas não há como definir o que é uma abordagem exaustiva, promover um ideal de completude. Simetricamente, a informação mínima é uma questão de bom senso. É inútil coletar dados e informações exaustivamente e reter um amontoado de coisas sobre os quais não se logra processar. A capacidade de observação, as possibilidades de conseguir informações, investigar sobre a realização e a inteligência do crítico de percebê-las sob os mais diversos olhares, as mais diversas posições, parecem-me fundamentais no exercício da crítica (59).

Uma análise que venha a desconsiderar a origem das ideias arquitetônicas deixa diversas soluções sem explicação, que normalmente aparecem como caprichos ou produtos geniais, sem raízes culturais que lhe possam dar sentido (60); um problema visivelmente presente na crítica arquitetônica instantânea, principalmente aquela realizada por não arquitetos ou por agentes não especializados. Ao mesmo tempo, muitas das análises que procuram considerar essas origens utilizam como instrumentos para a exploração dos objetos de estudo, conceitos que são elaborados a partir de outras realidades, como a europeia e a norte-americana (61), o que pode acarretar em interpretações erradas, muitas vezes indesejadas pelo próprio crítico.

Por conta disso, acredita-se que os critérios para a atribuição de juízo sobre determinada proposta arquitetônica deveriam ser sempre variáveis, de acordo com as problemáticas de cada unidade cultural (62); considerando-se as respectivas dimensões políticas. Ainda, pelo fato de não existir uma verdade universal, absoluta, tampouco um único ponto de vista – algo que, como comentado, seria inclusivamente indesejável por empobrecer o debate ideológico – torna-se necessário aceitar certo grau de subjetividade e relativismo em qualquer exercício crítico (63). E por isso, uma solução para uma continuidade coerente da crítica arquitetônica contemporânea na América Latina não poderia estar nem tanto ao mar, nem tanto a terra; ou seja, estaria num interstício entre a subjetividade e a objetividade.

Para que a crítica possa ocupar esse espaço intersticial entre a subjetividade e a objetividade absolutas, e ao mesmo tempo descartar qualquer possibilidade de manipulação do leitor, podem-se tomar certos cuidados. Antes de tudo, o crítico precisa da “capacidade de distinguir o valioso do vil e de destacar o transcendente do desprezível” (64). Esse discernimento (65), poderia vir acompanhado com uma declaração escrita explícita sobre a ideologia arquitetônica e método utilizado nas abordagem e análise críticas, de maneira a possibilitar as condições básicas para uma interpretação adequada não só das informações fornecidas como também dos juízos de valor apresentados (66).

A partir daí, tornar-se-ia perfeitamente possível colocar em prática uma série de considerações fundamentais sobre a crítica arquitetônica. Como por exemplo, a ideia de que toda a sorte de objetos é passível de estudo, inclusivamente aqueles que muitos na América-Latina desconsideram ao julgá-los como não arquitetônicos; ou até mesmo a de que a crítica manipula e cria mecanismos artificiais (67).

Resta-nos, portanto, esperar ética e discernimento por parte dos críticos e não confundir uma certa passividade de certas modalidades da crítica com a sua ausência total; assim como lutar por mais espaço para a divulgação da crítica arquitetônica especializada – exigindo melhor conteúdo dos meios de comunicação que nós próprios consumimos e financiamos – uma vez que se revela imprescindível para a orientação da boa prática profissional.

notas

1
WAISMAN, Marina. O interior da história: historiografia arquitetônica para uso de latino-americanos. São Paulo, Perspectiva, 2013, p. 31.

2
FIGUEIRA, Jorge. Houston we have a problem: o fim da crítica de arquitectura. Jornal Arquitectos, Lisboa, n. 239, 2011, p. 86.

3
Idem, ibidem, p. 87.

4
Idem, ibidem, p. 86.

5
Ao alcance de um simples clique no twitter, facebook, instagram, whatsapp, dentre outros mecanismos de comunicação em massa dispostos, graças a evolução tecnológica, ao alcance de qualquer pessoa.

6
MONTANER, Josef Maria. A crítica na arquitectura. Barcelona, Gustavo Gili, 2007, p. 10.

7
Termo originalmente utilizado por Jorge Figueira. Ver: FIGUEIRA, Jorge. Op. cit., p. 87.

8
FRAMPTON, Kenneth. Perspectivas para um regionalismo crítico. In NESBITT, Kate. (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). 2ª edição revista. São Paulo, Cosac Naify, 2008, p. 506.

9
Cf. FRAMPTON, Kenneth. Op. cit., p. 506.

10
Idem, ibidem, p. 519.

11
Para Alberto Campo Baeza, a arquitetura é algo artificial, um artefacto – a junção das palavras arte e facto – materialização da razão humana através da utilização de materiais originários do meio natural. É, basicamente, a natureza manipulada e transformada através de um artifício, tecnologia, produto da razão humana. Ver: BAEZA, Alberto Campo. Principia Architectonica. Casal de Cambra, Caleidoscópio, 2013, p. 77-87.

12
FRAMPTON, Kenneth. Op. cit., p.519.

13
COLQUHOUN, Alan. Modernidade e tradição clássica: ensaios sobre a arquitetura 1980-1987. São Paulo, Cosac Naify, 2004, p. 197.

14
Cf. COLQUHOUN, Alan. Op. cit.

15
Idem, ibidem.

16
RAMÍREZ, William García. Utopias: A Crítica Visionária. In SEGAWA, Hugo; GUERRERO, Ingrid Quintana; SILVA, Aline de Figueirôa (org.) Crítica de arquitetura: ensaios latino-americanos. Cotia, Ateliê Editorial, 2013, p. 83-110.

17
Cf. RAMÍREZ, William García. Op. cit.

18
TAFURI, Manfredo. Non cê critica, solo storia. Milão: Casabella, nº619-620, p.96-99, Gen./Feb., 1995, p.97. Apud FIGUEIRA, Jorge. Op. cit.. p.89.

19
MONTANER, Josep Maria. Op. cit., p. 10-11.

20
FIGUEIRA, Jorge. Op. cit., p.89.

21
Idem, Ibidem.

22
Cf. FIGUEIRA, Jorge. Op. cit., p. 89.

23
Idem, ibidem, p. 89.

24
Idem, ibidem.

25
Cf. FIGUEIRA, Jorge. Op. cit., p. 89.

26
Cf. WAISMAN, Marina. Op. cit., p. 63-64.

27
Cf. FIGUEIRA, Jorge. Op. cit.

28
Idem, ibidem, p. 90.

29
Idem, ibidem.

30
Parte do Hino Nacional brasileiro. O trocadilho refere-se ao fato irônico do Brasil estar situado no Novo Mundo (América) ao passo que a arquitetura é classificada de acordo com o Velho Mundo (Europa).

31
WAISMAN, Marina. Op. cit., p. 33.

32
FIGUEIRA, Jorge. Op. cit., p. 92.

33
Cf. WAISMAN, Marina. Op. cit., p. 29.

34
Idem, Ibidem.

35
WAISMAN, Marina. Op. cit., p.29.

36
Para Jorge Figueira, ser menos crítico não significa deixar de criticar, mas diminuir o número de opiniões emitidas sem uma reflexão teórica aprofundada. Ver: FIGUEIRA, Jorge. Op. cit., p. 92.

37
Refere-se aqui, sobretudo, à suspensão daquela “modalidade” de crítica leviana e sem fundamentação que, infelizmente, encontra-se mesclada com as “modalidades” sérias e contundentes.

38
Cf. WAISMAN, Marina. Op. cit., p. 32-37.

39
Idem, Ibidem.

40
Ver nota 37.

41
Cf. WAISMAN, Marina. Op. cit., p.32-37.

42
Idem, Ibidem.

43
Idem, Ibidem.

44
Idem, Ibidem.

45
WAISMAN, Marina. Op. cit., p.31.

46
Idem, p.29-30.

47
Idem, p.46-183.

48
Refere-se aqui à América, mais especificamente ao Brasil. distante dos modelos europeus (velho mundo) e norte-americanos.

49
GUERRA, Abilio. A universidade e a crítica de arquitetura no Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 15, n. 173.02, Vitruvius, nov. 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/15.173/5332>..

50
ROGERS, Ernesto Nathan. Pretextos para uma crítica não formalista. Casabella, Milão, n. 200, feb./mar. 1954, p. 1-3. In XAVIER, Alberto (org.). Depoimento de uma geração – arquitetura moderna brasileira. São Paulo, Cosac Naify, 1987, p. 166.

5[1]
Idem, ibidem, p.167.

52
Cf. GUERRA, Abílio. Op. cit., p. 6-9.

53
SEGAWA, Hugo. Perguntas Oportunas, Respostas Tortas. In SEGAWA, Hugo; GUERRERO, Ingrid Quintana; SILVA, Aline de Figueirôa (org.). Op. cit., p. 175-192.

54
Idem, ibidem, p. 179.

55
ROGERS, Ernesto Nathan. Op. cit.

56
WAISMAN, Marina. Op. cit., p. 51-52.

57
GUERRA, Abílio. Op. cit., p. 6.

58
Idem, Ibidem.

59
SEGAWA, Hugo. Op. cit., p. 181.

60
WAISMAN, Marina. Op. cit., p. 15.

61
Cf. WAISMAN, Marina. Op. cit., p. 42.

62
Idem, ibidem, p. 45.

63
Idem, ibidem, p. 47.

64
RAMÍREZ, William García. Op. cit., p. 85.

65
Idem, ibidem, p. 85-86.

66
Cf. WAISMAN, Marina. Op. cit., p. 52.

67
Cf. SEGAWA, Hugo. Op. cit., p. 175-192.

sobre o autor

André Luís Cordeiro da Costa é arquiteto e urbanista, graduado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista em Arquitectura: projecto, teoria e história pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), onde é doutorando. Atualmente trabalha como Professor Substituto na Faculdade de Ciência e Tecnologia (FCT) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp).

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