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architexts ISSN 1809-6298


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A necessidade de estudar as obras do passado para melhor preservá-las é um princípio que informa o restauro arquitetônico e está presente no momento da institucionalização da preservação no Brasil com a criação do Sphan em 1937.

english
The first thinkers on the subject point to the need to study and know the works of the past to better preserve them and thus contribute to the knowledge of the history of architecture and urban history and the principles inform the architectural restorati


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FERNANDES, Fernanda. História, preservação e projeto. Entre o passado e o futuro. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.03, Vitruvius, ago. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.195/6173>.

A institucionalização da preservação no Brasil com a criação do Sphan em 1937 e sua consequente ação tanto no campo do restauro como nos estudos e pesquisas sobre arquitetura, divulgados sistematicamente em sua revista, que passa a ser publicada no mesmo ano, nos conduz à indagação sobre como se dá a interlocução entre esses dois campos, ou seja, entre história e restauro.

O Sphan nasce no ambiente do modernismo brasileiro com a intenção de repensar o passado em função de uma tradição concebida no interior do projeto moderno (1). Assim, ao contrário das vanguardas europeias, o modernismo brasileiro tem como peculiaridade a adoção de uma nova linguagem estética em diálogo com a construção de uma tradição. Considera-se como marco inaugural desse processo a viagem a Minas realizada em 1924 pelos escritores modernistas Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e pelo poeta Blaise Cendras, que estava no Brasil a convite de Paulo Prado. Neste momento entram em contato com as cidades históricas, impulsionando a valorização e preservação desse patrimônio (2). Tarsila do Amaral conheceu a arquitetura colonial, as esculturas do Aleijadinho e as paisagens mineiras registradas em desenhos e esboços, além de anotações de viagem, que revelam a descoberta da simplicidade e das cores presentes nas decorações populares, processo de revalorização desse passado até então pouco conhecido e assim confluindo para a revisão de tradições esquecidas (3).

Lúcio Costa, então adepto do neocolonial, faz o mesmo movimento em relação a tradição quando visita Diamantina em 1922 (4). Na ocasião o arquiteto comenta o impacto causado pelo contato com a cidade:

“Lá chegando caí em cheio no passado, um passado de verdade que eu ignorava, um passado novo em folha para mim. Foi uma revelação: casas, igrejas, pousada dos tropeiros, era tudo de pau-a-pique, ou seja fortes arcabouços de madeira – esteios, baldrames, frechais – enquadrando paredes de trama barreada, a chamada taipa de mão, ou de sebe, ao contrário de São Paulo onde a taipa de pilão imperava” (5).

Este trecho é revelador da atenção conferida pelo arquiteto as soluções construtivas utilizadas na arquitetura colonial de Minas, aspecto que posteriormente irá reverberar em seu texto “Documentação Necessária”, publicado em 1938, no primeiro número da Revista do Sphan, em que estabelece singular relação entre a arquitetura moderna e as simples construções tradicionais, em ambas destacando a simplicidade construtiva e assim iniciando uma elaboração teórica que constrói vínculos entre modernidade e tradição.

Lúcio Costa será o grande mentor da proposta moderna no Brasil e também da tradição arquitetônica que estava sendo construída naqueles anos pela ação do Sphan, onde sua atuação é decisiva (6). Além da arquitetura vernácula, defendida por Lúcio Costa em seu texto, também o barroco das igrejas de Minas alinha-se na construção de uma tradição, considerados elementos genuínos de uma brasilidade que comparece no presente de maneira renovada. Os estudos sobre o barroco serão uma constante nos artigos publicados pela Revista do Sphan, que como declara Rodrigo Mello Franco de Andrade, tem por objetivo “divulgar o conhecimento dos valores de arte e de história que o Brasil possui e contribuir empenhadamente para seu estudo” (7). De fato, já no segundo número da revista é do próprio Rodrigo um artigo sobre o Aleijadinho onde são apresentados os estudos realizados pela instituição sobre o artista mineiro, comprovados por consistente documentação (8).

O barroco também é analisado na Revista do Sphan a partir de outra matriz, por Hannah Levy em seu artigo – A propósito de três teorias sobre o barroco, em que a estudiosa introduz as teorias de Heinrich Wölfflin, Max Dvorák e Leo Balet, observando que estes autores filiam-se a diferentes tendências da História da Arte. Levy havia sido contratada por Rodrigo Mello Franco de Andrade para ministrar cursos de história da arte para a formação dos técnicos do Sphan, e lá permaneceu durante três anos se dedicando ao ensino e a pesquisa (9). De origem alemã, a pesquisadora estudou história da arte em Paris, onde realizou seu trabalho de conclusão de curso sobre Heinrich Wölfflin, apresentado na Faculdade de Letras da Universidade de Paris em 1936. No ano seguinte se transfere para o Brasil como parte da diáspora ocasionada pela segunda guerra mundial e aqui permanece por dez anos (10).

Hannah Levy publicou o resultado de seus estudos na Revista do Sphan, e aqui nos interessa principalmente o artigo “Valor artístico e valor histórico. Importante problema da história da arte” (11), em que a autora esclarece sobre os critérios de julgamento na história da arte, observando que a distinção entre valor histórico e valor artístico é tema fundamental nas discussões que acontecem naquele momento no plano internacional e ambos são considerados valores relativos pois neles incidem fatores extra-artísticos, além de serem mutáveis ao longo do tempo. A autora assinala, que essa discussão que essa discussão é de especial interesse para o trabalho realizado pelo, visto que a distinção entre os diversos valores presentes na obra de arquitetura é fundamental para enfrentar os problemas concernentes ao campo do restauro, pois é a dialética entre esses valores que fundamenta as decisões em relação à preservação da obra arquitetônica. Nesse sentido, observa que o arquiteto francês Viollet-le Duc, considerado como um dos fundadores do campo do restauro, tem sido alvo de muitas críticas por não conferir importância à pluralidade de valores que confluem na mesma obra.

De fato, o século 19 é considerado o século da história moderna, da história da arte e da estética e também das primeiras teorias sobre o restauro arquitetônico. Os primeiros pensadores sobre o tema apontam a necessidade de estudar e conhecer as obras do passado para melhor preservá-las. Essa posição é bastante clara nas reflexões do arquiteto francês Viollet-le-Duc, posteriormente encampadas por Camilo Boito e Gustavo Giovannoni e que continuam sendo pertinentes na contexto atual das teorias de preservação. Dessa postura decorrem as contribuições desses estudiosos para o conhecimento da história da arquitetura e da história urbana por meio de seus estudos e pesquisas, fundamentais para a adequada preservação das arquiteturas do passado. Contudo, as ações de restauro propostas pelo arquiteto francês, como a retomada da unidade estilística da obra, foram alvo de várias críticas, como parte do processo de revisões ocorrido no segundo pós-guerra europeu em relação aos princípios que até então tinham informado as ações de restauro. Nesse ambiente, a dialética entre valor histórico e valor artístico ganha proeminência como fator a ser enfrentado nos trabalhos de restauro, e adquire estatuto de nova postura crítica.

Assim, no ambiente cultural italiano se passa do restauro filológico de Giovannoni para o restauro crítico formulado pelos teóricos italianos Renato Bonelli e Roberto Pane, que consideram como parte fundamental da ação de restauro um estudo minucioso sobre a obra a ser restaurada, com atenção para os aspectos históricos e artísticos que nela convivem, nem sempre em harmonia (12). Segundo esses teóricos, a partir da dialética entre esses dois valores, seria possível realizar uma intervenção balizada e teoricamente fundamentada, tendo em vista a preservação da obra para o futuro. O pensamento sobre o restauro crítico, secundado pela posição teórica do também italiano Cesare Brandi irá embasar os princípios sistematizados na Carta de Veneza, de 1964, que mantém sua validade na atualidade e alarga os procedimentos de restauro do edifício isolado para o ambiente antigo, para a paisagem urbana e enfim para toda a cidade.

É nesse contexto inserem-se as observações colocadas por Hannah Levy em seu artigo. Contudo, suas indagações, bastante pertinentes naquele momento, não parecem ter encontrado espaço no ambiente do Sphan. Por um lado, o Sphan cumpre de maneira exemplar a iniciativa de estudo do nosso passado colonial, primeiro objeto de sua ação de preservação. Contudo os procedimentos utilizados pela instituição em obras de restauração não chegaram a ser sistematizados de modo a configurar uma metodologia de intervenção a ser adotada.

Somente anos mais tarde, Antonio Luiz Dias de Andrade, o Janjão, então superintendente da regional do Iphan de São Paulo como sucessor de Luís Saia, irá refletir sobre os procedimentos adotados nas obras de restauro realizadas pela instituição que então dirigia, em sua tese de doutorado defendida na FAU USP em 1993 (13). Segundo Andrade, Lúcio Costa assumiu a maior parte das responsabilidades relativas à orientação técnica dos trabalhos de restauro realizados pelo Sphan, como chefe da seção de estudos e tombamentos, atividade que desenvolveu entre 1937 e 1972.

Pela dupla atuação de Lúcio Costa em relação a teorização da arquitetura moderna no Brasil e também na construção de uma tradição em que articula com maestria as relações entre a arquitetura tradicional e a arquitetura moderna, Andrade irá indagar em que medida os compromissos com o racionalismo arquitetônico não teriam influído sobre os juízos de valor praticados em relação ao patrimônio arquitetônico.

A partir dessa observação, não podemos deixar de assinalar que as tradições são construídas a partir do presente, assim como a memória e a história, e de alguma forma deixam a marca das valorações presentes em dado momento histórico (14), sendo que as relações que os grupos sociais mantem com seu passado, se modificam-se ao longo do tempo. Portanto, não se deve desconsiderar o peso que o olhar moderno teve sobre as eleições feitas em relação ao passado colonial que se fazem presentes na historiografia arquitetônica, que por um lado consolida os vínculos entre o moderno e o colonial e por outro exclui a produção do ecletismo, visto como episódio a ser esquecido pela aparente ausência de brasilidade a ele conferida.

Andrade também destaca que “em momento algum o Sphan julgou necessário investir na definição de critérios mais rigorosos que auxiliassem os seus técnicos na condução das inúmeras obras de conservação e restauração, supondo ser impraticável em alguma norma a diversidade de situações e a heterogeneidade das características do patrimônio arquitetônico do país (15). E acrescenta, “...a familiaridade com os processos construtivos tradicionais pareciam a Lúcio Costa suficientes para habilitar os arquitetos a enfrentar os problemas das obras de restauração”. Embora Andrade esclareça que tanto Rodrigo Mello Franco de Andrade como também Lúcio Costa tivessem pleno conhecimento da Carta de Restauro de Atenas, de 1931, que então orientava as ações no campo do restauro em âmbito internacional, os princípios presentes na carta não foram considerados nas obras de restauração realizadas pelo Sphan, à exceção do aspecto da distinção entre o material antigo e o novo que caracterizou o uso do concreto nas obras de consolidação das estruturas e reconstrução das partes faltantes nos restauros conduzidos pela instituição, que no entanto não alteravam a imagem unitária que reconduzia a um momento específico da obra arquitetônica, eliminando as dissonâncias devidas à passagem do tempo.

Igreja Nossa Senhora do Rosário, Embu, São Paulo, 1908
Foto divulgação [Acervo Iphan São Paulo]

A análise das obras de restauração conduzidas pelo órgão mostram que as intervenções buscavam reviver a integridade da “harmonia originária”. Com essa matriz, Andrade se detém na análise do restauro realizado pelo órgão entre 1939 e 1941 na Igreja de Nossa Senhora do Rosário em Embu SP, como representativa das soluções de restauro empreendidas pela regional do Sphan de São Paulo em sua fase inicial. Quando foi tombado, o conjunto arquitetônico de Embu encontrava-se em avançado estado de degradação: a igreja teve o seu frontispício alterado na década de 1920, e a residência anexa dos jesuítas encontrava-se em ruínas. Uma nova torre tinha sido construída entre a igreja e a residência dos padres, alterando a fisionomia do conjunto, parcialmente registrada por fotos de 1908, realizadas durante a visita de Washington Luís a obra.

Igreja Nossa Senhora do Rosário, Embu, São Paulo. Década de 1920
Foto divulgação [Acervo Iphan São Paulo]

Os estudos para a restauração foram iniciados em 1938 por Luís Saia, então superintendente da regional de São Paulo, com o intuito de restituir ao conjunto “seu aspecto primitivo”. Contudo a documentação fotográfica disponível não foi suficiente para tornar possível a reconstrução do frontão da igreja e do telhado da torre sineira. Frente as dificuldades encontradas no trabalho surgiram divergências entre as propostas apresentadas por Luís Saia e as considerações discordantes de Lúcio Costa, que considerava que na falta de informações as partes faltantes deveriam ser refeitas ” de acordo com o espírito da época”. O procedimento utilizado baseava-se na comparação com as soluções arquitetônicas presentes em outros edifícios da mesma época que pudessem esclarecer sobre o modo de fazer do período, assinalando assim seu caráter empírico, pautado por raciocínios analógicos.

No diálogo empreendido por Lúcio Costa e Luís Saia na busca da melhor solução a ser adotado pela restauração verifica-se a familiaridade de ambos em relação às técnicas construtivas utilizadas nas construções tradicionais brasileiras dos séculos 17 e 18 e as adequações a serem feitas em cada caso específico, referindo-se sempre a outros edifícios do mesmo período. Portanto as reconstruções eram realizadas em função do princípio de similaridade entre as obras de uma mesma época, ou seja, de acordo com o estilo ou com a noção moderna de espírito do tempo. Em relação à torre sineira foi adotado um telhado de duas águas, proposto por Lúcio Costa. Contudo, verificou-se posteriormente em função de novos documentos encontrados, que a antiga solução da sineira era em três águas, não correspondendo à forma final definida pelo restauro e assim conduzindo a obra a uma “solução que jamais existiu”. Com estas palavras Andrade finaliza a sua análise, referindo-se à frase que intitula a sua tese e que remete ao pensamento de Viollet-le-Duc, mentor do restauro estilístico: “Um estado completo que pode jamais ter existido”. O procedimento adotado pelo Sphan com o propósito de recuperar “o primitivo aspecto” do edifício, conduzia de fato a resultados que nunca tinham existido e foi utilizado por Luís Saia de maneira sistemática no restauro das “casas bandeiristas”, tomadas como símbolo de um passado paulista.

Igreja Nossa Sra do Rosário, Embu, São Paulo. Restauro 1939-1941
Foto divulgação [Acervo Iphan São Paulo]

Andrade observa que este procedimento não acontecia apenas na regional paulista do Sphan, mas comparecia em várias regiões do país. Destaca como exemplo a igreja de São Cosme e Damião em Igarassu, Pernambuco, na qual se buscou restituir as formas perdidas com a reconstituição de um suposto frontispício do século 16 em detrimento daquele existente do século 18, buscando assim arcaizar o aspecto geral da igreja. Contudo, vale ressaltar que não se verifica um procedimento uniforme, em âmbito nacional, nas restaurações conduzidas pela instituição, que também estavam sujeitas a contingências locais.

Essas ações retroativas no tempo, que Antônio L.D. de Andrade relaciona com o pensamento de Viollet-le-Duc, não são contudo um fenômeno exclusivamente brasileiro, pois se verificam também em outros países latino-americanos no mesmo período, como mostra Ana Lúcia Cerávolo no seu doutorado (16). Para tratar desse argumento, Cerávolo toma como referência um artigo apresentado no V Congresso Panamericano de Arquitetos (1940) pelo arquiteto argentino Mario Buschiazzo, em que é apresentado o restauro, por ele realizado, no Cabildo de Buenos Aires.

Buschiazzo, trabalhou como técnico da Comissão Nacional de Museus e Locais Históricos, sendo responsável por várias obras de restauro. Em seu texto expõe o teor das concepções utilizadas no caso do Cabildo de Buenos Aires e também se refere às críticas que sofreu em função das soluções adotadas, não consideradas como um projeto de restauro propriamente dito, mas sim como simples reconstrucão. Nesse sentido, o arquiteto advoga a seu favor evocando sua experiência na area e a familiaridade com os problemas ligados à conservação dos monumentos históricos. Ainda esclarece que sua posição não é fruto do desconhecimento das teorias mais recentes sobre o restauro, pois sabe que há mais de meio século não são mais adotadas as práticas estabelecidas por Viollet-le-Duc, tendo sido substituidas por outras de acordo com a “verdade histórica”. Assim o arquiteto explica as suas motivações nesse caso específico:

“La reacción contra los ortodoxos procedimientos de Viollet-le-Duc originó la práctica actual, consistente en conservar y no restaurar. Tal sistema se admite sin dificultades en los grandes monumentos europeos [...], donde los agregados y variantes hechos en muchos siglos no alcanzaran a desnaturalizar el conjunto. Pero no es este el caso del Cabildo de Buenos Aires, edificio de extraordinario valor histórico, que había sido desfigurado totalmente, sin quedar nada [...]. Los principios de Viollet-le-Duc se imponían en este caso, aun a riesgo de parecer anticuado o desconocedor de las modernas teorías” (17).

Essa passagem de Mario Buschiazzo é fundamental para a compreensão do dilema latino-americano, no momento de constituição de suas identidades nacionais e da busca de tradições que marcassem as especificidades de cada país. Como bem define Eric Hobsbawm “a memória repousa nas pedras da cidade” e assim as tradições construídas necessitam de referências materiais para sua consolidação (18). Apenas saída de uma posição de “Novo Mundo”, imagem constituída a partir de um olhar europeu, a América-latina não construiu suas tradições apenas teóricamente mas parece ter sido impelida a reconstruí-las também em pedras, mesmo se “nada restasse”, como observou Buschiazzo.

No Brasil, essa postura sera revista fora do campo institucional pela atuação da arquiteta Lina Bo Bardi na restauração do Solar do Unhão em Salvador. Em relatório que acompanha a proposta de restauro, Lina define com clareza os princípios metodológicos a serem utilizados em consonância com o restauro critic. Os mesmos critérios são adotados pela arquiteta, anos depois, na intervenção realizada na antiga fábrica de tambores na Pompéia, constituindo o Sesc Pompéia.

Na atualidade, o Iphan não se dedica mais a trabalhos de restauro, tendo a posição de baliza para os projetos de intervenção através de sua análise e aprovação. Paralelamente os projetos de restauro são cada vez mais presentes no cotidiano de atuação dos arquitetos como parte de seu perfil profissional. Para tanto foi instituída uma disciplina na graduação para a formação neste campo de conhecimento específico nas faculdades de arquitetura. Por outro lado, alguns estudos recentes sobre projetos de intervenção nas obras de valor histórico e artístico mostram que, considerados do ponto de vista do campo do restauro, os resultados nem sempre tem sido satisfatórios. Constata-se que muitas delas acabam por privilegiar as ações contemporâneas em detrimento da configuração da obra que teoricamente pretendem preservar.

Frente a estas mudanças significativas torna-se cada vez mais premente enfrentar a multiplicidade de valores presente nas obras, que deve ser considerada no processo de restauro. Nesse sentido, a atividade projetual se distancia do projeto do novo, demandando procedimentos e cuidados específicos na relação com o passado. O debate atual sobre esse argumento tem como um dos aspectos básicos a atenção para as relações que se estabelecem entre o antigo e o novo. Trata-se de uma matéria complexa e crítica por definição, que deve se basear em metodologia adequada que fundamente o trabalho de restauro (19). Os valores enquanto construções históricas e sociais estendem-se por conseguinte às obras arquitetônicas, às cidades e às formas de viver urbano e são constitutivos das relações entre passado e presente. Assim, a preservação do passado é um ato do presente voltado para o devir, que se insere no processo de transformação das sociedades. E no projeto de restauro, propõe um horizonte para o futuro.

notas

NE – O IV Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – Enanparq (Porto Alegre, julho de 2016) teve como objetivo apontar, no cenário nacional, os principais caminhos que tem coordenado os esforços para a ampliação e o aprofundamento dos saberes disciplinares – o estado da arte. Atendendo a esta chamada, e considerando a importância de levar à debate as questões relativas ao campo disciplinar da preservação e do restauro, foram propostas e aceitas pela coordenação geral do evento essas duas sessões: “Novas fronteiras e novos pactos para pesquisas e projetos situados em área de preservação e patrimônio cultural” (coordenadora Cecilia Rodrigues dos Santos, FAU Mackenzie) e “Projeto contemporâneo e patrimônio edificado” (coordenadores Nivaldo Vieira de Andrade Junior, FAUFBA, e Claudio Varagnoli, Università degli Studi “G. d’Annunzio” Chieti-Pescara). Por inciativa dos coordenadores, as duas sessões centralizaram um único debate direcionado às referências conceituais e aos fundamentos teóricos do campo da preservação e do restauro, assim como à prática e à reflexão contemporâneas que têm direcionado a intervenção sobre o patrimônio edificado. Por  inciativa dos dois coordenadores, as sessões centralizaram um único debate direcionado às referências conceituais e aos fundamentos teóricos do campo da preservação e do restauro, assim como à prática e à reflexão contemporâneas que têm direcionado a intervenção sobre o patrimônio edificado. A convite de Abilio Guerra, editor do Portal Vitruvius, os coordenadores selecionaram seis dentre os 14 trabalhos participantes das duas sessões para compor um editorial que pudesse oferecer um quadro de referência deste debate: Fabiola do Valle Zonno, Juliana Cardoso Nery e Rodrigo Espinha Baeta, e Guimarães Andréa da Rosa Sampaio (seleção de Nivaldo Vieira de Andrade Junior); Fernanda Fernandes, Eneida de Almeida e Marta Bogéa e José Pessôa (seleção de Cecilia Rodrigues dos Santos). Foram selecionados pelo editor do portal outros três artigos, dos seguintes autores e sessões do encontro: Carlos Eduardo Comas (painel “O moderno no contemporâneo”); Eline Maria Moura Pereira Caixeta e Ângelo Arruda (sessão temática “Cidades novas, preservação do patrimônio e desenvolvimento regional”); e Fausto Sombra (sessão aberta d comissão organizadora). Complementando o número dedicado ao evento, temos o artigo de Fernando Guillermo Vázquez Ramos, apresentado no evento como texto introdutório para a Sessão Temática “O redesenho como prática de pesquisa histórica em arquitetura”, que foi submetido à avaliação da revista e aprovado por um dos pareceristas ad hoc. São os seguintes os artigos que formam o número especial de Arquitextos sobre o Enanparq 2016:

ZONNO, Fabiola do Valle. O valor artístico na relação passado-presente. Modos de interpretação do lugar. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.00, Vitruvius, ago. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.195/6171>.

NERY, Juliana Cardoso; BAETA, Rodrigo Espinha. Interação, sobreposição e ruptura. Os Edifícios Niemeyer e Rainha da Sucata e a Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.01, Vitruvius, ago. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.195/6172>.

SAMPAIO, Andréa da Rosa. Reabilitação urbana e patrimônio arquitetônico em Portugal. Contribuições das experiências do Porto e Guimarães. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.02, Vitruvius, ago. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.195/6174>.

FERNANDES, Fernanda. História, preservação e projeto. Entre o passado e o futuro. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.03, Vitruvius, ago. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.195/6173>.

ALMEIDA, Eneida de; BOGÉA, Marta. Patrimônio como memória, memória como invenção. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.04, Vitruvius, ago. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.195/6175>.

PESSÔA, José. Entre o singelo monumentalizado e o simbólico, reflexões sobre o patrimônio cultural brasileiro. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.05, Vitruvius, ago. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.195/6176>.

COMAS, Carlos Eduardo Dias. Le Corbusier e a Embaixada da França em Brasília. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.06, Vitruvius, ago. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.195/6178>.

CAIXETA, Eline Maria Moura Pereira; ARRUDA, Ângelo. Goiânia e Angélica. Duas cidades modernas no centro-oeste. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.07, Vitruvius, ago. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.195/6179>.

SOMBRA, Fausto. O pavilhão da I Bienal do MAM SP. Fatos, relatos, historiografia e correlações com o Masp e o antigo Belvedere Trianon. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.08, Vitruvius, ago. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.195/6177>.

VÁZQUEZ RAMOS, Fernando Guillermo. Redesenho. Conceitos gerais para compreender uma prática de pesquisa histórica em arquitetura. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.09, Vitruvius, ago. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.195/6181>.

1
O Sphan se estruturou em duas divisões técnicas – a Divisão de Estudos e Tombamento (DET) e a Divisão de Conservação e Restauração (DCR) – e contava com os seguintes quatro Distritos Regionais e respectivos superintendentes: 1ºDR N/NE, Airton Carvalho; 2ºDR Bahia e Sergipe, Godofredo Filho; 3ºDR Minas, Silvio de Vasconcellos; 4ºDR Sul, Luís Saia, que sucedeu a Mário de Andrade no cargo.

2
FONSECA, Maria Cecilia Londres. O patrimônio em processo. Trajetória política de preservação no Brasil. Rio de Janeiro, UFRJ/Minc/Iphan, 1997.

3
Sobre a viagem a Minas, ver: BARROS, Regina Teixeira de. Catálogo de exposição. Tarsila viajante. São Paulo, Pinacoteca do Estado, 2008.

4
Os intelectuais que lideram o movimento neocolonial são o engenheiro português Ricardo Severo em São Paulo e José Mariano Filho no Rio de Janeiro, esses intelectuais visitavam as cidades históricas e produziam documentação a respeito. A visita a Diamantina de Lúcio Costa se insere nesse contexto.

5
COSTA, Lúcio. Diamantina. In: COSTA, Lúcio. Registro de uma vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995, p. 27.

6
Lúcio Costa foi o chefe da Divisão de Estudos e Tombamento (DET) entre 1937 e 1972.

7
Rodrigo Mello Franco de Andrade, advogado mineiro, foi dirigente do Sphan de 1936 a 1967, a citação se refere a apresentação feita por Rodrigo no primeiro número da Revista do Sphan.

8
ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Contribuição para o estudo da obra do Aleijadinho. Revista do Sphan, n. 2, Rio de Janeiro, 1938, p. 255-297.

9
Outros historiadores estrangeiros também colaboraram com a instituição como German Bazin e Robert Smith.

10
Sobre a atuação de Hannah Levy no Sphan me baseio em cuidadosa pesquisa: NAKAMURA, Adriana. Hanna Levy e o Sphan: história da arte e patrimônio. Série pesquisa e documentação do Iphan. Rio de Janeiro, Iphan, 2010.

11
LEVY, Hanna. Valor histórico e valor artístico. Importante problema da história da arte. In Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 4. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1940, p. 181-192.

12
Sobre o assunto ver principalmente: BONELLI, Renato. O restauro como forma de cultura. In Architettura e restauro. Venezia, Neri Pozza, 1959, p.13-29; PANE, Roberto. Il restauro dei monumenti e la chiesa di S. Chiara in Napoli. In PANE, Roberto. Architettura e arti figurative, Venezia, Neri Pozza, 1948, p. 7-42.

13
ANDRADE, Antonio Luiz Dias de. Um estado completo que pode jamais ter existido. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 1993.

14
MENEZES, Ulpiano Bezerra de. A história, cativa da memoria? Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, 1992, v. 34, p. 9-23.

15
ANDRADE, Antonio Luiz Dias de. Op. cit., p. 120.

16
CERÁVOLO, Ana Lúcia. Interpretações do patrimônio: arquitetura e urbanismo modernos na constituição de uma cultura de intervenção no Brasil, anos 1930-60. Tese de doutorado. São Carlos, EAU EESC USP, 2010.

17
BUSCHIAZZO, Mario (1940). In: V CONGRESSO PANAMERICANO DE ARQUITECTOS. Actas y trabajos. Montevidéu, Urta y Curbelo, 1999, p. 434. Apud: CERÁVOLO, Ana Lúcia. Op. cit.

18
HOBSBAWM, Eric. A invenção das tradições. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2006.

19
CARBONARA, Giovanni. Architettura d’Oggi e restauro. Un confronto antico-nuovo. Torino, UTET, 2001.

sobre a autora

Fernanda Fernandes é professora doutora do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da FAU USP.

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195.03 enanparq 2016
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