Em 1958 Gilles Ivain já anunciava que a arquitetura da cidade tinha como meta o ócio tedioso. Entre as imagens de uma rua cada vez mais para consumo, em que cartazes são a exposição da morte anunciada do espaço para um futuro já morto. A cidade se lança ao homem na banalização, como representação do desejo de consumo. A vida e morte nesses espaços devem ser novamente concebidas no desenvolvimento de atividades de cultura, na ode ao concreto os novos significados para a população não morrer de tédio. Esses são os espaços que trazem à vida aquilo que foi sedimentado pelos muros imaginados e construídos. É compreendendo o conjunto das artes e técnicas que compõem o ambiente urbano que estaremos ao possível da composição integral do meio, do espaço com manifestação de seu tempo social. Isso somente será possível com a definição de uma cidade da cultura social em que compreenda os diversos ambientes construídos em seus espaços.
Em Walkscapes, Careri produz uma espécie de entrelaçamento de palavras que toleram uma possibilidade de realizar a utilidade e a função de um ponto de partida para se atravessar a cidade, ou melhor, caminhar por ela. O “atravessar um território vagar” no que simplesmente temos a “encontrar sensações, perder-se”; para “não deixar um muro penetrar” (1).
Na ampliação dos espaços criados pela arquitetura da cidade, em sua urbanização (ou seria reurbanização), desenvolve o seu conjunto imaginativo da cidade que define o cotidiano dos indivíduos que nela há(e)bitam (habita-se). Essas (novas) formas de organização dessa cidade enfrentam a existência do homem citadino em seu corpo cultural, uma exigência de o homem habitar o mundo com o significado do espaço imposto sobre a ordem de consumo de bens, valores e símbolos.
A paisagem da cidade atual já faz parte dessa rotina na vida do homem. Seja na imagem de uma cidade em que não residimos, seja na imagem de um ambiente que sonhamos; esse ambiente que pela arquitetura implica em construção e o estabelecimento de um modo de vida. A experiência do indivíduo na composição das cidades está em sua condição do surgimento e suas construções que na técnica da arquitetura tornam o cenário correspondente em nossas imagens da consciência coletiva. Transformações que cidades vão desenvolvendo, o indivíduo é incorporado em sua identidade como meio de pertencimento, nas vivências, nos valores, nas referências de suas condições a qual se relacionam entre os seus semelhantes e desconhecidos. É o conjunto imagem da cidade definida no cotidiano dos indivíduos que transfiguram em suas experiências, misturando-se ao novo, a utopia do desenho na história. É na organização da cidade em torno da existência do homem citadino que em seu corpo cultural lhe é imposto sobre a emancipação social, na ordem, e os panoramas de sua revolução entre valores e símbolos culturais (2).
As transformações que estão na figura representativa da cidade, estão nos movimentos que aumentam as formas (ou suas fisignomias) dos espaços retratados no ambiente urbano. É a partir dessas representações da metrópole, sua crônica das transformações territoriais, Benjamin apresenta empiricamente o habitar que intenta em seus rastros. Já que a “fisognomia benjaminiana da grande cidade é entendida como um paradigma de reflexão sobre o fenômeno contraditório da Modernidade” (3). É da composição imaginativa da cidade atual que já faz parte da rotina de nossa vida. O paradigma de reflexão modernização e progresso é conceito de uma composição da imagem de uma cidade em que não residimos, seja ela na imagem do ambiente que sonhamos. O registro das paisagens sonoras, corporais, visuais identifica os valores da relação social. Como na cidade consumo que representa a felicidade, diversão e ambientes do mundo inteiro: Las Vegas/EUA. Essa cidade no meio do deserto americano representa toda a ordem dos sons da urbe mercadológica, entre seus prazeres e diversões. Se Paris de Baudelaire o alegórico no olhar do flâneur a cidade no século 21 é o limiar dessa experiência.
É nessa perspectiva de que as cidades estão ligadas em nossa imagem de sociedade e estilo. Nessas relações sociais que cada vez mais estão no significado cotidiano baseado consumo de bens, serviços e símbolos dos lugares da cidade que propomos analisar a relação do espaço territorial da cidade e o Situacionismo.
Para definir o território da cidade
O comportamento da sociedade na cidade faz com que cada parte de seu território é em sua forma de relação com a arquitetura, essa sempre presente em nossa vida. A cidade está na “intocada” da nossa referência espacial (arquitetura) e de tempo (território). A cidade foi conquista das pessoas na afirmação de seus direitos sociais, o território sempre moldou o espaço de autoridade e as formas possíveis de envolvimento histórico, o retorno do território:
“Mesmo nos lugares onde os vetores da mundialização são mais operantes e eficazes, o território habitado cria novas sinergias e acaba por impor, ao mundo, uma revanche. Seu papel ativo faz-nos pensar no início da História, ainda que nada seja como antes. Daí essa metáfora do retorno” (4).
O território aqui é o local de socialização, o local onde as pessoas estão ligadas a cada um de seus pontos de referência social, de trocas de circulação e existências. Realizando uma leitura imaginativa sobre a arquitetura urbana, onde o desenho da cidade tem a influência direta sobre a formação dos espaços, tanto habitado humano, a natureza de uso e a formação cultural: projetada sobre os objetos e ações da vida humana, animal e vegetal. O debate envolve essas multidisciplinariedade sobre o funcionamento dos lugares divergentes ou opostos.
De fato esse território é o controle tanto político, como local, sobre cada configuração técnica que se baseia o território, Milton Santos (5) retorna para essa compreensão dos espaços territoriais da cidade e do campo, pois interferem diretamente sobre o reconhecimento de direitos sobre os cidadãos. Sua interferência sobre o plano econômico e cultural envolve as formas sociais e de Justiça sobre as pessoas. O conflito é global, no espaço local vivido por todos, definidos por códigos de uso na configuração de controle. O território da cidade tem essa forma de mudança social, cada parte da cidade se introduz em modelos diferentes de organização social. A linguagem (comunicação) estabelece relações de aliança no processo simbólico de comunidade.
Essa é a forma de estar no contexto urbano aos modos de vidas indenitárias e diferenças culturais no amplo território da cidade. Investir na compreensão desses sentidos situacionais para “seguir a redefinição dos modos e dos espaços específicos de identificação num mundo ao mesmo tempo globalizado e perturbado” (6).
Ver a cidade a partir de sua existência cotidiana é encontrar um modelo de sentido com que as pessoas produzem suas identidades, pois é assim que elas situam suas formas de sociabilidade. E por isso que nessas situações há a necessidade de compreendermos as formas de psicogeografia na cidade para que não se construa apenas muros e prédios, mas situações.
Imaginação e cidade: uma caminhada
Como no início desse artigo o jogo de palavras que fizemos para expressar a forma “possível” da cidade em que território e seu atravessar é o ponto que permite as sensações de perder-se no movimento da cidade, em que os muros que fazem sua barreira sejam visto além de simples imposições físicas. A ‘transurbância” de Careri, o labirinto dos espaços a serem percorridos nos sistemas de caminhos urbanos. A Cidade é a imaginação que vive a realidade no interior de seus espaços. O devaneio dessa caminhada, em diferentes trocas de se habitar no percurso imprevisível de uma caminhada. É percurso que se pode compor entre seu ato de atravessar, a linha que atravessa o espaço e o seu relato enquanto espaço atravessado (7).
Mas enquanto imaginação, isso implica a cidade em sua arquitetura como disposição. Disposição da arte, do corpo, da ética, da estética. A linguagem de sua construção faz com que o percurso esteja na abertura do espaço compreendido de uma imagem de deslocamento dentro daquilo que se dá na forma de organização da interação do espaço-tempo. Tal como Guy Debord, escrevendo sobre a Sociedade do Espetáculo, mostra que a formação da sociedade capitalista acabou por formar o próprio território urbano na lógica de dominação absoluta sobre o espaço do cenário urbano.
Esse desenvolvimento espacial desse avançar sobre o despertar da atmosfera do ambiente. Uma atmosfera que apresente situações excitantes de cores, matérias, peças, ruas, entre todas as formas desconhecidas para a compreensão na construção de situações, conforme Guy Debord, que é a “destruição da moderna noção de espetáculo”.
Devemos estudar essa organização do ócio que na propagação da cidade eterna que nos foi imposto, a atmosfera do ambiente deve ser tomada por suas situações excitantes diante das experiências de um desenvolvimento espacial do urbanismo unitário. “O objetivo geral seria ampliar a parte não medíocre da vida, e abreviar, tanto quanto possível, os momentos nulos” (8).
O método de caminhar, os modelos de Stalker, que parte tanto da observação nas ruas como em ambientes na natureza. Mas a nossa observação inicia de uma análise que é nas ruas. É na Cidade que teima em se completar com os diversos concretos que a si se impõe. Diante de uma observação da não mediocridade, da posição lúcida com que as relações humanas se manifestam sobre os templos de consumo. Uma posição da maneira de ver as ruas a partir de nossas pinturas e não mais de uma veneração aos cemitérios de concretos/metais armados.
Os arquitetos tentaram, e tentam compreender essas modificações urbanas que por eles são influenciadas. É por isso que Careri propõem a visão desses “vazios urbanos” em uma interpretação com a compreensão dos limites impostos pela cidade, é assim criar paisagens diante das “errâncias” da arquitetura nos espaços do cotidiano urbano. É ver a cidade para além dos territórios usuais, é intramuros, em sua forma “Zonzo”. É nessa análise de composição da cidade com seu grito, com sua manifestação de um sentimento de pertencimento, uma ruptura com o arcaico da sociedade de consumo que teima em se manifestar na memória de um homem obtuso.
Um ambiente que desperta o consciente do conhecimento de um sonho da coletividade entre a experimentação do presente, seja o mundo da vigila, ao qual a história construída em sua narrativa desperta e recorda aos fatos históricos. Nesses sonhos que a passagens da construção materializada dos “sonhos coletivos” do surrealismo que as construções da cidade e fixou seu fetiche no subconsciente dela enquanto mercadoria. Fazendo com que devemos assistir o passado como uma ligação ao presente, uma continuidade que estrutura a socialização permanente.
A imagem do desejo é a possibilidade revolucionária das utopias de uma nova ordem de produção, o ritual do fetiche é a mercadoria, uma relação do homem entregando sua manipulação e relação a si próprio e aos outros, conforme Walter Benjamin. “Os rituais de adoração do fetiche Mercadoria são ditos pela Moda, secundada pela Publicidade, enquanto arte de expor as mercadorias” (9). O desejo é a imaginação da modernidade que sobrepõe a metrópole como concentração de toda a atividade humana, muito pouco mudando essa atividade urbana que antecede o mercado. Os meses (missa) o serviço divino cristão, celebrou o mercado como um ano, em feira (messe). O santuário sagrado foi deslocado para o espaço do mercado e assim, se tornou a força socializadora da sociedade (10). A construção dessas dinâmicas da sociedade é pelo tempo dessas mudanças estruturais, principalmente na cidade e seus padrões constantemente reestruturados sobre a existência urbana de reflexão pública sobre nós mesmo. Dessa sociedade em transição na modernidade tardia é a reflexão sobre a cidade em construção.
A cidade que se tornou a feira profana, um mercado que dura todo o ano. Sonha uma época de urgência e do despertar, que tem raízes no inconsciente, e o conhecimento como uma revelação das imagens arcaicas. O espaço da ação política se descreve como um despertar da imagem dialética, na Modernidade que estabelece e interage o imaginário coletivo. Lembrando Benjamin que o estudo histórico é a própria experiência que o “flâneur enquanto colecionador de sensações da grande cidade” (11).
Desde que Jane Jacobs (12) apontou que os principais arquitetos dos anos 1920 desenvolveram o conceito de anticidade, ou seja, a cidade como um parque. O projeto de Le Corbusier era considerado uma utopia social em que a liberdade individual de seus residentes era uma imagem em que cada morador se responsabilizaria por si mesmo, sem pretensões de relação ao outro que ao seu modo também vivia nesse local. Essa crítica de Jacobs é importante, pois ela apresenta que o projeto dessas cidades em que a “técnica” de remoção seletiva para a reurbanização é uma regra, seja para conservação ou revitalização do local.
O conceito desse urbanismo remetia ao estilo barroco do passado em que o homem comandando o planejamento da cidade com pontos específicos de conjuntos unitários que criem um efeito grandioso, com separações entre elas de forma definida. Ou seja, os aspectos culturais e as funções públicas das cidades devem ser separadas para a obtenção de ordem de seu funcionamento.
A descoberta do espaço da cidade
A psicogeografia anuncia que a arquitetura é um meio de articular o tempo e os espaços, onde sua forma de moldar os sonhos sobre a realidade de vida na cidade passa a ser a construção de situações. É no projeto da cidade moderna, eterna sobre os desejos humanos de progresso, que muda o meio e o espaço de reconhecimento da ação humana, oferecendo um irreal meio de contemplar a vida na cidade, para representa desejos e organizações “normais” de socialização.
Para compor esses espaços é a interpretação do corpo na sua posição espacial da cidade, é na sua intervenção espontânea de ação ao pertencimento, o agir e entender os efeitos no ambiente geográfico (consciente organizados, ou não) sobre as emoções e nos comportamentos dos indivíduos; é essa a atividade a ser levada a cabo nos espaços cotidianos da rua. Tal como as formas de exposição dos corpos nus (13) que ocorreram na Cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, uma forma de reconhecer o “eu corpo humano” que já não pode ser separado do ambiente urbano, ao mesmo tempo em que se dirige a algo mais do que a psique do indivíduo, mas o repensar útil da cidade.
“E a piscina da Rua das Nenas. E a delegacia da Rua das Citas. A clínica cirúrgica e o escritório de emprego gratuito do cais dos Orfebres. As flores artificiais da Rua do Sol. O hotel dos Porões do Castelo, o bar do Oceano e o café de Ir e Vir. O hotel de Época.
E a estranha estátua do Médico Phillipe Pinel, benfeitor dos loucos, nas últimas tardes de verão. Explore Paris” (14).
O poema de Ivain está diretamente relacionado na descoberta desses espaços narrativos que nos ligam ao descobrir a cidade. Vista em cada uma de suas imposições, placas de outdoors, folhetos promocionais, estampas do comércio; a sua movimentação é inventada para esse consumo, um consumo que nos leva até a estátua do benfeitor dos loucos, que de loucos nada tinham, a não ser o eterno conflito entre desejo e realidade nas sensações de passar o tempo em seu contra fluxo.
É nessa exploração, ou o Walkscapes de Careri, que a busca por uma revelação aos espaços que não se transformam e são vazios em suas dinâmicas urbanas, essas que devem ser determinada pela participação de unificação dos espaços com o corpo social e individual, se reconstrói as formas de utilização da cidade a partir de situações, da experiência corporal pelos pés andantes. Já diziam os Situacionistas de que “não devemos prolongar as civilizações mecânicas e a fria arquitetura cuja meta é o ócio tedioso”.
Com um simples ato de exposição dos corpos no tecido urbano, os habitantes da cidade foram expostos às margens de sua própria representação, aos elementos que caracterizam as regras de “civilidade” urbana, essas formas de se habitar o espaço foram postas para se repensar no coletivo da cidade. É com essa exposição de nudez que o bárbaro da civilização não compreende uma invasão de formas e sentidos da literalidade que se procura no nòmos e na pólis diante da exposição da nudez. Nudez de quem tem a força de se auto-reconhecer para expor de forma tão eloquente o corpo que não pode ser separado do ambiente que vivemos. Esse corpo nu se dirige na psique para ser útil no pensar coletivo da cidade. Alterar a percepção da rua e da cidade, o corpo frágil na cidade de concreto e motorizado.
Celebrar a cidade e seu ambiente sempre está em sua possibilidade concreta, mas a exposição do corpo nu é a experimentação do modo de vida no ambiente urbano, é a composição do tempo e espaço da cidade, através de uma situação que não apenas sonha, mas atua em sua agitação sobre as ordens das coisas. É o rastro em criar no espaço vazio da arquitetura, uma modalidade que representar a contraordem de desejo das coisas no instante imediato vivido. Se a arquitetura e o urbano tem sua função de determinar, padronizar as formas “racionais” de comportamento é a forma nua o resultado entediante de onde o inesperado é um conhecimento de enfrentar todas as formas humanas de vida na cidade, sem se preocupar com a sua representação, ao que se traduz na aventura urbana.
“A psicogeografia se propunha o estudo das leis precisas e dos efeitos exatos do meio geográfico, consciente organizado ou não, em função de sua influência direta sobre o comportamento afetivo dos indivíduos. O adjetivo psicogeográfico, que conserva uma incerteza bastante agradável, pode então ser aplicado as descobertas feitas por esse tipo de investigação, aos resultados de sua influência sobre os sentimentos humanos, e inclusive de maneira geral a toda situação ou conduta que pareça revelar o mesmo espírito de descobrimento” (15).
A tensão sobre os aspectos psíquicos que se produz no contexto urbano propõe a psicogeografia, junto com a Deriva, a construção e experimentação dos comportamentos sobre a vida urbana, entre uma alternativa às formas contestadoras dos estilos de vida urbana. A conduta pode a revelar esses descobrimentos na cidade não somente nos aspectos materiais, mas um urbanismo que irrompa com essas formas arquitetônicas dominantes, incapazes de dissolver com as formas dominantes da vida cotidiana.
Toda essa prática tem como pressupostos as formas de Deriva na cidade. Situacionistas devem promover espaços participativos e criativos de seus desejos e paixões que surgem e se transformam. O urbanismo é unitário. Combinar essas formas de artes e técnicas como meio para a construção de uma relação da experiência comportamentais. Como um pixo que se encontra na capital gaúcha:
É agora nesse pixo que precedem a formação da arquitetura. O corpo dessa vida está diante dessas tensões de exposição em luta, seja na luta do feminismo, seja na luta da cultura negra, essas lutas estão para surgir e criar novos rostos nas formas cotidiana das cidades se muda o comportamento em sua errância para se visualizar os aspectos das ruas, é a possibilidade de “reexaminar as ações em uma desordem futura” (16). Essa é a luta para encaminhar os indivíduos em direção aos lugares obscuros, por precedentes artísticos e literários que dão vozes a essa cidade. Privilegiar esses lugares marginalizados para o sublime e que o discurso de um ambiente cada vez mais para consumo seja relegado ao segundo plano de áreas turísticas.
Os muros impostos sobre as ruas das cidades moldaram esses ambientes marginais, periféricos. A relação pixar é a mudança dessa paisagem impostas sobre o corpo que se desloca nesse ambiente, podendo causar uma desorientação do que passa, do que se produz, do que se pensa. Lute, o destino lhe chegou, mas não se funde nele, pixe! Pois é essa a possibilidade de libertar a atividade criativa “das constrições socioculturais, projetar ações estéticas e revolucionárias que ajam contra o controle social” (17).
Lutar para construir novos espaços de liberdade. Essa é a urgência para resguardar o poder de utilização do tempo longe da produção do sistema de consumo. Pixar é a urgência para que o tempo e o espaço escapem das regras do sistema e produzam o autoconsciente de liberdade. Almir, o espaço deve ser transformado para a coletividade, a experimentar comportamentos alternativos longe de uma propaganda de margarina na ideia de felicidade, os espaços devem ser transformados para o autoconsciente de liberdade, lute.
São dessas lutas, situações, derivas, que a cidade deve-se postar nesse século 21. A cidade está cada vez mais manipulada em seus espaços, que não são somente vazios, mas são não culturais, não sociais.
Uma cidade social
É entre essas descobertas dos espaços da cidade permitimos sua construção social, o estar em uma constante errância que não mais seja no perambular dos campos virgens em exploração das possibilidades de um novo mundo. O explorar na própria cidade é uma recusa aos modos de controle que ali (aqui!) se estabelecem de forma direta ou indiretamente sobre as ações de realização social.
Praticar os encontros entre os pontos urbanos, modificar sua atuação, moldar seu pensamento, mesmo que instante de segundos é praticar, elaborar, tencionar os pontos errantes que se encontram nas práticas urbanas. Se for a partir dessas formas livres e espontâneas que podemos empreender o espaço urbano e seu território, é por essas intervenções que vamos construir espaços para a crítica. Que por suas experiências produzem além do urbanismo como disciplina, mas a forma errante de intervir na cidade urbana (18).
Esse ponto “lento” das errâncias, apontar outros pontos referenciais da cidade para refazerem as formas de sociabilidades na cidade, as relações com o espaço e as manifestações de juízo com que delas nos identificamos no espaço-tempo. Esse é o ponto de perceber as referencia urbana longe da imaginação dos sistemas de valores, práticas coletivas. É nesse tempo espaço individualizado pelo homem é o espaço apropriado com que a obrigação de transmissão do valor que se integra à sua atividade.
A velocidade do tempo-espaço de um mundo moderno em que vê a metrópole como um viver (19) em abstrato, desenvolve o Capital em que situa a cidade. A linguagem de sua construção faz com que o espaço compreendido se dá na forma de organização da interação do espaço-tempo.
O capitalismo tardio desafia as suas circunstâncias que compõem as estruturas sociais da vida nua à cidade, diante dos “insuportáveis” símbolos de consumo que a vida cotidiana é forçada a conviver. A procura do diferente na socialização da cidade encontra a sua afirmação no próprio uso dessa cidade. A possibilidade de determinar os lugares para seu real uso, o espaço na cidade é limitado por seu próprio direito à cidade.
Na fortaleza (20) da cidade as cruzadas por segurança é a destruição do espaço enquanto ponto de sociabilidade. O cerimonial é de que aqueles que não têm um consumo sobre esses espaços devem ser excluídos. Pois ter um espaço enquanto público, é um chamariz aos sem-teto e os “vagabundos”. É a partir de uma possibilidade de isolamento social, ofensiva constante pela arquitetura nas construções de templos de lazer e consumo: a privatização. Os espaços moldados para serem preenchidos por qualquer fragmento de concreto, cercado por suas grades, de forma a eliminar qualquer espaço que possa vir a ser utilizado como espaço público.
Na convivência de um sonho de uma Cidade eterna, cercada do “mais alto valor” de belezas cotidianas ignoramos o Direito a Cidade. A questão urbana a que estamos inseridos é dessa dinâmica que situa a Cidade diante de sua crescente urbanização, pois o “modo de vida urbano interfere diretamente sobre o modo em que estabelecemos vínculos com nossos semelhantes e com o território” (21). Dessas condições em que estamos atualmente no espaço-territorial de nossa formação institucional (no sentido de uso do espaço da cidade), nas suas intensas modificações e perspectivas para que todas as pessoas possam viver com a dignidade humana.
O território urbano está longe de oferecer as condições de igualdade para toda a população. Ele segrega, deteoria, priva, e se limita diante de sua produção de desigualdades. Os momentos de socialização caminham para esse desconhecimento, visto que produzem cada vez mais a violência sobre os pontos de um território urbano nas margens, nas periferias de suas complexas reproduções da convivência social na urbe. As suas descrições visuais, de referências e de distribuição espacial estão a negar a forma errância de se estar no tempo-espaço da cidade.
Conforme enfatiza Milton Santos (22) o objeto de análise social não é o território em si, mas o seu próprio uso. Essa necessidade de se evitar a alienação da existência individual e coletiva, o território é a fluidez da vida real humana, e de que hoje comporta (transporta) as redes de regras e normas para o processo de reconstrução de estigmas. Isso é a análise separada da dualidade entre pobre e rico. A formação de que a Cidade sugere fronteiras de separação é rompida com a sua utilização por todas as “classes” no deslocamento integral, desde idas ao trabalho até o uso de parques, a mobilidade social é ampliada na Modernidade Tardia.
As configurações de controle na cidade é a manutenção, sistemática, de diversos signos para as funcionalidades determinadas de usos. Os espaços são reservados para um legal uso, e não a forma contrária de seu uso, o seu contra-uso, o seu estar em constante errância com o espaço público. É esse transformar espaço, como momento de formar novos reconhecimentos sociais no contexto de mudanças no uso daquele que utiliza das ruas as maneiras de reinventar, experimentar, vivenciar ao que se destina. A construção dos modelos de uma cidade urbana para uso, estará sempre ao seu correspondente como apropriação do contra-uso do espaço, sua reprodução arquitetada diante da manifestação cultural nas ruas da cidade. Paola Berenstein Jacques (23) considera que essa perda das conjunções corporais na cidade é a redução do corpo pela legitimação do espetáculo.
A vida da cidade, e ela mesmo como corpo presente (na forma da arquitetura), se tornou o envolvimento desse corpo com o corpo humano, o que podemos ter de relação ao corpo cidadão. Essa é a reflexão que trouxemos da cidade como espaço-tempo social, sua apreensão e reflexão para legitimar essas fronteiras que estabelecem o uso dos espaços públicos urbanos pode vir a significar a criação de espaços culturais imprevistos, livres dos controles da configuração sociais.
Espaços culturais são regulados para a interação pública, a exclusão é mais viável que a inclusão. Promover a integração entre seus pontos da cidade livre de qualquer normativização é apresentar a cidade como núcleo central das formas sociais que se apresentam em sua multiplicidade. A marginalização e a ilegalidade do uso é a estratégia pública para conferir aos espaços da cidade o controle dos corpos errantes que se postam como a alternativa de regulação desses espaços. A regulação pública é a causa da exclusão dos espaços comum como espaço público. Se para utilizar determinado lugar há regras a ser seguida, a imposição de regra gera a transgressão. Transgredir é ser taxado de criminoso, é sofrer a repressão.
Conclusão
Um texto em que realizamos uma leitura desde a geografia dos estudos urbanos, passando pela Internacional Situacionista até chegar às formas e práticas de composição da cidade, pode vir a confundir o leitor.
O texto é o possível de entrarmos numa experiência urbana para manter abertos os espaços de lutas na cidade. Se no decorrer do século 19 as cidades foram às reivindicações por liberdades das particularidades das relações humanas, nas novas formas de concentração de trocas econômicas, o século 20 foi para destruição dessas formas.
Visto na concentração de diversas guerras, o capital financeiro oxigenou as formas de concentração de oportunidades individuais. A arquitetura dos modernos foi na imposição de um estilo padronizado para que as liberdades sejam definidas em suas formas normais de uso. O controle se estabeleceu na cidade do século 20, ao iniciarmos o século 21 entramos no limite da sociabilidade.
Aprofundar a compreensão desses espaços urbanos em conflito e suas interações na dinâmica da cidade, na socialização da cidade ela é determinada ao uso a partir do modo de vida que se impõe a si. A imposição de que determinados usuários desses espaços da cidade realizam comportamentos irritantes é uma não compreensão dos conflitos urbanos que tem uma “baixa intensidade” de relações conflituosas, pois o que se não aceita é essas formas diferentes de relações fluídas nos espaços públicos de interação da vida na cidade.
notas
1
CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. Tradução Frederico Bonaldo. São Paulo, Gustavo Gilli, 2013, p. 26.
2
BENJAMIN, Walter. Paris Capital do século XIX. Coleção Sociologia. Organização de Flávio R. Kothe. São Paulo, Ática, 1985.
3
BOLLE, Willie. Fisiognomia da metrópole moderna: representação da história em Walter Benjamin. 2 edição. São Paulo, Edusp, 2000, p. 18.
4
SANTOS, Milton. O retorno do território. Território: globalização e fragmentação. São Paulo, Hucitec, 1998, p. 15.
5
Idem, ibidem.
6
AGIER, Michel. Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo, Terceiro Nome, 2011, p. 53.
7
CARERI, Francesco. Op. cit., p. 26.
8
DEBORD, Guy. Por uma internacional situacionista. Copyleft. 1957.
9
BOLLE, Willie. Op. cit., p. 66.
10
“Exatamente isso é a inversão do mundo: no momento em que o mercado começa a se tornar absoluto, seu mecanismo profano de seleção se eleva a uma instância de eleição e rejeição, do destino, da produção de sentido. Todos sabem o quanto esse sentido é miserável, mas todos têm de percebê-lo como um sentido elementar por meio do qual sua vida material é determinada até nas menores coisas”. TÜRCKE, Christoph. Sociedade excitada: filosofia da sensação. Campinas, Editora Unicamp, 2010, p. 214.
11
BOLLE, Willie. Op. cit., p. 70.
12
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo, Wmf Martins Fontes, 2013.
13
NOTICIÁRIO. Mais uma mulher é flagrada correndo nua em Porto Alegre. São Paulo, iG São Paulo, 10 nov. 2014 <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/rs/2014-11-10/mais-uma-mulher-e-flagrada-correndo-nua-em-porto-alegre.html>. Acesso em outubro 2015.
14
IVAIN, Gilles. Programa para um novo urbanismo. Copyleft. 1958.
15
DEBORD, Guy. Introdução a uma crítica da geografia urbana. Copyleft. 1955.
16
Idem, ibidem.
17
CARERI, Francesco. Op. cit., p. 97.
18
JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes. Breve histórico das errâncias urbanas. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 053.04, Vitruvius, out. 2004 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.053/536>.
19
“Cotidianamente vivida, a imagem urbana é leitura-tradução do interpretante urbano que, mediante processos perceptivos e remissivos, circunscreve-a gradualmente num mosaico mnemônico. Aqui a memória – sintagma saturado – é o redescobrimento em profundidade do percurso diário que decupa e monta essa imagem. Conciso (sentido amplamente compartilhado) e prolixo (sedimentação histórica), o imaginário urbano guarda as marcas de uma épica em elaboração cujo devir vai sendo decifrado na medida em que cifra no presente seu ethos inaugural, perfazendo o entrecruzamento espaço e linguagem, o lugar do mito.” ELIAS, Eduardo de Oliveira. Escritura urbana: invasão da forma, evasão do sentido. São Paulo, Perspectiva, 1989, p. 28.
20
Termo extraído do capítulo “Fortaleza LA” do livro de DAVIS, Mike. Cidade de quartzo: escavando o futuro em Los Angeles. São Paulo, Boitempo, 2009.
21
Carta Mundial pelo Direito à Cidade. Quito, Fórum Social das Américas, jul. 2004 / Barcelona, Fórum Mundial Urbano, set. 2004 / Porto Alegre, V Fórum Social Mundial, jan. 2005. Preâmbulo. Disponível em: <http://normativos.confea.org.br/downloads/anexo/1108-10.pdf>. Acesso em Janeiro de 2014.
22
SANTOS, Milton. Op. cit.
23
JACQUES, Paola Berenstein. Corpografias urbanas. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 093.07, Vitruvius, fev. 2008 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.093/165>.
sobre o autor
Guilherme Michelotto Böes é doutorando em Ciências Sociais PUC-RS, bolsista Fapergs/Capes. Mestre em Criminologia e Especialista em Ciências Penais. Pesquisa os espaços públicos e suas subculturas e as formas culturais que se manifestam na cidade. Pesquisador do GPESC e ICA.